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Estimativa de capital de trabalho para produtos em elaboração

ARTIGOS

Estimativa de capital de trabalho para produtos em elaboração

Roberto Carvalho CardosoI; Paulo Elysio de AndradeII

IInstrutor do Departamento de Contabilidade, Finanças e Contrôle da Escola de Administração de Emprêsas de São Paulo, da Fundação Getúlio Vargas

IIEconomista

Hoje não se concebe a implantação de um determinado empreendimento sem a elaboração prévia de um projeto. Além de outras vantagens, êste possibilita conhecer a viabilidade do empreendimento e as necessidades de recursos para a sua execução.

O valor total das inversões de um projeto é composto das inversões fixas

A composição percentual das inversões fixas e do capital de trabalho, com relação à inversão total, dependerá do tipo de atividade. Por exemplo, a parcela das inversões fixas necessárias para a instalação de uma usina hidrelétrica é bastante superior à parcela destinada ao capital de trabalho. Por outro lado, para uma loja departamental a parcela capital de trabalho é superior às inversões fixas; o mesmo acontece com um projeto de pecuária de corte.

Para os projetos em que o capital de trabalho é significativo, seu cálculo necessita de maior precisão e facilidade de entendimento.

O presente trabalho, aplicável em projetos ou por emprêsas em funcionamento, tem por objetivo dar contribuição ao cálculo do capital de trabalho para produtos em elaboração, no caso de atividades que têm como característica básica um ciclo de produção relativamente longo, tais como: pecuária de corte, reflorestamento, fabricação de cerveja, vinho, locomotivas, motores de grande porte, navios, geradores, elevadores e outras.

1. CONCEITUAÇÃO DE CAPITAL DE TRABALHO

A. Capital de trabalho =

Disponível (caixa e bancos) mais realizável a curto e longo prazo.

B. Capital de trabalho de terceiros =

Passivo exigível a curto e longo prazo.

C = (A-B). Capital de trabalho próprio =

Capital de trabalho menos o capital de trabalho de terceiros.

Como se verifica, nas definições acima apontadas utilizam-se elementos do balanço patrimonial da emprêsa. Entretanto, para calcular o capital de trabalho em um projeto, não há necessidade de se projetar os futuros balanços; é suficiente tomarem-se apenas os elementos que o compõem. São êles:

Disponível - corresponde aos valores que deverão ficar em caixa e nos bancos, compondo um fundo para pequenos pagamentos diversos.

Realizável a Curto e Longo Prazo - é composto principalmente pelos financiamentos feitos a terceiros, adiantamentos e empréstimos a empregados e outros. A parcela mais significativa é a que corresponde ao estoque, o qual pode ser dividido em:

a) matérias-primas - adquiridas de fornecedores e que entrarão no processo produtivo;

b) produtos em elaboração (ou produtos em fabricação) - correspondem à fase intermediária entre a matéria-prima e o produto acabado. Para determinados tipos de produtos, é necessário um período bastante longo de fabricação; êle chega em certos casos a ultrapassar um ano. Durante esse período, ocorrem diversos desembolsos com matérias-primas, materiais secundários e mão-de-obra, bem como gastos indiretos de fabricação;

c) produtos acabados - constituídos pelos itens finais, os quais, tendo passado por todo o processo produtivo, estão prontos para a venda.

Exigível a Curto e Longo Prazo - corresponde aos financiamentos feitos por terceiros à empresa.

Evidentemente, a composição dos valores para os diferentes itens acima apontados depende do tipo de atividade, da localização da emprêsa, da política de cada administração e de outros fatores.

Entre os componentes do capital de trabalho, o item produtos em elaboração é mais complexo; os demais itens são simples de calcular, não apresentando nenhum problema. Para certas atividades, o cálculo do item produtos em elaboração é simples porque é composto de valores fácilmente visualizáveis ou de reduzida importância; no caso de uma fábrica de refrigerantes, por exemplo, êste item praticamente inexiste. O mesmo não ocorre com a fabricação de cerveja; menos ainda na fabricação de vinho e congêneres, em que há necessidade de tratamento do produto por longo tempo.

2. CALCULO DO ITEM "PRODUTOS EM ELABORAÇÃO"

Para efeito de desenvolvimento e melhor visualização por parte do leitor, tomou-se como ilustração a atividade pecuária de corte. Poder-se-ia tomar qualquer outra atividade do mesmo tipo.

As características principais de um projeto de pecuária de corte são:

▪ sua implantação tem em geral a duração de seis a dez anos;

▪ a estimativa do custo médio por cabeça é de difícil manipulação, porque varia em função da idade média do rebanho (fase de implantação) ;

▪ as necessidades de recursos para sua implantação variam de ano para ano;

▪ o período de descarte de uma rês é perfeitamente conhecido, oscilando entre três e quatro anos;

▪ as estimativas de custos fixos e variáveis são bastante conhecidas e de relativa precisão;

▪ quando uma rês se encontra no ponto de venda - produto acabado - a sua permanência no pasto só aumentará os custos, porque praticamente não obterá nenhum acréscimo de pêso.

No caso específico do projeto de pecuária de corte, o item produtos em elaboração refere-se ao ribanho em formação.

QUADRO DE CUSTOS E RECEITAS CUSTOS FIXOS (CF)

Honorários Mão-de-obra Encargos Sociais Depreciação Imposto Territorial Outros

CUSTOS VARIÁVEIS (CV)

Mão-de-obra Encargos Sociais Mistura Mineral Vacina Sal Medicamentos Imposto de Circulação de Mercadorias Outros CUSTO TOTAL (CT = CF + CV) RECEITA TOTAL (RT) LUCRO (RT - CT)

O custo total cresce anualmente até a estabilização do rebanho. A partir deste ano, os custos totais serão pràticamente iguais.

Supondo-se que o rebanho se estabilize no sexto ano do início da implantação, tem-se em símbolos:

CT1 < CT2 CT2 < CT3 CT3 < CT4 CT4 < CT5 CT5 < CT6 CT6 ≅ CT7 • • • CTn-1 ≅ CTn

O aumento verificado até o sexto ano é devido à maior necessidade de gastos, em virtude do aumento paulatino do rebanho. Todavia, o valor CT1, que se refere ao custo total do primeiro ano, não significa que haverá necessidade dêste valor para efeito de desembolso, uma vez que estão incluídas as depreciações.

Como se está interessado em conhecer o montante em valor para efeito de desembolsos, toma-se apenas a parcela composta pelas despesas monetárias, excluindo-se as despesas não monetárias.

Chamando de:

x = Custo total - depreciações,

a série acima mencionada passará a ser:

X1 < X2 X2 < X3 X3 < X4 X4 < X5 X5 < X6 X6 ≅ X7 • • • Xn1 ≅ Xn

A partir do início da implantação, as reses com um ano de idade não se encontram em condições de serem vendidas. Trata-se de um produto ainda em elaboração. Assim, haverá necessidade de recursos para financiá-las no valor de X1 cruzeiros. No fim do segundo ano ter-se-á reses de um e dois anos de idade. Haverá, portanto, necessidade de mais x2 cruzeiros. O valor total do rebanho em formação neste momento é de X1 + X2 cruzeiros. No terceiro ano ter-se-á necessidade de mais X3 cruzeiros e o montante do rebanho em formação será X1 + X2 + X3 cruzeiros.

Considerando que as reses com mais de três aos de idade já se encontram em condições de serem vendidas, haverá no quarto ano entrada de recursos. A receita (r4), embora não vá cobrir as despesas monetárias ocorridas no primeiro ano (X1), contribuirá para diminuir a necessidade crescente, devido ao aumento das despesas monetárias anuais. A necessidade para o quarto ano é de X4 cruzeiros, todavia houve entrada de r4 cruzeiros, portanto a necessidade líquida será de X4 - r4 cruzeiros. Salienta-se que não se reduziu a parcela do lucro de r4 por ser pequena e normalmente reaplicar-se-á na fase de implantação. No quadro 1 tem-se de maneira esquemática as diversas operações para os dez anos.

Quadro 1


Do quadro 1, ressaltam-se os aspectos seguintes:

Na primeira coluna encontram-se os anos; na segunda, o total dos valores que correspondem às despesas monetárias necessárias para o item produtos em elaboração e, na terceira, os desembolsos anuais. O valor dos desembolsos anuais resulta da diferença entre a necessirdade de cada ano e a do ano anterior.

▪ Do primeiro ao quinto ano, as receitas provenientes das vendas não são suficientes para cobrir as respectivas despesas monetárias (defasada de três anos). Tem-se X1 > r4 e X2 > r5. Em decorrência, há necessidade de computar-se a diferença entre as despesas monetárias e as respectivas receitas anuais (valores representados entre parênteses no quadro 1). Esta diferença tenderá a zero quando então ocorrerá o seu desaparecimento.

▪ Do sexto ao oitavo ano, o total das receitas dos anos anteriores já é superior ao total das respectivas despesas monetárias (valores entre parênteses). Conseqüentemente, a partir do sexto ano, a receita (r6) também será superior à sua respectiva despesa monetária (X3). Assim, há necessidade apenas de computar-se o acréscimo da despesa monetária proveniente da diferença entre a despesa do ano, menos a que foi retornada através das receitas. A necessidade anual que corresponderá aos desembolsos será igual:

no sexto ano a (X6 - X3) - (X1. + X2 - r4 - r5);

no sétimo ano a (X7 - X4) e

no oitavo ano a (X8 - X5).

▪ Para o nono e o décimo ano não haverá necessidade de computar-se os desembolsos anuais porque os valores necessários para as despesas monetárias são automáticamente cobertos com o retorno das despesas monetárias de três anos atrás (ciclo) através das receitas. Neste caso as despesas monetárias são praticamente iguais (X

9

≅ X

6

) e (X

10

≅ X

7

). Quando éste fato ocorrer, é sinal de que se atingiu o nível total dos valores necessários para compor o item

produtos em elaboração

para um projeto, não havendo mais necessidade de compor-se os desembolsos anuais.

Verifica-se, pois, que o montante do item produtos em elaboração está associado diretamente ao ciclo de produção de um bem. Um empreendimento que necessite de vários anos para implantar-se, aumentando anualmente a sua produção, precisará de recursos anuais para a formação do seu capital de trabalho.

Por outro lado, para as atividades compostas por diversos itens com ciclo de produção diferente, deve-se tratá-los individualmente e, posteriormente, agregar os valores necessários.

O sistema de cálculo é portanto válido, nas circunstâncias apontadas, com boa precisão e de fácil aplicação.

3. EXEMPLO NUMÉRICO

A seguir passar-se-á a apresentar, a título de ilustração, um exemplo numérico da maneira de cálculo do item produtos em elaboração de um projeto de pecuária de corte.

No quadro 2, tem-se o cronograma dos custos e receitas e respectivos lucros para dez anos. Considerou-se êste período como sendo


o necessário para a total implantação da atividade. Verifica-se que a atividade tem período de maturação longa (três anos). Nos três primeiros anos há necessidade de recursos para custear a produção, sem que haja receitas em contrapartida. No quarto e quinto ano, embora haja receita, não é suficiente para cobrir os custos dos respectivos anos. O projeto apresentará lucro a partir do sexto ano. Para a estimativa dos valores necessários, a fim de compor o capital para o rebanho em formação (produtos em elaboração), é preciso subtrair-se o valor das depreciações do custo total de cada ano. O saldo corresponderá às despesas monetárias - no quadro 2 equivale à linha Custo Total (exclusive depreciação). Como se pode verificar no quadro 3, têm-se para os diferentes anos as seguintes situações:


Primeiro ano: há necessidade de apenas 70 mil cruzeiros novos para fazer frente às despesas monetárias dêste ano. O desembolso anual será do mesmo valor.

Segundo ano: há necessidade dos 70 mil cruzeiros do ano anterior, mais os 90 dêste ano, perfazendo um total de 160. O desembolso será igual à necessidade do segundo ano menos a do primeiro, portanto, 160 - 70 = 90.

Terceiro ano: tem-se necessidade de despesas monetárias, para êste ano, de 116, mais as dos anos anteriores, portanto 70 + 90 + + 116 = 276. O desembolso anual será igual a 276- 160 = = 116.

Quarto ano: há necessidade de despesas monetárias de 90+11 6 + + 127 + (70 - 50) = 353. Qs valores constantes nos parênteses significam que a receita de 50 não foi suficiente para cobrir a sua respectiva despesa monetária ocorrida há três anos no valor de 70, havendo ainda necessidade de computar-se o valor igual a 20 que corresponde ao montante da diferença. O desembolso anual será igual a 353 - 276 = 77.

Quinto ano: há necessidade de despesas monetárias de 116 + + 127 + 140 + (70 + 90 - 50 - 80) = 413. Como ainda a soma das receitas ocorridas (50 e 80) não é suficiente para cobrir os seus respectivos custos (70 e 90), ainda há necessidade de computar-se a diferença que é, no caso, igual a 30. O desembolso será igual a 413 - 353 = 60.

Sexto ano: a necessidade de despesas monetárias será igual a 127 + 140 + 146 = 413. Verifica-se a inexistência de valores entre parênteses, significando que o valor das receitas já ultrapassou as suas respectivas despesas monetárias. O valor para efeito do desembolso anual será de 413 - 413 = 0.

Sétimo ano: para êste e os demais três anos, verifica-se que as despesas monetárias são pràticamente iguais, chegando até, a partir do nono ano, a não se necessitar mais de recursos para efeito de desembolsos anuais.

Observa-se, portanto, que os valores necessários para compor os produtos em elaboração crescem anualmente, havendo uma tendência a maiores necessidades nos primeiros anos. O total de desembolsos anuais (NCr$ 447.000,00) é igual ao valor dos produtos em elaboração nos últimos anos, correspondendo à necessidade total para formar o item produtos em elaboração do capital de trabalho.

4. RESUMO

Determinadas atividades, pelas suas próprias características, precisam de recursos bastante significativos para compor o seu capital de trabalho. Dependendo ainda do tipo de produto a ser fabricado, o item produtos em elaboração (ou produtos em fabridação), que compõe parte do capital de trabalho, é o mais importante do ponto de vista de valores necessários. Procurou-se apresentar no presente artigo uma maneira prática e precisa de calcular êsses valores. A sua obtenção foi feita tendo em consideração, como princípio básico, o ciclo de produção do produto e as despesas monetárias ocorridas nos diferentes anos. Apresentou-se um desenvolvimento teórico para entendimento geral e possíveis aplicações diversas, e também um exemplo prático do cálculo em um projeto agro-industrial, para melhor visualização.

  • 4 Vide JOHNSON, Robert W. Administração Financeira, Livraria Pioneira Editora, 1967, p. 40 a 43.
  • 1
    , mais o
    capital de trabalho. As inversões fixas correspondem à aquisição de imóveis, máquinas, veículos, instalações e outros; em outras palavras, ao ativo imobilizado de uma emprêsa. Normalmente as pessoas menos familiarizadas com o assunto vêem a inversão total como sendo composta apenas das inversões fixas, esquecendose da parcela do capital de trabalho.
  • 2
    Isto pôsto, passamos à conceituação do têrmo capital de trabalho.
  • 3
  • 4
    É de suma importância para o cálculo a consideração dos aspectos econômicos de um projeto. Em forma esquemática, o quadro de custos e receitas para diversos anos é o seguinte:
  • 5
    Assim, subtrai-se o valor das depreciações do custo total, para ter-se apenas as despesas monetárias para cada ano.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      02 Jul 2015
    • Data do Fascículo
      Set 1969
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