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A cidadania corporativa como uma orientação de marketing: um estudo no varejo

Resumos

O tema cidadania corporativa tem recebido substancial interesse a partir da última década. Apesar disso, poucas pesquisas têm procurado investigar se a adoção de práticas consideradas socialmente responsáveis pode ser utilizada como um instrumento de marketing para as empresas. Sendo assim, realizou-se um estudo envolvendo 208 empresas do setor varejista com o propósito de investigar em que grau a adoção de práticas de cidadania corporativa impacta o comportamento dos clientes e funcionários das organizações. A pesquisa é baseada em estudos de Maignan e Ferrell (2001a) e utiliza-se do modelo de Archie Carroll (1991) para a performance social corporativa em suas quatro dimensões (econômica, legal, ética e filantrópica). Para atingir os objetivos propostos, foram utilizadas a análise do coeficiente de Pearson e a técnica estatística denominada análise de regressão múltipla. Os resultados indicam que a adoção de práticas de cidadania corporativa impacta, fracamente, a lealdade dos clientes e mais fortemente o comprometimento dos funcionários. Assim, pode-se afirmar que a cidadania corporativa pode ser utilizada como um instrumento de marketing interno e externo para as organizações.

Responsabilidade social; cidadania corporativa; marketing societal; lealdade dos clientes; comprometimento organizacional


The term corporate citizenship has been the subject of considerable interest since the beginning of the last decade. Nevertheless, few pieces of research have investigated whether the adoption of practices considered to be socially responsible can be used by companies as a marketing tool. This being the case, a study involving 208 companies in the retail sector was carried out with a view to investigating to what extent the adoption of corporative citizenship practices has an impact on the behaviour of a company's customers and its employees. The research was based on studies by Maignan e Ferrell (2001a) and the model developed by Archie Carroll (1991) was used to measure four dimensions of corporate social performance (economic, legal, ethical and philanthropic). In order to achieve the proposed objectives, Pearson coefficient analysis and such statistical techniques as multiple regression analysis have been used. The results indicate that the adoption of corporate citizenship practices have a weak impact on customer loyalty and a stronger effect on employee commitment. It was therefore possible to conclude that corporate citizenship can be used by companies as an internal and external marketing tool.

Social responsibility; corporate citizenship; societal marketing; customer loyalty; employee commitment


MERCADOLOGIA

A cidadania corporativa como uma orientação de marketing: um estudo no varejo

Marcelo de Rezende PintoI; José Edson LaraII

ICEPEAD/CAD/UFMG

IICEPEAD/CAD/UFMG

RESUMO

O tema cidadania corporativa tem recebido substancial interesse a partir da última década. Apesar disso, poucas pesquisas têm procurado investigar se a adoção de práticas consideradas socialmente responsáveis pode ser utilizada como um instrumento de marketing para as empresas. Sendo assim, realizou-se um estudo envolvendo 208 empresas do setor varejista com o propósito de investigar em que grau a adoção de práticas de cidadania corporativa impacta o comportamento dos clientes e funcionários das organizações. A pesquisa é baseada em estudos de Maignan e Ferrell (2001a) e utiliza-se do modelo de Archie Carroll (1991) para a performance social corporativa em suas quatro dimensões (econômica, legal, ética e filantrópica). Para atingir os objetivos propostos, foram utilizadas a análise do coeficiente de Pearson e a técnica estatística denominada análise de regressão múltipla. Os resultados indicam que a adoção de práticas de cidadania corporativa impacta, fracamente, a lealdade dos clientes e mais fortemente o comprometimento dos funcionários. Assim, pode-se afirmar que a cidadania corporativa pode ser utilizada como um instrumento de marketing interno e externo para as organizações.

Palavras-chave: Responsabilidade social, cidadania corporativa, marketing societal, lealdade dos clientes, comprometimento organizacional.

ABSTRACT

The term corporate citizenship has been the subject of considerable interest since the beginning of the last decade. Nevertheless, few pieces of research have investigated whether the adoption of practices considered to be socially responsible can be used by companies as a marketing tool. This being the case, a study involving 208 companies in the retail sector was carried out with a view to investigating to what extent the adoption of corporative citizenship practices has an impact on the behaviour of a company's customers and its employees. The research was based on studies by Maignan e Ferrell (2001a) and the model developed by Archie Carroll (1991) was used to measure four dimensions of corporate social performance (economic, legal, ethical and philanthropic). In order to achieve the proposed objectives, Pearson coefficient analysis and such statistical techniques as multiple regression analysis have been used. The results indicate that the adoption of corporate citizenship practices have a weak impact on customer loyalty and a stronger effect on employee commitment. It was therefore possible to conclude that corporate citizenship can be used by companies as an internal and external marketing tool.

Key words: Social responsibility, corporate citizenship, societal marketing, customer loyalty, employee commitment.

INTRODUÇÃO

O mundo vem passando, nas últimas décadas, por profundas transformações de ordem econômica, política e social que, entre outras características, têm influência direta no papel do Estado e das empresas, bem como no relacionamento destes com a sociedade. Dessa forma, como salientado por McIntosh et al. (2001), os negócios de hoje teriam de lidar com uma economia cada vez mais globalizada, com a revolução tecnológica, uma proliferação de fontes de informações, um enorme crescimento no porte e no escopo dos negócios internacionais e sinais de crescentes danos ecológicos.

De acordo com Ashley (2002), todo esse aumento da complexidade dos negócios estaria impondo ao empresariado novas formas de realizar suas transações. A nova realidade estaria forçando as empresas a investir em outros atributos além de preço e qualidade, tais como confiabilidade, serviço de pós-venda, produtos ambientalmente corretos e relacionamento ético das empresas com seus consumidores, fornecedores e varejistas, além da valorização de práticas ligadas à segurança de seus funcionários e à preservação do meio ambiente.

Nesse contexto, surge um novo conceito com a finalidade de propor uma nova estratégia para aumentar os lucros e potencializar o desenvolvimento empresarial: a cidadania corporativa. Esse conceito pode ser entendido como a preocupação da empresa em considerar os interesses dos diversos stakeholders: funcionários, clientes, fornecedores, acionistas e comunidade na qual a organização está inserida.

Uma vez que a orientação mais moderna do marketing não mais está focada somente na preocupação com os clientes externos, mas sim na satisfação de todos os públicos que interagem com a empresa, teria relevância discutir qual seria a relação entre a adoção de práticas de cidadania corporativa e o planejamento de marketing das empresas. Sendo assim, surgiu o interesse em empreender uma pesquisa empírica em empresas do ramo de varejo localizadas em Belo Horizonte para investigar a relação existente entre a adoção de práticas de cidadania corporativa e o comportamento de dois públicos que têm contato com a organização - clientes e funcionários.

A escolha do comércio varejista justifica-se em virtude de esse setor apresentar, segundo Levy e Weitz (2000), uma elevada instabilidade resultante da crescente competição, das mudanças no comportamento de compra dos consumidores e das constantes inovações tecnológicas, entre outros fatores. Dessa forma, a adoção de práticas socialmente responsáveis parece ser uma resposta considerável no sentido de desenvolver vantagens competitivas que viabilizem as atividades dessas empresas e as aproximem de seus públicos interno e externo.

Para isso, utilizou-se o modelo proposto por Maignan e Ferrell (2001a) que se baseia nos estudos de Carroll (1991) para a performance social corporativa e seus respectivos quatro tipos de responsabilidade (econômica, legal, ética e filantrópica) para redefinila como cidadania corporativa. Além disso, adota-se o conceito de stakeholders para direcionar a caracterização dos atores sociais que seriam alvo das práticas de cidadania corporativa.

Dado o exposto, pretende-se, por meio da pesquisa, investigar a seguinte questão: "Em que grau a adoção de práticas de cidadania corporativa impacta a lealdade dos clientes e o comprometimento dos funcionários das organizações?". Dessa forma, coloca-se como objetivo geral do trabalho examinar se a cidadania corporativa pode ser utilizada como instrumento de marketing interno e externo para as empresas.

O artigo exibe, inicialmente, um referencial teórico que contempla discussões referentes aos temas responsabilidade social, marketing relacionado a questões sociais e cidadania corporativa, bem como a relação destes com a lealdade dos clientes e o comprometimento dos funcionários. Em seguida, são apresentados os procedimentos metodológicos adotados no estudo e os resultados obtidos. Ao final, são discutidas as conclusões gerais e as limitações da pesquisa.

REFERENCIAL TEÓRICO

Responsabilidade social empresarial

Pode-se dizer que o marco no campo da responsabilidade social foi o lançamento do livro Responsibility of the Businessman, de Howard Bowen, nos Estados Unidos em 1953. Ao resgatar a origem do conceito, Bowen (1957) cita alguns estudos do início do século XX que representam as primeiras manifestações da idéia: Charles Eliot em 1906, Arthur Hakley em 1907, John Clark em 1916 e Oliver Sheldon em 1923. Para Bowen (1957), este último autor defendia a inclusão de outros objetivos entre as preocupações da empresa, além do lucro dos acionistas.

Contudo, constata-se que o conceito de responsabilidade social, atualmente, ainda não está suficientemente consolidado e, portanto, pode ser considerado como "em construção", visto que suscita uma série de interpretações (Ashley, 2002; Mohr e Webb, 2001). De acordo com Duarte e Dias (1986), para alguns o termo representa a idéia de obrigação legal; para outros, impõe às empresas padrões mais altos de comportamento. Há os que o traduzem como prática social, papel social e função social, enquanto outros o vêem associado ao comportamento eticamente responsável ou à filantropia. Por fim, há os que entendem seu significado como ser responsável ou socialmente consciente.

De qualquer forma, vale afirmar que a doutrina da responsabilidade social representa uma transformação na concepção da empresa e de seu papel na sociedade, uma vez que se fundamenta em uma nova visão da realidade econômica, visão essa que propõe um novo modo de conceber as relações entre os fatores de produção, em particular entre o capital e o trabalho, donde decorre uma nova concepção da empresa e de seu papel na sociedade e o reconhecimento de que as decisões dos resultados das atividades das corporações alcançam um universo de agentes sociais bem mais amplo do que o composto por seus sócios e acionistas (Duarte e Dias, 1986; Borger, 2001).

Porém, não faltam autores que são declaradamente contra os argumentos da responsabilidade social das empresas. Entre eles, pode-se citar Milton Friedman, que reforça a idéia de que a empresa é socialmente responsável ao gerar novos empregos, pagar salários justos e melhorar condições de trabalho, além de contribuir para o bem-estar público ao pagar seus impostos (Ashley, 2002). Além disso, esse autor critica ações e decisões tomadas pelos administradores para a contribuição social em detrimento dos interesses da corporação, citando exemplos como evitar aumentar os preços de seus produtos a fim de contribuir socialmente para prevenir a inflação e contratar desempregados em vez de trabalhadores mais qualificados com o objetivo de reduzir a pobreza (Borger, 2001).

Na mesma linha de Milton Friedman, outro defensor da corrente contrária à responsabilidade social das empresas é Levitt (1958). Ele resume toda sua posição na afirmação de que, no sistema de livre-empresa, se supõe que o bem-estar seja automático e, onde não o é, torna-se tarefa do governo.

Opostamente, existe aquele grupo de autores que considera a visão fundamentalista defasada em relação aos tempos atuais, visto que as empresas, a fim de atender às necessidades dos novos tempos, terão de ampliar seus objetivos além do puramente econômico e levar em conta outros parceiros além dos acionistas. Assim, de acordo com Ashley, Coutinho e Tomei (2001), no tocante aos argumentos a favor da responsabilidade social corporativa, pode-se afirmar que eles partem da área acadêmica intitulada Business and Society, destacando-se, nas últimas décadas, os trabalhos de Carroll, Donaldson e Dunfee, Frederick e Wood.

Assim, neste estudo, optou-se por definir responsabilidade social como o relacionamento ético e responsável da empresa com todos os grupos de interesse que influenciam sua atuação ou são por ela impactados, bem como o respeito às questões ambientais e o investimento em ações sociais.

Conceito de stakeholders

A idéia de que as organizações são compostas por uma complexa teia de relacionamentos e contratos tanto explícitos como implícitos entre os stakeholders e a empresa tem se tornado lugar comum na literatura de negócios, tanto acadêmica quanto profissional. Desde o lançamento da obra intitulada Strategic management: a stakeholder approach de Freeman (1984), vários livros e centenas de artigos com ênfase em assuntos relacionados a stakeholder foram publicados (Donaldson e Preston, 1995; Mitchell, Agle e Wood, 1997; Atkinson, Waterhouse e Wells, 1997).

A definição que será adotada no presente estudo é dada por Clarkson (1995). Esse autor estabelece stakeholders como pessoas ou grupos que têm ou reivindicam posse, direitos ou interesses em uma organização. Stakeholders com interesses, reivindicações ou direitos similares podem ser classificados como pertencentes ao mesmo grupo: empregados, acionistas, clientes, fornecedores e assim por diante. Segundo Atkinson, Waterhouse e Wells (1997), todos esses públicos citados são importantes para a organização, uma vez que auxiliam a organização na realização de seus objetivos.

Cidadania corporativa

Assim como nas discussões sobre responsabilidade social empresarial, não existe unanimidade entre os autores no tocante ao conceito de cidadania corporativa. Segundo Carroll (1998), enquanto alguns autores chamam-na responsabilidade social corporativa; outros se referem a ela como ética corporativa. Na visão desse autor, mais recentemente, a performance social dos negócios tem sido chamada de cidadania corporativa. Para Davenport (2000), nos anos de 1990, a cidadania corporativa tornou-se um termo comumente utilizado por profissionais por ser ele o mais indicado para conotar uma série de comportamentos que definem a performance social corporativa. Este termo, conforme Wartick e Cochran (1985), pode ser encarado como qualquer interação entre negócios e ambiente social.

Contudo, Maignan (1999) salienta o fato de que, embora alguns autores considerem cidadania corporativa e performance social corporativa como sinônimos, poderiam ser observadas algumas distinções. Enquanto a performance social corporativa investigaria questões morais, gerenciais e sociológicas, a cidadania corporativa focalizaria atividades mais restritas desenvolvidas pela organização com o escopo de atender a demandas sociais mais concretas.

De qualquer forma, uma integração das diferentes perspectivas conduz aos estudos de Carroll (1991), que propõe uma convergência entre os conceitos de cidadania corporativa e responsabilidade social empresarial, apontando quatro faces para a cidadania corporativa: econômica, legal, ética e filantrópica. O Quadro 1 apresenta comentários acerca dos significados dessas quatro dimensões da cidadania corporativa, segundo Carroll (1991), que serão operacionalizadas na pesquisa.


De maneira complementar, para Maignan e Ferrell (2000), as principais abordagens para medir o comprometimento dos negócios em direção à cidadania corporativa são: avaliação de especialistas, indicadores simples ou múltiplos e surveys de gerentes. No presente trabalho, optou-se pelo último.

O marketing e sua relação com questões sociais

Ao se discutir as diversas modalidades de marketing ligadas a questões sociais, é importante ressaltar que os profissionais dessa área estão se tornando cientes do impacto positivo que ações de marketing com uma preocupação social podem trazer para as organizações. Prova disso é o crescente interesse de pesquisas com foco no tema, principalmente aqueles estudos que buscam entender os mecanismos pelos quais ações socialmente responsáveis beneficiam as organizações (Handelman e Arnold, 1999).

Entretanto, o que se tem visto é uma proliferação de termos e modalidades dessa área do marketing. Essa situação pode ser constatada na própria literatura envolvendo o assunto. Por exemplo, Melo Neto e Froes (1999) propõem várias modalidades para o envolvimento do marketing em questões sociais: marketing de filantropia, marketing das causas sociais, marketing de patrocínio de projetos sociais, marketing de relacionamento com base em ações sociais e marketing de promoção social do produto e da marca. Richers (2000) apresenta outro termo: o marketing comunitário, uma iniciativa cujo objetivo é incrementar os negócios de uma empresa por meio de seu apoio a atividades de ordem social, cultural ou ecológica.

Além disso, desde o início da década de 1970, tem aumentado consideravelmente a preocupação com os efeitos ambientais da atividade econômica, o que também tem promovido a criação de novos termos na área (Dam e Apeldoorn, 1996). Esses autores ressaltam o corrente interesse de pesquisadores em discutir termos ou conceitos como marketing verde, marketing ambiental e marketing ecológico, entre outros. Um outro novo conceito surgido na década de 1980 foi o chamado marketing relacionado a uma causa, uma ferramenta que poderia ser utilizada para aumentar as vendas e promover um serviço público, tornando-se uma nova forma de filantropia corporativa (Varadarajan e Menon, 1988).

Em virtude da existência de diversos significados e da evidência da enorme confusão acerca do que vem a ser o marketing ligado a questões sociais, seria importante levar em consideração os primeiros conceitos dessa subárea do marketing. Uma das tentativas de conceituar marketing social coube a Kotler e Zaltman (1971), que utilizaram pela primeira vez o termo, descrevendo-o como sendo o processo de criação, implementação e controle de programas para influenciar a aceitabilidade de idéias sociais. Não se pode esquecer, todavia, do marketing societal que, segundo Kotler e Armstrong (1998), representa um princípio do marketing consciente, o qual sustenta que a organização deve tomar suas decisões de marketing considerando os desejos do cliente, as exigências da empresa e os interesses a longo prazo dos clientes e da sociedade.

Do exposto, pode-se mencionar Sheth, Gardner e Garrett (1988), que enfatizam que um significante desenvolvimento na área de relacionamento entre marketing e sociedade tem sido a emergência do chamado macromarketing. Essa nova disciplina teria como função analisar basicamente os impactos e as conseqüências das interações entre sistemas de marketing e sistemas sociais. Ademais, esses autores, ao discutirem sobre as várias escolas de pensamento de marketing, destacam a chamada escola do macromarketing, cujo foco se refere aos papéis e impactos das atividades de marketing na sociedade e vice-versa. Assim, essa escola teria como escopo principal a análise e o entendimento das necessidades e preocupações societais e suas influências no marketing, examinando a ética dos negócios, sem esquecer das expectativas dos stakeholders.

Pode-se afirmar, portanto, que essa abordagem será a utilizada no presente estudo, uma vez que sua proposta é estudar a relação entre ações de marketing e comportamento dos atores sociais como clientes e funcionários.

Cidadania corporativa e lealdade dos clientes

Uma revisão do conceito de lealdade dos clientes parece levar à conclusão de que não existe uma unanimidade com relação a este, o que permite afirmar que uma definição perfeita do termo ainda está em processo de desenvolvimento. Contudo, na visão de Oliver (1999), genericamente, lealdade sempre foi e continua sendo definida por vários autores como a freqüência de compra repetida ou o relativo volume de compra da mesma marca.

Sendo assim, a definição que será utilizada no estudo é a proposta pelo próprio Oliver (1999). Segundo ele, lealdade é "um profundo comprometimento para recomprar ou manter-se cliente de um produto ou serviço consistentemente no futuro, apesar das influências situacionais e os esforços de marketing para causar mudança de comportamento" (Oliver, 1999, p. 34).

Dada a dificuldade de se chegar a uma unanimidade entre os conceitos de lealdade, Dick e Basu (1994) desenvolveram um modelo que procura integrar duas abordagens de lealdade: a atitudinal e a comportamental. O modelo desses autores pode ser visualizado na Figura 1.


De acordo com a figura, pode-se configurar: 1) ausência de lealdade quando se constata uma atitude fraca ou negativa combinada com um comportamento baixo; 2) lealdade espúria quando se nota uma atitude relativamente fraca, acompanhada por um padrão de repetição elevado; 3) lealdade latente na situação em que há uma atitude relativamente forte, com padrão de repetição baixo e 4) lealdade, que é considerada a mais preferível das quatro condições, significa uma alta correspondência entre uma atitude favorável e repetição de padrão (Dick e Basu, 1994).

Ao tentar propor uma relação entre adoção de práticas de cidadania corporativa e lealdade dos clientes, Maignan e Ferrell (2001a) argumentam que a cidadania corporativa cria valores para os clientes, uma vez que: 1) a empresa mostra preocupação com as demandas do mercado, por meio do desenvolvimento de produtos de qualidade e seguros; 2) a organização direciona esforços em questões de interesse da sociedade em geral e 3) a empresa demonstra comportamentos exemplares apreciados pelo mercado. Assim, também segundo esses autores, as empresas adotantes de práticas de cidadania corporativa teriam clientes satisfeitos e leais.

As pesquisas que investigaram o envolvimento das empresas com questões sociais como um critério de decisão de compra tiveram seu início nos primeiros anos da década de 1970 (Drumwright, 1994). A maior parte dos trabalhos focalizou apenas três aspectos do comportamento de compra responsável: a preocupação do consumidor com o ambiente; o consumo de produtos ecológicos e as atividades relacionadas à preservação do meio ambiente (Maignan e Ferrell, 2001b).

No Brasil, algumas pesquisas têm sido desenvolvidas envolvendo a questão. Por exemplo, Cuperschmid e Tavares (2001) verificaram não haver influência dos atributos verdes dos produtos de alimentação no comportamento do consumidor. Em um survey, Urdan (2001), examinando a crescente relevância do papel da ética nos negócios e no marketing, demonstrou a pouca importância atribuída pelo consumidor ao comportamento ético empresarial.

Cidadania corporativa e comprometimento dos funcionários

A extensão de estudos envolvendo o construto comprometimento organizacional nos campos da Psicologia e do Comportamento Organizacional tem produzido várias definições para este e consideráveis discussões acerca de seu desenvolvimento, conseqüências e mensuração (Bastos, 1994; Meyer e Herscovitch, 2001).

Na tentativa de sintetizar as diversas abordagens de comprometimento organizacional, as pesquisas de Meyer e Allen (1991) e Allen e Meyer (1990) ressaltam que, apesar de haver uma grande variedade de definições, elas parecem refletir ao menos três temas gerais: ligação afetiva com a organização, custos percebidos associados ao abandonar a organização e a obrigação de permanecer na organização. Percebe-se, na conclusão desses autores, três componentes de comprometimento: o afetivo, o instrumental ou de continuação e o normativo.

Dessa forma, o comprometimento afetivo seria um apego psicológico associado à idéia de lealdade, sentimento de pertencer, desejo de contribuir e dar energia para a organização. Já o comprometimento instrumental ou de continuação estaria ligado a uma forma de apego psicológico que reflete o grau em que o indivíduo se sente prisioneiro de um lugar pelos altos custos associados a abandoná-lo. Finalmente, o comprometimento normativo parte da idéia de internalização ou identificação com valores e objetivos da organização, refletindo um sentimento de dever, uma obrigação, porém não necessariamente um apego emocional (Meyer e Allen, 1991; Allen e Meyer, 1990). Para esses autores, um empregado pode experimentar todos os três tipos de comprometimento em graus diferentes.

Embora existam diferentes classificações - por exemplo, Allen e Meyer (1990) e Meyer e Allen (1991) - no trabalho, optou-se pelos estudos de Bastos (1993, 1994) que se propõem a explanar as principais abordagens de comprometimento organizacional. Para ele, podem ser identificadas cinco abordagens ou enfoques: o afetivo, o instrumental, o sociológico, o normativo e, por fim, o comportamental.

A partir do conceito de comprometimento organizacional, para autores como Maignan e Ferrell (2001a), a cidadania corporativa proativa influenciaria o comprometimento dos funcionários para com a organização. Assim, a adoção de práticas de cidadania corporativa poderia ser utilizada como um instrumento de marketing interno das organizações, uma vez que, também segundo esses autores, encoraja o compromisso do empregado com a organização de várias formas. Primeiro porque a empresa passa a conhecer as demandas dos empregados no ambiente de trabalho, preocupando-se também com questões como a proteção do meio ambiente ou a integração de minorias, e, finalmente, com a organização exibindo comportamentos exemplares, poderia levar ao orgulho dos funcionários de participar ativamente na empresa. Além disso, esforços empreendidos pelo negócio para exibir cidadania corporativa proativa gerariam um senso de orgulho e afiliação por parte dos empregados.

Nesse sentido, alguns estudos têm investigado como a cidadania corporativa proativa poderia impactar a atratividade de uma empresa para candidatos a trabalho (Turban e Greening, 1996; Albinger e Freeman, 2000). No Brasil, algumas pesquisas tentaram investigar a relação entre os temas cidadania corporativa e comprometimento, entre elas as de Chaves (2002), Fossá e Sartoretto (2002) e Werlang (2002).

METODOLOGIA

Para atingir os objetivos propostos no trabalho, foi desenvolvida uma pesquisa descritiva que se utilizou de estratégias quantitativas. A presente pesquisa pode ser definida como descritiva, uma vez que tem como objetivo principal descrever algo e relatar como ocorrem certos fenômenos ou como se comportam certas variáveis em determinada situação (Malhotra, 2001). Como desenho mais apropriado, optou-se pelo survey interseccional, visto que o escopo da pesquisa constituiu-se em uma descrição de tempo único e determinação de relações entre variáveis.

As unidades de análise do estudo foram compostas pelas empresas do ramo de varejo localizadas em Belo Horizonte. Já as unidades de observação foram os proprietários, diretores ou algum funcionário com uma função estratégica nessas empresas.

A amostra com os maiores estabelecimentos varejistas de Belo Horizonte continha cerca de 660 empresas. Ao final, foram obtidos, por meio de entrevistas pessoais, 232 questionários. Desses, 24 foram considerados inválidos, pois apresentaram problemas como erros de preenchimento e questões em branco. Sendo assim, a pesquisa pôde contar com 208 questionários válidos.

O instrumento utilizado para coleta de dados foi o questionário. Esse instrumento foi composto por questões dos seguintes tipos: 1) caracterização da empresa (número de empregados, tempo de atuação no mercado, responsável pelas informações, integrante de grupo de lojas etc); 2) escalas referentes aos construtos cidadania corporativa e suas dimensões, lealdade dos clientes e comprometimento dos funcionários. Cabe ressaltar que essas escalas foram devidamente adaptadas e validadas para serem utilizadas no Brasil.

Para operacionalizar o construto cidadania corporativa foi utilizada a escala com 22 variáveis desenvolvida por Maignan e Ferrell (2001a) com base nos estudos de Carroll (1991) que propõe quatro dimensões da cidadania corporativa: econômica, legal, ética e filantrópica. Foram utilizadas escalas do tipo Likert de cinco pontos. Os respondentes deveriam manifestar-se de acordo com o comportamento de sua empresa, variando de "discordo totalmente" a "concordo totalmente".

Na operacionalização do construto lealdade dos clientes, foi considerada um conjunto de cinco indicadores utilizados por Maignan e Ferrell (2001a). Assim como descrito para mensuração da cidadania corporativa, para a avaliação dos indicadores de lealdade dos clientes foram utilizadas escalas também de cinco pontos do tipo Likert, por meio de uma medida subjetiva realizada pelo dirigente da empresa.

Para a operacionalização do construto comprometimento organizacional, foi utilizada a escala proposta por Jaworski e Kohli (1993) que possui um total de sete itens. Da mesma forma que os construtos explanados anteriormente, foram utilizadas escalas de cinco pontos do tipo Likert. Assim, o respondente deveria manifestar-se conforme o comportamento da empresa, variando os extremos de "discordo totalmente" a "concordo totalmente". Os pontos intermediários da escala deveriam ser utilizados para situações intermediárias.

Com o intuito de avaliar a relação entre as práticas de cidadania corporativa e lealdade dos clientes e comprometimento dos funcionários, utilizou-se a análise de correlação de Pearson. Segundo Malhotra (2001), o coeficiente de correlação (r) é um índice que serve para determinar se existe uma relação linear entre duas variáveis, isto é, indica o grau em que a variação de uma variável x está relacionada com a variação de outra variável y.

Na fase de análise dos dados, utilizou-se também a técnica estatística denominada regressão múltipla. De acordo com Hair et al. (1998), a análise de regressão múltipla é uma técnica estatística que pode ser usada para analisar a relação entre uma variável dependente e várias variáveis independentes. Assim, de acordo com o modelo conceitual apresentado na Figura 2, tem-se dois modelos de regressão múltipla utilizados no estudo:


Vale ressaltar que, no presente estudo, todos os resultados foram considerados significativos ao nível de 5% (p < 0,05), tendo, portanto, 95% de confiança de que estejam corretos. Ademais, os pressupostos para a utilização dos modelos foram avaliados com o escopo de verificar a fidedignidade destes.

ANÁLISE DOS RESULTADOS DA PESQUISA

A amostra resultante da pesquisa foi composta de 208 questionários. No tocante à caracterização da amostra, verificou-se que a maioria das empresas pesquisadas (66,8%) tem até 20 funcionários, configurando-se uma amostra composta de pequenas empresas. Apenas 9,1% das empresas entrevistadas possuem mais de 100 funcionários e o restante (24,1%) afirmou ter entre 21 a 100 funcionários. Observou-se que mais da metade das empresas (54,9%) possui até 20 anos de atividade e que 63% delas atuam no mercado há mais de 10 anos. Constatou-se também que 19,7% têm entre 21 e 40 anos de atuação e que somente 15,4% das empresas possuem mais de 40 anos de atividade.

Verificou-se também que 70,7% das empresas pesquisadas não fazem parte de grupo de lojas, possuindo apenas um ponto de venda. A pesquisa mostra que, de 29,3% das empresas que fazem parte de um grupo, 52,4% disseram que o grupo é composto por até cinco empresas, 17,4% afirmaram fazer parte de um conjunto de até dez empresas, 12,7% indicaram que o grupo do qual fazem parte é composto por até vinte empresas e 17,5% são empresas integrantes de grupos com mais de vinte estabelecimentos. Por fim, pôde-se visualizar que 92,8% das empresas pesquisadas não constituem franquias.

Com relação às médias das notas atribuídas a cada uma das dimensões da cidadania corporativa, observou-se que todas foram bem avaliadas pelos respondentes da pesquisa. O destaque ficou por conta da cidadania legal, que apresentou uma nota alta (4,46). Outras duas dimensões - ética e econômica - também obtiveram médias altas (4,43 e 4,33 respectivamente), contudo pôde-se verificar uma menor preocupação por parte dos gestores das empresas pesquisadas acerca da cidadania filantrópica que exibiu a menor média - 3,49. O resultado parece evidenciar uma menor participação das empresas pesquisadas em ações voltadas para a dimensão filantrópica da cidadania corporativa.

Pôde-se observar também que os construtos lealdade dos clientes e comprometimento organizacional tiveram médias altas (4,08 para lealdade dos clientes e 4,22 para comprometimento organizacional). Esses resultados indicam que, na perspectiva dos gestores das empresas participantes da pesquisa, os clientes apresentam alta lealdade à empresa e os funcionários, alto nível de comprometimento.

A fim de atingir os objetivos propostos para o trabalho preliminarmente, foi utilizado o coeficiente de correlação de Pearson como uma forma de avaliar a relação entre as variáveis de interesse. A Tabela 1 apresentada a seguir mostra que existem correlações significativas e positivas entre as três dimensões de cidadania corporativa (econômica, legal e ética) e lealdade dos clientes. Contudo, pode-se ressaltar que essas correlações são fracas, visto que apresentam r < 0,30.

Além disso, pode-se observar que existe correlação significativa e positiva entre as dimensões de cidadania corporativa (econômica, legal, ética e filantrópica) e comprometimento dos funcionários. Pode-se concluir também que existem níveis de correlação mais fortes entre as quatro dimensões de cidadania corporativa e comprometimento dos funcionários do que em relação às dimensões de cidadania corporativa e lealdade dos clientes.

Para análise dos dados foram utilizados também dois modelos de regressão linear múltipla com o objetivo de avaliar de forma multivariada a relação das variáveis resposta (no modelo 1, lealdade dos clientes e, no modelo 2, comprometimento dos funcionários) com as variáveis preditoras ou explicativas (os quatro escores referentes às quatro dimensões de cidadania corporativa) conforme a Figura 2.

Para o modelo 1, ajustou-se um modelo de regressão linear múltipla para avaliar a relação multivariada entre a lealdade dos clientes e as quatro dimensões de cidadania corporativa. Inicialmente, ajustou-se um modelo para a lealdade dos clientes com as três variáveis explicativas cuja correlação de Pearson foi significativa (cidadania econômica, cidadania legal e cidadania ética). Como a cidadania legal não foi significativa na explicação da lealdade do cliente, ela foi retirada, obtendo-se o modelo final conforme a Tabela 2.

A Tabela 2 mostra que o modelo obtido explica somente 9,7% da variação da resposta no tocante à lealdade dos clientes. Ressalta-se também que somente as dimensões econômica e ética da cidadania corporativa parecem explicar a variação da resposta acerca da lealdade dos clientes. Ademais, observa-se que o escore de cidadania econômica explica quase 80% da variação total da lealdade dos clientes.

Para o modelo 2, a mesma análise descrita anteriormente foi utilizada para avaliar a relação multivariada das quatro dimensões de cidadania corporativa e comprometimento dos funcionários. Por meio da Tabela 3 apresentada a seguir, pode-se observar que o modelo gerado explica 38,4% da variação do comprometimento dos funcionários. Ressalta-se também que as quatro dimensões têm influência sobre o comprometimento destes. Pode-se destacar ainda que a cidadania econômica explica mais da metade da variação do comprometimento dos funcionários.

Dessa forma, de acordo com os resultados apresentados anteriormente, pode-se verificar que somente as dimensões econômica e ética da cidadania corporativa podem explicar, ainda que moderadamente, a lealdade dos clientes. Nesse caso, os resultados parecem evidenciar que existem outros fatores influenciadores da lealdade dos clientes além da adoção de práticas de cidadania corporativa. Pode-se observar, também pelos resultados apresentados, que todas as quatro dimensões da cidadania corporativa explicam o comprometimento dos funcionários.

CONCLUSÕES E CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir das análises descritas anteriormente, pode-se chegar a algumas constatações. Primeiro, destaca-se que, de modo geral, as empresas investigadas parecem apresentar uma maior preocupação com questões legais, ou seja, uma tendência em se preocupar com as obrigações impostas pelas leis ou responder mais rápida e eficientemente a estas. Esses resultados são convergentes com estudos empíricos desenvolvidos em outros países, nos quais se verificaram médias altas para questões de ordem econômica e legal (Pinkston e Carroll, 1996). No Brasil, contudo, pelo menos neste estudo, a dimensão legal proposta por Carroll (1991) mostrou-se mais importante. Contatou-se que os construtos lealdade dos clientes e comprometimento dos funcionários também foram bem avaliados pelos dirigentes das empresas, o que pode sugerir a existência de altos níveis de lealdade dos clientes e alto grau de comprometimento dos funcionários nas empresas pesquisadas.

Os resultados obtidos por meio da análise do coeficiente de correlação de Pearson mostram que existem correlações significativas e positivas, ainda que fracas (r < 0,30), entre três dimensões da cidadania corporativa (econômica, legal e ética) e lealdade dos clientes. Os resultados indicaram ainda que existe correlação positiva e significativa entre as quatro dimensões de cidadania corporativa e o comprometimento dos funcionários, ou seja, as empresas que mais adotavam práticas de cidadania corporativa nas dimensões econômica, legal e ética eram as empresas que mais obtinham lealdade dos clientes. O mesmo pode ser concluído para o comprometimento dos funcionários: as empresas que mais investiam em ações de cidadania corporativa em suas quatro dimensões eram aquelas nas quais o comprometimento dos funcionários mostrava-se maior.

Na análise de regressão múltipla verificou-se que somente as dimensões econômica e ética da cidadania corporativa explicam, ainda que fracamente, a variação da lealdade dos clientes. Nesse caso, os resultados parecem evidenciar que existem outros fatores influenciadores da lealdade dos clientes, além da adoção de práticas de cidadania corporativa. O resultado obtido com a aplicação da técnica para avaliar a relação multivariada das quatro dimensões de cidadania corporativa e comprometimento mostrou-se diferente. Observou-se que todas as quatro dimensões de cidadania corporativa têm influência no comprometimento dos funcionários.

É conveniente ressaltar que, apesar da grande diversidade de termos, siglas e abordagens, a cidadania corporativa pode ser enquadrada nos limites do domínio do marketing ligado a questões sociais, pois tem como objetivo satisfazer as várias demandas dos diversos públicos com os quais uma empresa interage.

O trabalho pretendeu contribuir como um apoio no processo de incorporação da cidadania corporativa no planejamento de marketing das empresas, isto é, por meio das conclusões da pesquisa, permite-se afirmar, respondendo à questão do trabalho, que a cidadania corporativa pode ser utilizada como um instrumento de marketing interno e externo para as organizações.

Algumas limitações deste estudo devem ser assinaladas com as conclusões da pesquisa. Em primeiro lugar, como bem enfatizado por Mohr e Webb (2001), nesse tipo de estudo em que são empregados surveys, é bastante comum a ocorrência do chamado viés de desejabilidade social. Tal viés é resultante de respostas que não são baseadas naquilo que o respondente realmente acredita, mas no que percebe sendo socialmente apropriado. Sendo assim, é facilmente perceptível que, no tocante às questões que procuravam mensurar o nível de adoção de práticas de cidadania corporativa, algum viés de desejabilidade social tenha interferido nas respostas.

Pode-se citar como uma outra limitação a dificuldade em se utilizar instrumentos originados de outros países que apresentam culturas e características próprias. Em se tratando de temas de tamanha complexidade, como responsabilidade social empresarial, cidadania corporativa e relacionamento com stakeholders, a tarefa torna-se ainda mais árdua, uma vez que o nível de atuação das empresas de diferentes países com relação a esses tópicos é diferenciado.

Pode-se dizer que o estudo traz contribuições para os dirigentes de empresas do setor varejista, pois discute como questões de cidadania corporativa podem se transformar em oportunidades de negócios e, por conseguinte, como ações socialmente responsáveis nas esferas econômica, legal, ética e filantrópica podem ser utilizadas como instrumento de marketing interno e externo para as empresas.

No que se refere aos temas tratados no trabalho, como responsabilidade social empresarial, cidadania corporativa, marketing e sociedade e relacionamento com stakeholders, entre outros, pode-se constatar que esses assuntos se encontram em um estágio embrionário de desenvolvimento. No mesmo sentido, a literatura que trata da temática apresenta-se dispersa e, sobretudo, pouco convergente. Além disso, há uma tendência, nessa literatura, de se privilegiar a dimensão valorativa da responsabilidade social, buscando delinear o que as empresas devem ou não fazer e como deveriam proceder, em detrimento de um debate mais amplo quanto à dimensão pública e política dessas ações (Ventura, 2003; Nogueira e Chauvel, 2003).

Por fim, podem-se destacar possíveis conseqüências negativas a partir da adoção de práticas socialmente responsáveis sob uma óptica predominantemente instrumental. Muitas críticas à visão instrumentalista nascem da desconfiança de que essa decisão se baseia em uma racionalidade fria e calculista, associada às leis de mercado (Nogueira e Chauvel, 2003). Contudo, vale dizer que, à medida que a empresa cidadã envereda por políticas socialmente responsáveis, parte de seus lucros passa a ser investida em capacitação de seus empregados, desenvolvimento de programas ambientais, apoio a atividades desportivas e culturais locais, formação de parcerias etc. Essas ações podem ser valiosas para a empresa, para seus acionistas e para seus demais stakeholders, contribuindo para o aumento do bem-estar social e para o desenvolvimento do país.

Artigo recebido em 14.08.2003.

Aprovado em 09.01.2004

Marcelo de Rezende Pinto

Mestre em Administração pelo CEPEAD/CAD/UFMG. Interesses de pesquisa em responsabilidade social corporativa, marketing e estratégia de negócios e marketing social.

E-mail: marcrez@hotmail.com

Endereço: Rua Rio de Janeiro, 1197/702 - Centro, Belo Horizonte - MG, 30160-041.

José Edson Lara

Professor adjunto do CEPEAD/CAD/UFMG. Doutor em Administração pela Universidade Autónoma de Barcelona. Interesses de pesquisa em marketing e estratégia de negócios, ações em mercadologia, comportamentos de mercados nacionais e internacionais.

E-mail: jedson@face.ufmg.br

Endereço: Rua Curitiba, 832/1207 - Centro, Belo Horizonte - MG, 30170-120.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Dez 2014
  • Data do Fascículo
    Dez 2004

Histórico

  • Aceito
    09 Jan 2014
  • Recebido
    14 Ago 2003
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