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Responsabilidade social da empresa: uma visão histórica de sua problemática

V TEMA - RESPONSABILIDADE SOCIAL DA EMPRESA

Responsabilidade social da empresa: uma visão histórica de sua problemática

Heloisa Werneck Mendes Guimarães

CMA/Face/UFMG

Nas últimas três décadas tem havido um crescente interesse em relação ao tema da responsabilidade social das empresas. A acirrada polêmica que hoje se trava em torno dos complexos fatores envolvidos na questão é fruto de diferentes óticas sob as quais o problema tem sido enfocado.

As pressões exercidas sobre as empresas para que estas se tornem mais sintonizadas com os problemas sociais se constituiu num movimento que, ultrapassando a mera consideração das obrigações legais e econômicas, pôs em xeque o próprio conceito de legitimidade que servia de suporte aos negócios empresariais. Se no início da industrialização "aceitava-se" que a missão dos negócios era estritamente econômica, ou seja, produzir a melhor qualidade de bens e serviços ao mais baixo preço possível e distribuí-los eficazmente, com o correr do tempo novas questões foram sendo colocadas para as empresas.

A teoria econômica tradicional estabeleceu uma linha demarcatória que isolava em esferas autônomas as relações de troca, características da situação de mercado - campo dos economistas - e as relações de classe - campo dos sociólogos e historiadores. Nesses termos, o problema básico da investigação econômica residiria na utilização eficiente de recursos escassos para a consecução de fins dados, fins esses definidos em termos de desejos humanos. A suposição de que esses fins (desejos) eram dados e determinados fez da adequação dos meios a perderação da esfera econômica como autônoma e pretensamente governada por necessidades, em grande parte independentes das condições institucionais particulares, levou à formulação de leis econômicas tão abstratas e gerais que pouco contribuíram para a compreensão da es sência dos fenômenos reais.

Debater sobre o significado do comportamento socialmente responsável que se cobra das empresas exige uma compreensão do desenvolvimento econômico-socialpolítico .que conduziu ao estabelecimento da moderna sociedade capitalista. Nesse desenvolvimento assumem papel relevante as diferenças qualitativas de ligação das diversas classes sociais com o sistema produtivo. Isso porque, em cada período da história, a classe social e politicamente dominante se utilizou do seu poder para manter o modo de produção e as relações de classe estabelecidas, de forma a perpetuar seu status quo. Tornase, assim, evidente, que as principais questões referentes à responsabilidade social não podem ser debatidas, a menos que seja abolida a barreira erguida entre o econômico e o social.

Neste trabalho, pretendemos discutir, ainda que a nível exploratório, duas questões que a nosso ver são essenciais para o tema em análise. Em primeiro lugar, procuraremos caracterizar que, por se terem limitado estritamente a seu papel econômico e ignorado o lado social de suas atividades, as empresas se apresentam despreparadas para lidar com metas sociais. Quando, a partir de 1950, a preocupação pública dirigiu-se agudamente para assuntos sociais, expressando-se em forma de intensas demandas feitas às organizações, os dirigentes empresariais, muitas vezes perplexos, não foram capazes de visualizar a abrangência da problemática que se impunha. Uma incursão pela história, mesmo que breve, nos parece de extrema importância para que se possa perceber o papel atribuído aos negócios e a justificativa ideológica que em cada período do desenvolvimento da sociedade serviu de suporte ao modo de produção estabelecido.

A segunda questão é um corolário da anterior. A predominância absoluta do critério econômico faz com que a responsabilidade social seja, na maioria das vezes, vista como um "mal necessário", a menos que possa ser assegurado um retorno lucrativo. Grande número dos empresários se considera responsável apenas perante seus acionistas, aos quais devem ser prestadas contas do dinheiro investido na empresa. Acreditam já cumprirem uma importante função social ao proverem empregos para a comunidade. Por outro lado, a maioria daqueles que defendem a necessidade de um comportamento responsável por parte das "empresas deixam escapar, nas entrelinhas do seu discurso, um baixo comprometimento real com as questões sociais. A responsabilidade social é incorporada às estratégias gerenciais muitas vezes de forma irresponsável.

1. UM APELO À HISTÓRIA

Neste item serão analisados três momentos do processo histórico: o feudalismo, o mercantilismo e a industrialização. Essa divisão tem apenas o objetivo de tomar mais visível a evolução da atividade econômica e os caminhos que nos conduziram a uma sociedade na qual os problemas sociais tornaram-se tão agudos.

1.1 Feudalismo

No período feudal havia pouca noção de que o dinheiro pode gerar dinheiro. O único fator de riqueza era a terra. Na medida em que detinham a posse dessa terra, o clero e a nobreza asseguravam para si o poder de governar a sociedade, vivendo como parasitas da classe dos trabalhadores.

O "costume do feudo" tinha, porém, um significado bastante expressivo, que estabelecia alguma reciprocidade de obrigações entre servo e senhor. Isso não quer dizer que houvesse igualdade na relação. Em qualquer situação era sempre o campo do senhor e a colheita do senhor que deviam ser atendidos em primeiro lugar. Porém, os servos não podiam ser separados da terra e vendidos (como foram os escravos), o que lhes dava uma certa segurança. Apesar da miséria em que viviam, tinham pelo menos assegurada alguma terra para cultivar e garantir sua sobrevivência.

A Igreja era a instituição dominante, sendo o interesse público e o papel dos negócios definidos com base nos princípios bíblicos. A Igreja estabelecia o "certo" e o "errado" e essas regras eram aplicadas tanto às atividades religiosas, quanto às atividades econômicas. O "fogo do inferno" era uma ameaça para quem as violasse. Receber juros por um empréstimo era considerado usura, e usura era pecado. "O tempo pertencia a Deus e não se podia cobrar por ele." Numa sociedade onde o comércio se limitava a algumas trocas de produtos a nível local, pedir emprestado não tinha como objetivo o enriquecimento, mas sim suprir uma necessidade básica. Acreditava-se, portanto, que quem ajudasse o outro com o fito de ganhar alguma coisa estaria se aproveitando da desgraça alheia em benefício próprio.

No início do feudalismo a Igreja parecia ter uma preocupação maior com o bem público: fundou escolas, criou orfanatos para crianças desamparadas, hospitais para os doentes, ajudou os pobres e se preocupou com a preservação da cultura do Império Romano. Mas à medida que ela foi aumentando mais e mais sua riqueza, até transformar-se na mais rica e poderosa proprietária de terras da Idade Média, o seu caráter econômico tornou-se mais relevante do que o espiritual. "Faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço" era a norma corrente.

Acontecia, porém, que toda a riqueza da Igreja e da nobreza estava empatada na terra ou em reservas de ouro e prata guardados em cofres. Não existia praticamente nenhuma movimentação de capital, uma vez que não havia quase nada para ser comprado. Nas aldeias feudais, basicamente auto-suficientes, ocorria pequeno intercâmbio de mercadorias, mas nenhum comércio que chegasse a estimular a produção de excedentes para serem vendidos.

O impulso adquirido pelo comércio a partir de 1100, na Europa Ocidental, rompeu o marasmo em que estava submersa a sociedade feudal. A importância das Cruzadas para o desenvolvimento desse comércio é bastante conhecida. Mas nunca é demais frisar que, a pretexto de arrebatar dos muçulmanos a Terra Prometida, ou difundir o Evangelho entre os pagãos, foram realizadas verdadeiras guerras de pilhagem e conquista de terras. Não entrando no mérito da existência ou não de motivos espirituais honestos a animarem o movimento das Cruzadas, podemos, contudo, afirmar que sua verdadeira força se baseou na perspectiva que ofereceu a certos grupos sociais de ampliarem seu poderio ou obterem vantagens comerciais.

Com a expansão do comércio, os pequenos mercados semanais, que negociavam produtos agrícolas locais, foram substituídos por imensas feiras onde eram vendidas mercadorias de todo o mundo. O incremento comercial teve dois efeitos importantes: o crescimento das cidades e o surgimento de negociantes dedicados unicamente á transações financeiras. Introduziu-se o dinheiro como meio de intercâmbio.

A economia urbana estabeleceu-se inicialmente com base no sistema de corporações, que apresentava duas características básicas: a produção era realizada por artesãos independentes, e a distância entre mestres, jornaleiros e aprendizes não era muito grande. A ascensão hierárquica de aprendiz a jornaleiro e de jornaleiro a mestre não era dificultada.

As corporações tinham supervisores encarregados de fiscalizar a matéria-prima, a qualidade do produto acabado e até as medidas utilizadas pelos seus membros. Esse controle tinha por objetivo evitar que a "honra da corporação" fosse atingida e conseqüentemente prejudicados os negócios de seus associados. Era, além disso, uma exigência das autoridades municipais como proteção ao público. Muitas corporações estabeleceram o "preço justo" calculado à base do custo real do produto acabado. Havia a crença, claramente expressa na filosofia de Santo Tomás de Aquino, de que o comércio tinha como fim o bem comum e não o ganho de um em detrimento de outro.

À medida que o comércio se foi ampliando, as alterações das condições econômicas provocaram mudanças nas idéias econômicas. O "preço justo" foi substituído pelo "preço de mercado", e á estrutura das corporações foi gradativamente sendo modificada. Alguns mestres se tornaram mais prósperos que outros, as corporações se dividiram em "superiores" e "inferiores" e a ascensão ao posto de mestre passou a ser privilégio de poucos. A impossibilidade de conciliação de interesses entre mestres e jornaleiros ficou evidenciada. Os jornaleiros procuraram então formar associações em defesa de seus direitos, mas, como ocorre com os sindicatos na época moderna, tiveram que enfrentar a ira dos patrões.

O desenvolvimento de uma comunidade comercial, a crescente circulação do dinheiro e o incentivo dado pela presença do mercador à produção de excedentes para o mercado romperam a auto-suficiência da economia feudal. Mas não podemos desconsiderar o fato de que o declínio do feudalismo deveu-se, em grande parte, à própria inviabilidade do seu sistema de produção para atender às crescentes necessidades da classe dos senhores feudais.

Como a renda do senhor derivava unicamente da apropriação do tempo de trabalho excedente dos servos, só foi possível aumentá-la através de uma dilatação desse tempo. Como conseqüência, a alternativa que restou aos servos foi entre um padrão de vida abaixo dos níveis mínimos de subsistência ou trabalhar além dos limites de suas forças. O resultado.final foi o desgaste da força de trabalho que alimentava o sistema e uma verdadeira deserção dos produtores, que abandonaram em massa as propriedades feudais.

Assim, os senhores tiveram sua força enfraquecida pela perda de terras e servos, bem como pela importância adquirida pelas cidades.

O surgimento de uma classe média ligada aos negócios foi também responsável por alterações na estrutura da sociedade. Os negócios exigiam um clima de ordem e segurança e por isso interessava a essa classe média nascente um poder central forte. Por outro lado, os soberanos tornaram-se conscientes de que a prosperidade do comércio e da indústria significava maior fluxo de dinheiro para os cofres reais. Estabeleceu-se assim um acordo tácito entre a burguesia e a realeza: a burguesia colocava à disposição do Estado seus recursos financeiros e seu conhecimento sobre os negócios, enquanto o Estado, em contrapartida, lhe assegurava privilégios econômicos e sociais, bem como regulamentava uma rigorosa subordinação dos trabalhadores.

A única ameaça ao poder do soberano era representada pela Igreja. Mas o poder da Igreja foi solapado, principalmente pelo fato de que sua ética religiosa não se coadunava com a busca de riqueza da classe comercial.

1.2 Mercantilismo

À medida que os reis da Espanha, Portugal, Áustria, França, Holanda e Inglaterra conseguiram submeter os senhores feudais ao seu inteiro domínio, emergiram as naçôes-estado. O Estado tornou-se onipotente, roubando da Igreja sua posição dominante e passando a definir o que constituía interesse público, bem como os papéis a serem desempenhados pelos agentes privados para atingimento do bem coletivo. A hipótese básica era a de que a declaração do interesse público por parte do governante asseguraria automaticamente o ganho privado. Mas atrás dos tronos desses soberanos estavam os mercadores e financistas da época, de quem os reis eram extremamente dependentes e a quem sabiam recompensar.

A filosofia econômica subjacente a esse período era o mercantilismo, que se fundamentava em três proposições básicas: a teoria de que a aquisição de ouro e prata determinava a riqueza de um país; a crença na auto-suficiência econômica da nação ;e a convicção de que o governo deveria estimular intensamente o crescimento industrial e a propriedade agrícola. A ética mercantilista era, contudo, bastante particularista na medida em que, por um lado, demonstrava extremo escrúpulo em relação à pátria mas, por outro, era totalmente irresponsável em relação ás colônias.

A doutrina calvinista de predestinação, segundo a qual a riqueza representava um sinal de Deus, serviu como uma luva para justificar a ânsia com que se buscava enriquecer através dos negócios. Outros reformadores religiosos haviam precedido Lutero e Calvino, mas como se puseram ao lado dos pobres e oprimidos, ameaçando o poder e os princípios da nobreza, foram violentamente combatidos e esmagados.

A exploração de novas terras, o desenvolvimento acelerado do comércio e o enriquecimento dos mercadores e banqueiros não significaram, porém, uma prosperidade generalizada. No período compreendido entre os séculos XVI e XVII era estarrecedor o número de mendigos que vagavam pelas ruas e estradas de vários países da Europa.

Em certa medida, as guerras havidas no período foram responsáveis pela miséria dos que sobreviveram a elas. Um outro fator deve ser, porém, considerado: a elevação prodigiosa dos preços das mercadorias, como conseqüência do grande afluxo de metais preciosos por toda a Europa, e em decorrência da' exploração das minas encontradas no Novo Mundo. O aumento dos preços beneficiava os mercadores, mas prejudicava severamente os trabalhadores que viviam de salários e todos aqueles que recebiam renda fixa.

O fechamento da terra para criação de ovelhas antecedeu a elevação dos preços, mas ganhou impulso após essa ocorrência, na medida em que era bastante lucrativo e exigia menos utilização de mão-de-obra. Esse fato, aliado à elevação do preço de arrendamento das terras, teve conseqüências drásticas: pessoas expulsas das terras, morrendo de fome, mendigando ou roubando para se manterem.

Com o desenvolvimento de uma economia nacional, o capital passou a ter um papel importante. O mercado em crescimento abriu campo para a produção em grande escala, que exigia maior volume de dinheiro. Ocorreu então uma modificação básica no modo de produção: os mestres artesãos deixam de ser independentes. Continuam na posse de seus instrumentos de trabalho e a produção ainda é realizada em casa, com o auxílio de ajudantes, mas o fruto do seu trabalho já não lhes pertence. Surge entre eles e o consumidor a figura do intermediário, que se encarrega da compra da matéria-prima e da distribuição do produto acabado. O artesão se transforma num trabalhador que deve executar determinada tarefa por determinado salário. Forma-se no putting-out system o embrião do futuro trabalhador assalariado. Na realidade, o putting-out system se constituiu numa etapa de transição. O intermediário, predecessor do capitalismo moderno, haveria de descobrir uma forma mais apurada de controlar o tempo e a atividade dos trabalhadores e, nesse sentido, a fábrica foi uma solução promissora.

1.3 Industrialismo

Stephen Marglin (1980) procurou demonstrar que explicar o desenvolvimento da fábrica unicamente em termos de uma exigência tecnológica é mascarar as amplas possibilidades de controle e fiscalização que ele propiciou aos empregadores. A divisão do trabalho e a dissociação entre o "saber" e o "fazer", mais do que uma eficácia produtiva "em si", visavam uma eficácia no controle dos operários submetidos a um trabalho alienante.

As máquinas, que poderiam ter tomado mais ameno o trabalho, tornaram-se na realidade verdadeiros "monstros sagrados". Os operários tinham que se submeter ao ritmo dos seus movimentos, sob o controle rigoroso do capataz. Os primeiros industriais acreditavam que podiam dispor como bem entendessem das coisas que lhes pertencessem e, nessa perspectiva, se preocupavam mais com a conservação das máquinas, que representavam um alto investimento de capital, do que com os homens que as operavam. A estes, se pagavam os menores salários possíveis, embora deles se extorquisse o máximo de sua capacidade de trabalho.

As estatísticas apresentadas sobre os primeiros resultados da Revolução Industrial na Inglaterra mostravam que a produção de algodão, ferro, carvão etc. havia crescido 1.000%, tendo o lucro dos proprietários alcançado alturas espetaculares. Mas as estatísticas não revelam nada sobre o bem-estar da comunidade e o padrão de vida dos trabalhadores. Na verdade, a prosperidade do comércio e indústria se fizeram acompanhar não do melhoramento da situação das classes trabalhadoras, mas da sua degradação. Havia denúncias de que um milhão de pessoas estaria morrendo de fome e de que esta cifra estaria em constante ascensão.

Seria válido perguntar por que os trabalhadores se dispuseram a ir trabalhar nas fábricas. Um exame dos primórdios da industrialização nos mostra a dificuldade de recrutamento dessa primeira geração de mão-de-obra fabril. Os industriais recorriam freqüentemente à Assistência Pública, onde as autoridades paroquiais vendiam as crianças para que essas se tornassem aprendizes nas fábricas, livrando assim a administração municipal do encargo de sustentar esses menores abandonados. Enquanto restava aos trabalhadores alguma outra forma de trabalho, eles resistiam a se empregarem nas fábricas. Mas, com o desenvolvimento do capitalismo e a crescente especialização do processo produtivo, cada vez mais se restringiu o espaço para ofícios independentes. Para a grande maioria dos trabalhadores, a escolha passou a ser entre morrer de fome ou ir para a fábrica. Esse ponto revela toda a fragilidade do mito da liberdade individual, tão propagado na nossa sociedade.

No contexto das mudanças econômicas, sociais e políticas que ocorreram com a industrialização, três fatores são de considerável importância para a discussão da responsabilidade social das empresas.

Em primeiro lugar, a teoria da "mão invisível" do mercado, proposta por Adam Smith na sua famosa obra Riqueza das nações, se mostrou bastante valiosa aos objetivos da indústria nascente, provocando uma inversão da ética mercantilista. Os fisiocratas haviam precedido Adam Smith na defesa do comércio livre e da eliminação das restrições governamentais. Colocavam acima de tudo o direito à inviolabilidade da propriedade privada (principalmente em relação à terra), defendendo o direito do agricultor de produzir o que quisesse e vender onde quisesse. Enfatizavam a importância do trabalho agrícola para a produção da riqueza do país. Seu lema era o laissez-faire, que significava um basta para a extrema regulamentação do Estado sobre os negócios. Smith, apesar de discordar dos fisiocratas quanto à crença de que só o trabalho da terra era produtivo, adotou a doutrina laissez-fairiana de que a "liberdade perfeita" era o único meio eficiente para aumentar a produção da melhor maneira possível. A divisão do trabalho, na medida em que aumentava a habilidade, economizava tempo etc, era fator de aumento de produtividade. A divisão do trabalho era, por seu turno, dependente do tamanho do mercado, cuja expansão era proporcionada pelo livrecomércio. Através desse raciocínio, A. Smith justificava por que o livre-comércio era determinante para o aumento da produtividade. Da mesma forma que condenava qualquer restrição às empresas, Smith condenava também qualquer protecionismo. Todo homem deveria ser livre para buscar seus interesses e usar seu capital como lhe interessasse. A "mão invisível" asseguraria que o bem da coletividade emergisse automaticamente da busca do auto-interesse.

Mas a livre concorrência, estimulada e justificada por essas idéias, favoreceu a formação de monopólios. O decorrente aumento da capacidade de produção dessas empresas criou a necessidade de conquista de novos mercados. Em conseqüência, desenvolveu-se uma política colonialista e imperialista responsável pela exploração desmedida dos países não-desenvolvidos.

Em segundo lugar, os economistas, pretendendo urna "objetividade científica" da economia dentro dos moldes das ciências físicas, passaram a formular "leis econômicas" para explicar e prever os fenômenos da sociedade. Na realidade, porém, essa pretensa neutralidade e isenção de valores atribuída ás ciências sociais serviu para mascarar sob a forma de "leis naturais" conceitos fundamentalmente ideológicos. Muitas da "leis" formuladas pela economia clássica "coincidentemente" se adequavam maravilhosamente às necessidades do sistema capitalista. A "doutrina malthusiana", por exemplo, atribuiu a miséria dos trabalhadores não aos lucros excessivos, mas a uma "lei natural". A solução não estaria, portanto, nem nas restrições governamentais nem em revoluções, mas em se reprimir a procriação através do "controle natural".

Para tomar mais forte essa "objetividade", a investigação científica deu prioridade aos dados quantitativos, sendo suas proposições muitas vezes expressas em complexas formulações matemáticas. Fórmulas sofisticadas para o cálculo das atividades econômicas foram desenvolvidas em profusão. Criou-se o culto da quantificação. Índices, taxas, estatísticas de probabilidade assumiram importância primordial. Tornou-se preponderante uma maneira de pensar e analisar os fatos que foi chamada por Georgescu de "raciocínio aritmomórfico". "É" ou "não é" seriam categorias totalmente distintas e mutuamente excludentes. Não se levava em consideração a nebulosidade do "é-não-é". Fechava-se os olhos ao conflito e às contradições dialéticas. A não-consideração da dimensão qualitativa na analise dos empreendimentos econômicos teve graves efeitos para a sociedade global. As florestas, o Subsolo, a fauna e o próprio homem, tudo enfim que representasse fonte de lucro passou a ser alvo de uma exploração sem escrúpulos.

Em terceiro lugar, e mais importante ainda, está o fato de que com a industrialização foram instiladas nas pessoas "necessidades" para a satisfação das quais dependem da sociedade capitalista tal como ela está instituída. Castoriadis (1981) nos diz que o capitalismo surgiu, se desenvolveu e se mantém pela colocação no centro de tudo de necessidades "econômicas" que, em alguma medida, ela consegue satisfazer. Nisso reside a raiz do consumerismo que alimenta o capitalismo industrial. Essa questão é muito complexa e, por isso, nos limitaremos a registrar sua importância, sem contudo nos alongarmos mais na sua discussão.

O destaque dado a esses três fatores se deve à sua importância na determinação de uma atividade empresarial centrada unicamente na consideração de critérios econômicos. A doutrina de que o bem coletivo emergiria da busca do bem privado "justificou" a procura desenfreada de enriquecimento. O culto da quantificação fez com que só fossem considerados os empreendimentos cuio retomo sobre o investimento oferecesse as taxas mais elevadas. E, por fim, o consumerismo tomou as pessoas dependentes do modo de produção estabelecido e menos questionadoras quanto às suas reais necessidades.

2. OBJETIVO ECONÔMICO VERSUS OBJETIVO SOCIAL

Como vimos no item anterior, a História, desde a época medieval até os nossos dias, é a história de uma sociedade dividida em classes. Em, cada período, as classes dominantes se colocam, com maior ou menor intensidade, em posição antagônica às demais classes sociais. Utilizam o seu poder econômico e político, bem como a manipulação do "imaginário social", para garantir e, se possível, expandir o modo de produção e a estratificação social que garantem seu status quo.

Com o capitalismo se estabeleceu um modo de produção cujo traço mais fundamental é o fato de que aquele que produz, o trabalhador, além da perda do controle sobre o produto final do seu trabalho (ocorrido na época do putting-out system), perde também o controle sobre o próprio processo de trabalho. A sua capacidade de trabalho, como qualquer outra mercadoria, passa a ser vendida, sujeitando-se a uma cotação de mercado.

Sendo a propriedade privada a base do poder da classe empresarial, ela é defendida com veemência e ideologicamente justificada. Quando as exigências sociais se chocam com os interesses da propriedade privada, normalmente a última sai vitoriosa. Por constituir o alicerce da sociedade económico-capitalista, qualquer ataque a ela encontrará a resistência, muitas vezes até violenta, do próprio Estado. A livre iniciativa e a privatização da produção e distribuição de mercadorias são apontadas como essenciais à "Uberdade humana" e ao "progresso". Voltamos aqui ao mito dos "homens livres". Levantar a bandeira da liberdade e do progresso é muito bonito, mas que significado real tem isso quando estamos cientes da fome, da miséria, do desemprego e de todas as situações de degradação humana que são "normais" nas sociedades orientadas por esses princípios?

Muitos estudiosos das organizações têm denunciado o caráter despótico das fábricas, onde se exerce um controle rigoroso sobre os trabalhadores submetidos a uma série de penalidades. Por outro lado, temos assistido à contínua depredação da natureza e à elevação dos índices de poluição ambiental, também provocadas pelas atividades empresariais. Dentro de todo esse cenário, como se coloca a questão da responsabilidade social?

Marx1 1 Huberman, Leo. História da riqueza do homem. Rio de Janeiro, Zahar, 1981, p. 237. afirmou que "o modo de produção da vida material determina o caráter geral dos processos de vida social, política e espiritual. Não é a consciência dos homens que determina sua existência, mas sim o contrário, é sua existência social que determina sua consciência". Na medida em que a acumulação de capital é a mola propulsora da moderna sociedade capitalista e a fonte de poder da classe empresarial, os objetivos sociais vão realmente colidir com os objetivos econômicos. A consciência dos "donos" do poder" é elástica e flexível o bastante para abafar os clamores sociais e justificar o funcionamento do sistema produtivo e da sociedade em geral, em termos de uma "racionalidade" à- qual é necessário se submeter. Para a mentalidade capitalista gerencial, que funciona ao ritmo de uma caixa registradora, toma-se difícil assumir os custos sociais decorrentes das atividades do seu negócio, se isso significar redução de lucros.

A resistência dos trabalhadores foi um problema que as empresas tiveram que enfrentar desde o início, mas nos últimos 30 anos elas passaram a sofrer um ataque mais amplo e cerrado. Com o aguçamento da consciência de cidadania da sociedade civil nos países desenvolvidos e com a força adquirida pelos movimentos das minorias e principalmente pelo movimento ecológico, passou a ser cobrada dos proprietários de empresas uma maior amplitude de responsabilidade sobre diversos aspectos de sua atividade.

O conceito de responsabilidade social da empresa se vincula à idéia de que as empresas, como os indivíduos, devem ser responsabilizadas por todas as conseqüências decorrentes de atitudes tomadas. Por isso, antes de adotar qualquer política seria fundamental uma análise profunda de todos os elementos envolvidos. A organização socialmente responsável se comportaria de maneira a proteger e melhorar a qualidade de vida da sociedade.

O. conceito de qualidade de vida é extremamente importante, uma vez que constitui o único critério substancial para qualquer julgamento sobre progresso e desenvolvimento, embora seja comum o seu uso em contextos impróprios. Nesses termos, o modelo de responsabilidade social deveria resultar de uma preocupação em se aliar o desenvolvimento econômico ao desenvolvimento da qualidade de vida da sociedade.

Acostumados a calcular eficiência e efetividade organizacional apenas com base em critérios de produtividade etc., e temerosos de mudanças que pudessem significar perigo ao sistema como tal, administradores de empresas e economistas reagiram violentamente contra essa postura cobrada às empresas. Levitt (1958) conclui sua análise sobre o tema da responsabilidade social nos seguintes termos: "Lorde Acton tinha dito que no passado o povo sacrificou a liberdade por se agarrar a uma justiça impossível. A corrente contemporânea de moralização dos negócios parece buscar para si mesma essa infeliz conseqüência. O evangelho da tranqüilidade é um soporifero: Em vez de lutar por sua sobrevivência por meio de retiradas estratégicas, mascarado como estadista industrial, o homem de negócios precisa lutar como se estivesse numa guerra. E como uma boa guerra, ela precisa ser lutada de forma estratégica, ousada e, acima de tudo, não moralmente" (o grifo é nosso). Essa afirmativa é de estarrecer, e mais grave ainda é o fato de que expressa, ainda hoje', o sentimento de muitos "homens económicos".

Depois de muitos anos de debate sobre a relação entre os objetivos dos negócios e as meias sociais, podemos distinguir atualmente três diferentes posicionamentos frente a essa problemática.

1. Uma corrente que assume a "postura tradicional", aproximando-se das concepções de Levitt. De acordo com esse grupo, a única função da empresa é gerar lucros e dividendos para os acionistas. Sua missão é meramente econômica. A responsabilidade social seria a maior irresponsabilidade em termos empresariais.

Milton Friedman é um expoente atual dessa corrente. Sua argumentação baseia-se nos seguintes termos:

- o objetivo das empresas numa economia de mercado, onde a competição é muito acirrada, é a maximização dos lucros;

- as ações dos executivos das empresas devem ser sempre voltadas para o objetivo do lucro, de forma a melhor remunerar os acionistas;

- investimento por parte da empresa na área social, para qualquer tipo de público (interno ou externo, empregados ou a sociedade) é uma forma de lesar os acionistas, de diminuir seus ganhos;

- procedendo com responsabilidade social a empresa estará se autotributando e, ao invés de ser elogiada, deveria ser processada.

Samuelson sustenta a opinião de que somente as organizações monopolistas, isto é, aquelas que têm o domínio completo do mercado, é que podem desenvolver programas sociais. Só elas poderiam manter seus lucros elevados, transferindo os gastos para o consumidor.

2. Numa posição diametralmente oposta à anterior estão aqueles que defendem que o benefício social de uma empresa deve estar acima do benefício econômico. Essa é a proposta de uma nova ordem social, onde á propriedade privada não exista e os benefícios econômicos sejam compartilhados.

3. Um terceiro grupo, que poderia ser chamado de "progressista" e que assume uma postura intermediária, vem arrebatando um maior número de adeptos nos últimos anos. A idéia básica que sustenta é a de que o lucro é legítimo e justo, mas por outro lado é exigível uma postura social.

Algumas premissas básicas parecem já ser aceitas de forma mais generalizada pelos integrantes dessa corrente. Keith Davis (1978) destaca cinco posições em relação ás quais haveria um consenso maior:

1. A responsabilidade social emerge do poder social. Como as decisões empresariais têm conseqüências sociais, estando relacionadas com o sistema social global, elas não podem ser tomadas com base unicamente em fatores econômicos. A tomada de decisão deve obrigatoriamente se guiar por ações que também protejam os interesses da sociedade. Como as empresas, no desempenho de sua missão, se utilizam de um grande volume de recursos da sociedade, em contrapartida espera-se que elas utilizem esses recursos em favor dessa sociedade. Keith Davis afirma que as organizações que ignorarem a responsabilidade advinda de seu poder social estarão ameaçadas pela lei de ferro da responsabilidade social: "a longo prazo, quem não usa poder de uma maneira que a sociedade considera responsável tenderá a perder esse poder".

2. As empresas devem ser abertas em duas direções: para receber os inputs da sociedade e pafã revelar seus resultados ao público. Tradicionalmente, a empresa tem-se aparelhado para enviar mensagens, não para recebê-las. É necessário procurar entender as necessidades e desejos sociais e não apenas detectar informações de mercado sobre aspectos relacionados meramente aos tradicionais objetivos econômicos. Os resultados sociais das operações das empresas devem também ser divulgados da mesma maneira que os dados econômicos. A proposta operacional é a de elaboração de um balanço social dentro dos modelos do balanço contábil. Na França, a publicação desse balanço é uma obrigação legal para as empresas que possuem mais de 300 empregados. Ele deve fornecer informações sobre salários, condições e segurança, condições de trabalho, política social desenvolvida pela empresa etc.

3. Os custos sociais, tanto quanto os benefícios de uma atividade, produto ou serviço devem ser exaustivamente considerados antes de se optar ou não por ele. Se antigamente a viabilidade técnica e a lucratividade econômica eram os únicosj critérios adotados na tomada de decisão, hoje é necessário que se inclua nessa.ponderação o efeito social do projeto. Quando o efeito desse puder ter um impacto muito forte, as partes possivelmente afetadas devem ser envolvidas na tomada de decisão.

4. O usuário deve pagar. Os custos sociais de cada atividade, produto ou serviço devem ser incorporados a ele, de modo que caiba ao usuário pagar por ele. A sociedade não deve arcar com esses custos. O consumidor deve pagar, por exemplo, pelos custos da prevenção contra poluição. Essa filosofia de que o usuário deve pagar não é contudo uma regra rígida. Existirão várias exceções, como por exemplo: quando os custos são tão mínimos que podem ser ignorados, quando os custos são desconhecidos, quando sua avaliação é impossível etc. Se os custos adicionaos advindos dessa prática desencorajarem o consumo, o resultado será ainda benéfico, porque custos sociais serão evitados.

5. Embora as instituições empresariais não tenham uma responsabilidade primária na solução de determinados problemas sociais, devem, na medida do possível, prestar assistência à sua solução. A empresa tem obrigação de reconhecer os problemas sociais e contribuir ativamente para saná-los. Como qualquer cidadão, ela se beneficiará de uma sociedade melhor.

No item que se segue, comentaremos essas propostas, buscando extrair algumas considerações finais.

3. ABORDAGEM CRÍTICA AS PRINCIPAIS PROPOSIÇÕES DE RESPONSABILIDADE SOCIAL

Na análise do processo histórico, podemos perceber claramente que o modo de produção de cada época, na medida em que garante a renda e o poder da classe dominante, não pode sofrer alteração substancial sem que isso signifique alguma alteração na relação das classes sociais com o sistema de produção e conseqüentemente na relação entre as classes.

A proposição de que o benefício social deve preceder o econômico é, assim, inteiramente estranha ao sistema capitalista. A supremacia do social busca a abolição do lucro e da propriedade privada e esse é um "fantasma" que aterroriza os dirigentes e as elites do poder. Na realidade, a concorrência violenta entre as empresas, movida pela busca individual do ganho particular, levaria à falência uma empresa que pretendesse fazer do benefício social seu objetivo primordial. De qualquer forma, esse é apenas um caso hipotético, porque dificilmente um empresário teria essa meta. O "vírus" da acumulação assumiu na sociedade moderna um caráter epidêmico. A acumulação de capital se tomou um objetivo em si mesmo, não sendo questionada a sua essência.

A questão não se esgota, porém, na crítica à posse dos meios de produção pelo capitalista. Uma apropriação dos meios de produção de forma coletiva pelos produtores (proletários) não seria condição suficiente para a resolução de todos os problemas. Gorz (1980, p. 13) apresenta a questão de forma bastante clara: "Se a transição para o comunismo deve acontecer, então é preciso que os produtores diretos apropriem-se e subvertam as técnicas, a organização do trabalho, o modo de usar as máquinas, a disposição dos locais de trabalho, a relação com o saber e as instituições (escola) que o transmitem (.. .). Pois os meios de produção' não são somente instalações e máquinas; abrangem igualmente as técnicas, a ciência incorporadas às máquinas e instalações" que "devem ser revolucionadas e reconquistadas pelo proletariado, reapropriadas coletivamente, como poder comum de todos, pela reunificação do trabalho manual e intelectual, o refundir completo da organização do trabalho, bem como da escola". Isso significa que, da mesma forma que não se pode aceitar que o desenvolvimento de uma técnica alternativa (por exemplo a energia solar no lugar da energia nuclear) seja condição necessária e suficiente para a construção de uma nova sociedade, também não se pode defender a neutralidade da técnica.

As duas outras posturas frente à questão da responsabilidade social, apesar do radicalismo de uma e do espírito "progressista" da outra, trazem implícita a preocupação com a manutenção da ordem vigente.

Levitt, Friedman e outros negam a exigência de uma participação empresarial na esfera relativa aos problemas sociais. Melhor dizendo, defendem a idéia de que os empresários desempenham uma responsabilidade social ao administrarem lucrativamente suas empresas. Não vamos nos deter na crítica a essa corrente, pois uma vez que ela assume mais abertamente a defesa dos grupos que usufruem os benefícios do modo de produção estabelecido, não há muito a ser desvendado.

Por outro lado, o grupo que defende a necessidade de que as empresas assumam uma atitude de responsabilidade social, propondo a viabilidade de uma associação entre postura social e lucratividade, está na verdade também preocupado é com a ameaça à sua posição no âmbito da sociedade.

Nesse caso, porém, a situação é analisada sob outro prisma. Manter a grande maioria dos indivíduos trabalhando sob condições inteiramente alienantes, explorar irresponsavelmente os recursos naturais, elevar a poluição ambiental, não prestar nenhum tipo de contas à sociedade global etc, tomou-se progressivamente insustentável. Acreditando-se ameaçados pela "Lei de Ferro da Responsabilidade Social", muitos dirigentes empresariais passaram a manifestar uma postura mais socialmente responsável. O espírito de "ganho'.', de tirar proveito dessa "humanização" e "preocupação social" está contudo subjacente às suas proposições.

Como vimos anteriormente, propõe-se que os custos decorrentes de medidas adotadas pela empresa, em prol dá melhoria da qualidade de vida, sejam transferidos integralmente para os usuários ou consumidores, exceto em casos excepcionais, como o de custos externos. Em que medida, então, estariam as empresas incorporando metas sociais, se o raciocínio permanece o mesmo: repassar os custos e não reduzir a margem de lucros?

Também a ênfase dada à necessidade de as empresas contribuírem para a solução de problemas sociais em áreas não diretamente ligadas à sua atividade (ex.: educação) é justificada pelos ganhos futuros que isso poderá trazer para a empresa. Mais uma vez a própria formulação da proposição deixa trair o espírito que anima o modelo de responsabilidade social, qual seja, os benefícios sociais são valorizados na medida em que significam retorno para a empresa. Prates (1981) discute, com muita pertinência, sobre o interesse das grandes empresas modernas em expandir os limites de sua influência na sociedade, através de maior participação em diferentes esferas institucionais. Essa participação possibilita às organizações maior amplitude de manipulação dos. recursos simbólicos da sociedade, aumentando conseqüentemente sua força para torná-los mais "conformes" às suas demandas organizacionais.

Quanto à proposta operacional de tornar a empresa mais "transparente", através da publicação do balanço social, os resultados são bastante questionáveis. Em primeiro lugar, da mesma forma que o balanço contábil esconde sempre um caixa dois, o balanço social, com mais facilidade ainda, poderia funcionar nesses moldes. Além disso, que ações seriam caracterizadas sob o rótulo de responsabilidade social e em que extensão? Diferentes medidas podem ser usadas para legitimar aos olhos da sociedade empresas verdadeiramente bastante inescrupulosas nas suas atividades. A construção de uma praça em frente â fábrica poderia constar do balanço social? Já ouvi dirigentes empresariais defenderem que sim. Que pesos atribuir a uma medida como a anterior e a uma política de manter empregos mesmo a curso de perda no montante de lucro? As questões são muito amplas e as respostas normalmente não muito convincentes.

Quanto à meta de envolver, na tomada de decisão sobre uma questão de maior impacto, as pessoas diretamente atingidas parece mais uma promessa do que algo a que as empresas estivessem dispostas a assumir. As técnicas de participação são há muito tempo utilizadas como estratégias gerenciais e seu caráter manipulativo é bastante conhecido. Consegue-se maior adequação das pessoas deixando que elas se sintam participantes do processo decisorio, mas na realidade as decisões fundamentais são tomadas pela direção.

Dessa forma, parece que a questão da responsabilidade social, apesar de já contar com uma bibliografia considerável, não apresenta ainda uma forma bem definida. Dizer que por terem poder social as empresas devem assumir uma responsabilidade social está muito bem. Mas as propostas mais concretas, quais sejam, o balanço social e a participação em esferas institucionais não ligadas diretamente á atividade empresarial, parece que serão de maior benefício para a elite empresarial do que para a sociedade global. Assim, a crítica não se dirige á idéia de responsabilidade social em si, mas á sua instrumentalização. O balanço social pode virar um modismo como vários outros pacotes que já surgiram (um exemplo recente são os CCQs) e que foram pron tamente absorvidos pelas elites gerenciais.

Para finalizar, gostaríamos de fazer uma referência rápida â situação brasileira. No nosso país, onde a consciência dos direitos dos indivíduos como cidadãos não ganhou força dentro do autoritarismo que permeou todo o desenvolvimento político-social do País, a luta contra os abusos cometidos pelas empresas é ainda bastante ténue. Enquanto na Alemanha a população se mobilizava contra a instalação de usinas nucleares no país, no Brasil o projeto de Angra dos Reis era tranqüilamente implementado.

Na realidade, a política econômica do País, fundamentada em projetos faraônicos, impulsionou um tipo de desenvolvimento cuja meta exclusiva era o crescimento econômico. Estamos sofrendo hoje os resultados da implementação desses projetos. A qualidade de vida da população brasileira de forma global está abaixo do nível que se poderia supor com base na análise do progresso econômico do País, medido em termos de produto nacional bruto. Suplicy estabeleceu. uma comparação entre o PNB e o índice de Qualidade Física de Vida dos 28 países dos três continentes americanos, com base no ano de 1976. Constatou que, apesar de em termos de PNB per capita o Brasil ter sido colocado em 11º lugar, em relação ao IQFV2 2 Esse índice foi elaborado pelo Overseas Development Counut, Washington, EUA, com base em três indicadores relacionados com o bem-estar físico: vida média da população (expectativa de vida ao nascer), mortalidade infantil e alfabetização. ele estava em 18º

Aos efeitos da ação governamental associam-se a arbitrariedade e inconsciência com que grande número de empresários administram suas firmas. Essa "acomodação" do empresariado nacional e os absurdos da nossa política econômica são em grande parte "possíveis" pela não existência de uma efetiva mobilização social em defesa dos reais interesses e necessidades da coletividade. Por outro lado, o modelo sindical de tipo corporativo, como foi implantado no país, manteve a mesma estrutura básica através dos tempos, resistindo a transformações sociais, econômicas e culturais. Atrelado ao Estado, nosso sindicalismo se caracterizou pelo "peleguismo".

A partir das greves de 1978 no ABC paulista, os trabalhadores começaram a se articular em bases diferentes, ampliando a pauta das negociações. Recentemente,, assistimos a uma greve de cunho político, cujo significado não pode passar despercebido. Outros movimentos de grupos e associações demonstram, por seu turno, um lampejo de resistência por parte da sociedade civil. Aí, acreditamos, reside a esperança de uma possível mudança qualitativa.

Acreditar que um decreto governamental obrigando as empresas a publicarem um balanço social será a solução para todos os males é ser bastante ingênuo. Por outro lado, pretender que os dirigentes empresariais se conscientizem espontaneamente de sua responsabilidade para com a melhoria da qualidade de vida da sociedade global é esperar ad infinitum. A "engrenagem" envolve governo e empresa no mesmo mecanismo e ainda é o raciocínio aritmomórfico que predomina.

O desenvolvimento de uma consciência de cidadania, a pressão de grupos sociais e o fortalecimento sindical são elementos vitais para obrigar os dirigentes empresariais e o governo a redefinirem sua postura frente aos problemas sociais, em sua relação com as atividades econômicas. As "grandes soluções" não parecem viáveis. Os movimentos antinucleares, de minorias étnicas, das mulheres etc. são frentes de batalha de uma luta mais ampla, que se poderia chamar de ecológica, no sentido de valorização da qualidade de vida da humanidade. Só através desses focos de luta é que se pode conseguir um maior comprometimento social por parte das empresas e do Estado.

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  • 1
    Huberman, Leo.
    História da riqueza do homem. Rio de Janeiro, Zahar, 1981, p. 237.
  • 2
    Esse índice foi elaborado pelo Overseas Development Counut, Washington, EUA, com base em três indicadores relacionados com o bem-estar físico: vida média da população (expectativa de vida ao nascer), mortalidade infantil e alfabetização.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      25 Jun 2013
    • Data do Fascículo
      Dez 1984
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