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OTNs, cadernetas de poupança e a introdução do Plano Cruzado

NOTAS & COMENTÁRIOS

OTNs, cadernetas de poupança e a introdução do Plano Cruzado

Valdir Ramalho

Economista no Centro de Estudos Monetários e de Economia Internacional (CEMEI/IBRE) da Fundação Getúlio Vargas

1. INTRODUÇÃO

A análise das experiências passadas de política econômica é imprescindível para o progresso na formulação e na implementação de medidas econômicas. Afinal, raramente algum dispositivo é absolutamente original, e muitos são transposições, senão cópias, de idéias de dispositivos anteriormente empregados. Na ausência de identificações e análises dos erros cometidos no passado, os mesmos erros tendem a ser reeditados no bojo de novas medidas econômicas.

Procuramos expor aqui alguns erros cometidos por ocasião da introdução do Plano Cruzado, em conseqüência dos quais grande parcela dos detentores de OTNs e de cadernetas de poupança foi expropriada de parte da remuneração de suas aplicações. Isto é, a correção monetária acumulada por tais aplicações ao longo de sua duração foi inferior àquela correspondente aos índices oficiais atribuídos ao período, em virtude de não terem recebido integralmente a taxa de correção de fevereiro de 1986, truncando o funcionamento do regime de correção monetária ex-post com defasagem.

Note-se que, no caso de OTNs, se incluem entre os prejudicados pessoas que possivelmente jamais pensaram em aplicar nesses títulos, mas que têm participação em fundos privados de pensão ou de aposentadoria, ou mesmo em fundos de investimento comuns, já que esses são detentores de OTNs.

A ocorrência de tal expropriação nunca foi tornada pública por qualquer autoridade da área econômica, nem pelos técnicos que elaboraram as idéias do Plano Cruzado, tendo sido, aparentemente, não intencional. Acreditamos, por conseguinte, que os erros foram cometidos de boa fé, o que naturalmente não os isenta de serem expostos. Erros de boa fé, mais do que outros, tendem a ser repetidos caso sejam ignorados.

2. POR QUE CORREÇÃO MONETÁRIA DEFASADA

A correção monetária ex-post é um dos mais úteis e engenhosos inventos econômicos. Empregada sem defasagem, ela livra devedores e credores da necessidade de fazerem uma previsão de inflação por ocasião da contratação de empréstimos e aplicações; ademais, livra ambas as partes de possíveis perdas resultantes de erros de previsão, já que estes deixam de existir.

Um efeito menos importante, mas de algum interesse, é que a correção monetária desvincula as variações de valor (dos débitos ou dos créditos), em cada período, das variações de períodos passados. A vinculação existe especialmente quando duas condições se cumprem: primeiro, os contratos são feitos com valores prefixados, o que exige uma previsão da inflação a ser embutida nos valores; segundo, a previsão é feita com base na inflação da época da feitura do contrato, presumindose que será idêntica ou não muito diferente. No regime de correção monetária ex-post, sem defasagem, ambas as condições deixam de existir, sendo os reajustes de contratos de cada período correspondentes exatamente à inflação ocorrida no período; em outras palavras, na linguagem dos inercialistas, mas em desacordo com eles, a "inflação" presente deixa completamente de depender da inflação passada.

Obviamente, é impossível montar um regime de correção monetária sem nenhuma defasagem, já que o levantamento dos índices de preços leva algum tempo para ser realizado. Contudo, é possível tomar as defasagens praticamente desprezíveis, desde que a economia não esteja em hiperinflação (e se queira basear os coeficientes de correção em índices de preços bem construídos tecnicamente). Assim, por exemplo, em casos como o do Brasil recente, com taxas mensais de inflação ainda próximas de 20%, os inconvenientes das defasagens tornar-se-iam mínimos ou desprezíveis para a grande maioria dos contratos se o regime de correção empregasse índices de preços diários.

Seja como for, às vésperas da implantação do Plano Cruzado, os índices de preços existentes eram levantados para períodos de duração mínima de um mês. Isso permitia que houvesse índices de correção monetária para os períodos correspondentes aos meses civis, mas não para quaisquer seqüências de 30 dias, muito menos para prazos de duração inferior. Nessas circunstâncias, o único regime de correção monetária ex-post viável era o de correção defasada: qualquer aplicação de 30 dias iniciada em qualquer dia de um determinado mês civil recebia atualização do poder de compra de seu valor com base no índice de correção monetária desse mês.Assim, por exemplo, os depósitos de caderneta de poupança feitos no dia 15 de janeiro de 1986 e retirados no dia 15 de fevereiro foram corrigidos em 16,23% (taxa de correção correspondente ao mês de janeiro), exatamente como depósitos realizados no dia 1 de janeiro e retirados no dia 1 de fevereiro.

É claro que, em virtude de variações mês a mês da taxa de inflação, o regime de correção defasada resulta em alternadas perdas e ganhos imediatos para os débitos e créditos com data-base no interior do mês civil; simplificadamente, há perda quando a correção do mês civil a que pertence a data-base do início ou renovação da aplicação é inferior à do mês seguinte, e ganho quando é superior. Contudo, tais perdas ou ganhos são compensados por diferenças em sentido, inverso em algum ou alguns dos meses posteriores, já que as taxas de inflação flutuam aleatoriamente acima e abaixo da tendência média mensal. A grande chance de que tais compensações ocorram, minimizando as perdas ou ganhos definitivos (residuais), faz com que ó sistema de correção defasada seja viável (isto é, aceitável para devedores e credores), pelo menos enquanto não ocorre uma hiperinflação.

3. A INTRODUÇÃO DO PLANO CRUZADO

Os elaboradores do Plano Cruzado previam que a inflação seria zero a partir da sua implementação; por isso, montaram para a economia brasileira um novo arcabouço institucional a depender inteiramente de que se tornasse realidade tal previsão. Mais grave do que o erro de desconhecerem experiências passadas de congelamento de preços foi não se terem precavido nem um pouco quanto à possibilidade de que o congelamento fracassasse.

Assim, raciocinando com a possibilidade de que a inflação nunca voltasse aos patamares anteriores, consideraram que o sistema de correção monetária ex-post defasada daria um enorme ganho real aos aplicadores em cadernetas de poupança e em ORTNs no mês de março de 1986, quando entrou em vigor o Plano Cruzado. No entender dos mentores do Plano, como a correção monetária de fevereiro de 1986 foi significativa (dada a inflação desse mês), uma aplicação com vencimento no interior do mês de março teria um ganho real associado ao número de dias desse mês em que os fundos estivessem empatados (já que se esperava ausência de inflação em março).

Assim, por exemplo, uma aplicação feita no dia 15 de fevereiro a vencer em 15 de março seria atualizada em 14,36% pelo regime de correção vigente antes do Plano Cruzado; com a previsão de inflação zero em março, isso significaria que, nos últimos 15 dias de vigência da aplicação, os fundos receberiam uma correção de 7,45% ns(note-se que 1,07453428/15 =1,1436), quando a inflação desses 15 dias já seria zero, por corresponderem à primeira quinzena de vigência do Plano Cruzado. Os mentores do Plano acharam injusto que os aplicadores tivessem esse ganho real inesperado e resolveram expropriá-lo: assim, as aplicações em cadernetas de poupança e ORTNs (OTNs) deixaram de receber a remuneração por conta da correção monetária de fevereiro correspondente à parte daqueles 30 dias em que os fundos estiveram indisponíveis mas coincidiram com o mês civil de março.

Contudo, o sentimento de injustiça dos mentores do Plano era assimétrico: repudiava um ganho real inesperado, mas não tomava qualquer providência no que diz respeito à possibilidade de uma perda real quando a inflação voltasse aos patamares anteriores. Em outras palavras: após a expropriação efetuada na implantação do Plano Cruzado, continuou-se adotando o regime de correção ex-post defasada (imediatamente, para as cadernetas de poupança, e quase um ano após, para as OTNs), e não podia ser de outra forma, dada a superioridade desse regime sobre as possíveis alternativas. Contudo, destruiu-se a proteção interna do sistema, onde ganhos e perdas tendiam a se compensar, tornando-o enviesado nos períodos que incluem a passagem de fevereiro para março de 1986: o ganho foi expropriado, de modo que não houve compensação para a perda quando o ciclo de variação das taxas de inflação se completou.

Assim, em conseqüência de uma fé nas próprias previsões colocada acima de quaisquer dúvidas (e, por conseguinte, imprudente), os artífices do Plano Cruzado produziram prejuízos para grande parcela dos poupadores em cadernetas de poupança e dos aplicadores em Obrigações do Tesouro Nacional. Mais precisamente, foram prejudicadas as aplicações feitas com data base no interior de um mês civil que atravessaram o início e o fim do Plano Cruzado. Isto será visto com mais detalhe nas seções seguintes.

4. CADERNETAS DE POUPANÇA

Exporemos como ocorreu a expropriação da remuneração (a título de correção monetária) das cadernetas de poupança, na passagem de fevereiro para março de 1986, com um exemplo típico, mostrando, em seguida, como isso resultou em prejuízo para os poupadores tolhidos nas circunstâncias mencionadas.

Relembremos que a correção monetária de fevereiro de 1986 foi de 14,36%; esta percentagem pode ser decomposta em parcelas de 0,4804% ao dia, uma vez que (1.004804)28 = 1,1436. Um depósito de caderneta de poupança vencendo em 28 de fevereiro de 1986 foi corrigido em 14,36%, e idêntica correção deveria ter ganho um depósito vencendo em 1 de março, por exemplo, ou em 6 de março, ou em 20 de março, caso se houvesse mantido íntegro o regime de correção monetária ex-post defasada.

Mas tal não aconteceu; de acordo com as modificações introduzidas pelo Plano Cruzado, uma caderneta vencendo em 1 de março foi corrigida em apenas 13,81%, tendo sido expropriada de um dia de correção (1,1436/1,004804 = 1,138132); uma caderneta vencendo em 6 de março foi corrigida em apenas 11,12%, tendo sido expropriada de seis dias de correção (1,1436/1,0048046 = 1,111184); e uma caderneta vencendo em 20 de março foi corrigida em apenas 3,91%, tendo sido expropriada de vinte dias de correção (1,1436/1,00480420 = 1,039075).

Note-se, porém, que, após vencido o primeiro trimestre desde a implantação do Plano Cruzado, todas as quatro cadernetas do exemplo ganharam idêntica taxa de correção adicional (2,0785%) correspondente a três meses de indisponibilidade, apesar de terem datas de vencimento diferentes. Isso porque, após as expropriações citadas, voltou a vigorar o regime de correção ex-post defasada. O número 2,0785% corresponde à composição das variações do IPC (o então índice oficial de correção) correspondentes aos meses de março (-0,11%), abril (0,78%) e maio (1,40%). Portanto, uma caderneta aberta ou renovada no dia 28 de janeiro de 1986 teria ganho integralmente as correções correspondentes aos meses de fevereiro, março, abril e maio, ao encerrar-se seu primeiro trimestre de indisponibilidade durante o Plano Cruzado; uma caderneta aberta ou renovada no dia 6 de' fevereiro teria deixado de ganhar seis dias de correção correspondentes ao mês de fevereiro, ganhando em troca correção correspondente a um mês de março com 37 dias (sete de inflação zero prevista para março, no seu início, 31 dias de "deflação" atribuída posteriormente ao mesmo mês); uma caderneta aberta ou renovada no dia 20 de fevereiro teria deixado de ganhar 20 dias de correção correspondente ao mês de fevereiro, ganhando em troca correção correspondente a um mês de março com 51 dias (20 de prevista inflação zero, 31 de "deflação"). Isso significa que a incompatibilidade lógica entre o sistema de indexação defasada e a decisão de expropriar os aplicadores produziu o absurdo de se "remunerarem" os poupadores duas vezes pelo mesmo mês (naturalmente, com correção zero ou negativa).

Tendo terminado o Plano Cruzado, os prejuízos dos poupadores podem ser exemplificados assim:

1. A correção monetária acumulada de fevereiro de 1986 a fevereiro de 1987 (13 meses) foi de 95,19%. Essa foi a correção ganha pelos depósitos feitos ou renovados em 31 de janeiro de 1986, que não foram prejudicados pela introdução do Plano Cruzado; note-se que essa cifra acumula as correções de fevereiro de 1986 (14,36%) e do período de março de 1986 a fevereiro de 1987 (70,68%), pois 1,1436 x 1,706789 = 1,951884.

2. Para depósitos feitos no dia 6 de fevereiro de 1986, a correção acumulada até o dia 6 de março de 1987 foi de apenas 89,66%, apesar da mesma duração de 13 meses, porque a correção do segundo mês foi de apenas 11,12%, e não de 14,36%; note-se que 89,66% resultam da acumulação de parte da correção de fevereiro de 1986 com a correção de março daquele ano a fevereiro de 1987; l,111184x 1,706789 = 1,896557.

3. Para depósitos feitos ou renovados no dia 20 de fevereiro de 1986, a correção acumulada até o dia 20 de março de 1987 foi de apenas 77,35%, apesar da mesma duração de 13 meses, porque a correção do primeiro mês foi apenas de 3,91%, e não de 14,36%: 1,039075 x 1,706789 = 1,773482.

Por outro lado, adotemos provisoriamente o raciocínio que se alegou para justificar a expropriação realizada na ocasião da introdução do Plano Cruzado (segundo o qual as aplicações com data-base no interior do mês não têm direito à correção integral do mês em que começa o período de capitalização da correção, mas, sim, à correção do mês em que termina esse período, proporcionalmente aos dias de indisponibilidade das aplicações neste mês). Nesse caso, a caderneta com data-base no dia 6 do nosso exemplo teria direito à correção adicional de 2,65% correspondente a seis dias de março de 1987, pois 1,0043826 = 1,026580 e 1,00438231 = 1,145153, sendo de 14,51% a correção de março de 1987. A caderneta com data-base no dia 20 teria direito a uma correção adicional de 9,14%, pois 1.00438220 = 1,091381. Isso significa que, por esse raciocínio, as correções acumuladas das cadernetas de data-base 6 e 20, de fevereiro de 1986 a fevereiro de 1987, deveriam ter sido de 94,70% e 93,55%, respectivamente, e não de 89,66% e 77,35%, já que 1,896557 x 1,026580 = 1,946967 e 1,773482x 1,091381 = 1,935545.

Vemos, portanto, que os depósitos com data-base no interior de um mês civil deixaram de receber a correção integral correspondente ao seu período de indisponibilidade, em conflito com o regime de correção ex-ppst defasada (adotado tanto antes como depois da introdução do Plano Cruzado); e também em conflito com a justificativa que se alegou para a expropriação promovida na introdução do Plano Cruzado (já que, como mostramos, em coerência com tal justificativa, os depósitos com data-base no interior do mês deveriam receber, a cada final de período de indisponibilidade, parte da correção do mês em curso; assim, nos exemplos acima, as cadernetas com data-base nos dias 6 e 20 deveriam ter recebido, em março de 1987, parcelas correspondentes da correção deste março, além daquelas que lhes foram creditadas).

5. OBRIGAÇÕES DO TESOURO (ORTNs ou OTNs)

De modo semelhante ao ocorrido com as cadernetas de poupança, os formuladores do Plano Cruzado impediram que OTNs com data-base no interior do mês civil recebessem, em março de 1986, a correção integral correspondente ao mês de fevereiro. Para tanto recorreram a expediente inédito: lançaram uma tabela com cifras em cruzados decrescentes estabelecendo valores oficiais dia a dia para a OTN. Assim, para o dia 1 de março o valor estabelecido foi de Cz$ 106,40, para o dia 15 foi de Cz$ 99,40 e para o dia 30 foi de Cz$ 93,04. Até então, as Obrigações do Tesouro tinham um valor oficial único por mês (com base nos valores oficiais, são pagas as remunerações a título de correção monetária).

Note-se que essa tabela não deve ser confundida com a tabela de conversão de dívidas lançada conjuntamente com o Plano Cruzado. Esta última diz respeito a créditos e débitos em valores nominais constantes (ou seja, com correção monetária embutida ou prefixada). Os valores oficiais das Obrigações do Tesouro sempre foram sujeitos a correção ex-post, ou seja, expressavam valores que se pretendiam de poder aquisitivo constante, não embutindo qualquer previsão de inflação. Por conseguinte, cabia-lhes simplesmente serem convertidos à taxa fixa de Cz$ 1,00/Cr$ 1.000,00. Tais títulos eram emitidos pelo Banco Central com duração inteira (múltiplos de um mês), e não fracionada, de modo que não havia a necessidade de rateio, proporcional ao tempo, da correção de algum mês para algum subperíodo deste. Portanto, não tinham cláusula pro rata temporis, por ser desnecessária e inócua (o mesmo não se pode dizer dos contratos de outra natureza com reajustes baseados na OTN).

A tabela de desvalorização da OTN estabelecida para março de 1986 (pela Resolução nº 1.115/86 do Conselho Monetário Nacional) foi arquitetada de modo que a taxa de queda dia a dia dos valores oficiais daqueles títulos expropriasse parcelas da correção monetária de fevereiro na proporção geométrica exata do número de dias de março em que as quantias aplicadas estivessem indisponíveis. Assim, temos que:

1. Um título com data-base no dia 1 ganhou em 1 de março de 1986 a correção integral correspondente a fevereiro (14,36%), O valor da OTN em fevereiro era de Cr$ 80.047,66, tendo sido reajustado para Cr$ 106.399,86, a vigorar em março; quase imediatamente foi decretado o Plano Cruzado, que estabeleceu o valor de Cz$ 106,40.

2. A tabela da Resolução nº 1.115 /86 estabeleceu um valor de Cz$ 99,50 a vigorar em 15 de março de 1986 para a OTN com data-base no dia 15; isso significa que esses títulos se valorizaram 14,36% entre os dias 15 e 28 de fevereiro, mas se desvalorizaram 6,48% entre os dias 28 de fevereiro e 15 de março; o resultado acumulado dessas percentagens é uma correção monetária de apenas 6,94% no respectivo prazo de 30 dias. Note-se que percentagens são números adimensionais, isto é, independem de unidades de medida, o que faz desnecessário empregar taxas de conversão cruzado/cruzeiro. Mas o raciocínio com o emprego da taxa de conversão adequada chega exatamente ao mesmo resultado.

3. A mencionada tabela estabeleceu um valor de Cz$ 93,04 a vigorar em 30 de março de 1986 para a OTN com data-base no dia 30; note-se que o valor estabelecido para o início de março é de 14,36% superior àquele para o dia 30, significando que a correção monetária de fevereiro foi expropriada no caso dos títulos do dia 30.

Naturalmente, como no caso das cadernetas de poupança, os prejuízos foram mais fortes para as aplicações que atravessaram períodos de indisponibilidade que incluíram tanto o início como o fim do Plano Cruzado. A razão é a mesma: foram dadas correções diferenciadas em março de 1986 aos títulos com datas-base diferentes no interior do mês, mas foram dadas correções idênticas aos mesmos títulos em março de 1987. Isso significa que em 1986 as OTNs foram expropriadas de parte da correção monetária referente ao mês em que pareceriam ter ganho real, mas em 1987 não foram compensadas pelos dias em que permaneceram indisponíveis no interior do mês de março (apesar de, a cada dia que passava, haver inflação positiva). Assim, temos que:

1. Uma aplicação feita ou renovada no dia 1 de janeiro de 1986 ganhou até 1 de março de 1987 a correção integral de 126,88%, correspondente à acumulação das taxas de correção de 14 meses (16,23% de janeiro de 1986, 14,36% de fevereiro e 70,69% dos 12 meses seguintes).

2. Uma aplicação feita ou renovada no dia 15 de janeiro de 1986 e vencida no dia 15 de março de 1987, com a mesma duração de 14 meses, ganhou correção de apenas 112,16% (pois a correção do segundo mês, nesse caso, foi de apenas 6,94%); note-se que essa aplicação recebeu 15 dias de março contados como inflação zero (correspondente à expropriação de 15 dias da correção de fevereiro), e 31 dias de março contados como inflação negativa (correção de -0,11% embutida na correção acumulada de 70,69% de março de 1986 a fevereiro de 1987).

3. Uma aplicação (hipotética) feita ou renovada o dia 30 de janeiro de 1986 e vencida no dia 30 de março de 1987, com a mesma duração de 14 meses, ganhou correção de apenas 98,38%, pois a correção do segundo mês, nesse caso, foi de 0%. Note-se, como no exemplo anterior, que a correção de março de 1986 foi recebida duas vezes, já que a cifra de 70,69% já inclui a correção de março de 1986; mas não inclui a correção de março de 1987 - houve troca da cifra de fevereiro de 1986 (14,36%) ou, alternativamente, da de março de 1987 (por coincidência, 14,51%) por uma presumida cifra zero de março de 1986, adicional à deflação de março computada nos coeficientes de correção.

Uma conseqüência curiosa disso tudo é que, em 1987, enquanto os preços dos bens e serviços sobem em virtude da alta inflação, os valores oficiais da OTN caem dia a dia durante o correr do mês civil; e, mais curiosamente, dão um salto espetacular em um só dia, na passagem de um mês para o outro. Por exemplo, o valor oficial da OTN no dia 1 de março de 1987 era de Cz$ 181,61; com as quedas diárias de valor, chegou a Cz$ 169,83 nodial5eaCz$ 158,80 no dia 31. Mas no dia 1 de abril subiu para Cz$ 207,97 (alta de 31,0%), voltando a cair diariamente até Cz$ 194,48 no dia 15 e a Cz$ 181,85 no dia 31. E assim por diante.

6. CONCLUSÃO

Na introdução do Plano Cruzado, os formuladores do mesmo quebraram a coerência do regime de correção monetária ex-post defasada, o que não precisava ser feito, gerando posteriores prejuízos para grande parcela dos aplicadores em OTNs e cadernetas de poupança. Tudo indica que cometeram erros de boa fé, misturando ojeriza ao lucro, desconhecimento da lógica interna do regime de correção defasada, desatenção à impossibilidade prática de se implantar um regime diferente e enorme imprudência na mudança das instituições econômicas do País, ao terem desconsiderado inteiramente a possibilidade de que o Plano fracassasse.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Jun 2013
  • Data do Fascículo
    Mar 1988
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