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Desenvolvimento de executivos: uma experiência brasileira

ARTIGOS

Desenvolvimento de executivos: uma experiência brasileira

João Bosco Lodi

Bacharel em Filosofia pela Universidade Gregoriana de Roma e licenciado em Filosofia pela Universidade de São Paulo. Consultor para Desenvolvimento de Executivos num grupo de empresas brasileiras

A partir de setembro de 1963 foi introduzido um programa de Desenvolvimento de Executivos num grupo de emprêsas de São Paulo, Rio de Janeiro, Pôrto Alegre e Recife. Êsse vasto campo de empreendimentos industriais abrangia aproximadamente setecentos executivos, cujas aspirações, problemas e perspectivas transparecem neste trabalho. A experiência tornou-se ainda mais interessante tendose em vista:

• a diversidade geográfica e humana;

• os produtos, tecnologias e mercados diferentes;

• as características regionais e a diversa formação dos dirigentes dessas emprêsas.

Um programa dêsse tipo aplicado comparativamente em emprêsas tão diferentes quanto ao ramo, tamanho e local, devia produzir alguns pontos de reflexão que seriam de interêsse para outras emprêsas brasileiras.

Êste artigo reflete a conviccão de que, bem ou mal. as organizações de hoje estão plasmando os dirigentes de amanhã. A emprêsa é uma instituição com valor educacional É a sucessora natural da universidade na formaçao dos dirigentes. Depois da influência exercida pela educação universitária, a formação dêsses homens é mais influenciada pelo comportamento de seus superiores e colegas do que pelos programas de treinamento. O superior imediato e não o especialista em treinamento passa a ser o esteio principal do desenvolvimento de executivos. A outra suposição é a de que um mesmo sistema de desenvolvimento, em linhas gerais, pode servir para emprêsas diferentes quanto ao ramo, tamanho e local. O desenho de um sistema uniforme é essencial para que um programa dêsse tipo não se atomize em pequenas iniciativas isoladas, seja êle aplicado a uma só companhia ou a um grupo de emprêsas.

Constitui, ainda, o presente artigo o resumo do desenvolvimento do programa em seus cinco primeiros anos. O que aqui está escrito encerra uma opinião pessoal do autor e de modo algum traduz o ponto de vista oficial de alguma dessas Companhias. O nome dessas companhias será omitido por razões óbvias, assim como qualquer detalhe que possa ajudar a identificar esta ou aquela emprêsa.

A fim de apreender a natureza dessas Companhias, examinaremos alguns elementos caracterizadores da atividade, tais como os produtos, o volume de patrimônio, a efetividade em produzir lucros, a formação dos dirigentes, e finalmente o número de executivos abrangidos no programa.

Uma dessas emprêsas produzia uma variada linha de tintas e vernizes, participando em 15% do mercado nacional. A outra produzia adubos, fertilizantes, fenol e uma variada linha de germicidas para uso na lavoura e pecuária. Outra,, ainda, constituía um complexo de indústrias têxteis, produzindo tecidos de algodão (60% do mercado de lençóis), de fibras sintéticas e fios de lã. Duas dessas emprêsas produziam óleos comestíveis, margarinas e sabões, além de uma variada linha de derivados industriais. Pelo menos três dessas companhias tinham como finalidade principal a moagem e venda da farinha de trigo e a produção derações animais.

Em função dessas tecnologias diferentes, variado era o tipo de formação dos dirigentes, e com êste têrmo, pretendo aqui abranger os presidentes, diretores ou gerentes gerais. Numa emprêsa, cujo produto era sujeito à moda e à contínua inovação, a administração da cúpula era constituída por maioria de engenheiros com formação européia, que freqüentemente viajava ao exterior, mantendo um alto grau de cultura administrativo-técnica. Em duas empresas, os químicos e agrônomos constituíam o grupo dirigente, com alto grau de especialização. Em duas outras empresas os dirigentes eram engenheiros civis ou mecânicos com longa experiência na gerência de produção ou na montagem de fábricas. Nas três emprêsas restantes tinham subido à direção pessoas com um passado de comerciantes; nas últimas companhias era bem mais evidente o espírito pragmático e especulador próprio de homens habituados com o comércio de importação ou exportação de grande importância durante a etapa da industrialização do Brasil. Êsse espírito pragmático, se por um lado era útil aos negócios de ocasião, por outro constituía um real obstáculo à emprêsa como entidade industrial.

Para se ter uma idéia do volume de capital empregado e da eficiência financeira, examinemos alguns dados oficiais.

O Quadro 1 indica o Patrimônio Líquido (composto de capital, reservas, lucros retidos e lucros a distribuir) e o índice de Rentabilidade (obtido pela proporção lucro líquido anual sôbre patrimônio líquido). Êste gráfico também elucida a grande diversidade na operação financeira das emprêsas. Se há algumas com um lucro satisfatório para os padrões brasileiros, há uma delas com uma situação de baixa rentabilidade, que pareceu temporária.


Em 1967 os balanços das companhias brasileiras, de um modo geral, apresentavam um resultado pobre, porque elas estavam apenas saindo da crise surgida com a Revolução de 1964. Dêste modo, o Quadro 1 não é representativo de uma situação normal em que as margens de lucro se colocariam em melhor situação.

O Quadro 2 indica, o número de empregados e o número de executivos abrangidos em cada companhia pelo programa. A proporção média é de 3,5%. O critério de escolha de um executivo foi variável, dependendo da complexidade tecnológica da emprêsa e da disposição do gerente geral em abranger mais ou menos pessoas.


Neste artigo o têrmo "executivo" é tomado no sentido anglo-saxônico. Aplica-se a todos os administradores da empresa, na alta e média administração, que exercem cargos de chefia e decisão, fazendo executar as diretrizes emanadas dos acionistas e contribuindo para os resultados do negócio. Fala-se aqui mais em desenvolvimento do que em treinamento, porque o primeiro têrmo é mais abrangente e porque o segundo é um instrumento do primeiro. Treinamento é o processo de transmissão de conhecimentos, habilidades e atitudes. Desenvolvimento é o processo global de crescimento de uma pessoa, organização ou sociedade. Desenvolvimento de executivos é êsse processo de crescimento aplicado ao administrador dentro de uma determinada organização.

A IMPLANTAÇÃO DO PROGRAMA

Êste programa foi elaborado por uma emprêsa inglêsa de consultoria de renome internacional, a Urwick OTT Partners Inc., por solicitação da Direção Geral dessas emprêsas. Eis o que disse a respeito da finalidade do programa um jovem e brilhante dirigente, autor provável da idéia do programa, quando tentava explicá-lo a um grupo de Diretores brasileiros em 1963:

"Muito se tem falado e se fala sobre o programa de desenvolvimento de executivos. Consideramos conveniente esclarecer o conceito e, sobretudo, as razões que induziram a Diretoria e o Conselho a pô-lo em execução imediatamente. Na maioria das companhias foram feitos grandes progressos na elaboração de uma estrutura orgânica, requisito indispensável para o manejo de uma emprêsa. Resta ainda muito por fazer, para dotá-las dos mais modernos sistemas de direção e tirar, assim, melhor proveito da potência coletiva de tôdas as emprêsas associadas. Progredir neste sentido só poderá redundar no bem de todos nós e do país em geral. Paralelamente, uma série de fatores que enumeraremos a seguir, tornou indispensável encarar de forma igualmente científica a elaboração de um plano que permita pôr à disposição da organização, no futuro, pessoal mais competente, assegurar seu treinamento e ensino e seu posterior progresso dentro do amplo campo de ação que oferecem as emprêsas da organização. Por que a Diretoria acreditou oportuno encarar a elaboração de um plano metódico de desenvolvimento de executivos? E por que agora? As razões são muitas, mas assinalaremos só as mais importantes:

• O crescimento da organização torna difícil, senão impossível a supervisão direta de todos por parte daqueles que desde o mais alto nível dirigem nossas atividades A contínua expansão das emprêsas nos obriga a delegar mais e mais essa importante função a gerentes e dirigentes, os quais sentem a mesma preocupação.

• O progresso da organização, que foi vertiginoso nos últimos 30 anos, absorveu grande parte do potencial humano, que com recursos precários se foi preparando. Cada vez se necessita mais e melhor gente para ocupar novos cargos. Não podemos, portanto, continuar improvisando desta maneira. É necessário que abordemos o problema com ordem e método.

• É indiscutível que, diferentemente dos Estados Unidos e da Europa, não existe na América do Sul uma industrialização suficientemente desenvolvida para prover o mercado de gente capaz e instruída nos modernos sistemas de direção de uma emprêsa. Até agora a organização sempre se manteve na vanguarda e neste sentido pretendemos continuar. Para isso, devemos prepararnos para encarar decididamente o futuro, programando agora, para realizar mais tarde.

• Com relação a êsse ponto, e apesar da falta de estabilidade com que funcionam hoje em dia os mercados latino-americanos, é evidente que a concorrência também progride. Devemos progredir tanto ou mais do que ela.

• Da mesma maneira, as novas técnicas que foram sendo introduzidas para a administração mais eficiente das emprêsas requerem, evidentemente, pessoal mais preparado. Como em qualquer outra atividade, os industriais se especializam cada vez mais, e como profissionais requerem um treinamento cada vez mais científico.

• Sobretudo, não nos esqueçamos de que uma organização do porte e a importância da nossa deve incorporar os melhores elementos jovens que oferece o país. Tem o dever de evitar que êstes continuem emigrando cada vez em maior escala. Deve oferecer-lhes um futuro promissor e a possibilidade de fazerem carreira. Tem o dever moral de desenvolver o talento nacional. Com isto, contribuiremos para o progresso orgânico e estável do país".

"Levando em conta o que ficou dito, admitamos que, atualmente, não existe dentro da organização um sistema para localizar e desenvolver gente capaz. Depende-se, exclusivamente, do interesse que uns gerentes ou dirigentes, nos diversos níveis, demonstrem por êsse problema. Temos a intenção de incorporar um sistema. O programa de Desenvolvimento de Executivos que se levará a cabo é essencialmente prático. Dá-nos um instrumento para medir o que precisamente interessa a todos nós, ou seja, os resultados da atividade de cada um. Começaremos por colocar-nos no lugar de um indivíduo que trabalha na companhia, e trataremos de resolver as perguntas que todos se fazem: que devo fazer? Como devo fazê-lo? Como se julgará meu trabalho? Quem me julga? O que posso esperar se melhoro?"

"Estas são as perguntas que nós, como organização, devemos resolver. Para isto devemos dotar-nos do instrumental necessário, que nos permitirá medir o rendimento das pessoas. Resumindo, trataremos de pôr em prática um sistema similar ao que todos vocês experimentaram em colégios e universidades, onde sabiam claramente o que deviam estudar e como lhes seria compensado o conhecer bem a lição. Os objetivos do programa, portanto, são claros:

• assegurar que o ocupante de um cargo compreenda claramente suas funções e os resultados que dêle se espera;

• identificar e desenvolver o potencial daqueles que demonstram capacidade para progredir;

• prever quantos e que tipos de executivos se necessitará no futuro e programar sua preparação para melhor desempenho de suas atribuições;

• melhorar o rendimento de todo o pessoal em seus cargos atuais;

• integrar e coordenar êste trabalho entre tôdas as emprêsas da organização."

"O plano é ambicioso e não se devem esperar resultados espetaculares num futuro imediato. A colaboração de todos vocês é indispensável e a esperamos. Assegurar-nosemos, assim, de que os cargos que compõem a estrutura de nossa organização se irão preenchendo com fucionários competentes e que os mais capazes alcançarão os mais altos cargos".

Nesse mesmo ano de 1963 o dirigente de uma das emprêsas reuniu seus gerentes e explicou a implantação do programa aproximadamente com as seguintes palavras:

"Sinto-me satisfeito com a presença dos colegas e desejo dar a todos as minhas boas vindas. Estamos reunidos para ouvir e discutir o Programa de Desenvolvimento de Executivos, que poderíamos também chamar de Desenvolvimento de Elementos Para a Gerência.

Quase todos aqui presentes estão conosco há 20 ou 30 anos e viram a companhia crescer de uma pequena firma há 30 anos, para a grande emprêsa atual. Tudo continuaria bem se continuássemos a ser os mesmos que em 1933; mas estamos envelhecendo e temos que prever o futuro. Temos aqui um organograma feito pelos nossos consultores que mostra aos senhores como estará a companhia em 1970, continuando com os mesmos elementos executivos de atualmente. A côr azul indica mais de 65 anos, a verde entre 60 e 64 e a alaranjada e amarela os que estarão ainda jovens. Como vêem, a Diretoria quase tôda já estará na côr azul. Não quero dizer que aos 65/66 anos não se pode mais trabalhar. Mas devemos reconhecer que alguns dos que estão cçm a idade de 60/65 não mais constarão dêste organograma em 1970, por aposentadoria ou outra razão.

Portanto, se queremos ver a continuação da companhia que ajudamos a criar, então chegamos ao momento de pensar: Quem irá substituir-nos? Com a finalidade de ajudar os senhores no desempenho desta tarefa, foi criada, sob minha direção, uma Comissão de Desenvolvimento de Executivos. Esta Comissão vai ajudar os senhores a recrutar selecionar e treinar os elementos que já temos dentro da firma e capacitá-los para nos substituir. Talvez tenhamos de recrutar também gente de fora, pois a companhia dificilmente permanecerá estática nestes anos. Precisaremos, portanto, de mais gerentes, mais sub-gerentes, mais chefes de seção, não só para ocupar novos cargos como para preencher os claros que por um motivo ou outro aparecerão no organograma. Devemos, então, começar já um trabalho sistemático e para êste propósito tenho a certeza de contar com a colaboração de todos que estão ocupando lugares diretivos na emprêsa e que se encontram aqui presentes. Quanto tempo leva para preparar um nôvo gerente? Quatro, cinco, seis, sete, dez anos? É difícil prever. Mas como não há mais muito tempo, devemos começar logo. Cada um dos senhores será chamado a cooperar no desenvolvimento dêste nôvo programa. Numa primeira fase lhes serão solicitados vários dados que nos ajudarão no planejamento geral do programa. Mais tarde, sua colaboração será necessária para o treinamento do nessoal escolhido. Sabemos que todos, no momento, já estão bastante sobrecar regados de trabalho, mas êste é um trabalho que não podemos deixar de fazer. Quero insistir neste apêlo para que esta colaboração seja dada integralmente, pois estamos lidando com o problema mais importante que temos. Como chefes da organização, temos obrigação de preparar os nossos futuros substitutos".

Êstes dois discursos ajudam a esclarecer as intenções e expectativas com que o programa foi lançado no ano de 1963. O primeiro discurso assinalava a preocupação pela continuidade do negócio ameaçada pelo gigantismo do crescimento e pela complexidade da organização. O segundo falava do envelhecimento dos homens que ajudaram a fazer a emprêsa crescer. Solicitava apoio para um programa de renovação. Êste foi um ano de boas intenções, em que o negócio fôra beneficiado pela crista da inflação brasileira. Em 1963 era difícil julgar a eficiência de um alto executivo brasileiro porque os seus erros eram absorvidos pelo preço final do produto, sempre aumentado pela inflação galopante e pela corrupção da vida pública. O consumidor brasileiro pagava pela administração medíocre.

O envelhecimento dos executivos de então era evidente, quando se olha para as companhias conjuntamente. Na Companhia X um gráfico demonstrava que 13 executivos do mais alto nível teriam mais de 65 anos em 1970, dois dêles com idade superior a 70 anos, e 9 outros executivos teriam idade entre 60 e 65 anos. Nessa Companhia X havia, portanto, 22 executivos que deveriam ser aposentados nos próximos anos. Na Companhia Y, um levantamento fêz ver o obsoletismo do pessoal de vendas, onde a idade média era de 47 anos, com dois executivos na faixa mínima de idade, 35 anos, e vários executivos na faixa dos 65 aos 68 anos. Na Companhia Z um estudo mostrou que havia 700 executivos estáveis (de acordo com o estatuto da estabilidade), dos quais oitenta executivos com mais de trinta anos de casa. Em uma dessas companhias o presidente que já tinha mais de sessenta anos, ainda era executivo e comandava diretamente dezoito pessoas, desde o controlador e o chefe de câmbio até diretores que abrangiam vastas áreas.

Nos dois discursos acima, nota-se que as pessoas olham para dentro da organização, deixando de levar em conta as perspectivas do meio em que as emprêsas operam. Foi uma falha de previsão não perceber a tempo a mudança qualitativa da conjuntura económico-política sul-americana, que iria marcar em 1964 um ano crítico. Seria demasiado exigir que alguém previsse a mudança para o primeiro semestre de 64. Mas ninguém previu que as condições econômicas e sociais caminhavam para essa situação por volta dêsse ano. Olhando para dentro da organização, uma miopia comum entre dirigentes, e menosprezando os fatores externos, faziam-se planos de formação para a gerência e se deixava de concentrar a atenção nos resultados do negócio que nesse ano crítico iriam começar a declinar. Pode-se criticar a alternativa adotada em 1963, para iniciar um programa dêsse tipo. Havia uma outra alternativa: em vez de iniciar um programa de formação de gerentes, começar uma radical mudança no tôpo das emprêsas e uma revisão fundamental da política mercadológica e financeira para a eventualidade de uma recessão.

Na verdade, o futuro imediato mostrou a necessidade de mudar alguns dirigentes porque êles não estavam em condições de se adaptar enérgicamente à nova conjuntura. Além disso, o esquema de comercialização estava ficando obsoleto e não iria resistir à queda do consumo que se verificou após a revolução de 1964. A cumulação capitalista que a era inflacionária favorecera iria ser devastadas nos três anos seguintes pela lentidão com que os dirigentes se adaptaram às condições cambiantes da conjuntura.

O Programa de Desenvolvimento de Executivos foi lançado nessas companhias no ano de 1963, apoiado pela boa intenção que transparece nesses discursos de inauguração. Nos dois anos anteriores alguém fizera o esforço pioneiro de implantar custos, orçamentos, auditoria, métodos contábeis e alguns informes de controle. Uma boa parte dos Gerentes Administrativos e Controladores que operavam nas companhias em 1966-67 eram ex-auditores empregados nessa tarefa de implantação. De modo que, o Programa de Executivos vinha assentar-se sôbre uma complexa base contábil-financeira já implantada, que padeceria de uma dieta sistemática nos anos seguintes.

OS ANOS DIFÍCEIS

A partir do primeiro semestre de execução o programa começou a sentir resistência dos próprios executivos que se supunha estarem interessados em seus resultados. A resistência se originou com a exigência da Descrição de Funções e se agravou na época das primeiras Avaliações de Desempenho. Num terceiro estágio, essas dificuldades foram ampliadas pela falta de controle por parte dos dirigentes e pelo imobilismo da geração envelhecida nos cargos-chave.

A Descrição exigida colocava os executivos na obrigação de contar o que faziam e selecionar as tarefas mais importantes. É possível que a dificuldade de redação e síntese tenha originado o mal-estar. A cada tarefa-chave devia corresponder um padrão de rendimento que indicasse quantitativa ou qualitativamente o nível de desempenho esperado. A discussão do nível de desempenho elevou a dificuldade ainda mais. Nem todos os executivos estavam preparados para compleender a necessidade de uma estrutura formal de cargos, que ajudasse a clarificar as responsabilidades, a autoridade e a delegação de cada um. Poucos percebiam que isto podia conduzir a uma concentração dos esforços individuais nos alvos vitais do negócio e podia favorecer um aumento de compreensão entre chefss e subordinados.

Quando se chegou às avaliações no fim do primeiro exercício do programa, ocorreram diversas dificuldades. Algumas avaliações eram lacônicas e descuidadas, feitas para evitar compromisso. Elas foram devolvidas para serem refeitas. O laconismo era mais freqüente em todos os setores comerciais onde imperava a subjetividade e o "faro pessoal". Êsses mesmos setores comerciais sofreram alguns anos depois o impacto inovador do Marketing que veio a determinar dimensões de mercado e padrões de desempenho para o pessoal. Outras avaliações eram otimistas atribuindo a todos o resultado "excelente" ou "muito bom". Êsse tipo de avaliação ocorreu em departamentos onde o pessoal era "antigo e de confiança" e o gerente exercia uma autoridade mais pessoal e paternalista do que formal. O raciocínio é simples: se eu trabalho há tantos anos com êste homem é porque êle é "muito bom". A avaliação foi tida como uma constatação de confiança, mais do que um diagnóstico de problemas para obter melhoramentos. Nas áreas de fábrica onde predominavam engenheiros, as avaliações foram dificultadas pelas descrições demasiado prolixas e minuciosas. Em meio à copiosidade de detalhes insignificantes o avaliador descuidava do trabalho ou tendia a realçar características de importância menor. Outra causa de dificuldade foram as mudanças nas gerências trazenod pessoal nôvo e que considerava prematuro avaliar subordinados ainda não conhecidos. Finalmente, um motivo de dificuldade foi a época em que as avaliações foram efetuadas. Em duas companhias as avaliações foram feitas em dezembro e foram prejudicadas pela época dos aumentos salariais, ou, pelo menos, pela agitação que cercou êsse assunto. Em outras emprêsas a avaliação foi feita no fim do exercício fiscal e prejudicada pela falta de tempo devido ao fechamento do balanço contábil e a preparação dos orçamentos futuros.

Vale a pena meditar sôbre a resistência do executivo contra um programa que tinha tudo para vir ao encontro de suas aspirações. O executivo estava passivamente acostumado a "receber" coisas da emprêsa. Com o advento do programa êle deve ter pensado: "Eis aí alguma coisa que a emprêsa vai fazer por mim", e não: "Eis aí a oportunidade de eu fazer alguma coisa por mim". A passividade era tal que, em dado momento, foi julgado oportuno provocar um choque. Numa palestra, um dos responsáveis pelo programa afirmou: "Não há programa de desenvolvimento, o que há é auto-desenvolvimento. Não esperem que a organização faça algo pelos senhores, ela nunca o fará. Saibam aproveitar a oportunidade que a organização lhes oferece para se desenvolverem. A organização nunca se colocará no lugar de uma pessoa tomando a responsabilidade pelo seu desenvolvimento". A indiferença da média gerência pelo sucesso do programa agravou-se com a complexidade dos negócios da organização, a diversidade dos produtos e os diferentes estilos de direção. De modo que em 1964 o programa começou a sentir falta de apoio, atraso e qualidade superficial. Alguns dirigentes esqueceram suas boas intenções e não controlaram o andamento dos prazos. O programa começou a deteriorar porque a média gerência percebeu que fazendo ou não o que era exigido, a atitude da Direção era a mesma. Por outro lado, como o programa se concentrava em formar pessoas e não em produzir resultados imediatos, os executivos foram percebendo que isto não era algo de importância imediata.

Em uma ou outra companhia a indiferença pelo programa foi crescendo nos anos seguintes. A meditação sôbre a responsabilidade pelo auto-desenvolvimento foi meu tema preferido quando me dirigia a Grupos de gerentes ou de dirigentes. Eis a seguir o trecho principal de uma dessas palestras.

"O Desenvolvimento de Executivos na era pré-tayloriana, se fazia de uma forma até certo ponto acertada. Aquela foi uma era "darwinista", em que a seleção natural dos líderes se fazia pela predominância de certas habilidades de adaptação. Dentro dêsse caótico modo de vida que foi a era anterior a TAYLOR havia uma virtude muito grande: cada pessoa procurava desenvolver-se por si mesma, procurava esforçar-se ao máximo e chegava a um alto grau de valor pessoal. Êste era o self-made man. Quando os seguidores do "taylorismo" procuraram introduzir a divisão de trabalho, declinou a imagem do self-made man nas organizações. Procurou-se dizer aos executivos que a companhia ia organizá-los, desenvolvê-los, formá-los. Havia comparações dando a idéia de que o executivo fôsse uma espécie de matéria-prima a ser processada numa máquina, uma espécie de incubadora de gerentes. O executivo era formado pela companhia. Êste conceito levou a uma série de mal-entendidos. Se a pessoa não fizer alguma coisa por si mesma, a companhia nunca irá transformá-la num gerente, num presidente, ou colocá-lo em cargo executivo. Se a pessoa não souber utilizar os recursos colocados à altura de sua mão, não é a companhia que vai substituir-se a esta omissão do indivíduo. Hoje em dia, insistimos em que uma companhia não pode fazer coisa alguma se os executivos não assumirem uma atitude de procurar buscar o seu desenvolvimento através dos recursos que a companhia coloca a sua disposição."

"Nós hoje acreditamos que continue existindo o selí-mademan, apenas procuramos evitar o caos ocasionado pela ausência de uma organização formal. Criamos uma sistemática pela qual se colocam ao alcance dos executivos certos meios de desenvolvimento. Não supomos que a companhia vá desenvolver nenhum executivo. Esta afirmação pede parecer um pouco iconoclástica, mas não existe desenvolvimento de executivos. O que existe é um auto-desenvolvimento de executivos. Nenhuma companhia pode pretender formar gerentes. O que a companhia faz é sanear o ambiente administrativo e dar ao executivo certos instrumentos para êle se auto-educar, para auto-desenvolver-se. Desenvolvê-lo seria pretender a transformação do executivo numa coisa, que é manipulada industrialmente e resulte num produto acabado. Há uma grande insistência no sentido de que o executivo é responsável pelo seu próprio desenvolvimento, que o superior imediato do executivo é a chave principal do seu desenvolvimento. Isto quer dizer que o Desenvolvimento de Executivos se faz pela iniciativa de cada uma das pessoas. Êste ponto serve de divisor de águas entre o nosso método de desenvolver executivos e o de muitas outras companhias".

"Acreditamos que o executivo se faz no próprio trabalho, isto é, as mudanças no seu próprio desempenho, o atingimento de níveis de rendimento mais altos do que o atual se fazem através de métodos de desenvolvimento no seu próprio trabalho. Se êle mostra ou não potencial para futuras posições vai-se observar no seu próprio trabalho. Não cremos que o desenvolvimento de executivos seja mera soma de diplomas e cursos intensivos. Gostaríamos de focalizar exatamente êsse aspecto de responsabilidade pelo auto-desenvolvimento. Tem-se notado em algumas companhias, que os executivos, depois de alguns anos de trabalho, assumem uma atitude passiva quanto ao Programa de Desenvolvimento e depois de analisar um pouco êsse fenômeno, algumas pessoas chegaram à conclusão de que essa passividade em parte decorre de uma atitude. O executivo espera que o programa faça algo por êle. Como se dissesse: "Agora há aí um programa de executivos, vamos ver o que êle faz por mim". Essas pessoas consideram o Desenvolvimento de Executivos como uma espécie de Papai Noel. O executivo deve saber que o Programa visa a colocar à sua disposição certos instrumentos de desenvolvimento".

Durante os anos de 1965-66 foram anotados os problemas e as dificuldades encontradas na marcha do programa. Os dois principais problemas poderiam ser resumidos em: passividade dos executivos e preocupação utilitarista dos dirigentes. Como disse acima os executivos pareciam esperar que o programa fizesse algo por êle em vez de ver nêle oportunidade para seu auto-desenvolvimento. Havia uma crença de que o programa fôsse uma panacéia que os galardoaria com alguma coisa pela qual não era importante lutar. Por parte de alguns dirigentes, notou-se um excessivo utilitarismo. Êles estavam mais interessados em "defender o balanço", isto é, apresentar uma boa margem de lucro com o sacrifício dos planos a longo prazo. O excessivo utilitarismo levou alguns diretores de emprêsa a sacrificar o futuro, a pesquisa, a inovação, a boa administração baseada em técnicas aceitas e o desenvolvimento da gerência.

PRIMEIRAS CONSTATAÇÕES

• A Companhia A empenhou a fundo e desenvolveu um programa de forma bastante ampla abrangendo um grande número de executivos em quatro níveis diversos. Grande parte dessa conquista se deveu à personalidade forte e absorvente de seu Gerente Geral. Apesar dessa agressividade no tôpo, observou-se uma certa indolência e acomodação na média gerência, que nos levou a indagar se, reduzindo a ação dêsse dirigente, os executivos seriam capazes de continuar o programa. Talvez, não.

• Na Companhia B o programa sofreu um impasse devido a quatro fatores fácilmente distingüíveis. O negócio andou mal durante esses anos. Houve uma substituição de dirigentes feita sem o devido preparo e fortalecimento do segundo nível que funcionaria como apoio do primeiro. Notou-se pouco interêsse na área industrial. E, finalmente, o nôvo dirigente foi demasiado frouxo no controle dos prazos do programa, permitindo que o mesmo fôsse feito de modo lento e indisciplinado.

• Na Companhia C mudou também o mais alto dirigente. O nôvo era um engenheiro de formação técnica e sem o devido preparo comercial, que se deixou absorver pelos problemas de vendas e os de concorrência. A característica da companhia era marcadamente informal. Os organogramas foram tardios e se sucederam rápidamente indicando que a organização era orientada por "personalidades" e dirigida mais a resolver problemas imediatos. No espaço de um ano houve três organogramas. As mudanças eram tantas que os novos gráficos deixavam em branco o nome do ocupante dos cargos, à espera que mudassem no dia seguinte. Esse clima informal e personalizado não permitiu nenhum desenvolvimento de executivos. Ao visitante, essa emprêsa desdobrava tôda a épica dos negócios: reuniões interrompidas, chamados urgentes para convocação de última hora, ascenção e queda rápida de executivos, excesso de trabalho dos dirigentes e aquêle sentimento existencial de que nada é definitivo nem estável.

• A Companhia D não tinha condições para receber um programa dessa natureza. Vinda de uma recente estrutura formal que ainda mal escondia a influência pessoal dos grandes caudilhos, a empresa era demasiado grande e pouco maleável. Tinha uma falta de integração de esforços que era própria da diferença de educação dos dirigentes e da extrema diversidade de produtos. Além disso, ocupava as principais gerências de departamento um grupo de velhos gerentes, "filhos da casa" e acomodados a métodos antiquados. O programa foi implantado com boa fé mas logo depois decaiu em vista dessas dificuldades. Talvez a crise resultante da Revolução de 1964 tenha sido o elemento benéfico para a regeneração dessa emprêsa, pois êsse tipo de direção e de gerência fracassou nos anos seguintes à Revolução.

• A Companhia E também sofreu mudança na Alta Direção, a qual provocou uma mal-estar momentâneo mas fácilmente recuperado devido à ação oportuna dos acionistas, ao controle contínuo sôbre os negócios e à existência de uma gerência departamental já preparada anteriormente.

• A Companhia F tinha um dirigente de formação comercial, que se caracterizava pela forte personalidade para negócios. Como tôda emprêsa dirigida com oportunismo, a companhia ostentava uma estrutura formal de aparência, mas na realidade a ação da Alta Direção não levava em conta êsse esquema organizatório, atuando pessoalmente nas diversas áreas e passando por cima de chefes constituídos. Grande parte dos executivos trabalhava descontente em condições inferiores e com salários baixos. O critério de valor dessa emprêsa consistia na antigüidade e confiança, que levava pessoas de idade a ocupar os postos estratégicos onde uma vitalidade e atualização eram necessárias.

• As Companhias G e H repetiam, de certa forma, os problemas caracterizados até aqui, notando-se especialmente certa frouxidão por parte dos dirigentes em levar adiante os compromissos do programa.

Veio então a Revolução de abril de 1964. Poucos empre

sários brasileiros perceberam logo as suas implicações mi

croeconômicas. O primeiro momento do empresariado foi de euforia. O violento anti-comunismo dêsses dias fêz ver que o problema fundamental da Revolução era salvar o Brasil do comunismo. O empresário se viu aliviado com a ocupação policial dos sindicatos. Os novos homens no poder prometiam austeridade nas práticas econômicas. O empresário brasileiro continuou trabalhando como antes, sem se preocupar com os custos de produção e sem rever sua política mercadológica. Administrava-se como antes, julgando-se tutelado por um governo com nítida tendência privatista. O problema do Desenvolvimento de Pessoal caiu no esquecimento de muitos dirigentes. A revolução trouxe uma estabilização nos quadros de pessoal. A mudança de empregos baixou consideravelmente. O empregado percebeu que o momento não era oportuno para trocar de empregador. O conservantismo do mercado de trabalho e a ação do govêrno contra os aumentos salariais deram ao empresário a oportunidade de respirar um pouco. Tôda a inquietude trabalhista que cercava o empresário no período anterior desapareceu. Por um momento, êle não precisava pensar no problema do pessoal. Êsse estado de espírito predominante no empresariado brasileiro aparentemente ajudou a deterioração de muitos programas de Desenvolvimento de Executivos.

A NOVA FASE

Aos poucos a resistência ao Programa de Desenvolvimento foi se transformando em aceitação passiva. Como todos os sistemas da administração, o Desenvolvimento de Executivos não desperta entusiasmo, é apenas mais umà responsabilidade aceita com lucidez. Para essa aceitação contribuíram dois tipos de fatos:

• o aparecimento dos primeiros benefícios concretos; e

• a solução do conflito entre partidários e opositores.

Muitos dos primeiros Planos de Ação foram medidas que já eram esperadas nos anos anteriores e que o programa conseguiu catalisar e pôr em marcha. Um estudo feito em 1965 em uma das companhias mostra que aproximadaménte 120 sugestões foram encaminhadas ao Departamento de Organização e Métodos, para que o mesmo coordenasse junto aos responsáveis. De um modo geral, essas medidas referiam-se a prazos e reclamações sôbre informações não recebidas. A execução dessas medidas deu um boa contribuição para os clarecimento da estrutura formal e para o melhor entrosamento de informações para a Gerência.

Em três companhias os Planos de Ação levaram a pequenos melhoramentos individuais sem resultados econômicos. Tratava-se de melhorar o desempenho de tal ou qual executivo em determinada tarefa. Outros pequenos melhoramentos estavam relacionados com controles a serem introduzidos. Essa pulverização de esforços foi conseqüência de um êrro de orientação inicial. Orientou-se o executivo a melhorar "seu" desempenho sem ter em vista o que era importante melhorar. O êrro foi sanado quando apareceram os Objetivos Anuais da Companhia e quando os Planos de Ação individuais foram montados sôbre a base firme dos Objetivos da Companhia. Percebeu-se aí que um pequeno melhoramento visava a um grande objetivo organizacional.

Na maior parte das emprêsas havia planos que se referiam a "determinar a viabilidade do projeto X" ou "decidir a conveniência do trabalho Z" que não levaram obviamente a resultados positivos. Outros planos referiam-se a aperfeiçoamento pessoal sob a forma de cursos cujo objetivo ficava obscuro. Havia ainda enunciados vagos como "aplicar o nôvo sistema de... " ou "simplificar as rotinas".

Além disso, nem todos os executivos faziam planos de ação nos primeiros exercícios do programa. Fora uma omissão aqui ou ali, havia casos de inteiras áreas sem sequer uma meta escrita que representasse um esforço especial. A razão principal dessa falta consistia em que alguns dos gerentes comerciais estavam habituados a viver o dia-a-dia, mais reagindo do que antecipando-se aos fatos. A isso se ajunte a incapacidade de alguns gerentes de delegar, mantendo os executivos subordinados sempre presos às ordens do dia.

Entre as centenas de exemplos concretos de benefícios obtidos nesses anos com a implantação do programa cito alguns exemplos, sem referir os detalhes:

• aumento do índice de produtividade fabril;

• maior cobertura de distribuição em lojas;

• aumento de volume de vendas;

• redução do tempo para aprovação de pedido de crédito;

• redução de custo de transporte;

• redução de resíduos brutos;

• redução de volume de estoques em filiais;

• redução de gastos de manutenção;

• aumento do financiamento bancário com desconto de duplicatas;

• redução de capital aplicado em matérias-primas importadas;

• redução de perdas de embalagens por deficiência de armazenamento;

• aumento do número de clientes;

• redução do prazo de entrega;

• redução de itens do almoxarifado sem uso atual;

• eliminação de atraso nas entregas por parte dos fornecedores;

• redução do turn-over de pessoal;

• redução do: núfnéro de dias no giro de importação.

À distância de alguns anos, os benefícios foram aparecendo primeiro, de forma modesta e fragmentária; em seguida, de modo mais sensível-. Uma apreciação de conjunto pode levar-nos aos seguintes pontos:

• ao apresentar uma sistemática, o programa conseguiu uma concentração de esforços cujo poder operativo , é muito superior aos esforços fragmentários dos indivíduos;

• os executivos estão aprendendo a selecionar os alvos vitais do negócio e concentrar nêles a sua energia;

• a implantação ou atualização da estrutura formal, clarificando responsabilidades, autoridade e delegação, conseguiu eliminar barreiras ao rendimento dos executivos e reduzir o desgaste produzido nos pontos de atrito;

• o programa introduziu inúmeras mudanças técnicas no planejamento ou no controle reduzindo papelada, burocracia, esforço dedicado a metas secundárias e atraso nos informes que permitem o controle das operações;

• finalmente, esclarecendo as oportunidades para o progresso dos executivos, o programa lhes deu muito maior motivação para o trabalho.

Nos anos de 1964-66 as dificuldades iniciais e as resistências ao programa foram sendo vencidas por uma maior ininsistência, que vinha do Conselho de Acionistas através da Direção de cada emprêsa e das linhas hierárquicas. Ao mesmo tempo a resistência do programa foi sendo instilada nos quadros dirigentes e êsses foram se dividindo em duas tendências antagônicas:

• um grupo pretendia abandonar o programa e voltar ao pragmatismo anterior;

• o outro pretendia levar adiante o programa, mesmo sem contar com apoio de algumas direções, o que significava cumprir o programa subversivamente à revelia das dinhas hierárquicas e dos dirigentes constituídos.

Assim essa cisão entre os dirigentes foi sendo transmitida pelos escalões abaixo até os gerentes. Os que se punham contra o Programa atacavam a sua inocuidade insistindo em que o que interessava à Emprêsa eram lucros, se bem que alguns déles fossem responsáveis pelos lucros declinantes. Transformado em instrumento de luta, o Programa de Desenvolvimento de Executivos sofreu uma transfiguração. Não conseguiu integrar esforços em tôrno de objetivos comuns e retardou o processo de recuperação financeira. Lá fora da emprêsa a crise econômica recrudecía: falências, concordatas, falcatruas, desemprêgo, aumento de exigências fiscais, empobrecimento do consumidor.

Em 1967, a Revolução já tinha deixado uma marca profunda. A queda do faturamento forçou uma revisão das despesas não produtivas para reajustar o ponto de equilíbrio. Todos os departamentos não-produtivos reduziram pessoal e planos de expansão. Despesas com instalações, pessoal, viagens, investimentos e comunicações foram radicalmente reduzidas. A organização entrou numa dieta que teve seu efeito educacional sôbre os executivos chamando a atenção sôbre os resultados mais importantes, criou consciência de custo e reduziu um número de atividades supérfluas e dispersivas. A Revolução ajudou também a acelerar o declínio de alguns altos dirigentes, que não tinham conseguido caminhar ao ritmo dos tempos. Foi um crepúsculo de deuses, porque alguns homens de muito valor pessoal foram patéticamente percebendo sua inadequação aos novos tempos. É claro que se não tivesse havido a Revolução êles estariam dirigindo ainda hoje, pois a deformação inflacionária não lhes teria permitido ver a realidade. Novos homens passaram à posição de dirigentes. O que mais caracterizava êsses novos era uma formação educacional mais dirigida para a realidade industrial, a coragem e a adaptabilidade aos novos tempos. Menos comerciantes e mais estadistas.

Aos poucos, a popularidade pró e contra o Programa foi sendo dissolvida. A fusão dêsses campos contrários deu aos jovens maior pragmatismo, maior preocupação com resultados a curto prazo e um relativo desapêgo das regras do jôgo estabelecidas em 1963. A revolução trouxe uma orientação nitidamente imediatista ao empresário que passou a se preocupar mais com os custos e com os lucros do exercício fiscal. Os orçamentos, os objetivos de emprêsa e as complicadas ginásticas que a administração "científica" exigia foram simplificadas. A simplificação não apenas forçou uma moratória no desenvolvimento a longo prazo, inclusive o dos executivos, como reduziu alguns planos de pesquisa e expansão tecnológica. Descapitalizadas e de certa fornia obsoletas essas emprêsas começaram em meados de 1967 uma vigorosa volta para o tôpó. Na escolha forçada entre desenvolvimento a longo prazo e resultados a curto prazo, os acionistas encararam com maior interêsse a alternativa mais acertada para o momento: os resultados a curto prazo. Êles levariam à acumulação, a qual permitiria condições econômicas para o desenvolvimento a longo prazo.

Um Programa de Executivos deve, por conseguinte, estar ligado à vida da emprêsa, o que significa correr os riscos da emprêsa e padecer com ela. Não há melhor alternativa.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Jul 2015
  • Data do Fascículo
    Set 1968
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