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Empresário, estado e capitalismo no Brasil: 1930-1945

RESENHA BIBLIOGRÁFICA

Maria Cecília Spina Forjaz

Empresário, estado e capitalismo no Brasil: 1930-1945

Por Eli Diniz. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1978. 311 p. (Coleção Estudos Brasileiros, v. 27)

A hipótese central da autora é a de que o papel político da burguesia industrial, no novo esquema de alianças posterior à Revolução de 1930, tem sido minimizado pela análise sociológica.

Mediante o estudo das relações entre a burguesia industrial e o poder central (em dois níveis de atuação desse segmento social: os órgãos de classe e os conselhos técnicos), a autora aceita a preeminência do Estado no desenvolvimento histórico brasileiro, mas não cai no poilticismo. Ou seja, recusa o protagonismo burguês em 30, mas analisa-o papel político que a burguesia industrial efetivamente teve, não caindo no extremo oposto de recusar ao empresariado qualquer significação política.

Em suma, o tema central do livro é a análise de articulação Estado/empresários, no período de 1930 a 1945.

Na primeira parte do..livro, a autora dedica-se às questões teóricas. No primeiro capítulo, analisa a questão das relações entre o Estado e a sociedade civil, problemática mais genérica a que nos remete o estudo da participação política da burguesia industrial brasileira.

E conclui que predomina, no pensamento social' brasileiro, uma visão dualista sobre as relações Estado/sociedade: as duas formas extremas de ver a burguesia industrial, como grupo totalmente subordinado ou como classe dominante em 30, pecam ambas por uma atitude dualista.

O objetivo da autora é fugir ao simplismo próprio da visão dualista e atingir uma visão integrada sobre as relações Estado/sóciedade. A explicitação desse objetivo é feita no segundo capítulo do livro.

Prosseguindo na discussão teórica, a autora propõe uma nova dimensão levantada pela análise do comportamento político da burguesia industrial: as relações entre a economia e a política.

Descartando o primarismo próprio da perspectiva economicista, ainda predominante na sociologia brasileira, Eli Diniz busca uma visão equilibrada da articulação entre os fenômenos econômicos e políticos, resguardando a autonomia da esfera política: "Subjacente às análises está, ora o pressuposto de que a conjuntura econômica de crise seria o elemento propulsor das medidas postas em prática e o surto industrial como que uma resposta automática a impasses gerados a partir do exterior, ora a idéia de que a interferência de uma orientação econômica, basicamente conservadora, determinaria a incapacidade do sistema reagir favoravelmente aos estímulos externos, representando um obstáculo à consolidação e expansão do setor moderno da economia. (...)Em ambos os casos, a dimensão propriamente política, quando não é inteiramente marginal à análise, fica em segundo plano, na ausência de um esquema analítico integrado" (p. 68).

Recusando esse espontaneísmo do processo de implantação do capitalismo industrial no Brasil, a autora retoma duas polêmicas que já são clássicas na sociologia brasileira: o caráter renovador ou conservador da revolução de 30 e a controvérsia em torno do significado da política econômico-financeira do período 1930-1945.

Obviamente essas duas questões são conexas e a perspectiva da autora é a de ressaltar a dimensão mudança própria da revolução de 30, na medida em que não houve restabelecimento do status quo anterior à revolução, nem no plano econômico, nem no plano político.

Quanto à questão da política econômico-financeira do período, a autora expõe duas orientações antagônicas e adere a uma delas, ou seja, àquela que aceita os compromissos da revolução com os grupos dominantes tradicionais, mas reconhece a implantação de novo padrão de crescimento, centrado na industrialização.

Deixando as questões teóricas, na segunda parte do livro a autora analisa os suportes ideológicos da modernização conservadora, ocorrida no período, apontando os vínculos existentes entre o pensamento autoritário e o industrialismo, a visão de mundo específica desenvolvida pela burguesia industrial brasileira nesse momento histórico.

Além da dimensão ideológica, a autora discute a participação do empresariado nos órgãos de classe e também nos órgãos tecno-burocráticos, como o Conselho Federal de Comércio Exterior (CFCE) e o Conselho Técnico de Economia e Finanças (CTEF), defendendo principalmente:

- o protecionismo (que não é adotado como política global)

- a campanha contra o livre comércio

- a institucionalização do crédito industrial

Na terceira parte do livro, denominada os industriais e os rumos da industrialização, a autora aborda a visão dos industriais sobre o intervencionismo estatal, utilizando como material de pesquisa os debates em torno da planificação da economia nacional, desenvolvidos no Conselho Nacional de Política Industrial e Comercial (CNPIC) e na Comissão de Planejamento Econômico (CPE).

A conclusão fundamental a que chega é que a burguesia industriai não é nacionalista e aceita (com limites) a intervenção do Estado na economia. Resiste mais à ação do Estado do que à ação do capital estrangeiro.

Na quarta parte do livro, Diferenciação de interesses e tática política, a autora discute o problema da autonomia ideológica da burguesia industrial, criticando os autores (Bóris Fausto, Edgard Carone e Warren Dean) que, por caminhos diferentes, frisam a indiferenciação de interesses entre a burguesia agrária e a industrial.

Mostrando que 30 é o marco inicial da busca de identidade dos empresários industriais, a autora analisa suas relações com a burguesia agrária, com o comércio importador, com as classes médias, e, enfim, localiza sua posição relativa na nova coalizão dominante pós-30. Sem chegar a um descabido protagonismo burguês, Eli Diniz destaca a crescente definição de interesses específicos aos empresários industriais e sua crescente participação nas decisões econômicas.

Com bastante lucidez, a autora explica os compromissos políticos da burguesia industrial com os grupos dominantes tradicionais: "Assim é que os impulsos externos, tendentes a estimular a produção para o mercado interno, ligados à crise de 1929, iriam acelerar um processo de diferenciação de interesses, que já se encontrava em fase avançada. A defasagem entre percepção de interesses próprios e o montante de poder, que o grupo possui para implementar tais interesses, pode gerar estratégias de compromisso nem sempre condizentes com seus objetivos fundamentais. Isto, porém, longe de significar falta de consciência, inconsistência ou dependência ideológica, pode simplesmente representar um esforço por parte do grupo em ascensão, no sentido de preservar alianças com os setores sociais que detêm os recursos escassos necessários à consecução de seus objetivos" (p. 240-1).

As considerações finais da autora, que configuram o oitavo e último capítulo do livro, retomam e sintetizam suas principais conclusões, ou seja: 'a burguesia industrial não é amorfa, subordinada e irrelevante. Ela se insere na coalização dominante numa fase de grande fortalecimento do Estado e também é limitada pelo peso das elites rurais. Esses limites explicam o fato de que sua participação se realiza via aparelho burocrático estatal e o caráter corporativo de sua luta.

Ocorre simultaneamente uma cooptação da burguesia industrial pelo Estado e uma representação de seus interesses específicos, através dos órgãos econômicos. A inexistência, porém, de hegemonia não significou irrelevância política da burguesia industrial, mas os constantes compromissos com outras elites.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Ago 2013
  • Data do Fascículo
    Dez 1979
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