Acessibilidade / Reportar erro

Inovação e colaboração on-line na criação de software livre

Innovación y colaboración en línea en la creación de software libre

RESUMO

Os avanços das tecnologias de informação propiciaram a inovação centrada no utilizador de artefatos advindos da cultura cibernética. Esse advento do capitalismo provoca a emergência de abordagens que contemplam a produção coletiva e imaterial vigente em comunidades de softwares de código aberto. A partir de uma perspectiva pós-estruturalista, foram analisadas seis entrevistas, dois vídeos e uma lista de discussão on-line para apreciação do processo de construção do discurso hegemônico a partir das lógicas de equivalência, diferença e fantasia. Constatou-se que os discursos dos desenvolvedores simbolizam uma presença ainda por vir, com as demandas particulares diluídas numa cadeia equivalencial que abarca o maior número de reivindicações, e que existe um esforço para a criação de um processo incessante de geração de valor ao ultrapassarem as fronteiras da comunidade, articulando continuamente stakeholders para acessar recursos e gerar soluções conjuntas no processo de inovação.

Palavras-Chave:
inovação com software livre; colaboração on-line; comunidade pug-pe; teoria do discurso; análise do discurso

RESUMEN

Los avances en las tecnologias de la información han llevado a la innovación centrada en el usuario de los artefactos de la cibercultura. Este advenimiento del capitalismo provoca la aparición de enfoques que contemplan la producción colectiva e inmaterial vigente en las comunidades de software de código abierto. Desde una perspectiva postestructuralista, se analizaron 6 entrevistas, 2 videos y una lista de discusión online para apreciar el proceso de construcción del discurso hegemónico desde la lógica de la equivalencia, la diferencia y la fantasía. Se encontró que los discursos de los desarrolladores simholizan una presencia por venir, con las demandas particulares diluídas en una cadena de equivalencia que engloba la mayor cantidad de demandas, y que se busca crear un proceso incesante de generación de valor al superar las demandas, fronteras comunitarias, articulando continuamente a las partes interesadas para acceder a los recursos y generar soluciones conjuntas en el proceso de innovación.

Palabras clave:
innovación con software libre; colaboración en línea; comunidad pug-pe; teoria del discurso; análisis del discurso

ABSTRACT

Advances in information technologies have led to user-centered innovation of artifacts from cyber culture. This advent of capitalism causes the emergence of approaches that contemplate collective and immaterial production in force in open source software communities. From a post-structuralist perspective, 6 interviews, 2 videos and an online discussion list were analyzed to appreciate the process of building the hegemonic discourse from the logic of equivalence, difference and fantasy. It was found that the speeches of the developers symbolize a presence yet to come, with the particular demands diluted in an equivalence chain that encompasses the largest number of claims, and that there is an effort to create an incessant process of generating value by overcoming the community frontiers, continuously articulating stakeholders to access resources and generate joint solutions in the innovation process.

Keywords:
innovation with free software; online collaboration; pug-pe community; discourse theory; speech analysis

INTRODUÇÃO

O cenário atual é marcado por transformações culturais que se consolidaram a partir da segunda metade do século XX (Batabyal & Beladi, 2019Batabyal, A. A., & Beladi, H. (2019). The optimal provision of information and communication technologies in smart cities. Technological Forecasting and Social Change, 147, 216-220. https://doi. org/10.1016/j.techfore.2019.07.013
https://doi. org/10.1016/j.techfore.2019...
) e estão vinculadas à hegemonia do chamado capitalismo cognitivo, que elege as novas tecnologias de informação e comunicação (TIC) como ativos simbólicos estratégicos do novo sistema de produção social (Cardoso, Boudreau, & Carvalho, 2019Cardoso, A., Boudreau, M. C, & Carvalho, J. A. (2019). Organizing collective action: Does information and communication technology matter? Information and Organization, 29(3), 100256. doi: 10.1016/j.infoandorg.2019.100256
https://doi.org/10.1016/j.infoandorg.201...
). Nessa linha de raciocínio, o capitalismo cognitivo representa mais um esforço de compreensão de um contexto de mudanças estruturais constitutivas do mundo contemporâneo (Karakilic, 2019Karakilic, E. (2019). Rethinking intellectual property rights in the cognitive and digital age of capitalism: An autonomist Marxist reading. Technological Forecasting and Social Change, 147, 1-9. doi: 10.1016/j.techfore.2019.06.007
https://doi.org/10.1016/j.techfore.2019....
).

O desenvolvimento de novas estratégias de ação envolve a interação permanente entre atores com diferentes habilidades, interconectados em rede e trocando um volume crescente de informação (Lee & Sohn, 2018Lee, W. S., & Sohn, S. Y. (2018). Effects of standardization on the evolution of information and communications technology. Technological Forecasting and Social Change, 132, 308-317. doi: 10.1016/j.techfore.2018.02.016
https://doi.org/10.1016/j.techfore.2018....
). Desse modo, é possível o desenvolvimento de formas de incorporar o usuário das TIC na criação e desenvolvimento do processo de inovação. Essa abordagem representa um avanço em relação à visão segundo a qual as empresas geravam suas próprias ideias e depois desenvolviam, financiavam, distribuíam e suportavam todo o ciclo de inovação (Chesbrough, 2003Chesbrough, H. W. (2003). The era of open innovation. MÍT Sloan Management, 44(3), 35-41. Recuperado de https://sloanreview.mit.edu/article/the-era-of-open-innovation
https://sloanreview.mit.edu/article/the-...
), já que agora se desenvolve uma perspectiva de atuação que abarca, coordena e incorpora um conjunto operações e provoca os agentes articulados em projetos inovadores a repensarem as estratégias de inovação num mundo conectado em redes organizacionais (Cornelio & Cruz, 2014Cornelio, G. S., & Cruz, E. G. (2014). Co-creation and participation as a means of innovation in new media: an analysis of creativity in the photographic field. International journal of Communication, 8, 1-20. Recuperado de http://eprints.whiterose.ac.uk/85737
http://eprints.whiterose.ac.uk/85737...
; Huizing, 2011Huizingh, E. K. R. E. (2011). Open innovation: State of the art and future perspectives. Technovation, 31(1), 2-9. doi:10.1016/j.technovation.2010.10.002
https://doi.org/10.1016/j.technovation.2...
).

Na prática, a questão que se manifesta no horizonte da inovação reside em construir um discurso que efetive métodos de concepção e desenvolvimento e proporcione a incorporação da perspectiva do usuário num universo de inovação aberta. Esse prisma inclusivo de ação inovadora possibilita ao produtor de determinado artefato ou serviço tecnológico dar conta da dinâmica de gostos, preferências e demandas de produtos em função do fluxo contínuo entre atividades que contemplam a interação entre produtor e consumidor (Nath & Liu, 2017Nath, H. K., & Liu, L. (2017). Information and communications technology (ICT) and services trade. Information Economics and Policy, 41, 81-87. doi: 10.1016/j.infoecopol.2017.06.003
https://doi.org/10.1016/j.infoecopol.201...
). Esse cenário permite defender a hipótese de que as comunidades de consumo e desenvolvimento centradas no usuário alcançam êxito quando dispõem de algum incentivo da plataforma para inovarem e revelarem suas ideias, que, posteriormente, podem tornar-se competitivas no mercado.

Aqui, pode-se referir à criação da cooperativa de bens intangíveis entre atores que se relacionam por intermédio da rede global de computadores (Benkler, 2006Benkler, Y. (2006). The wealth of networks: How social production transforms markets and freedom. New Haven, USA: Yale University Press.; Eboli & Dib, 2013Eboli, L., & Dib, L. (2013). Criação coletiva na web 2.0: Um estudo de caso em uma empresa brasileira de crowdsourcing/Collective creation on the web 2.0: A crowdsourcing case study involving a brazilian company. Revista Electrônica de Sistemas de Informação, 12(3), 1-22. doi: 10.5329/RESI.2013.1203001
https://doi.org/10.5329/RESI.2013.120300...
; Lima & Santini, 2008Lima, C. M., & Santini, R. M. (2008). Copyleft e licenças criativas de uso de informação na sociedade da informação. Ciência da Informação, 37(1), 121-128. Recuperado de https://ridi.ibict.br/bitstream/123456789/240/l/LIMACI2008.pdf
https://ridi.ibict.br/bitstream/12345678...
). Existem instâncias desse fenômeno que vêm ocorrendo nos últimos 10 anos, como o movimento de software livre (SL) que se tornou um fenômeno global e acabou rendendo uma plataforma funcional aberta, global e polivalente, o GNU/Linux (Cardoso et al., 2019Cardoso, A., Boudreau, M. C, & Carvalho, J. A. (2019). Organizing collective action: Does information and communication technology matter? Information and Organization, 29(3), 100256. doi: 10.1016/j.infoandorg.2019.100256
https://doi.org/10.1016/j.infoandorg.201...
). Trata-se de um movimento que se expressa a partir da ideia de troca de informações e cooperações demarcada por plataformas de gestão de dados em redes sociais.

Ao se abrir à multiplicidade de bens e serviços intensivos em tecnologia, as TIC tornam possível a apropriação dessa tecnologia por parte tanto da indústria como dos usuários (Lee & Sohn, 2018Lee, W. S., & Sohn, S. Y. (2018). Effects of standardization on the evolution of information and communications technology. Technological Forecasting and Social Change, 132, 308-317. doi: 10.1016/j.techfore.2018.02.016
https://doi.org/10.1016/j.techfore.2018....
). Essa perspectiva põe em evidência a necessidade de se repensar a relação dos humanos com os artefatos tecnológicos, que, como no caso dos SL, tendem a gerar um número maior de agenciamentos tecno-humanos (Dong, Wu, & Zhang, 2019Dong, J. Q., Wu, W., & Zhang, Y (2019). The faster the better? Innovation speed and user interest in open source software. Information & Management, 56(5), 669-680. doi: 10.1016/j.im.2018.11.002
https://doi.org/10.1016/j.im.2018.11.002...
). Logo, as práticas contemporâneas de produção do SL e as comunidades que se formam por diferentes motivos na internet representam, como nos ensinam Shahrivar, Elahi, Hassanzadeh e Montazer (2018)Shahrivar, S., Elahi, S., Hassanzadeh, A., & Montazer, G. (2018). A business model for commercial open source software: A systematic literature review. Information and Software Technology, 103, 202-214. doi: 10.1016/j.infsof.2018.06.018
https://doi.org/10.1016/j.infsof.2018.06...
, a emergência de novos usos para a aplicação de determinada tecnologia, a qual já traz em si as condições apropriadas para o desenvolvimento de processos inovadores dirigidos para a efetivação de soluções criativas.

A concepção de discurso proposta por Laclau e Mouffe (2001)Laclau, E., & Mouffe, C. (2001). Hegemony and socialist strategy: Towards a radical democratic politics (2nd ed.). New York, USA: Verso. põe luz sobre uma análise realizada com respeito à aproximação da comunidade de usuários/desenvolvedores de SL de Pernambuco PUG-PE (Python User Group – Pernambuco), buscando compreender o componente hegemônico presente no discurso deles no processo de criação de SL, por meio das três lógicas de construção discursiva propostas pela Teoria do Discurso: lógica da equivalência, lógica da diferença e lógica da fantasia. Alguns atores estão envolvidos na elaboração de equivalência entre as demandas, mas também na articulação de uma fronteira que define os limites de seu projeto pela lógica da diferença. A lógica da fantasia fornece suporte para os projetos políticos da comunidade e para as escolhas individuais dos usuários/desenvolvedores.

A necessidade de se identificar uma nova linguagem que indique as novas práticas sociais que afirmam uma constelação mais eficaz de governança dos processos de inovação emergentes levou-nos a fazer a seguinte pergunta de pesquisa: como ocorre o discurso hegemônico dos desenvolvedores da comunidade PUG-PE no âmbito do processo de inovação e colaboração on-line com SL?

Ao escolher a via do político para entender as estratégias do grupo do PUG-PE, queremos avançar em relação às abordagens funcionalistas de estudos que analisam somente a capacidade administrativa das comunidades em atrair e reter usuários. Essa escolha também permite contribuir com as discussões em vários campos disciplinares, como a visão de que o SL se limita a um debate sobre o avanço natural das TIC, como fazem crer Steiniger, Fuente, Fuentes, Barton e Mufioz (2017)Steiniger, S., Fuente, H. De La, Fuentes, C, Barton, J., & Muñoz, J. C. (2017). Building a geographic data repository for urban research with free software-learning from Observatorio. The International Archives of Photogrammetry, Remote Sensing and Spatial Information Sciences, 42, 147. doi: 10.5194/ isprs-archives-xlii-4-w2-147-2017
https://doi.org/10.5194/ isprs-archives-...
ao analisar os sistemas de informação urbanos como simples implementação de dispositivos eletrônicos, abordar as polêmicas na área de direitos autorais desenvolvidos por Lessig (2004)Lessig, L. (2004). Free culture: How big media uses technology and the law to lock down culture and control creativity. Penguin Press., questões envolvendo as patentes verdes de Bretas et al. (2019)Bretas, W. V., Morais, A. S. C, da Hora, H. R. M, & Azevedo Filho, E. T. (2019). Knowledge extraction on international markets from patent bases: A study on green patents. Brazilian journal of Operations & Production Management, 16(4), 698-705. doi: 10.14488/BJOPM.2019.vl6.n4.al4
https://doi.org/10.14488/BJOPM.2019.vl6....
ou até políticas públicas de tecnologia, como a proposta de Heikkinen, Savina, Partanen, Seppälä e Pearce (2020)Heikkinen, I. T. S., Savina, H., Partanen, J., Seppãlã, J., & Pearce, J. M. (2020). Towards national policy for open source hardware research: The case of Finland. Technological Forecasting and Social Change, 155. doi: 10.1016/j.techfore.2020.119986
https://doi.org/10.1016/j.techfore.2020....
em discutir a estratégia nacional de hardware aberto na Finlândia.

Entre esses vários gaps de pesquisa rondam as pesquisas relacionadas às tecnologias open source com valores como coletividade, conectividade, colaboração e objetivos compartilhados que resultam em disputas políticas as quais ocorrem na ordem do discurso.

INOVAÇÃO COLABORATIVA COM SOFTWARE LIVRE

O sistema tecnológico relacionado às novas TIC não terá projeção no campo social se não for reconhecido como componente-chave do capitalismo cognitivo (Tseng, 2009Tseng, C. Y. (2009). Technological innovation and knowledge network in Asia: Evidence from comparison of information and communication technologies among six countries. Technological Forecasting and Social Change, 76(5), 654-663. doi:10.1016/j.techfore.2008.03.007
https://doi.org/10.1016/j.techfore.2008....
; Tutusaus, Schwartz, & Smit, 2018Tutusaus, M., Schwartz, K., & Smit, S. (2018). The ambiguity of innovation drivers: The adoption of information and communication technologies by public water utilities. Journal of Cleaner Production, 171, 79-85. doi: 10.1016/j.jclepro.2016.08.002
https://doi.org/10.1016/j.jclepro.2016.0...
). No âmbito dos Estudos Organizacionais, os discursos a respeito do novo e da inovação têm sido explanados sob a ótica da temática de transformação social da “sociedade do conhecimento”, em que a informação se manifesta como principal força produtiva (Cocco, Galvão, & Silva, 2003Cocco, C, Galvão, A. P., & Silva, G. (2003). Capitalismo cognitivo: Trabalho, redes e inovação. Rio de Janeiro, RJ: DP&A.). Assim, os softwares de código aberto, expressão cunhada por Eric Raymond, podem ser apresentados como exemplos de implementação do diagrama capitalista cognitivista.

Quando se deseja falar de inovação pelo usuário, faz-se necessário destacar sua capacitação no que diz respeito aos novos meios de produção (Jenkins, 2006Jenkins, H. (2006). Convergence culture: Where old and new media collide. New York, USA: New York University Press.), fazendo com que a relação entre os usuários e as indústrias seja dupla. Por um lado, o consumidor pode tornar-se um produtor e, por outro, mesmo se algumas grandes empresas subestimam o valor e a influência dessas práticas, elas ocasionalmente tiram partido da produção social em relação aos seus produtos (Loureiro, Romero, & Bilro, 2019Loureiro, S. M. C, Romero, J., & Bilro, R. G. (2019). Stakeholder engagement in co-creation processes for innovation: A systematic literature review and case study. Journal of Business Research, 119, 388-409. doi: 10.1016/j.jbusres.2019.09.038
https://doi.org/10.1016/j.jbusres.2019.0...
) e, por vezes, há uma apropriação da cultura participativa para aumentar os lucros (Zhang, Gupta, Sun, & Zou, 2020Zhang, H., Gupta, S., Sun, W., & Zou, Y. (2020). How social-media-enabled co-creation between customers and the firm drives business value? The perspective of organizational learning and social capital. Information & Management, 57(3). doi: 10.1016/j.techfore.2019.05.029
https://doi.org/10.1016/j.techfore.2019....
). Por exemplo, algumas empresas de videogames têm comunidades fortes que produzem feedback sobre seus jogos e, também, geram mods (modificações) ou software que melhoram a qualidade de seus produtos (Cornelio & Cruz, 2014Cornelio, G. S., & Cruz, E. G. (2014). Co-creation and participation as a means of innovation in new media: an analysis of creativity in the photographic field. International journal of Communication, 8, 1-20. Recuperado de http://eprints.whiterose.ac.uk/85737
http://eprints.whiterose.ac.uk/85737...
). Desse modo, um conceito como prosumer representa a natureza híbrida da produção imaterial hoje.

A dinâmica econômica atual requer o entendimento das diferentes correntes teóricas que apontam o conhecimento como variável importante da inovação (Ruoslahti, 2020Ruoslahti, H. (2020). Complexity in project co-creation of knowledge for innovation. Journal of Innovation & Knowledge, 5(4), 228-235. doi: 10.1016/j.jik.2019.12.004
https://doi.org/10.1016/j.jik.2019.12.00...
). Teóricos como Friedman (1953)Friedman, M. (1953) The methodology of positive economics. In: M. Friedman, Essays in positive economics. Chicago, USA: University of Chicago Press. e Becker (1962)Becker, G. (1962). Irrational behavior and economic theory. Journal of Political Economy, 70., por exemplo, destacam a importância da inovação técnica e organizacional para o desenvolvimento capitalista (Possas, 2008Possas, M. L. (2008). Economia evolucionária neo-schumpeteriana: Elementos para uma integração micro-macrodinâmica. Estudos Avançados, 22(63), 281-305. doi: 10.1590/S0103-40142008000200021
https://doi.org/10.1590/S0103-4014200800...
). Mas, dada a multiplicidade de visões sobre o assunto, Slappendel (1996)Slappendel, C. (1996). Perspectives of innovation in organizations. Organization Studies, 17(1), 107-129. doi: 10.1177/017084069601700105
https://doi.org/10.1177/0170840696017001...
sugere sintetizar três perspectivas de pesquisa: a corrente individualista, a corrente estruturalista e a corrente do processo interativo.

A perspectiva interacionista pode representar um esforço para se reduzir a lacuna entre as visões individualistas e estruturalistas ao inseri-las num mesmo processo de desenvolvimento do esforço inovador, elaborando um modelo que traz a interface entre os fatores individuais e estruturais (Wang & Li, 2019Wang, P., & Li, F. (2019). China’s organization and governance of innovation: A policy foresight perspective. Technological Forecasting and Social Change, 146, 304-319. doi: 10.1016/j. techfore.2019.05.029
https://doi.org/10.1016/j. techfore.2019...
), mas também pressupõe a inovação como uma ação coletiva e interativa, cujos resultados advêm do esforço de alinhamento de elementos individuais, organizacionais e contextuais (Slappendel, 1996Slappendel, C. (1996). Perspectives of innovation in organizations. Organization Studies, 17(1), 107-129. doi: 10.1177/017084069601700105
https://doi.org/10.1177/0170840696017001...
).

A perspectiva do processo interativo não parece escapar da unilateralidade da maioria dos estudos de inovação nem se adequar às particularidades do capitalismo cognitivo. Por encarar o conhecimento como um recurso neutro, os produtores de software continuam a suprimir do processo os aspectos políticos e culturais ao estabelecerem uma fronteira entre criadores e utilizadores, tirando dos últimos a oportunidade de participarem na continuação da inovação (Liu, 2017Liu, C. H. (2017). Creating competitive advantage: Linking perspectives of organization learning, innovation behavior and intellectual capital. International Journal of Hospitality Management, 66, 13-23. doi: 10.1016/j.ijhm.2017.06.013
https://doi.org/10.1016/j.ijhm.2017.06.0...
). Assim, não contemplam a abertura de fronteiras proporcionada pelas novas TIC como suporte para a geração de novos processos de inovação e modelos de negócio.

A apropriação crítica do paradigma tradicional de inovação representa um esforço de compreensão do fenômeno emergente da inovação disruptiva, operacionalizada em fluxo e desenvolvida por agentes com aptidão para a bricolagem (Taques, López, Basso, & Areal, 2020Taques, F. H., López, M. G., Basso, L. F., & Areal, N. (2020). Indicators used to measure service innovation and manufacturing innovation. Journal of Innovation & Knowledge, 6(1), 11-26. doi: 0.1016/j.jik.2019.12.001
https://doi.org/0.1016/j.jik.2019.12.001...
). Assim, autores como Ortt e Duin (2008)Ortt, J. R., & Duin, P.A. (2008). The evolution of innovation management toward contextual innovation. European Journal of Innovation Management, 11(4), 522-538. doi 10.1108/14601060810911147
https://doi.org/10.1108/1460106081091114...
sinalizam uma tendência de substituição dos modelos de inovação lineares e endógenos da firma individual para um modelo de processo em rede, exógeno, multidirecional e caótico, que permite a participação do usuário das novas TIC.

Colaboração on-line no desenvolvimento de software livre

A colaboração on-line vem sendo entendida como um fenômeno com potencial de mudar vidas e desafiar hierarquias (Betzing, Kurtz, & Becker, 2020Betzing, J. H., Kurtz, M., & Becker, J. (2020). Customer participation in virtual communities for local high streets. Journal of Retailing and Consumer Services, 54, 102025. Doi: https://doi.org/10.1016/i.jretconser.2019.102025
https://doi.org/10.1016/i.jretconser.201...
), a partir das interações em redes sociais de colaboração (Castells, 2010Castells, M. (2010). A sociedade em rede – A Era da Informação: Economia, Sociedade e Cultura (11a ed.). Rio de Janeiro, RJ: Paz e Terra.) que abrem espaços para participação nos processos organizacionais para além das fronteiras da organização (Lee & Cole, 2003Lee, G. K., & Cole, R. E. (2003). From a firm-based to a community-based model of knowledge creation: The case of the Linux kernel development. Organization Science, 14(6), 633-649. doi: 10.1287/orsc.14.6.633.24866
https://doi.org/10.1287/orsc.14.6.633.24...
), incluindo usuários e outros atores externos (Hemetsberger & Reinhardt, 2009Hemetsberger, A., & Reinhardt, C. (2009). Collective development in open-source communities: An activity theoretical perspective on successful online collaboration. Organization Studies, 30(9), 987-1008. doi:10.1177/0170840609339241
https://doi.org/10.1177/0170840609339241...
). A colaboração on-line está associada a temas como criação de conhecimento (Lee & Cole, 2003Lee, G. K., & Cole, R. E. (2003). From a firm-based to a community-based model of knowledge creation: The case of the Linux kernel development. Organization Science, 14(6), 633-649. doi: 10.1287/orsc.14.6.633.24866
https://doi.org/10.1287/orsc.14.6.633.24...
), inovação de produto (Jeppesen & Frederiksen, 2006Jeppesen, L. B., & Frederiksen, L. (2006). Why do users contribute to firm-hosted user communities? The case of computer-controlled music instruments. Organization Science, 17(1), 45-63. Doi; doi: 10.1287/orsc.1050.0156
https://doi.org/10.1287/orsc.1050.0156...
) e desenvolvimento de sistemas de atividades (Hemetsberger & Reinhardt, 2009Hemetsberger, A., & Reinhardt, C. (2009). Collective development in open-source communities: An activity theoretical perspective on successful online collaboration. Organization Studies, 30(9), 987-1008. doi:10.1177/0170840609339241
https://doi.org/10.1177/0170840609339241...
).

Lee e Cole (2003)Lee, G. K., & Cole, R. E. (2003). From a firm-based to a community-based model of knowledge creation: The case of the Linux kernel development. Organization Science, 14(6), 633-649. doi: 10.1287/orsc.14.6.633.24866
https://doi.org/10.1287/orsc.14.6.633.24...
, que estudam a colaboração on-line no desenvolvimento de SL, propõem um modelo de criação de conhecimento fundamentado no aprendizado em comunidades. Para eles, o aprendizado ocorre num processo coletivo de formação das identidades e do aculturamento em comunidades de práticas (Brown & Duguid, 1991Brown, J. S., & Duguid, P. (1991). Organizational learning and communities-of-practice: Toward a unified view of working, learning, and innovation. Organization Science, 2(1), 40-57. doi: https://doi.org/10.1287/orsc.2.1.40
https://doi.org/10.1287/orsc.2.1.40...
; Fernandes, Fernandes, Paiva, Leão, & Costa, 2020Fernandes, O. L. C, Fernandes, N. C. M, Paiva, F. C, Jr., Leão, A. M. S., & Costa, M. F. (2020). Symbolic consumption and representation of self: A study of interactions in a virtual community of Ubuntu-Br users. Cadernos EBAPE.BR, 17, 717-731. doi: org/10.1590/1679-395174446x
https://doi.org/10.1590/1679-395174446x...
), em que os praticantes podem estar dispersos geograficamente, porque o que os classifica como grupo é a prática, o métier.

O desenvolvimento de SL ocorre num processo de colaboração entre voluntários. De acordo com Lee e Cole (2003)Lee, G. K., & Cole, R. E. (2003). From a firm-based to a community-based model of knowledge creation: The case of the Linux kernel development. Organization Science, 14(6), 633-649. doi: 10.1287/orsc.14.6.633.24866
https://doi.org/10.1287/orsc.14.6.633.24...
, as contribuições dos diferentes desenvolvedores não são reguladas por um contrato formal de serviço remunerado, mas sim por normas culturais e legais cujos mecanismos subjacentes ao processo de construção do conhecimento podem ser compreendidos em termos de, pelo menos, quatro aspectos: 1) blocos de construção de conhecimento amplamente compartilhados; 2) incentivos para contribuir como voluntários da comunidade de SL; 3) coordenação sobre condições de incerteza; e 4) orientação para a qualidade nos processos de inovação.

No caso das comunidades de SL, Lee e Cole (2003)Lee, G. K., & Cole, R. E. (2003). From a firm-based to a community-based model of knowledge creation: The case of the Linux kernel development. Organization Science, 14(6), 633-649. doi: 10.1287/orsc.14.6.633.24866
https://doi.org/10.1287/orsc.14.6.633.24...
ensinam que as normas culturais e legais permitem a emergência da estrutura de códigos paralelos e da estrutura de tarefa em dois níveis (two-tier task structure) que caracterizam os processos de operação e propiciam uma visualização do seu funcionamento. A estrutura de códigos paralelos refere-se à existência simultânea de duas versões do mesmo software, uma versão estável e uma versão de testes (Betzing et al., 2020Betzing, J. H., Kurtz, M., & Becker, J. (2020). Customer participation in virtual communities for local high streets. Journal of Retailing and Consumer Services, 54, 102025. Doi: https://doi.org/10.1016/i.jretconser.2019.102025
https://doi.org/10.1016/i.jretconser.201...
). Assim, todo o trabalho é desenvolvido na versão de testes, até que o software seja considerado satisfatório e seguro para inclusão na versão estável. Essa prática permite a experimentação, o erro, a crítica e a correção de erros.

O contexto da Teoria do Discurso de Ernesto Laclau e Chantal Mouffe

O termo que descreve bem o trabalho de Laclau e Mouffe (2001)Laclau, E., & Mouffe, C. (2001). Hegemony and socialist strategy: Towards a radical democratic politics (2nd ed.). New York, USA: Verso. é o que se denomina Teoria do Discurso (TD), que esses autores descrevem como uma “totalidade estruturada resultante de prática articulatória” (Laclau & Mouffe, 2001Laclau, E., & Mouffe, C. (2001). Hegemony and socialist strategy: Towards a radical democratic politics (2nd ed.). New York, USA: Verso., p. 105). Nessa lógica discursiva, as articulações representam “quaisquer práticas estabelecendo uma relação entre os elementos de tal forma que sua identidade é modificada como resultado da prática articulatória” (Laclau & Mouffe, 2001Laclau, E., & Mouffe, C. (2001). Hegemony and socialist strategy: Towards a radical democratic politics (2nd ed.). New York, USA: Verso., p. 105), e articulação hegemônica, a “formação de uma liderança política e moral-intelectual que envolve a articulação de uma variedade de elementos ideológicos em um projeto político comum que modifica a identidade das forças políticas por trás dele” (Howard & Torfing, 2005Howard, D., & Torfing, J. (2005). Discourse theory in European politics: Identity, policy and governance. New York: Palgrave Macmillan., p. 12).

A TD introduz também a concepção de um social complexo, totalmente reconceituado em termos discursivos, sendo constituído por uma infinidade de identidades resultantes de articulações (Deligiaouri, 2019Deligiaouri, A. (2019). Economic crisis and Greek crisis discourse: A discourse analysis of articles from The Economist referring to Greece (2009-2011). journal of Language and Politics, 18(2), 231-251. doi: https://doi.org/10.1075/jlp.17056.del
https://doi.org/10.1075/jlp.17056.del...
). De outra forma, o componente social é perpassado por antagonismos e caracteriza-se como o reino das diferenças discursivas que vão se homogeneizando com a formação de cadeias equivalenciais vis-à-vis com um exterior puramente negativo, ou seja, um exterior que não cessa de trazer novas ameaças às estabilizações discursivas.

A TD privilegia o dinamismo que as sociedades e os diferentes grupos sociais apresentam, construindo-se e desconstruindo-se em múltiplos arranjos, produtores de significados instáveis, cambiáveis e, por vezes, hegemônicos (Laclau & Mouffe, 2001Laclau, E., & Mouffe, C. (2001). Hegemony and socialist strategy: Towards a radical democratic politics (2nd ed.). New York, USA: Verso.). Assim, um dos conceitos centrais da TD que é fundamental para o nosso estudo é o de hegemonia, que se define como uma liderança política, assim como moral e intelectual, que depende da construção de uma formação discursiva que fornece a base para a inscrição de um vasto leque de demandas, visões e atitudes (Torfing, 1999Torfing, J. (1999). New theories of discourse: Laclau, Mouffe, and Zizek (Vol. 301). Oxford: Blackwell Publishers.). No campo discursivo, ela representa o alvo de permanente contestação entre as narrativas que estão em disputa. Nesse cenário de diferentes significados em conflito, a hegemonia ocorre quando existe a fixação de uma significação em torno de um ponto nodal (Deligiaouri, 2019Deligiaouri, A. (2019). Economic crisis and Greek crisis discourse: A discourse analysis of articles from The Economist referring to Greece (2009-2011). journal of Language and Politics, 18(2), 231-251. doi: https://doi.org/10.1075/jlp.17056.del
https://doi.org/10.1075/jlp.17056.del...
).

Três lógicas fundamentais da TD entram em jogo nessa busca (impossível) pela plenitude: a lógica da diferença, que contribui para a demarcação das fronteiras do discurso; a lógica da equivalência, que contribui para a articulação das igualdades entre os agentes ou entre uma série de diferentes "outros"; e a lógica da fantasia (ou fantasmática), que fornece os meios para entendermos determinadas práticas sociais específicas e como os sujeitos aderem a determinados regimes. A fantasia serve para garantir que a contingência radical da realidade social permaneça no fundo (Glynos, 2008Glynos, J. (2008). Ideological fantasy at work. Journal of Political Ideologies, 13(3), 275-296. Recuperado de http://repository.essex.ac.Uk/13270/l/paper230708.pdf
http://repository.essex.ac.Uk/13270/l/pa...
; Stavrakakis, 2004Stavrakakis, Y. (20045). Passions of identification: Discourse, identification. In D. Howard, & J. Torfing, Discourse theory in European politics: Identity, policy and governance. New York: Palgrave Macmillan.).

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Neste estudo, partimos do pressuposto de que os usuários de tecnologia têm sido sub-representados nos discursos vigentes sobre inovação. O trabalho de traduzir seus pontos de vista em parâmetros técnicos é realizado a partir do olhar dos especialistas que executam os testes, por exemplo.

Nesse sentido, propomo-nos a investigar o componente hegemônico presente no discurso dos usuários/desenvolvedores da comunidade PUG-PE, para compreendermos como podem ser sujeitos ativos na definição das funcionalidades de determinado software, ou seja, nas escolhas técnicas que determinam a configuração do software. Ao entrarmos nesse campo de discursividade, intencionamos desvelar como o processo de produção tanto amplia o trabalho inovador de atribuir um uso diferente ao software como pode criar um novo objeto no mercado. Essa situação faz com que possa existir um alinhamento entre a identidade de usuário e a do inovador.

A questão em estudo pauta-se por compreender o modo como ocorre o discurso hegemônico dos desenvolvedores da comunidade PUG-PE no âmbito do processo de inovação com SL. Escolhemos as interpelações da análise do discurso, uma estratégia que objetiva não apenas capturar a forma como a palavra é anunciada, como também analisar a sua significação. Para essa perspectiva, os posicionamentos revelados pelos sujeitos, e da mesma forma pelos objetos, têm por base suas práticas discursivas. Nesses termos, as subjetividades acabam sendo produzidas discursivamente (Fernandes, Fernandes, Paiva, & Melo, 2014Fernandes, O. L. C, Fernandes, N. C. M., Paiva, F. C, Jr., & Melo, S. C. B. (2014). Um negócio da China: O discurso do guãnxi nas articulações no âmbito organizacional. Cadernos EBAPE.BR, 12(2), 253-269. doi: 10.1590/1679-395174446x
https://doi.org/10.1590/1679-395174446x...
).

Os documentos pesquisados foram o resultado de dois vídeos sobre um encontro brasileiro dos desenvolvedores da linguagem de programação Python (Community Overflow [V1] e construindo comunidades bem-sucedidas [V2]) e seis entrevistas realizadas com desenvolvedores de SL da comunidade PUG-PE (Gileno Alves [El], Marcelo Caraciolo [E2], Renato Oliveira [E3], Marcos Egito [E4], Daker Fernandes [5] e Henrique Foresti [6]). As conversações ocorreram a partir de um itinerário de perguntas que tinham o objetivo produzir avanços teórico-empíricos (Fernandes et al., 2014Fernandes, O. L. C, Fernandes, N. C. M., Paiva, F. C, Jr., & Melo, S. C. B. (2014). Um negócio da China: O discurso do guãnxi nas articulações no âmbito organizacional. Cadernos EBAPE.BR, 12(2), 253-269. doi: 10.1590/1679-395174446x
https://doi.org/10.1590/1679-395174446x...
), tendo os sujeitos participantes do estudo sido intencionalmente selecionados, a considerar sua expressiva representação no campo discursivo em questão.

A análise dos dados aconteceu em três etapas diferentes, conforme sugerem Fernandes et al. (2014)Fernandes, O. L. C, Fernandes, N. C. M., Paiva, F. C, Jr., & Melo, S. C. B. (2014). Um negócio da China: O discurso do guãnxi nas articulações no âmbito organizacional. Cadernos EBAPE.BR, 12(2), 253-269. doi: 10.1590/1679-395174446x
https://doi.org/10.1590/1679-395174446x...
: na primeira etapa, fez-se a arrumação dos dados visando a investigação dos conteúdos levantados; a segunda etapa foi marcada pela leitura cuidadosa dos dados colhidos com a busca por obter uma perspectiva mais ampla do conhecimento reunido e desenvolver uma reflexão a respeito da sua significância; no terceiro e último momento, procedemos à interpretação dos resultados alcançados. Durante as análises dos dados, cada recorte do dado foi tratado sob a forma de códigos identificadores, a exemplo de El, § 1R1, onde os números que estão depois das letras correspondem à contagem das entrevistas (E), parágrafo (§) e referência (R) em destaque. No Quadro 1, apresentamos o protocolo de análise que utilizamos na etapa analítica do estudo. Os dados provenientes dos vídeos foram apresentados da seguinte forma: V1, 01:00-02:00, em que a letra V corresponde a vídeo, seguida do tempo cronometrado correspondente às falas.

Quadro 1
Processo de pesquisa em cinco etapas

As inferências propostas encontram suporte na TD de Laclau e Mouffe (2001)Laclau, E., & Mouffe, C. (2001). Hegemony and socialist strategy: Towards a radical democratic politics (2nd ed.). New York, USA: Verso., cujo fundamento baseia-se nas noções de discurso, hegemonia e pelas três lógicas de construção discursiva: lógica de equivalência, lógica de diferença e lógica da fantasia.

Como forma de manter a integridade do procedimento analítico, a etapa de debate e construção dos resultados contou com a presença recorrente do auditor da investigação, o que auxiliou a validação das análises. A reflexividade constante representou um meio de superar limitações envoltas em pesquisas que lidam com cenários contingentes e dinâmicos (Fernandes & Silva, 2015Fernandes. N. C. M., & Silva, A. D. F. (2015, outubro). O discurso da inovação entre os empresários no desenvolvimento de produtos inovadores: Uma análise no setor de jogos eletrônicos do estado de Pernambuco. XVI Congresso Latino-Iberoamericano de Gestão Tecnológica (ALTEC), Porto Alegre, RS.). Para Alvesson e Skoldberg (2000)Alvesson, M., & Skoldberg, K. (2000). Reflexive methodology: New vistas for qualitative research. Thousand Oaks, USA: Sage Publications., a reflexividade é um elemento que traz maior segurança aos procedimentos operacionais da pesquisa e condição que gera transformação no pesquisador.

ANÁLISE DOS RESULTADOS

Esta etapa foi desenvolvida com base no estabelecimento de um ponto de fixação discursiva em torno do qual determinadas cadeias articulatórias são desenvolvidas. Essas cadeias são construídas a partir do alinhamento de diferentes demandas individuais e organizacionais que se influenciam mutuamente e se caracterizam pela construção de uma hegemonia do discurso. No nosso caso, o esforço interpretativo foi de caracterizar a articulação de um discurso que constrói equivalências de modo a contemplar a inovação centrada nas contribuições do usuário/desenvolvedor de SL a partir da diferenciação das práticas que negam a produção coletiva, imaterial e desenvolvida em fluxo vigente em comunidades de desenvolvimento open source. A fantasia, por sua vez, provê os elementos que conferem credibilidade a esses discursos de modo a conquistar os stakeholders com suporte num esforço conduzido para que se torne um discurso hegemônico.

A lógica de equivalências em torno dos discursos dos desenvolvedores do PUG-PE

Como em toda cadeia de equivalência, os momentos de constituição discursiva da comunidade PUG-PE como o “projeto open-source de desenvolvimento de software” não se subordinam a todas as demandas que compõem essa articulação entre atores-chave da cadeia de equivalências daquele ecossistema, mesmo que tal variabilidade de demandas constitua condição primordial para garantir sua existência.

No que se refere ao Python, alguns elementos articulados nessa cadeia de equivalências podem ser resumidos assim: 1) linguagem de programação interpretada e, portanto, voltada para o esforço do programador; 2) facilidade de aprender e atividade altamente produtiva e inovadora; 3) multiparadigma: implementação orientada ao objeto, funcional e procedural; 4) multiplataforma, open source e divertido. Essa equivalência em torno do Python é fundamental para o objetivo de preservar um ambiente inclusivo orientado para todos os usuários/programadores e dirigida para angariar o apoio dos stakeholders. Assim, a sustentação dessas cadeias de equivalência exitosa requer uma contínua reiteração desses discursos, e a emergência dos equivalentes gerais constitui uma forma para manter o discurso do PUG-PE como um espaço para projetos inovadores em Python.

As diferenças de visões de mundo entre os desenvolvedores equivalem-se nos pontos de fixação discursiva como “ambiente colaborativo” e “comunidade”, em que se mantêm as equivalências na ordem de suas demandas, como acontece quando os desenvolvedores reiteram, por exemplo, que os encontros do PUG-PE são dos mais significativos eventos de tecnologia de Pernambuco por estimularem a programação, participação e colaboração ou trazerem uma aura de espaço compartilhado e inclusivo de intercâmbio tecnológico, como mostra o relato de Marcel Caraciolo (MC).

Outro ponto também é que eu gosto desse ciclo colaborativo e acho importante a troca de informação e uma das motivações para participar dessas comunidades de software livre é a troca de informação. Eu fiz uma coisa de forma X e outro de forma Y. Se eu jogasse e escondesse a forma X de fazer a coisa não ia descobrir as falhas potenciais ou melhorias que poderia ter. Então a ideia de intercambiar essas informações que é uma coisa legal dessas comunidades de software livre, e você não pagará nada por isso, só estará trocando conhecimento (E3, § 6R3).

Isso representa a existência do conjunto de elementos que expressam a constituição da identidade dos atores pertencentes a um grupo que pode proporcionar-lhes boas experiências, aliado ao fato de o PUG-PE, após 2010, expandir suas atividades técnicas de colaboração on-line para várias outras universidades (mais de 10 em Pernambuco) e, com isso, chamar a atenção de empresas locais que acabam por começar a usar essa linguagem de programação nos seus projetos. Assim, esse esforço de posicionamento do PUG-PE como um dos principais encontros de tecnologia de Pernambuco já constitui o resultado da estratégia integradora de se colocarem como a comunidade de desenvolvedores mais ativa da cidade, competindo para se igualarem ou ultrapassarem o tradicional Java, uma das principais linguagens de programação utilizadas pelo tecido empresarial local.

As estratégias bem-sucedidas de inclusão do Python como opção viável para o empresariado local são decorrentes da liderança competente de Marcel, reconhecida pelos demais integrantes, e pela eficiência e simplicidade da linguagem, que acaba por atrair outros interessados, “aumentando a massa crítica” do grupo. O êxito atual do grupo alinha-se à narrativa de sucesso da maior parte dos empreendimentos relacionados a TIC, que remete à história de um agente sozinho que acredita na sua ideia e consegue agregar pessoas-chave do entorno, e, assim, pavimentar o caminho profissional para alcançar o sucesso empresarial. O trecho a seguir ilustra a reiteração dessa retórica nesse processo:

[...] a gente começou pequeno lá no Centro de Informática da UFPE. Tudo começou lá, mas a gente foi evoluindo, evoluindo e hoje temos um portal do site, lista de discussão, blogs, canal de vídeos que está bem organizado agora... Começamos bem lentamente promovendo pequenos cursos lá por 2009. Em 2010, começamos a ter encontros com novos participantes e quanto mais encontros fazíamos mais gente aparecia... Então a gente já fez muita coisa que justifica o que somos hoje... Temos um bom conjunto de empresas que usam essa tecnologia, como a Nokia, por exemplo, e particularmente as startups, e chegamos até a fazer uma ferramenta que media o êxito dos candidatos dos candidatos a eleição junto aos seus eleitores... Então faça, faça, faça. Não adianta ficar parado. Eu cheguei lá no Cin, vi o que tinha de fazer e juntamente com alguns amigos começamos a fazer as coisas acontecerem (V1, 07:35-15:00).

As metáforas que dominam essa narrativa da história do grupo reportam a um “início difícil” com “várias tentativas fracassadas” até aparecer um “agente caótico”, o Marcel Caraciolo, ao passar a dar um novo rumo aos destinos do grupo que “ganha massa crítica” e visibilidade no cenário de TIC local, chamando a atenção de “pesquisadores, empresas, entusiastas, desenvolvedores e paraquedistas” com interesse na tecnologia e, desse modo, eles se esforçam para que o Python avance no estado. As diferenças de visão de mundo equivalem-se nos pontos de fixação discursiva como “comunidade bem-sucedida”, mantendo as equivalências nas suas demandas, como mostra a Figura 1, vislumbradas a partir de trechos da lista de discussão do PUG-PE (Quadro 2).

Quadro 2
As equivalências da cadeia de significação de “comunidade bem-sucedida”

Figura 1
Os discursos da fantasia

A função dessas narrativas, portanto, está alinhada à perspectiva de Deligiaouri (2019)Deligiaouri, A. (2019). Economic crisis and Greek crisis discourse: A discourse analysis of articles from The Economist referring to Greece (2009-2011). journal of Language and Politics, 18(2), 231-251. doi: https://doi.org/10.1075/jlp.17056.del
https://doi.org/10.1075/jlp.17056.del...
quando afirma que elas se referem às estratégias de simplificação do discurso de modo a enunciar um discurso mais acessível aos outros que fazem parte da cadeia equivalencial, ou seja, as pessoas de diversas origens, com diferentes perspectivas sobre questões complexas do grupo, “identificam-se” com esse discurso, criando uma rede de equivalências e eliminando as diferenças. Isto é, eles mobilizam-se para construir uma cadeia de equivalência em torno dos diversos argumentos e significados do PUG-PE, o que faz com que determinados assuntos possam ganhar certo contorno dentro do qual aqueles temas de interesse possam ser debatidos e analisados no âmbito da comunidade.

As redes de equivalência de “sucesso do empreendimento” anulam as diferenças entre a comunidade e as empresas usuárias e produtoras de softwares e realçam as diferenças com os sistemas de ensino ministrados em faculdades e universidades com que mantém parcerias; ou entre a comunidade e os programas de governo incentivadores de empreendedorismo e inovação tecnológica. Essa ação institucional é demarcada pela formulação de uma estratégia articulatória que se estende da rede de equivalências para além das fronteiras da comunidade e a leva em direção à esfera universal, uma vez que produz um discurso desejável de identificação (Chan & Li, 2010Chan, K W., & Li, S. Y. (2010). Understanding consumer-to-consumer interactions in virtual communities: The salience of reciprocity. Journal of Business Research, 63(9-10), 1033-1040. doi: 10.1016/j.jbusres.2008.08.009
https://doi.org/10.1016/j.jbusres.2008.0...
).

Lógica da diferença: comunidade e mercado/desenvolvedor e comunidade

O entendimento das diferenças entre os elementos-momentos que fazem parte da cadeia discursiva “comunidade” ajuda no entendimento a respeito dos vínculos equivalenciais que criam as conexões discursivas nessa cadeia de equivalências. Além disso, merece destaque o fato de que a ideia de identidade infere a necessidade do realce da diferença, ou seja, se não houver diferença, isso pode significar que estamos tratando de um mesmo sujeito, pois o PUG-PE constrói sua identidade a partir da existência de outras identidades distintas, como é o caso de comunidades portadoras de outras abordagens tecnológicas, como mostra o recorte da entrevista de Marcos Egito (ME):

A galera troca pedaços de código em Python sem complicação. Você vê o caso do PUG, você vai lá e tem uma lista de discussão aberta. É só cadastrar e se você tiver alguma dúvida a respeito do código você vai ter aquele grupo de pessoas dispostas a trabalhar com você sobre aquilo. Não tem nenhum tipo de restrição do tipo, ah, você não é sócio, tem de pagar x. Não tem nada disso que já acontece em outros grupos por aí (E4, § 10R2).

Em relação ao mercado, a diferença ocorre a partir de sua lógica estrita demarcada por só visar o ganho em cima da tecnologia (a visão utilitarista), esquecendo-se da dimensão da paixão dos usuários/desenvolvedores pela tecnologia (a dimensão lúdica). O trabalho de Benkler (2006)Benkler, Y. (2006). The wealth of networks: How social production transforms markets and freedom. New Haven, USA: Yale University Press. já é elucidativo nesse sentido quando defende que o processo de desenvolvimento de softwares de código aberto se fundamenta no mecanismo de produção peering e não guarda similaridades com o modelo clássico do mercado e das empresas. Se partirmos do entendimento de Iannacci (2005)Iannacci, F. (2005). The social epistemology of open source software development: The Linux case study (Tese de Doutorado, University of London, UK). de que a “produção transparente, baseada em comunidade com um modelo de gestão colaborativa foi a maior inovação do Linux” (p. 48), então a lógica estrita do mercado pode constituir o corte antagônico que define o “outro”, a diferença que tem uma relação dicotômica com as demandas do discurso da comunidade Python de Pernambuco, como pode ser constatado nos recortes a seguir.

Eu vejo como uma ameaça futura para determinado tipo comunidade as empresas. Mas para o Python eu acho isso difícil de acontecer porque a comunidade em si é formada por muitas pessoas e não tem uma empresa controlando tudo. Mas nunca se sabe do dia de amanhã, né? (E2, § 3R3).

O uso do software livre ou a questão de participar de comunidades, ao contrário do que a maioria das pessoas pensa, não é só o pinguinzinho, mas eu vou à essência disso. Então hoje eu uso software livre, e passo isso nas aulas que eu dou, sem gerar e alimentar as disparidades que estão aí no mercado (E4, § 2R1).

Sob essa lógica, a condição da diferença é o elemento que permite que a prática articulatória se dê a partir das mesmas diferenças que se unem de maneira precária e contingente, num ponto nodal detentor da característica de expressar um sentido comum a elas. Uma vez mais, é a diferença que permite a articulação entre os interagentes da cadeia equivalencial.

A universalidade dessa lógica da diferença extrapola o campo político para chegar ao campo normativo (Dong et al., 2019Dong, J. Q., Wu, W., & Zhang, Y (2019). The faster the better? Innovation speed and user interest in open source software. Information & Management, 56(5), 669-680. doi: 10.1016/j.im.2018.11.002
https://doi.org/10.1016/j.im.2018.11.002...
). Marcel Caraciolo argumenta que o PUG é diferente dos outros grupos de desenvolvedores com base em determinados dados como número de encontros mensais, quantidade de membros, volume de startups que usam Python, número de universidades que estabeleceram parcerias, número de filmagens registradas nos canais de vídeo e quantidade de projetos postados no GitHub.

Lógica da fantasia forjando um ambiente colaborativo inclusivo

A lógica da fantasia fornece suporte para os projetos políticos da comunidade e para as escolhas individuais dos usuários/desenvolvedores. As fantasias são basicamente sustentadas pelos discursos mostrados na Figura 1.

Essas construções temáticas são formas óbvias de se pensar a respeito do modo como a comunidade é afetada e sustentada pelas fantasias. Esses desejos estruturados fantasmaticamente moldam a natureza e o conteúdo das demandas dos usuários desenvolvedores, assim como estruturam a forma como as questões emergentes são respondidas. Os dois trechos abaixo são indicativos disso quando o entrevistado se refere à linguagem de programação Python:

É uma linguagem de alto nível usada em vários ambientes como Linux, Windows, Mac. É o que se chama interoperabilidade, multiplataforma. Outra chave importante que eu gosto de chamar atenção em Python é que ela está sendo usada muito nas universidades para ensinar programação. Então, isso é uma coisa fantástica (E2, § 1R1).

Deve-se notar aqui que a linguagem de programação Python é investida de propriedades que excedem a seus componentes puramente técnicos – quando, por exemplo, essa linguagem de programação aparece nas narrativas individuais como algo fantástico, superior, divertido, inovador, competitivo – ela torna-se o objeto a partir do qual os usuários/programadores experienciam sensações de heroísmo, liberdade e autonomia no esforço por controlar a sua performance.

A fantasia exerce papel fundamental na construção e sustentação do discurso da comunidade e nas relações estabelecidas entre seus integrantes. A visão de Glynos (2008)Glynos, J. (2008). Ideological fantasy at work. Journal of Political Ideologies, 13(3), 275-296. Recuperado de http://repository.essex.ac.Uk/13270/l/paper230708.pdf
http://repository.essex.ac.Uk/13270/l/pa...
com respeito a esse processo destaca que existem ou convivem com aspectos tanto ideológicos como normativos, feições que são frequentemente confundidas. O ideológico estaria no discurso da comunidade que tenta apresentar o PUG-PE como uma totalidade fechada e homogênea, por meio da fixação de um ponto nodal, e no não reconhecimento do jogo infinito das diferenças (Laclau & Mouffe, 2001Laclau, E., & Mouffe, C. (2001). Hegemony and socialist strategy: Towards a radical democratic politics (2nd ed.). New York, USA: Verso.). Ou seja, a ideologia estaria no desejo de construir o discurso da totalidade. Já o significante normativo da dimensão ideológica da fantasia estaria na função de manter o caráter político das relações na comunidade, atrelado ao processo de produção, apropriação e distribuição do conhecimento e informação.

A fantasia promete uma resolução harmoniosa dos antagonismos sociais, uma vez que possibilita um preenchimento para os vazios do discurso. Para Stavrakakis (2004)Stavrakakis, Y. (20045). Passions of identification: Discourse, identification. In D. Howard, & J. Torfing, Discourse theory in European politics: Identity, policy and governance. New York: Palgrave Macmillan., somente assim o discurso pode constituir-se como um objeto desejável de identificação, como mostra o trecho abaixo:

A comunidade realmente atrai muitas pessoas. E nem todo o mundo está lá necessariamente pelo interesse no Python. Você vai ver pessoas que vão lá porque têm uma ideia e querem compartilhar, têm um problema e procuram uma solução e acham que a comunidade pode ajudá-las. Então a comunidade sai do âmbito da tecnologia e começa a se expandir (E2, § 6R4).

Então a fantasia organiza e apoia a aparente multiplicidade de identidades por alinhar-se ao estudo de Glynos (2008)Glynos, J. (2008). Ideological fantasy at work. Journal of Political Ideologies, 13(3), 275-296. Recuperado de http://repository.essex.ac.Uk/13270/l/paper230708.pdf
http://repository.essex.ac.Uk/13270/l/pa...
, quando explora as práticas do local trabalho reconhecidas a partir do ponto de vista das fantasias. Assim, os resultados indicam que uma das fantasias estruturantes do local de trabalho diz respeito à liderança, nomeadamente as individuais, vivenciadas sobre os superiores hierárquicos: exemplos disso seriam o líder cuidadoso, o acessível e o onipotente. E a motivação para os programadores no sentido de desejarem estabilizar o discurso da comunidade pelo suporte da fantasia não deve ser confundida com atores racionais, em que procuram satisfazer seus interesses, mas sim atores cuja identidade é dependente do discurso, e a incompletude do discurso obriga o ator a construir uma identidade completa ilusória por meio de atos de identificação (Howard & Torfing, 2005Howard, D., & Torfing, J. (2005). Discourse theory in European politics: Identity, policy and governance. New York: Palgrave Macmillan.). Nesse sentido, os atores são estratégicos e não racionais, ou seja, os articuladores da comunidade atuam de modo a melhorar a eficácia comunicacional com seus integrantes por meio da produção de conhecimento útil, que tem chance de ser adotado pelos participantes ou aperfeiçoado pelo mercado. Além disso, a lógica fantasmática do discurso opera quando o sujeito se encontra investido de alguma fantasia, de modo que qualquer coisa que venha a desestabilizar a narrativa fantasmática do sujeito é vista como uma ameaça.

A lógica da fantasia auxilia a compreensão da forma como ocorre o processo de produção de inovação na comunidade PUG-PE, uma vez que essa lógica revela a ideologia da comunidade e, desse modo, a forma como é desenvolvido o esforço para inserirem ou transformarem a lógica social existente de produção, apropriação e distribuição de informações e conhecimento (Betzing et al., 2020Betzing, J. H., Kurtz, M., & Becker, J. (2020). Customer participation in virtual communities for local high streets. Journal of Retailing and Consumer Services, 54, 102025. Doi: https://doi.org/10.1016/i.jretconser.2019.102025
https://doi.org/10.1016/i.jretconser.201...
).

A construção do discurso hegemônico dos desenvolvedores do PUG-PE

O cenário em que o PUG-PE emerge é enredado com discursos que apelam para novos modelos de gerenciamento da inovação, uma nova abordagem para os serviços e constituição de novas identidades coletivas que vão de encontro às hierarquias rígidas da era industrial (Taques et al., 2020Taques, F. H., López, M. G., Basso, L. F., & Areal, N. (2020). Indicators used to measure service innovation and manufacturing innovation. Journal of Innovation & Knowledge, 6(1), 11-26. doi: 0.1016/j.jik.2019.12.001
https://doi.org/0.1016/j.jik.2019.12.001...
). Essas questões destacam-se no discurso hegemonizante dos desenvolvedores a partir das lógicas de equivalência, diferença e fantasia.

No que diz respeito à TD, o conceito de hegemonia é fundamental, visto que representa o elemento particular que tem a função de simbolizar uma plenitude ausente (Laclau, 2005Laclau, E. On populist reason. New York: Verso. 2005.). O processo de sua constituição como cadeia equivalencial tem como ponto de partida a cadeia de discursos que enunciam a preservação de um sentido comunitário de um grupo de pessoas que compartilham certos valores os quais os diferenciam de outros grupos e de outras propostas do mercado ao manterem o status de um “grupo de compartilhamento de experiências que teve um início lento e difícil”, como mostra o trecho de um vídeo de Marcel Caraciolo apresentando o PUG-PE:

[...] a lista de discussão do PUG-PE teve início em 2007 e nessa época fazer encontro era complicado porque geralmente o pessoal não ia. Para você ter ideia o primeiro encontro foi no restaurante Bugaloo, mas o pessoal quer é programar e não comer, e ninguém foi, só foi o cara. Os anos de 2008 e 2009 foram mais ou menos assim (V2, 3:02.1-3:20.5).

Nesse processo de constituição de uma identidade própria, conseguiu sair de uma pequena célula e evoluiu até hoje para ser reconhecido como “um dos principais encontros de tecnologia open source de Pernambuco”. O embate de interesses, benefícios e prejuízos que se estabelece nesse processo de construção discursiva, a busca da hegemonia do discurso “da comunidade bemsucedida” alinha-se a elementos de fantasia como o fato de ser um grupo de SL que “cultiva a diversidade e a inovação” (E3) num contexto em que a competitividade do mercado demanda profissionais capacitados, criativos e autônomos no trabalho.

No universo dos grupos interagentes, são construídas cadeias de equivalências que estabelecem núcleos em torno dos quais elementos discursivos se alinham, vinculados pela preocupação com o regozijo pelos ganhos esperados com a inserção numa cadeia de inovação aberta, organizada em rede de fluxo de informação em que o PUG-PE se coloca como disseminador da inteligência em Python, estabelecendo conexões com diferentes stakeholders. Esse discurso é decorrente da mescla de argumentos pós-fordistas reivindicados pela expansão da noção de “nova economia” que ganhou notoriedade com a obra A Sociedade em rede – A Era da Informação, de Castells (2010)Castells, M. (2010). A sociedade em rede – A Era da Informação: Economia, Sociedade e Cultura (11a ed.). Rio de Janeiro, RJ: Paz e Terra., que denomina esse novo modelo produtivo hegemônico “informacionalismo”, além de com contribuições de Gorz (2005)Gorz, A. (2005). O imaterial: Conhecimento, valor e capital. São Paulo, SP: Annablume., que trazem formulações a respeito da “imaterialidade” e perda das habituais medidas de valor do trabalho.

CONCLUSÃO

Este estudo teve como objetivo desvelar o componente hegemônico presente nas lógicas de construção discursiva dos desenvolvedores do PUG-PE. Esses agentes querem posicionar a produção coletiva e imaterial no circuito de produção de inovação, mas sem sucumbirem à lógica estrita da inovação linear do mercado e do regime de propriedade intelectual vigente. Na prática, a questão é construir um discurso que efetive métodos de concepção e desenvolvimento de ideias inovadoras, os quais possam permitir a incorporação da perspectiva do usuário/desenvolvedor, ou seja, que permita uma ampliação da abordagem de inovação centrada na firma.

Nesse sentido, recapitulamos a questão norteadora do estudo: como ocorre o discurso hegemônico dos desenvolvedores da comunidade PUG-PE no âmbito do processo de inovação com SL? A lógica fantasmática desempenha um papel-chave na proteção contra os deslocamentos ao fortalecer a identidade e articular parte da estratégia retórica do grupo. Nesse sentido, tendo em vista a necessidade de sobrevivência do PUG-PE, foi necessário construir um discurso que apresentasse as particularidades do grupo como tendo condições para satisfazer as demandas de diferentes usuários/programadores nos seus esforços para satisfazer sua paixão pela linguagem de programação Python, aperfeiçoar suas competências, trabalhar num projeto, adquirir habilidades requeridas no mercado de trabalho, montar uma startup de TIC e explorar uma ideia inovadora.

A comunidade PUG-PE apresenta-se como um corpo dividido entre seu discurso particular de se diferenciar da lógica empresarial e a significação mais universal de não cessar de receber novas significações. Essa expansão da cadeia equivalencial corresponde a uma operação da hegemonia. Tal cenário confirma a hipótese de que o êxito da comunidade PUG-PE depende da agregação de sujeitos curiosos pela tecnologia que procuram diferenciar-se nas suas habilidades e orientar-se pela qualidade nos processos de inovação. Isso representa uma forma de participarem de projetos inovadores que chamem a atenção do mercado e, eventualmente, venham a competir com as distribuições do mercado a partir da criação das suas próprias startups.

A contribuição do estudo reside na adoção da abordagem da TD, que permite ver as tensões e mudanças constantes que fazem parte do universo dos desenvolvedores do PUG-PE, dando um passo além do reducionismo das determinações estruturais, como as leituras economicistas pautadas unicamente pela lógica do mercado que deixam de lado a lógica do social e do político, como as abordagens de inovação centradas na firma questionadas por autores como Chesbrough (2003)Chesbrough, H. W. (2003). The era of open innovation. MÍT Sloan Management, 44(3), 35-41. Recuperado de https://sloanreview.mit.edu/article/the-era-of-open-innovation
https://sloanreview.mit.edu/article/the-...
e Chesbrough e Henry (2006)Chesbrough, H. W., & Henry, W. (2006). Open business model: How to thrive in the new innovation landscape. Boston, USA: Harvard Business School Press.. Além disso, permite questionar as visões utópicas das novas TIC que apregoam transformações benéficas para a sociedade, colocando esse discurso em perspectiva e enxergando as demandas particulares que o encobrem.

A TD também fornece a oportunidade de entendermos os projetos de SL como uma construção política e socialmente localizada, abordagem pouco presente nos escritos acadêmicos e nos discursos das comunidades de desenvolvimento de SL. Paralelamente, permite pensar a inovação como um processo relacionado com questões de disputas políticas e estratégias discursivas.

Finalmente, o discurso do PUG-PE funciona pela simbolização de uma presença ainda por vir. Dessa forma, cada um dos integrantes dessa comunidade está abstratamente relacionado, uma vez que suas demandas e questionamentos estão simbolicamente diluídos em uma cadeia de equivalência de comunidade que tem de se esvaziar de parte dos seus significados para que possa abarcar um maior número reivindicações, fazendo com que a lógica de construção desse discurso possa ser compreendida basicamente pela identificação das demandas, equivalentes gerais e fantasias.

Do ponto de vista das implicações/contribuições potenciais desses achados na gestão de inovação nas comunidades, essas devem orbitar, fundamentalmente, em torno dos indivíduos que dela fazem parte, mais do que dos seus aparatos tecnológicos e de infraestrutura para a geração de inovações. Nesse sentido, torna-se necessária a adoção de processos inovadores distanciados da rotina organizacional tradicional, desenvolvendo um ambiente criativo alheio a tarefas administrativas clássicas e a forte divisão do trabalho, permitindo a criação de novas ideias. As regras, os regulamentos, as estratégias de governança precisam estar alinhadas com as demandas individuais, para que haja a necessária identificação entre os objetivos da comunidade e os dos indivíduos.

Como atores estratégicos podem exercer a sua agência como algo que não seja plenamente realizado, isso faz com que eles tenham de se articular com agentes oriundos das estruturas organizacionais para atenderem a seus objetivos num processo recursivo e dialógico, dado o processo contingencial que envolve os atores e as estruturas. Essa relação harmoniosa é necessária na relação da comunidade de usuários com as firmas para que sejam ampliadas as chances de se alcançarem objetivos individuais e coletivos. O intercâmbio de ideias demanda um ambiente organizacional receptivo aos novatos e receptivo a situações que protagonizem eventuais diversidades e reconduções nas investidas de soluções criativas.

Os sujeitos individuais ativos e protagonistas desses movimentos de inovação requerem um foco que agregue a perspectiva financeira, a eficiência técnica e a satisfação da paixão pela tecnologia utilizada podem representar ações organizacionais a serem adotadas pelas comunidades. Ou seja, as ações gerenciais tradicionais, tais como o treinamento profissional, as certificações, os processos burocráticos e o monitoramento concebido a partir da visão clássica, são úteis em outros contextos, pois não alcançam a mesma efetividade no contexto das comunidades open source. A organização em comunidades open source não significa garantia de geração de processos/produtos inovadores, mas está relacionada à criação de padrões culturais e estruturais desenvolvidos nas comunidades para potencializar a inovação.

Embora o estudo tenha sido realizado com uma comunidade de desenvolvimento de SL, essa abordagem do discurso pode ser utilizada para revelar outras tensões que emergem em decorrência das transformações que a economia informacional e seus efeitos geram na indústria do software, da música, do cinema, do livro, e outros setores onde as divergências superem as convergências. Além disso, seria interessante a realização de estudos com inspiração acadêmica em outras abordagens de investigação, como forma de viabilizar uma futura meta-análise das proposições aqui tratadas em outras pesquisas.

  • Versão original

REFERÊNCIAS

  • Alvesson, M., & Skoldberg, K. (2000). Reflexive methodology: New vistas for qualitative research. Thousand Oaks, USA: Sage Publications.
  • Batabyal, A. A., & Beladi, H. (2019). The optimal provision of information and communication technologies in smart cities. Technological Forecasting and Social Change, 147, 216-220. https://doi. org/10.1016/j.techfore.2019.07.013
    » https://doi.org/10.1016/j.techfore.2019.07.013
  • Becker, G. (1962). Irrational behavior and economic theory. Journal of Political Economy, 70.
  • Benkler, Y. (2006). The wealth of networks: How social production transforms markets and freedom. New Haven, USA: Yale University Press.
  • Betzing, J. H., Kurtz, M., & Becker, J. (2020). Customer participation in virtual communities for local high streets. Journal of Retailing and Consumer Services, 54, 102025. Doi: https://doi.org/10.1016/i.jretconser.2019.102025
    » https://doi.org/10.1016/i.jretconser.2019.102025
  • Bretas, W. V., Morais, A. S. C, da Hora, H. R. M, & Azevedo Filho, E. T. (2019). Knowledge extraction on international markets from patent bases: A study on green patents. Brazilian journal of Operations & Production Management, 16(4), 698-705. doi: 10.14488/BJOPM.2019.vl6.n4.al4
    » https://doi.org/10.14488/BJOPM.2019.vl6.n4.al4
  • Brown, J. S., & Duguid, P. (1991). Organizational learning and communities-of-practice: Toward a unified view of working, learning, and innovation. Organization Science, 2(1), 40-57. doi: https://doi.org/10.1287/orsc.2.1.40
    » https://doi.org/10.1287/orsc.2.1.40
  • Cardoso, A., Boudreau, M. C, & Carvalho, J. A. (2019). Organizing collective action: Does information and communication technology matter? Information and Organization, 29(3), 100256. doi: 10.1016/j.infoandorg.2019.100256
    » https://doi.org/10.1016/j.infoandorg.2019.100256
  • Castells, M. (2010). A sociedade em rede – A Era da Informação: Economia, Sociedade e Cultura (11a ed.). Rio de Janeiro, RJ: Paz e Terra.
  • Chan, K W., & Li, S. Y. (2010). Understanding consumer-to-consumer interactions in virtual communities: The salience of reciprocity. Journal of Business Research, 63(9-10), 1033-1040. doi: 10.1016/j.jbusres.2008.08.009
    » https://doi.org/10.1016/j.jbusres.2008.08.009
  • Chesbrough, H. W. (2003). The era of open innovation. MÍT Sloan Management, 44(3), 35-41. Recuperado de https://sloanreview.mit.edu/article/the-era-of-open-innovation
    » https://sloanreview.mit.edu/article/the-era-of-open-innovation
  • Chesbrough, H. W., & Henry, W. (2006). Open business model: How to thrive in the new innovation landscape. Boston, USA: Harvard Business School Press.
  • Cocco, C, Galvão, A. P., & Silva, G. (2003). Capitalismo cognitivo: Trabalho, redes e inovação. Rio de Janeiro, RJ: DP&A.
  • Cornelio, G. S., & Cruz, E. G. (2014). Co-creation and participation as a means of innovation in new media: an analysis of creativity in the photographic field. International journal of Communication, 8, 1-20. Recuperado de http://eprints.whiterose.ac.uk/85737
    » http://eprints.whiterose.ac.uk/85737
  • Deligiaouri, A. (2019). Economic crisis and Greek crisis discourse: A discourse analysis of articles from The Economist referring to Greece (2009-2011). journal of Language and Politics, 18(2), 231-251. doi: https://doi.org/10.1075/jlp.17056.del
    » https://doi.org/10.1075/jlp.17056.del
  • Dong, J. Q., Wu, W., & Zhang, Y (2019). The faster the better? Innovation speed and user interest in open source software. Information & Management, 56(5), 669-680. doi: 10.1016/j.im.2018.11.002
    » https://doi.org/10.1016/j.im.2018.11.002
  • Eboli, L., & Dib, L. (2013). Criação coletiva na web 2.0: Um estudo de caso em uma empresa brasileira de crowdsourcing/Collective creation on the web 2.0: A crowdsourcing case study involving a brazilian company. Revista Electrônica de Sistemas de Informação, 12(3), 1-22. doi: 10.5329/RESI.2013.1203001
    » https://doi.org/10.5329/RESI.2013.1203001
  • Fernandes. N. C. M., & Silva, A. D. F. (2015, outubro). O discurso da inovação entre os empresários no desenvolvimento de produtos inovadores: Uma análise no setor de jogos eletrônicos do estado de Pernambuco. XVI Congresso Latino-Iberoamericano de Gestão Tecnológica (ALTEC), Porto Alegre, RS.
  • Fernandes, O. L. C, Fernandes, N. C. M, Paiva, F. C, Jr., Leão, A. M. S., & Costa, M. F. (2020). Symbolic consumption and representation of self: A study of interactions in a virtual community of Ubuntu-Br users. Cadernos EBAPE.BR, 17, 717-731. doi: org/10.1590/1679-395174446x
    » https://doi.org/10.1590/1679-395174446x
  • Fernandes, O. L. C, Fernandes, N. C. M., Paiva, F. C, Jr., & Melo, S. C. B. (2014). Um negócio da China: O discurso do guãnxi nas articulações no âmbito organizacional. Cadernos EBAPE.BR, 12(2), 253-269. doi: 10.1590/1679-395174446x
    » https://doi.org/10.1590/1679-395174446x
  • Friedman, M. (1953) The methodology of positive economics. In: M. Friedman, Essays in positive economics. Chicago, USA: University of Chicago Press.
  • Glynos, J. (2008). Ideological fantasy at work. Journal of Political Ideologies, 13(3), 275-296. Recuperado de http://repository.essex.ac.Uk/13270/l/paper230708.pdf
    » http://repository.essex.ac.Uk/13270/l/paper230708.pdf
  • Gorz, A. (2005). O imaterial: Conhecimento, valor e capital. São Paulo, SP: Annablume.
  • Heikkinen, I. T. S., Savina, H., Partanen, J., Seppãlã, J., & Pearce, J. M. (2020). Towards national policy for open source hardware research: The case of Finland. Technological Forecasting and Social Change, 155. doi: 10.1016/j.techfore.2020.119986
    » https://doi.org/10.1016/j.techfore.2020.119986
  • Hemetsberger, A., & Reinhardt, C. (2009). Collective development in open-source communities: An activity theoretical perspective on successful online collaboration. Organization Studies, 30(9), 987-1008. doi:10.1177/0170840609339241
    » https://doi.org/10.1177/0170840609339241
  • Howard, D., & Torfing, J. (2005). Discourse theory in European politics: Identity, policy and governance. New York: Palgrave Macmillan.
  • Huizingh, E. K. R. E. (2011). Open innovation: State of the art and future perspectives. Technovation, 31(1), 2-9. doi:10.1016/j.technovation.2010.10.002
    » https://doi.org/10.1016/j.technovation.2010.10.002
  • Iannacci, F. (2005). The social epistemology of open source software development: The Linux case study (Tese de Doutorado, University of London, UK).
  • Jenkins, H. (2006). Convergence culture: Where old and new media collide. New York, USA: New York University Press.
  • Jeppesen, L. B., & Frederiksen, L. (2006). Why do users contribute to firm-hosted user communities? The case of computer-controlled music instruments. Organization Science, 17(1), 45-63. Doi; doi: 10.1287/orsc.1050.0156
    » https://doi.org/10.1287/orsc.1050.0156
  • Karakilic, E. (2019). Rethinking intellectual property rights in the cognitive and digital age of capitalism: An autonomist Marxist reading. Technological Forecasting and Social Change, 147, 1-9. doi: 10.1016/j.techfore.2019.06.007
    » https://doi.org/10.1016/j.techfore.2019.06.007
  • Laclau, E., & Mouffe, C. (2001). Hegemony and socialist strategy: Towards a radical democratic politics (2nd ed.). New York, USA: Verso.
  • Laclau, E. On populist reason. New York: Verso. 2005.
  • Lee, G. K., & Cole, R. E. (2003). From a firm-based to a community-based model of knowledge creation: The case of the Linux kernel development. Organization Science, 14(6), 633-649. doi: 10.1287/orsc.14.6.633.24866
    » https://doi.org/10.1287/orsc.14.6.633.24866
  • Lee, W. S., & Sohn, S. Y. (2018). Effects of standardization on the evolution of information and communications technology. Technological Forecasting and Social Change, 132, 308-317. doi: 10.1016/j.techfore.2018.02.016
    » https://doi.org/10.1016/j.techfore.2018.02.016
  • Lessig, L. (2004). Free culture: How big media uses technology and the law to lock down culture and control creativity. Penguin Press.
  • Lima, C. M., & Santini, R. M. (2008). Copyleft e licenças criativas de uso de informação na sociedade da informação. Ciência da Informação, 37(1), 121-128. Recuperado de https://ridi.ibict.br/bitstream/123456789/240/l/LIMACI2008.pdf
    » https://ridi.ibict.br/bitstream/123456789/240/l/LIMACI2008.pdf
  • Liu, C. H. (2017). Creating competitive advantage: Linking perspectives of organization learning, innovation behavior and intellectual capital. International Journal of Hospitality Management, 66, 13-23. doi: 10.1016/j.ijhm.2017.06.013
    » https://doi.org/10.1016/j.ijhm.2017.06.013
  • Loureiro, S. M. C, Romero, J., & Bilro, R. G. (2019). Stakeholder engagement in co-creation processes for innovation: A systematic literature review and case study. Journal of Business Research, 119, 388-409. doi: 10.1016/j.jbusres.2019.09.038
    » https://doi.org/10.1016/j.jbusres.2019.09.038
  • Nath, H. K., & Liu, L. (2017). Information and communications technology (ICT) and services trade. Information Economics and Policy, 41, 81-87. doi: 10.1016/j.infoecopol.2017.06.003
    » https://doi.org/10.1016/j.infoecopol.2017.06.003
  • Ortt, J. R., & Duin, P.A. (2008). The evolution of innovation management toward contextual innovation. European Journal of Innovation Management, 11(4), 522-538. doi 10.1108/14601060810911147
    » https://doi.org/10.1108/14601060810911147
  • Possas, M. L. (2008). Economia evolucionária neo-schumpeteriana: Elementos para uma integração micro-macrodinâmica. Estudos Avançados, 22(63), 281-305. doi: 10.1590/S0103-40142008000200021
    » https://doi.org/10.1590/S0103-40142008000200021
  • Ruoslahti, H. (2020). Complexity in project co-creation of knowledge for innovation. Journal of Innovation & Knowledge, 5(4), 228-235. doi: 10.1016/j.jik.2019.12.004
    » https://doi.org/10.1016/j.jik.2019.12.004
  • Shahrivar, S., Elahi, S., Hassanzadeh, A., & Montazer, G. (2018). A business model for commercial open source software: A systematic literature review. Information and Software Technology, 103, 202-214. doi: 10.1016/j.infsof.2018.06.018
    » https://doi.org/10.1016/j.infsof.2018.06.018
  • Slappendel, C. (1996). Perspectives of innovation in organizations. Organization Studies, 17(1), 107-129. doi: 10.1177/017084069601700105
    » https://doi.org/10.1177/017084069601700105
  • Stavrakakis, Y. (20045). Passions of identification: Discourse, identification. In D. Howard, & J. Torfing, Discourse theory in European politics: Identity, policy and governance. New York: Palgrave Macmillan.
  • Steiniger, S., Fuente, H. De La, Fuentes, C, Barton, J., & Muñoz, J. C. (2017). Building a geographic data repository for urban research with free software-learning from Observatorio. The International Archives of Photogrammetry, Remote Sensing and Spatial Information Sciences, 42, 147. doi: 10.5194/ isprs-archives-xlii-4-w2-147-2017
    » https://doi.org/10.5194/ isprs-archives-xlii-4-w2-147-2017
  • Taques, F. H., López, M. G., Basso, L. F., & Areal, N. (2020). Indicators used to measure service innovation and manufacturing innovation. Journal of Innovation & Knowledge, 6(1), 11-26. doi: 0.1016/j.jik.2019.12.001
    » https://doi.org/0.1016/j.jik.2019.12.001
  • Torfing, J. (1999). New theories of discourse: Laclau, Mouffe, and Zizek (Vol. 301). Oxford: Blackwell Publishers.
  • Tseng, C. Y. (2009). Technological innovation and knowledge network in Asia: Evidence from comparison of information and communication technologies among six countries. Technological Forecasting and Social Change, 76(5), 654-663. doi:10.1016/j.techfore.2008.03.007
    » https://doi.org/10.1016/j.techfore.2008.03.007
  • Tutusaus, M., Schwartz, K., & Smit, S. (2018). The ambiguity of innovation drivers: The adoption of information and communication technologies by public water utilities. Journal of Cleaner Production, 171, 79-85. doi: 10.1016/j.jclepro.2016.08.002
    » https://doi.org/10.1016/j.jclepro.2016.08.002
  • Wang, P., & Li, F. (2019). China’s organization and governance of innovation: A policy foresight perspective. Technological Forecasting and Social Change, 146, 304-319. doi: 10.1016/j. techfore.2019.05.029
    » https://doi.org/10.1016/j. techfore.2019.05.029
  • Zhang, H., Gupta, S., Sun, W., & Zou, Y. (2020). How social-media-enabled co-creation between customers and the firm drives business value? The perspective of organizational learning and social capital. Information & Management, 57(3). doi: 10.1016/j.techfore.2019.05.029
    » https://doi.org/10.1016/j.techfore.2019.05.029

Editado por

Editora Científica convidada: Adriana Backx Noronha Viana

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Mar 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    31 Jan 2020
  • Aceito
    26 Jul 2021
Fundação Getulio Vargas, Escola de Administração de Empresas de S.Paulo Av 9 de Julho, 2029, 01313-902 S. Paulo - SP Brasil, Tel.: (55 11) 3799-7999, Fax: (55 11) 3799-7871 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: rae@fgv.br