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Editorial

EDITORIAL

"Na busca da excelência, o sucesso desconhece normas e exigências."

O filósofo alemão Emmanuel Kant (Prússia, 1724-1804); grande responsável pelo desenvolvimento da ciência na Alemanha, demonstrou que a capacidade cognitiva do homem não pode penetrar no fundamento das coisas situadas além do nosso mundo sensorial e racional. Baseado numa filosofia dogmática, ele acabou por dogmatizar o conhecimento que o homem tem das coisas, levando-nos a concluir que todo conhecimento vem "de fora", como conseqüência das coisas que nos são 'dadas' ou determinadas, através de representações menfais impossíveis de serem transcendidas. Os desafios da transposição dos desejos à realidade peia quebra das barreiras do inconsciente não existem para Kant. A racionalidade é soberana e desconhece a intuição e o extra sensorial.

Na busca da construção de uma Teoria do Conhecimento, Kant não se apercebeu do valor descritivo de sua Teoria para explicar a maneira pela qual todos nós - e. em particular, os homens de ciência - nos utilizamos de 'filtros' para enquadrar (e distorcer!) a realidade por nós percebida. Este "enquadramento', com base em nossos padrões de conhecimento prévios e 'objetivos" da verdade, é tão forte a ponto de nos tornarmos míopes a evidências muitas vezes contundentes. A obra de Thomas S. Kuhn, The Structure of Scientific Revolutions (1970), é um marco no reconhecimento da importância destes filtros na construção da verdade de çada um, Kuhn os rotulou de paradigmas.

Partir das pressuposições "kantianas", acaba por nos ievar a negar a evidente realidade cotidiana do impulso peimanente que temos de encontrar no mundo - e em nós mesmos - algo atém do que nòs é imediatamente dado: o transcendente, o além das coisas e dos outros, o além daquilo que é especificado. Um impulso que se manifesta pelo exercício da alteridade, pela descoberta do outro, pelo reconhecimento de que cada indivíduo se apresenta com características próprias e que devem ser necessariamente consideradas se quisermos o respeito a nós mesmos e a construção das bases psicológicas da conquista de nossa própria afirmação.

Este impulso é paradoxal impele-nos para a transcedência, dilatando os horizontes do que é conhecido, à medida que se conquista a individualidade, ao mesmo tempo em que nos impele para a participação no grupo social, reforçando a importância do indivíduo no todo, à medida que se conquista a contiança no êxito do comportamento orientado pela alteridade.

A atual onda de globalização é um ambiente privilegiado para potencializar a manifestação deste impulso. Facilitada pela tecnologia da informação, estimulada pela competição dos investimentos de capitais ociosos, favorecida pelo esgotamento do nacionalismo, que subordina indivíduos a interesses de governos 'centrais', a globalização permite aos indivíduos - e às organizações - condições propícias para a quebra de seus paradigmas pela exposição que oferece a novas culturas e realidades, fatores fundamentais no desenvolvimento pessoal, interpessoal, organizacional esocioeconômico.

Com base nestas considerações, pode-se fazer uma leitura da União Européia, em termos de suas exigências de comércio exterior. Ancorada por interesses econômicos racionais e desprovida de unidade pela diversidade de seus interesses políticos internos, parece desconsiderar a globalização e a alteridade. características do momento atual, criando uma excelente oportunidade para países e organizações com visões "não-kantianas". A adoção da ISO 9000, justificável pela evidente necessidade de uma linguagem-padrão internacional de qualidade, pode se apresentar como uma conveniente "barreira de entrada" apenas a países emergentes que não conseguem transcender os limites de conhecimento que uma nomía impõe.

Se países e organizações entenderem que as exigências de um mercado protegido por uma norma são apenas limites impostos por paradigmas, poderemos estar presenciando em breve uma nova alteração no alinhamento econômico das nações, orientada por novas verdades "paradigmáticas". E, certamente, este alinhamento será conduzido por organizações e governos capazes de olnar para dentro e fora de suas estruturas sem o filtro das fronteiras e dos procedimentos consagrados. E, certamente, não haverá entre eles nenhum governo ou organização-que acredite que a mera transposição de uma norma é capaz de mudar sua cultura de qualidade ou sua competitividade.

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Neste número a RAE brinda seus leitores com vinhetas ilustrativas ao longo dos artigos publicados. Além disso, alteramos a diagramação da RAE Executiva, dando-lhe personalidade própria, e ampliamos o quadro de artistas colaboradores, inclusive lançando nossa funcionária, a artista plástica Sônia S. Okuda. como ilustradora. Esperamos estar coerentes com a linha editorial de uma revista orientada peta leitura e não pela simples publicação de artigos.

Prof. Marilson Alves Gonçalves

Diretor e Editor da RAE

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Jun 2013
  • Data do Fascículo
    Abr 1994
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