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VIVER UMA VIDA FASCISTA? PURGAÇÃO DO “ANORMAL” POR MEIO DO COMPORTAMENTO ANTIFÃ

RESUMO

Este estudo utiliza a teoria da subjetividade de Foucault para compreender melhor como os antifãs reagem à inserção de identidades políticas nas narrativas dos produtos midiáticos, levando em consideração a crescente inserção da representatividade na indústria do entretenimento e o fato de que as comunidades de fãs são um ambiente propício para desentendimentos e resistências. Para tanto, avaliamos como os antifãs de Star Wars reagiram à introdução de personagens representativos de identidades políticas na nova fase da saga. O método arqueogenealógico de Foucault foi utilizado para analisar as mensagens postadas no maior fórum de fãs da franquia entre 2014 e 2020. Os resultados apontaram para duas agências-morais descritivas da intolerância e da amoralidade, que convergem para uma forma-sujeito que busca uma “normalidade”. Esses achados indicaram um comportamento segregacionista, que perpetua um determinado status quo social e mobiliza desejos de impô-lo, fato que caracteriza o que Foucault definiu como vida fascista.

Palavras-chave:
antifãs; vida fascista; identidade política; arqueogenealogia; Star Wars

ABSTRACT

This study uses Foucault’s theory of subjectivity for a deeper understanding of how anti-fans react to the insertion of political identities in the narratives of media products. The research considers the growing insertion of representativeness in the entertainment industry and the fact that fan communities are conducive to disagreements and resistance. The study assessed how Star Wars anti-fans reacted to the introduction of characters representative of political identities in the new phase of the saga. Foucault’s archeogenealogical method was used to analyze messages posted on the franchise’s biggest fan forum from 2014 to 2020. Results pointed to two moral agencies descriptive of intolerance and amorality, which converge to a subject-form searching for “normality.” These findings have indicated a segregation behavior, which perpetuates a given social status quo and mobilizes desires to impose it, a fact that features what Foucault defined as fascist life.

Keywords:
anti-fan; fascist life; political identity; Archeogenealogy; Star Wars

RESUMEN

Este estudo utiliza a teoria da subjetividade de Foucault para compreender melhor como os antifãs reagem à inserção de identidades políticas nas narrativas dos produtos midiáticos, levando em consideração a crescente inserção da representatividade na indústria do entretenimento e o fato de que as comunidades de fãs são um ambiente propício para desentendimentos e resistências. Para tanto, avaliamos como os antifãs de Star Wars reagiram à introdução de personagens representativos de identidades políticas na nova fase da saga. O método arqueogenealógico de Foucault foi utilizado para analisar as mensagens postadas no maior fórum de fãs da franquia entre 2014 e 2020. Os resultados apontaram para duas agências-morais descritivas da intolerância e da amoralidade, que convergem para uma forma-sujeito que busca uma “normalidade”. Esses achados indicaram um comportamento segregacionista, que perpetua um determinado status quo social e mobiliza desejos de impô-lo, fato que caracteriza o que Foucault definiu como vida fascista.

Palabras clave:
antifãs; vida fascista; identidade política; arqueogenealogia; Star Wars

INTRODUÇÃO

A indústria do entretenimento tornou-se um dos principais setores produtivos globais e destaca-se tanto pelo desempenho econômico quanto pelo impacto cultural (Monaghan, 2021Monaghan, W. (2021). Post-gay television: LGBTQ representation and the negotiation of ‘normal’ in MTV’s Faking It. Media, Culture & Society, 43(3), 428-443. https://doi.org/10.1177/0163443720957553
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). Nos últimos anos, esse destaque tem sido associado à forma como diferentes produtos midiáticos extrapolam o escopo do mercado ao ressaltar as discussões políticas, principalmente aquelas ligadas às manifestações identitárias (Fuschillo, 2020Fuschillo, G. (2020). Fans, fandoms, or fanaticism? Journal of Consumer Culture, 20(3), 347-365. https://doi.org/10.1177/1469540518773822
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; Kozinets, 2001Kozinets, R. V. (2001). Utopian Enterprise: Articulating the meanings of Star Trek’s culture of consumption. Journal of Consumer Research, 28(1), 67-88. https://doi.org/10.1086/321948
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). Por outro lado, os produtos midiáticos possuem um tipo único de consumidor – os fãs – que muitas vezes os promovem através de práticas de consumo que visam intensificar as relações dos fãs com o produto e dos fãs entre si (Fuschillo, 2020Fuschillo, G. (2020). Fans, fandoms, or fanaticism? Journal of Consumer Culture, 20(3), 347-365. https://doi.org/10.1177/1469540518773822
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; Souza-Leão & Costa, 2018Souza-Leão, A. L. M., & Costa, F. N. (2018). Assemblaged by desire: Potterheads’ productive consumption. RAE-Revista de Administração de Empresas, 58(1), 74-86. https://doi.org/10.1590/S0034-759020180107
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). Esse processo normalmente acontece de forma colaborativa dentro de comunidades conhecidas como fandoms (Sugihartati, 2020Sugihartati, R. (2020). Youth fans of global popular culture: Between prosumer and free digital labourer. Journal of Consumer Culture, 20(3), 305-323. https://doi.org/10.1177/1469540517736522
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).

No entanto, membros de um mesmo fandom também podem desentender-se (Hewer et al., 2017Hewer, P., Gannon, M., & Cordina, R. (2017). Discordant fandom and global football brands: ‘Let the people sing’. Journal of Consumer Culture, 17(3), 600-619. https://doi.org/10.1177/1469540515611199
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); isso ocorre quando antifãs atacam produtos de mídia que não atendem às suas expectativas, bem como outros fãs que não compartilham de suas percepções (Kozinets & Handelman, 2004Kozinets, R. V., & Handelman, J. M. (2004). Adversaries of consumption: Consumer movements, activism, and ideology. Journal of Consumer Research, 31(3), 691-704. https://doi.org/10.1086/425104
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). Essa relação tende a ser tóxica e disseminadora de preconceitos e assimetrias sociais que não se limitam ao fandom (Hills, 2018Hills, M. (2018). An extended foreword: From fan doxa to toxic fan practices? Participations: Journal of Audience & Reception Studies, 15(1), 105-126.). É algo que pode ser observado em seus posicionamentos contrários a movimentos sociais e questionando a introdução de identidades políticas em textos midiáticos por eles consumidos (Serazio, 2015Serazio, M. (2015). Branding politics: Emotion, authenticity, and the marketing culture of American political communication. Journal of Consumer Culture, 17(2), 225-241. https://doi.org/10.1177/1469540515586868
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).

Portanto, as identidades políticas são construídas, desconstruídas e reconstruídas pelas percepções dos consumidores e consequentes posições que eles assumem ao lidar com delineamentos sociais que indicam, por meio de suas práticas de consumo, o que é certo ou errado (Cherrier, 2009Cherrier, H. (2009). Anti-consumption discourses and consumer-resistant identities. Journal of Business Research, 62(2), 181-190. https://doi.org/10.1016/j.jbusres.2008.01.025
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; Ulver & Laurel, 2020Ulver, S., & Laurell, C. (2020). Political ideology in consumer resistance: Analyzing far-right opposition to multicultural marketing. Journal of Public Policy & Marketing, 39(4), 477-493. https://doi.org/10.1177/0743915620947083
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). Assim, as identidades políticas são formuladas articulando, desarticulando e rearticulando concepções que assinalam como ocorre um processo de identificação (Asenbaum, 2021Asenbaum, H. (2021). The politics of becoming: Disidentification as radical democratic practice. European Journal of Social Theory, 24(1), 86-104. https://doi.org/10.1177/1368431020935781
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).

Nesse sentido, Mouffe (1992)Mouffe, C. (1992). Citizenship and political identity. October, 61, 28-32. argumenta que a identidade política não é homogênea, pois reflete as múltiplas nuances das relações sociais que podem ser vivenciadas. Nessa perspectiva pós-estruturalista, as identidades políticas podem ser associadas a questões de subjetividade produzidas por ideologias, discursos e formas de governo (Laclau & Mouffe, 2014Laclau, E., & Mouffe, C. (2014). Hegemony and socialist strategy: Towards a radical democratic politics (3rd ed.). Verso.). Tais conceitos muitas vezes se sobrepõem a uma perspectiva crítica das relações de marketing (Coskuner-Balli, 2020Coskuner-Balli, G. (2020). Citizen-consumers wanted: Revitalizing the American dream in the face of economic recessions, 1981-2012. Journal of Consumer Research, 47(3), 327-349. https://doi.org/10.1093/jcr/ucz059
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), então é possível investigar projetos de identidade política por meio de práticas de consumo intrinsecamente relacionadas aos processos que permitem a elaboração de subjetividades de consumo (Arsel & Thompson, 2011Arsel, Z., & Thompson, C. J. (2011). Demythologizing consumption practices: How consumers protect their field-dependent identity investments from devaluing marketplace myths. Journal of Consumer Research, 37(5), 791-806. https://doi.org/10.1086/656389
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; Parsons, 2010Parsons, E. (2010). Markets, identities and the discourses of antique dealing. Marketing Theory, 10(3), 283-298. https://doi.org/10.1177/1470593110373189
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). Assim, o consumo é usado para manifestar identidades políticas e para legitimar ou reforçar ideologias e discursos dominantes (Anderson, 2014Anderson, K. J. (2014). Modern misogyny: Antifeminism in a Post-feminist Era. Oxford University Press.; Ulver & Laurel, 2020Ulver, S., & Laurell, C. (2020). Political ideology in consumer resistance: Analyzing far-right opposition to multicultural marketing. Journal of Public Policy & Marketing, 39(4), 477-493. https://doi.org/10.1177/0743915620947083
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).

As ideologias desempenham papéis centrais nas decisões, ações e práticas do consumidor (Arnould & Thompson, 2015Arnould, E., & Thompson, C. J. (2015). Introduction: Consumer culture theory: Ten years gone (and beyond). Consumer Culture Theory, 17(1), 1-21. https://doi.org/10.1108/S0885-211120150000017001
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; Kozinets & Handelman, 2004Kozinets, R. V., & Handelman, J. M. (2004). Adversaries of consumption: Consumer movements, activism, and ideology. Journal of Consumer Research, 31(3), 691-704. https://doi.org/10.1086/425104
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) e são comumente associadas a conflitos entre os seus desejos e os sistemas de consumo que reproduzem ou criticam movimentos como o fascismo (Schmitt et al., 2022Schmitt, B., Brakus, J., & Biraglia, A. (2022). Consumption ideology. Journal of Consumer Research, 49(1), 74-95. https://doi.org/10.1093/jcr/ucab044
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). Considerando que os consumidores tendem a incorporar valores daquilo que consomem, algumas pesquisas de consumo indicam a presença de valores pró e antifascistas na história de produtos e marcas (Lindridge & Eagar, 2015Lindridge, A., & Eagar, T. (2015). ‘And Ziggy played guitar’: Bowie, the market, and the emancipation and resurrection of Ziggy Stardust. Journal of Marketing Management, 31(5-6), 546-576. https://doi.org/10.1080/0267257X.2015.1014395
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; Sredl, 2017), ilustrando como cultura e ideologia são aspectos sobrepostos das relações de poder que ocorrem na esfera do mercado (Miller & Stovall, 2019Miller, J. C., & Stovall, T. (2019). The “right to consume”? Re-thinking the dynamics of exclusion/inclusion in consumer society. Consumption Markets & Culture, 22(5-6), 568-581. https://doi.org/10.1080/10253866.2018.1562712
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; Pineda et al., 2022Pineda, A., Sanz-Marcos, P., & Gordillo-Rodríguez, M. T. (2022). Branding, culture, and political ideology: Spanish patriotism as the identity myth of an iconic brand. Journal of Consumer Culture, 22(1), 82-102. https://doi.org/10.1177/1469540519899977
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).

Nesse sentido, o consumo pode ser entendido como dispositivo de poder forjado em estruturas e ideologias institucionalizadas (Mikkonen & Badje, 2013Mikkonen, I., & Bajde, D. (2013). Happy Festivus! Parody as playful consumer resistance. Consumption Markets & Culture, 16(4), 311-337. https://doi.org/10.1080/10253866.2012.662832
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). Tal entendimento vai ao encontro do modo como as ideologias de consumo têm sido tratadas como forma de governo (Coskuner-Balli, 2020Coskuner-Balli, G. (2020). Citizen-consumers wanted: Revitalizing the American dream in the face of economic recessions, 1981-2012. Journal of Consumer Research, 47(3), 327-349. https://doi.org/10.1093/jcr/ucz059
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), uma vez que são utilizadas para oprimir as ações e projetos identitários que visam subverter condições pré-estabelecidas na estrutura social (Üstüner & Thompson, 2012Üstüner, T., & Thompson, C. J. (2012). How marketplace performances produce interdependent status games and contested forms of symbolic capital. Journal of Consumer Research, 38(5), 796-814. https://doi.org/10.1086/660815
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). Com base nessa linha de raciocínio, os estudos da Consumer Culture Theory (CCT) (Teoria da Cultura do Consumidor) têm investigado esse processo à luz da teoria de Foucault para ajudar a entender melhor como as práticas de consumo mostram formas de governo capazes de delinear subjetividades (Denegri-Knott et al., 2018Denegri-Knott, J., Nixon, E., & Abraham, K. (2018). Politicising the study of sustainable living practices. Consumption Markets & Culture, 21(6), 554-573. https://doi.org/10.1080/10253866.2017.1414048
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; MacGregor et al., 2021MacGregor, C., Petersen, A., & Parker, C. (2021) Promoting a healthier, younger you: The media marketing of anti-ageing superfoods. Journal of Consumer Culture, 21(2), 164-179. https://doi.org/10.1177/1469540518773825
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).

Segundo Foucault (2006)Foucault, M. (2006). The history of sexuality: The Will to Knowledge (Vol. 1). Penguin., as formas de governo e os processos de produção de sujeitos são indissociáveis: todo sujeito é governável; assim, todas as formas de governo funcionam como forças de sujeição. Em ambos os casos, Foucault (2012)Foucault, M. (2012). The history of sexuality: The care of the self (Vol. 3). Palgrave Macmillan. considera que os sujeitos tentam elaborar um modo de vida que obedeça simultaneamente à sua vontade e às moralidades que regem as relações sociais. Alguns tentam resistir e subverter tais moralidades para manifestar certas verdades com as quais estão alinhados, enquanto outros incorporam e reproduzem certas verdades como forma de legitimação.

Isso ocorre porque as subjetividades são forjadas pelo confronto entre verdades que emanam diferentes desejos e moralidades. Assim, uma verdade que se choca com outra que, por sua vez, sustenta uma dada subjetividade, pode ser combatida de forma que a subjetividade sustentada pela segunda prevaleça. Assim, rejeitar o outro pode se tornar um compromisso com um determinado modo de vida que reproduz moralidades institucionalizadas por meio de dispositivos que governam os sujeitos, ao invés de representar sua vontade (Foucault, 2003aFoucault, M. (2003a). Society must be defended: Lectures at the Collège de France, 1975-76. Picador.). Esse processo é baseado em formas de governo capazes de produzir sujeitos objetivados que reproduzem assimetrias sociais repressivas (Foucault, 2003bFoucault, M. (2003b) Abnormal: Lectures at the Collège de France 1974-1975. Verso.).

Foucault (1983)Foucault, M. (1983). Preface. In G. Deleuze & F. Guattari, Anti-Oedipus: Capitalism and schizophrenia (pp. XI-XV). University of Minnesota Press. alerta sobre a persistência do fascismo na sociedade contemporânea onde as pessoas são continuamente atraídas a desempenhar algum papel nos dispositivos que institucionalizam certas moralidades. Segundo Deleuze e Guattari (1983)Deleuze, G., & Guattari, F. (1983). Anti-Oedipus: Capitalism and schizophrenia. University of Minnesota Press., tal advertência refere-se ao perigoso descaso com os desejos dos indivíduos quando realizam um investimento libidinal que torna homogêneas as subjetividades no caso de opções já previstas nas estruturas sociais. Esse alerta pode ser uma possível interpretação das relações entre consumidores que lidam com a elaboração de posicionamentos frente a valores fascistas associados a práticas de consumo (Miller & Stovall, 2019Miller, J. C., & Stovall, T. (2019). The “right to consume”? Re-thinking the dynamics of exclusion/inclusion in consumer society. Consumption Markets & Culture, 22(5-6), 568-581. https://doi.org/10.1080/10253866.2018.1562712
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; Schmitt et al., 2022Schmitt, B., Brakus, J., & Biraglia, A. (2022). Consumption ideology. Journal of Consumer Research, 49(1), 74-95. https://doi.org/10.1093/jcr/ucab044
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; Sredl, 2018Sredl, K. C. (2018). Gendered market subjectivity: Autonomy, privilege, and emotional subjectivity in normalizing post-socialist neoliberal ideology. Consumption Markets & Culture, 21(6), 532-553. https://doi.org/10.1080/10253866.2017.1374950
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).

Diante do exposto, o objetivo do presente estudo foi investigar como os antifãs reagem à introdução de identidades políticas nas narrativas de produtos midiáticos. A pesquisa analisa as discussões da CCT abordando posicionamentos políticos articulados por meio de práticas de consumo (Serazio, 2015Serazio, M. (2015). Branding politics: Emotion, authenticity, and the marketing culture of American political communication. Journal of Consumer Culture, 17(2), 225-241. https://doi.org/10.1177/1469540515586868
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), explorando transformações operadas na indústria do entretenimento (Griffin, 2015Griffin, P. (2015). Popular culture, political economy and the death of feminism: Why women are in refrigerators and other stories. Routledge.; Monaghan, 2021Monaghan, W. (2021). Post-gay television: LGBTQ representation and the negotiation of ‘normal’ in MTV’s Faking It. Media, Culture & Society, 43(3), 428-443. https://doi.org/10.1177/0163443720957553
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) baseadas em movimentos capazes de perpetuar assimetrias sociais (Arend, 2016Arend, P. (2016). Consumption as common sense: Heteronormative hegemony and white wedding desire. Journal of Consumer Culture, 16(1), 144-163. https://doi.org/10.1177/146954051452107
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), assim como no profícuo marco teórico e metodológico de Michel Foucault (Arnould & Thompson, 2015Arnould, E., & Thompson, C. J. (2015). Introduction: Consumer culture theory: Ten years gone (and beyond). Consumer Culture Theory, 17(1), 1-21. https://doi.org/10.1108/S0885-211120150000017001
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).

O presente estudo utilizou Star Wars, considerado um dos maiores fenômenos da indústria do entretenimento, como lócus empírico para alcançar tal compreensão. A saga cinematográfica criada por George Lucas na década de 1970 possui um dos fandoms mais notórios e emblemáticos da cultura pop (Wood et al., 2020Wood, R., Litherland, B., & Reed, E. (2020). Girls being Rey: Ethical cultural consumption, families and popular feminism. Cultural Studies, 34(4), 546-566. https://doi.org/10.1080/09502386.2019.1656759
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). Apesar de tamanha longevidade, sabe-se que os fãs de Star Wars discordam frequentemente das expansões do universo ficcional (Brown, 2017Brown, J. A. (2017). #wheresRey: Feminism, protest, and merchandising sexism in Star Wars: The Force Awakens. Feminist Media Studies, 18(3), 335-348. https://doi.org/10.1080/14680777.2017.1313291
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) e se comportam de maneira tóxica quando novas produções da saga não atendem às suas expectativas (Gray, 2003Gray, J. (2003). New audiences, new textualities: Anti-fans and non-fans. International Journal of Cultural Studies, 6(1), 64-81. https://doi.org/10.1177/1367877903006001004
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; Hills, 2018Hills, M. (2018). An extended foreword: From fan doxa to toxic fan practices? Participations: Journal of Audience & Reception Studies, 15(1), 105-126.). A discussão mais recentemente ocorreu quando do lançamento da nova trilogia da Saga Skywalker, protagonizada por personagens representativos de identidades políticas não hegemônicas: uma mulher e homens negros e latinos, cuja relação era hipoteticamente homoafetiva (Brown, 2017Brown, J. A. (2017). #wheresRey: Feminism, protest, and merchandising sexism in Star Wars: The Force Awakens. Feminist Media Studies, 18(3), 335-348. https://doi.org/10.1080/14680777.2017.1313291
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; Wood et al., 2020Wood, R., Litherland, B., & Reed, E. (2020). Girls being Rey: Ethical cultural consumption, families and popular feminism. Cultural Studies, 34(4), 546-566. https://doi.org/10.1080/09502386.2019.1656759
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). Portanto, a presente pesquisa analisou como os antifãs de Star Wars reagiram à introdução desses personagens na saga.

Investigar as interações antifãs é uma forma de entender como as relações dos consumidores de mídia com seus produtos podem sustentar discursos de preconceito e fanatismo preexistentes (Jane, 2019Jane, E. A. (2019). Hating 3.0: Should anti-fan studies be renewed for another season. In M. Click (Ed.), Anti-fandom (pp. 42-61). New York University Press.) e como os fandoms – reacionários ou não – podem reproduzir estruturas de dominação externas que são inerentemente tóxicas para a participação de alguns de seus membros (Proctor et al., 2018Proctor, W., Kies, B., Chin, B., Larsen, K., McCulloch, R., Pande, R., & Stanfill, M. (2018). On toxic fan practices: A round-table. Participations, 15(1), 24.). Assim, a originalidade da presente pesquisa reside em explorar como a natureza tipicamente produtiva das interações dos fãs (Sugihartati, 2020Sugihartati, R. (2020). Youth fans of global popular culture: Between prosumer and free digital labourer. Journal of Consumer Culture, 20(3), 305-323. https://doi.org/10.1177/1469540517736522
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) pode não atender aos interesses dos criadores de produtos de mídia que os aproximam (Hewer et al., 2017Hewer, P., Gannon, M., & Cordina, R. (2017). Discordant fandom and global football brands: ‘Let the people sing’. Journal of Consumer Culture, 17(3), 600-619. https://doi.org/10.1177/1469540515611199
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) e ainda levar a divergências entre os membros dessa subcultura de consumo. Nesse sentido, o presente estudo assume o consumo como uma arena capaz de possibilitar que os consumidores se posicionem e desenvolvam éticas (Coskuner-Balli, 2020Coskuner-Balli, G. (2020). Citizen-consumers wanted: Revitalizing the American dream in the face of economic recessions, 1981-2012. Journal of Consumer Research, 47(3), 327-349. https://doi.org/10.1093/jcr/ucz059
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) como as que sustentam moralidades interessadas em manter o status quo (Thompson, 2014Thompson, C. J. (2014). The politics of consumer identity work. Journal of Consumer Research, 40(5), III-VII. https://doi.org/10.1086/673381
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). Além disso, a adoção de altas teorias sociais (i.e., o conceito de agenciamento em Foucault) possibilita a reflexão crítica sobre as práticas de consumo (Arnould & Thompson, 2015Arnould, E., & Thompson, C. J. (2015). Introduction: Consumer culture theory: Ten years gone (and beyond). Consumer Culture Theory, 17(1), 1-21. https://doi.org/10.1108/S0885-211120150000017001
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).

No entanto, é válido caracterizar o estudo com um planejamento duplo, dedutivo e indutivo, seguindo o modelo de Leão e Mello (2011)Leão, A. L. M. D. S., & Mello, S. C. B. D. (2011). Stigmata: Como as marcas são usadas para marcar os consumidores. Cadernos EBAPE.BR, 9, 22-36. https://doi.org/10.1590/S1679-39512011000100003
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. Dessa forma, o estudo passa a explorar tanto os aspectos teóricos que desenvolveram o problema de pesquisa quanto, especificamente, a interpretar os resultados à luz de conceitos que se alinham com a teoria utilizada na construção do problema.

O restante deste trabalho se desdobra em seis seções. As três primeiras abordam uma revisão da literatura sobre antifãs, produção de subjetividade do consumidor e “normalidade” desenvolvida entre as práticas de marketing. Em consonância com esse referencial teórico, apresentamos a metodologia Foucaultiana como uma etapa analítica para tratar os dados obtidos netnograficamente. Posteriormente, a descrição e discussão dos resultados respondem à questão da pesquisa e estabelecem um fundamento para destacar as contribuições do presente estudo.

DA DISCORDÂNCIA DOS FÃS AO ASSÉDIO ANTIFÃ

As práticas de consumo coletivo são uma forma de questionar as estruturas sociais (Fuschillo, 2020Fuschillo, G. (2020). Fans, fandoms, or fanaticism? Journal of Consumer Culture, 20(3), 347-365. https://doi.org/10.1177/1469540518773822
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; Kozinets, 2001Kozinets, R. V. (2001). Utopian Enterprise: Articulating the meanings of Star Trek’s culture of consumption. Journal of Consumer Research, 28(1), 67-88. https://doi.org/10.1086/321948
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) e de manter privilégios ou reproduzir preconceitos (Arend, 2016Arend, P. (2016). Consumption as common sense: Heteronormative hegemony and white wedding desire. Journal of Consumer Culture, 16(1), 144-163. https://doi.org/10.1177/146954051452107
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). Ambos os movimentos podem ser identificados a partir do consumo de produtos da indústria do entretenimento (Griffin, 2015Griffin, P. (2015). Popular culture, political economy and the death of feminism: Why women are in refrigerators and other stories. Routledge.; Monaghan, 2021Monaghan, W. (2021). Post-gay television: LGBTQ representation and the negotiation of ‘normal’ in MTV’s Faking It. Media, Culture & Society, 43(3), 428-443. https://doi.org/10.1177/0163443720957553
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), pois seus textos costumam fornecer subsídios para posicionamentos políticos. Assim, seus consumidores mais emblemáticos – ou seja, os fãs – tendem a se apropriar desses conteúdos para manifestar projetos de identidade (Kozinets, 2001Kozinets, R. V. (2001). Utopian Enterprise: Articulating the meanings of Star Trek’s culture of consumption. Journal of Consumer Research, 28(1), 67-88. https://doi.org/10.1086/321948
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), bem como posicionar-se sobre ideologias e assimetrias sociais (Hills, 2019Hills, M. (2019). Anti-fandom meets ante-fandom: Doctor Who fans’ textual dislike and ‘idiorrhythmic’ fan experiences. In M. Click (Ed.), Anti-fandom (pp. 102-124). New York University Press.).

Desde a pesquisa realizada por Kozinets (2001)Kozinets, R. V. (2001). Utopian Enterprise: Articulating the meanings of Star Trek’s culture of consumption. Journal of Consumer Research, 28(1), 67-88. https://doi.org/10.1086/321948
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os fãs têm sido classificados nos estudos da CCT como uma subcultura específica de consumidores que buscam legitimar práticas e relacionamentos intensos a partir de produtos de mídia. Mais recentemente, o tema ganhou espaço entre estudos do campo que se debruçaram sobre como os fãs, reunidos em comunidades conhecidas como fandoms, consomem produtos midiáticos de forma produtiva (Fuschillo, 2020Fuschillo, G. (2020). Fans, fandoms, or fanaticism? Journal of Consumer Culture, 20(3), 347-365. https://doi.org/10.1177/1469540518773822
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; Souza-Leão & Costa, 2018Souza-Leão, A. L. M., & Costa, F. N. (2018). Assemblaged by desire: Potterheads’ productive consumption. RAE-Revista de Administração de Empresas, 58(1), 74-86. https://doi.org/10.1590/S0034-759020180107
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; Sugihartati, 2020Sugihartati, R. (2020). Youth fans of global popular culture: Between prosumer and free digital labourer. Journal of Consumer Culture, 20(3), 305-323. https://doi.org/10.1177/1469540517736522
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).

Embora os fandoms tenham sido criados para possibilitar a interação entre fãs, pode-se observar que existem desentendimentos entre os membros (Hewer et al., 2017Hewer, P., Gannon, M., & Cordina, R. (2017). Discordant fandom and global football brands: ‘Let the people sing’. Journal of Consumer Culture, 17(3), 600-619. https://doi.org/10.1177/1469540515611199
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) e a presença de comportamento tóxico (Hills, 2018Hills, M. (2018). An extended foreword: From fan doxa to toxic fan practices? Participations: Journal of Audience & Reception Studies, 15(1), 105-126.) verificado a partir de ações praticadas pelos fãs mais conservadores que consideram-se responsáveis por preservar valores estabelecidos na época da fundação do fandom ou que consideram esses valores fundamentais para o produto midiático (Scott, 2019Scott, S. (2019). Fake geek girls: Fandom, gender, and the convergence culture industry. New York University Press.). Consequentemente, tendem a reagir a mudanças que consideram ameaçadoras, tal como a representação de segmentos sociais e políticos (Hills, 2019Hills, M. (2019). Anti-fandom meets ante-fandom: Doctor Who fans’ textual dislike and ‘idiorrhythmic’ fan experiences. In M. Click (Ed.), Anti-fandom (pp. 102-124). New York University Press.).

O comportamento radical de descrédito às transformações introduzidas nesses produtos leva os fãs a posicionarem-se como antifãs – ou seja, membros de fandoms que tentam retroalimentar movimentos de desacordo dentro da comunidade, estabelecendo vínculos negativos entre pares a partir de ataques ao produto midiático, a outros fãs e ao próprio fandom (Gray, 2003Gray, J. (2003). New audiences, new textualities: Anti-fans and non-fans. International Journal of Cultural Studies, 6(1), 64-81. https://doi.org/10.1177/1367877903006001004
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; Hills, 2019Hills, M. (2019). Anti-fandom meets ante-fandom: Doctor Who fans’ textual dislike and ‘idiorrhythmic’ fan experiences. In M. Click (Ed.), Anti-fandom (pp. 102-124). New York University Press.; Stanfill, 2019Stanfill, M. (2019). Exploiting fandom: How the media industry seeks to manipulate fans. University of Iowa Press.). Ao praticar a sociabilidade não colaborativa, os antifãs costumam ser classificados como haters, pois tendem a agir para boicotar ou desencorajar a relação dos fãs com determinados produtos midiáticos (Hattie, 2019Hattie, L. (2019). Anti-fandom in the Xiaxue empire: A celebrity blogger and her haters. The Journal of Fandom Studies, 3(1), 261-277. https://doi.org/10.1386/jfs_00004_1
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). No entanto, diferentemente dos haters, que instigam o cancelamento cultural dos textos midiáticos (Hattie, 2019Hattie, L. (2019). Anti-fandom in the Xiaxue empire: A celebrity blogger and her haters. The Journal of Fandom Studies, 3(1), 261-277. https://doi.org/10.1386/jfs_00004_1
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), os antifãs plantam desavenças, pois entendem essa atitude como um compromisso de defesa de seu fanatismo (Fuschillo, 2020Fuschillo, G. (2020). Fans, fandoms, or fanaticism? Journal of Consumer Culture, 20(3), 347-365. https://doi.org/10.1177/1469540518773822
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; Kozinets & Handelman, 2004Kozinets, R. V., & Handelman, J. M. (2004). Adversaries of consumption: Consumer movements, activism, and ideology. Journal of Consumer Research, 31(3), 691-704. https://doi.org/10.1086/425104
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). Mais do que isso, eles acreditam atuar de forma produtiva para o fandom, pois suas críticas atacam posições que classificam como superficiais (Kozinets & Handelman, 2004Kozinets, R. V., & Handelman, J. M. (2004). Adversaries of consumption: Consumer movements, activism, and ideology. Journal of Consumer Research, 31(3), 691-704. https://doi.org/10.1086/425104
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; Souza-Leão & Costa, 2018Souza-Leão, A. L. M., & Costa, F. N. (2018). Assemblaged by desire: Potterheads’ productive consumption. RAE-Revista de Administração de Empresas, 58(1), 74-86. https://doi.org/10.1590/S0034-759020180107
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) ou inúteis (Fuschillo, 2020Fuschillo, G. (2020). Fans, fandoms, or fanaticism? Journal of Consumer Culture, 20(3), 347-365. https://doi.org/10.1177/1469540518773822
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; Kozinets, 2001Kozinets, R. V. (2001). Utopian Enterprise: Articulating the meanings of Star Trek’s culture of consumption. Journal of Consumer Research, 28(1), 67-88. https://doi.org/10.1086/321948
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). Segundo Gray (2003)Gray, J. (2003). New audiences, new textualities: Anti-fans and non-fans. International Journal of Cultural Studies, 6(1), 64-81. https://doi.org/10.1177/1367877903006001004
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, esse comportamento é sua resposta às expectativas frustradas sobre os produtos da mídia, fato que torna o comportamento antifã um efeito natural da cultura do fã e de sua intensa relação com os produtos por ele consumidos.

No entanto, de acordo com Stanfill (2020)Stanfill, M. (2020). Introduction: The reactionary in the fan and the fan in the reactionary. Television & New Media, 21(2), 123-134. https://doi.org/10.1177/1527476419879912
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, o comportamento antifã faz parte de um circuito mais amplo de relações de poder que vai além da relação com pares ou objetos midiáticos. Ainda, os antifãs atacam o que os incomoda: os produtos que consomem, o fandom do qual fazem parte ou mesmo grupos específicos de outros produtos por questões alheias aos aspectos de consumo que os unem (ou seja, gênero, raça, sexualidade). Portanto, torna-se justificado demonstrar como esses movimentos acontecem.

Alguns estudos examinam a existência de uma retórica progressista para relativizar a existência de homens obsessivos, pois eles impulsionam o crescimento pós-trauma de personagens femininas vítimas de relacionamentos abusivos (Salter, 2020Salter, A. (2020). # RelationshipGoals? Suicide Squad and fandom’s love of “problematic” men. Television & New Media, 21(2), 135-150. https://doi.org/10.1177/1527476419879916
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) e podem se redimir como personagens homossexuais (Burkhardt et al., 2022Burkhardt, E., Trott, V., & Monaghan, W. (2022). “# Bughead Is Endgame”: Civic meaning-making in riverdale anti-fandom and shipping practices on Tumblr. Television & New Media, 23(6), 646-662. https://doi.org/10.1177/15274764211022804
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). Outros estudos examinam a aversão dos fãs à inclusão de pautas raciais na mídia consumida, pautas essas que distorcem aquilo que os fez tornarem-se fãs. Essa aversão se manifesta na forma de ataques a atletas negros com base na acusação de que sua presença produz politização no esporte (Johnson, 2020Johnson, P. (2020). Playing with lynching: Fandom violence and the Black athletic body. Television & New Media, 21(2), 169-183. https://doi.org/10.1177/1527476419879913
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; Serazio & Thorson, 2020Serazio, M., & Thorson, E. (2020). Weaponized patriotism and racial subtext in Kaepernick’s aftermath: The anti-politics of American sports fandom. Television & New Media, 21(2), 151-168. https://doi.org/10.1177/1527476419879917
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) ou em reclamações junto aos pares por considerarem que eles estragam as interações nas redes sociais ao incluir discussões sobre pautas raciais (Christian et al., 2020Christian, A. J., Day, F., Díaz, M., & Peterson-Salahuddin, C. (2020). Platforming intersectionality: Networked solidarity and the limits of corporate social media. Social Media+ Society, 6(3). https://doi.org/10.1177/2056305120933301
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).

Recentemente, esse comportamento tem evidenciado como alguns fãs reagem às transformações observadas na indústria do entretenimento (Stanfill, 2019Stanfill, M. (2019). Exploiting fandom: How the media industry seeks to manipulate fans. University of Iowa Press.), principalmente quando produções recentes dão mais espaço a determinadas identidades políticas (Brown, 2017Brown, J. A. (2017). #wheresRey: Feminism, protest, and merchandising sexism in Star Wars: The Force Awakens. Feminist Media Studies, 18(3), 335-348. https://doi.org/10.1080/14680777.2017.1313291
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). Vários fãs são contra a ideia de introduzir agendas políticas em textos de mídia porque acreditam que isso pode arruiná-los (Hewer et al., 2017Hewer, P., Gannon, M., & Cordina, R. (2017). Discordant fandom and global football brands: ‘Let the people sing’. Journal of Consumer Culture, 17(3), 600-619. https://doi.org/10.1177/1469540515611199
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). No entanto, esse comportamento pode evidenciar visões preconceituosas, ajudar a manter as condições e prerrogativas que as sustentam, além de disseminar e reproduzir assimetrias sociais (Griffin, 2015Griffin, P. (2015). Popular culture, political economy and the death of feminism: Why women are in refrigerators and other stories. Routledge.).

SUBJETIVIDADE BASEADA EM NEGAR O OUTRO

Segundo a Teoria Foucaultiana, as formas de governo delegam comportamentos capazes de produzir subjetividades aos indivíduos (Coskuner-Balli, 2020Coskuner-Balli, G. (2020). Citizen-consumers wanted: Revitalizing the American dream in the face of economic recessions, 1981-2012. Journal of Consumer Research, 47(3), 327-349. https://doi.org/10.1093/jcr/ucz059
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; Varman et al., 2011Varman, R., Saha, B., & Skålén, P. (2011). Market subjectivity and neoliberal governmentality in higher education. Journal of Marketing Management, 27(11-12), 1163-1185. https://doi.org/10.1080/0267257X.2011.609134
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). Para Fouc au lt (2012), a constituição do sujeito envolve o exercício do poder e a produção de conhecimento em uma dinâmica de sujeição que não diz respeito à submissão, mas ao modo como os sujeitos são constituídos. Ocorre quando são governados ou quando se governam (Deleuze, 1988Deleuze, G. (1988). Foucault. University of Minnesota Press.), o que corresponde à objetivação e subjetivação no processo de produção de subjetividade (Foucault, 2003aFoucault, M. (2003a). Society must be defended: Lectures at the Collège de France, 1975-76. Picador., 2012Foucault, M. (2012). The history of sexuality: The care of the self (Vol. 3). Palgrave Macmillan.).

Esse processo se dá por meio da manifestação de vontades e da adoção de moralidades, que são produzidas dentro de práticas culturais, como o consumo; além disso, permitem que os indivíduos diminuam suas dúvidas sobre comportamentos cotidianos (Coskuner-Balli, 2020Coskuner-Balli, G. (2020). Citizen-consumers wanted: Revitalizing the American dream in the face of economic recessions, 1981-2012. Journal of Consumer Research, 47(3), 327-349. https://doi.org/10.1093/jcr/ucz059
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). Assim, busca-se moralidades congruentes em diferentes contextos (por exemplo, social, cultural, político) para validar verdades capazes de manifestar vontades, assim como as próprias vontades são redefinidas para se alinhar a tais moralidades (Foucault, 2011Foucault, M. (2011). The courage of truth: The government of self and others II, Lectures at the Collège de France, 1983-1984. Palgrave Macmillan.).

Consequentemente, os sujeitos vivem em guerra contínua, tanto no que diz respeito ao equilíbrio entre a moral adotada e suas próprias vontades, quanto às implicações de estabelecer essas verdades para formar outras subjetividades (Foucault, 2003aFoucault, M. (2003a). Society must be defended: Lectures at the Collège de France, 1975-76. Picador.). Em consonância com tal entendimento e com base no pensamento de Foucault, Roux e Belk (2019)Roux, D., & Belk, R. W. (2019). The body as (another) place: Producing embodied heterotopias through tattooing. Journal of Consumer Research, 46(3), 483-507. https://doi.org/10.1093/jcr/ucy081
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sugerem que, apesar dos esforços dos agentes de marketing para criar lugares e relações que acreditam ser perfeitos e ilesos, a tentativa de contrabalançar suas falhas os obriga a priorizar certos aspectos em detrimento de outros. Além disso, como um espelho, tem natureza ilusória, destacando aspectos existentes e omitindo outros; assim, as relações de consumo acabam negligenciando singularidades que não interessam aos seus articuladores (Rokka & Canniford, 2016Rokka, J., & Canniford, R. (2016) Heterotopian selfies: How social media destabilizes brand assemblages. European Journal of Marketing, 50(9-10), 1789-1813. https://doi.org/10.1108/EJM-08-2015-0517
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).

É possível interpretar essas singularidades em uma visão pós-estruturalista como políticas identitárias que abordam a subjetividade (Deleuze & Guatarri, 1987Deleuze, G., & Guatarri, F. (1987), A thousand plateaus: Capitalism and schizophrenia. University of Minnesota Press.; Laclau & Mouffe, 2014Laclau, E., & Mouffe, C. (2014). Hegemony and socialist strategy: Towards a radical democratic politics (3rd ed.). Verso.). Essa interpretação se aproxima do entendimento de Foucault (1988)Foucault, M. (1988). An aesthetics of existence. In L. D. Kritzman (Ed.), Michel Foucault, politics, philosophy, culture: Interviews and other writing 1977-1984. Routledge. de que a subjetivação é um processo em que os indivíduos buscam se conhecer e se posicionar, considerando a moral e o prazer, para estabelecer estatutos éticos.

Esse processo fica evidente na forma como a constituição e a manutenção de determinadas subjetividades – inclusive as mercadológicas – permeiam a deslegitimação de outras, quando se considera que os saberes e as formas de governo que as sustentam representam ameaças aos seus fundamentos (Varman et al., 2011Varman, R., Saha, B., & Skålén, P. (2011). Market subjectivity and neoliberal governmentality in higher education. Journal of Marketing Management, 27(11-12), 1163-1185. https://doi.org/10.1080/0267257X.2011.609134
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). Segundo Foucault (2003a)Foucault, M. (2003a). Society must be defended: Lectures at the Collège de France, 1975-76. Picador., tal aspecto se evidencia quando uma parte de determinada população incorpora a função de preservar certas verdades instituídas para defender sua própria subjetividade, impondo aos outros a forma de governo que segue.

Segundo Foucault (2003b)Foucault, M. (2003b) Abnormal: Lectures at the Collège de France 1974-1975. Verso., embora as artes de governar se baseiem na associação de conhecimentos sobre sujeição, este conhecimento por si só não deve determinar a racionalidade de quem governa e de quem é governado. A racionalidade repressiva é reproduzida quando a subjetividade do outro é negada. Não à toa, Fırat e Venkatesh (1995)Firat, A. F., & Venkatesh, A. (1995). Liberatory Postmodernism and the reenchantment of consumption. Journal of Consumer Research, 22(3), 239-267. https://doi.org/10.1086/209448
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criticam a forma como o pensamento pós-moderno acessa o consumo para propor uma alternativa de libertação aos indivíduos do regime repressivo racional/tecnológico. Assim, defender a própria subjetividade rejeitando outra é uma forma de negar a racionalidade do outro e de reprimir o diferente.

A suposição de falta de racionalidade é perigosa para a sociedade. Se não há equilíbrio entre diferentes verdades que sustentem assuntos distintos, não há racionalidade entre eles; sujeitos que negligenciam o conjunto de moralidades perpetuadas no contexto em que vivem carecem de capacidade de convivência com os outros (Deleuze, 1988Deleuze, G. (1988). Foucault. University of Minnesota Press.).

A subversão dos valores morais que compreende a submissão de alguns sujeitos é o que leva outros a evocarem a diferença produzida pelos dispositivos que os regem e objetivam (Ibrahim, 2017Ibrahim, Y. (2017) Coalescing the mirror and the screen: consuming the “self” online. Continuum, 31(1), 104-113. https://doi.org/10.1080/10304312.2016.1239066
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). Essa diferença se fundamenta na repetição de saberes confirmados e manifestados na formação da subjetividade a partir do uso das forças subjacentes ao exercício do poder (Deleuze, 1994Deleuze, G. (1994). Difference and repetition. Columbia University Press.). Segundo essa perspectiva, as condições que possibilitam a produção de sujeitos fazem parte de uma multiplicidade dinâmica, ou seja, de um leque de condutas prováveis pautadas pelas relações de poder observadas na sociedade (Arnould & Thompson, 2015Arnould, E., & Thompson, C. J. (2015). Introduction: Consumer culture theory: Ten years gone (and beyond). Consumer Culture Theory, 17(1), 1-21. https://doi.org/10.1108/S0885-211120150000017001
https://doi.org/10.1108/S0885-2111201500...
).

Além disso, apenas alguns indivíduos alcançam os meios para tornar-se sujeitos (isto é, subjetivação), enquanto todos os indivíduos tendem a ser objetivados. Isso acontece porque nem todos tentam se tornar sujeitos morais: é possível negar normas e verdades que lhe são estranhas – rejeitando conceitos morais e não validando seus valores –, bem como não governar a si mesmo e aos outros de maneira adequada (Foucault, 2012Foucault, M. (2012). The history of sexuality: The care of the self (Vol. 3). Palgrave Macmillan.).

A elaboração da noção Foucaultiana de subjetividade envolve exercícios de resistência a duas formas contemporâneas de sujeição: na forma como as vidas são individualizadas de acordo com as exigências das estruturas de poder dispostas no contexto vivido e na forma como cada um precisa manifestar uma identidade conhecida e reconhecida como papel produtivo para a sociedade (Deleuze, 1988Deleuze, G. (1988). Foucault. University of Minnesota Press.).

Segundo Tadajewski (2006)Tadajewski, M. (2006). Remembering motivation research: Toward an alternative genealogy of interpretive consumer research. Marketing Theory, 6(4), 429-466. https://doi.org/10.1177/1470593106069931
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, esses aspectos podem ser vistos na forma como o mundo externo é ontologicamente objetivado, indicando como a subjetividade elaborada pelos consumidores pressupõe sua atuação. Da mesma forma, Hanna (2013)Hanna, P. (2013). A break from ‘reality’: An investigation into the ‘experiments with subjectivity’on offer within the promotion of sustainable tourism in the UK. Journal of Consumer Culture, 13(3), 366-386. https://doi.org/10.1177/1469540513485270
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indica que a compreensão Foucaultiana de como os sujeitos são produzidos permite entender como as relações de consumo orientam as posições dominantes ou identidades de resistência que sustentam a subjetividade dos consumidores.

A PERIGOSA “NORMALIDADE” ENTRE A SUBJETIVIDADE DOS CONSUMIDORES

As subjetividades consideradas desviantes de certas práticas de consumo são geralmente associadas a uma ameaça aos discursos de marketing institucionalizados (Blocker et al., 2013Blocker, C. P., Ruth, J. A., Sridharan, S., Beckwith, C., Ekici, A., Goudie-Hutton, M., Rosa, J. A., Saatcioglu, B., Talukdar, D., Trujillo, C., & Varman, R. (2013). Understanding poverty and promoting poverty alleviation through transformative consumer research. Journal of Business Research, 66(8), 1195-1202. https://doi.org/10.1016/j.jbusres.2012.08.012
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; Denegri-Knott, 2004Denegri-Knott, J. (2004). Sinking the online “music pirates:” Foucault, power and deviance on the web. Journal of Computer-Mediated Communication, 9(4), JCMC949. https://doi.org/10.1111/j.1083-6101.2004.tb00293.x
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). A “normalidade” está presente em como as relações de mercado funcionam como esteio para institucionalizar ordens morais que legitimam grupos dominantes de consumidores e padrões de consumo cotidianos (Mikkonen et al., 2014Mikkonen, I., Vicdan, H., & Markkula, A. (2014). What not to wear? Oppositional ideology, fashion, and governmentality in wardrobe self-help. Consumption Markets & Culture, 17(3), 254-273. https://doi.org/10.1080/10253866.2013.778174
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; Özçağlar-Toulouse et al., 2009Özçağlar-Toulouse, N., Béji-Bécheur, A., Fosse-Gomez, M. H., Herbert, M., & Zouaghi, S. (2009). Ethnicity in the study of the consumer: An overview. Recherche et Applications en Marketing (English Edition), 24(4), 57-75. https://doi.org/10.1177/205157070902400404
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). Além disso, Gicquel (2017)Gicquel, Y. (2017). Government of practices and market topographies: Consumption and the challenge of (ab) normality. Recherche et Applications en Marketing (English Edition), 32(1), 61-82. https://doi.org/10.1177/2051570717691960
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considera que essas institucionalizações são assimiladas por movimentos conservadores propagados pelos consumidores quando esses consideram possível rotular como “anormais” outros que julgam desviantes, a fim de retirá-los de seu contexto de consumo.

Segundo Foucault (2003b)Foucault, M. (2003b) Abnormal: Lectures at the Collège de France 1974-1975. Verso., quando um sujeito busca afastar o outro para proteger uma “normalidade” que represente sua racionalidade, ele propaga, por meio da imposição de saberes convenientes e comportamentos segregadores, práticas repressivas que colocam em risco a capacidade da sociedade de produzir sujeitos livres. Assim, o autor é um crítico constante da forma como os indivíduos defendem esses dispositivos que nos governam e nos diferenciam. Segundo ele, para escapar dessas regras repressivas devemos produzir uma impermeabilidade reticente, a partir da qual diferentes epistemes se superpõem para manejar a moralidade dos sujeitos de forma conjunta e não repressiva. Tal gestão compreende uma multiplicidade de relações de sujeição que possibilitam produzir uma arte de viver – uma arte que não pertence aos sujeitos vivos, mas a toda a sociedade em que se vive – além de uma ética pessoal (Deleuze & Guattari, 1983Deleuze, G., & Guattari, F. (1983). Anti-Oedipus: Capitalism and schizophrenia. University of Minnesota Press.).

Foucault (1983)Foucault, M. (1983). Preface. In G. Deleuze & F. Guattari, Anti-Oedipus: Capitalism and schizophrenia (pp. XI-XV). University of Minnesota Press. refletiu sobre esse processo de gestão e concluiu que para escapar das condições capazes de produzir sujeitos repressivos não basta produzir e defender-se como sujeito; é preciso experimentar a própria ética e, principalmente, contrapor-se aos valores morais vigentes. Portanto, defender a “normalidade” é um erro. É insistir em semelhanças que distorcem nossas próprias subjetividades. É pela própria diferença (ou seja, pela singularidade), e não pela semelhança, que produzimos uma subjetividade capaz de nos libertar das formas institucionalizadas de governo e de viver uma vida fascista. Segundo Foucault (1983)Foucault, M. (1983). Preface. In G. Deleuze & F. Guattari, Anti-Oedipus: Capitalism and schizophrenia (pp. XI-XV). University of Minnesota Press., o fascismo persiste na sociedade contemporânea por meio do desejo de exercer algum nível de poder vinculado a contextos de dominação e exploração. É um modus operandi baseado na determinação de uma forma correta de viver, que estimula os indivíduos a não pensar ou criar, mobilizando massivamente desejos genéricos.

Além disso, ele adverte que a formulação contínua da sociedade ocidental contemporânea perpassa a atratividade de assumir funções dos dispositivos de poder que nos governam. Tal atração pelo poder é imprudente e é uma das formas pelas quais o fascismo persiste na sociedade contemporânea. Segundo Deleuze e Guattari (1983)Deleuze, G., & Guattari, F. (1983). Anti-Oedipus: Capitalism and schizophrenia. University of Minnesota Press., ela reflete um movimento mais complexo: negligenciar os desejos subjetivos – e criativos – por meio da institucionalização da moralização – uma racionalidade microfascista.

Mas então como evitar uma vida fascista? Foucault (1983)Foucault, M. (1983). Preface. In G. Deleuze & F. Guattari, Anti-Oedipus: Capitalism and schizophrenia (pp. XI-XV). University of Minnesota Press. apontou que a resposta a essa pergunta está na tentativa de viver uma vida bela, guiada pela diferença e exercida por meio da resistência aos prováveis privilégios proporcionados pelo exercício do poder. É preciso reconhecer a singularidade pessoal, libertando-se, e subvertendo as políticas universais e totalizantes para viver uma vida não fascista. Da mesma forma, é preciso apostar em práticas voltadas para o incentivo ao pensamento criativo e capaz de respeitar as singularidades do outro. Afinal, sujeitos éticos são aqueles que se desenvolvem constante e continuamente relacionando-se com o diferente, produzindo verdades e praticando o equilíbrio entre a própria vontade e os valores morais vigentes em suas vidas (Foucault, 2011Foucault, M. (2011). The courage of truth: The government of self and others II, Lectures at the Collège de France, 1983-1984. Palgrave Macmillan.).

Apesar de apresentarem interessantes perspectivas de interpretação dos movimentos ou valores fascistas disseminados entre os consumidores, vale ressaltar que as abordagens trazidas pelos autores citados não são as únicas aceitas para interpretar esse tema nas pesquisas de consumo. Outros estudos indicam valores fascistas inerentes a ideologias e movimentos políticos e culturais disseminados por meio de práticas de consumo (Cambefort & Pecot, 2020Cambefort, M., & Pecot, F. (2020). Theorizing rightist anti-consumption. Marketing Theory, 20(3), 385-407. https://doi.org/10.1177/1470593119895792
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; Lindridge & Eagar, 2015Lindridge, A., & Eagar, T. (2015). ‘And Ziggy played guitar’: Bowie, the market, and the emancipation and resurrection of Ziggy Stardust. Journal of Marketing Management, 31(5-6), 546-576. https://doi.org/10.1080/0267257X.2015.1014395
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; Pineda et al., 2022Pineda, A., Sanz-Marcos, P., & Gordillo-Rodríguez, M. T. (2022). Branding, culture, and political ideology: Spanish patriotism as the identity myth of an iconic brand. Journal of Consumer Culture, 22(1), 82-102. https://doi.org/10.1177/1469540519899977
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).

No entanto, tanto os ensaios de Foucault quanto os de Deleuze e Guattari permitem que a pesquisa do consumidor investigue e compreenda a presença e a relação entre práticas fascistas e a elaboração de subjetividades – a favor e contra – diante de uma moralidade institucionalizada por práticas de consumo (Miller & Stovall, 2019Miller, J. C., & Stovall, T. (2019). The “right to consume”? Re-thinking the dynamics of exclusion/inclusion in consumer society. Consumption Markets & Culture, 22(5-6), 568-581. https://doi.org/10.1080/10253866.2018.1562712
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; Schmitt et al., 2022Schmitt, B., Brakus, J., & Biraglia, A. (2022). Consumption ideology. Journal of Consumer Research, 49(1), 74-95. https://doi.org/10.1093/jcr/ucab044
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; Sredl, 2018Sredl, K. C. (2018). Gendered market subjectivity: Autonomy, privilege, and emotional subjectivity in normalizing post-socialist neoliberal ideology. Consumption Markets & Culture, 21(6), 532-553. https://doi.org/10.1080/10253866.2017.1374950
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; Tadajewski, 2006Tadajewski, M. (2006). Remembering motivation research: Toward an alternative genealogy of interpretive consumer research. Marketing Theory, 6(4), 429-466. https://doi.org/10.1177/1470593106069931
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).

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

A perspectiva Foucaultiana endossa a possibilidade de expandir a agenda de pesquisa da CCT por meio de uma perspectiva pós-estruturalista (Arnould & Thompson, 2015Arnould, E., & Thompson, C. J. (2015). Introduction: Consumer culture theory: Ten years gone (and beyond). Consumer Culture Theory, 17(1), 1-21. https://doi.org/10.1108/S0885-211120150000017001
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; Thompson, 2017Thompson, C. J. (2017). Canonical authors in consumption theory. In S. Askegaard & B. Heilbrunn (Eds.), Producing foucaldians: Consumer culture theory and the analytics of power (pp. 212-220). Routledge.). A sua metodologia foi aqui aplicada para possibilitar a condução da pesquisa de acordo com o referencial teórico adotado. Múltiplos estudos evocam seus conceitos teóricos (Gicquel, 2017Gicquel, Y. (2017). Government of practices and market topographies: Consumption and the challenge of (ab) normality. Recherche et Applications en Marketing (English Edition), 32(1), 61-82. https://doi.org/10.1177/2051570717691960
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; Hanna, 2013Hanna, P. (2013). A break from ‘reality’: An investigation into the ‘experiments with subjectivity’on offer within the promotion of sustainable tourism in the UK. Journal of Consumer Culture, 13(3), 366-386. https://doi.org/10.1177/1469540513485270
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; Mikkonen et al., 2014Mikkonen, I., Vicdan, H., & Markkula, A. (2014). What not to wear? Oppositional ideology, fashion, and governmentality in wardrobe self-help. Consumption Markets & Culture, 17(3), 254-273. https://doi.org/10.1080/10253866.2013.778174
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) e, mais recentemente, sua metodologia, para investigar práticas (ou seja, discursivas, não-discursivas e do eu) dentro dos contextos culturais dos consumidores (Camargo et al., 2022; Denegri-Knott et al., 2018Denegri-Knott, J., Nixon, E., & Abraham, K. (2018). Politicising the study of sustainable living practices. Consumption Markets & Culture, 21(6), 554-573. https://doi.org/10.1080/10253866.2017.1414048
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; Denegri-Knott & Tadajewski, 2017Denegri-Knott, J., & Tadajewski, M. (2017). Sanctioning value: The legal system, hyper-power and the legitimation of MP3. Marketing Theory, 17(2), 219-240. https://doi.org/10.1177/1470593116677766
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; Tadajewski & Jones, 2021Tadajewski, M., & Jones, D. B. (2021). From goods-dominant logic to service-dominant logic? Service, service capitalism and service socialism. Marketing Theory, 21(1), 113-134. https://doi.org/10.1177/1470593120966768
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).

A obra de Foucault apresenta uma sobreposição entre o ciclo teórico e abordagem metodológica (Foucault, 2012Foucault, M. (2012). The history of sexuality: The care of the self (Vol. 3). Palgrave Macmillan.). Assim, por um lado Foucault desenvolveu sua arqueologia do saber para investigar as práticas discursivas, por outro, desenvolveu genealogias em seus estudos avançados sobre o poder e sobre o sujeito – cada fase complementando à anterior (Deleuze, 1988Deleuze, G. (1988). Foucault. University of Minnesota Press.; Denegri-Knott & Tadajewski, 2017Denegri-Knott, J., & Tadajewski, M. (2017). Sanctioning value: The legal system, hyper-power and the legitimation of MP3. Marketing Theory, 17(2), 219-240. https://doi.org/10.1177/1470593116677766
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). O método de Foucault recebeu o nome de Arqueogenealogia (Paltrinieri, 2012Paltrinieri, L. (2012). L’expérience du concept. Publications de la Sorbonne.).

Assim, nas próximas seções, as categorias analíticas apresentadas ao longo da obra de Foucault sobre o método foram aqui sistematizadas para operacionalizar o método selecionado (Foucault, 2002Foucault, M. (2002). The Archaeology of knowledge. Routledge., 2003aFoucault, M. (2003a). Society must be defended: Lectures at the Collège de France, 1975-76. Picador., 2006Foucault, M. (2006). The history of sexuality: The Will to Knowledge (Vol. 1). Penguin., 2012Foucault, M. (2012). The history of sexuality: The care of the self (Vol. 3). Palgrave Macmillan.). Em seguida, o contexto da coleta de dados e os critérios de qualidade para a pesquisa qualitativa online são também apresentados (ver Dijck, 2013Dijck, J. van. (2013). The culture of connectivity: A critical history of social media. Oxford University Press.; Kozinets, 2020Kozinets, R. V. (2020). Netnography: The essential guide to qualitative social media research – Doing ethnographic research online. Sage.; Ravn et al., 2020Ravn, S., Barnwell, A., & Neves, B. B. (2020). What Is “publicly available data”? Exploring blurred public–private boundaries and ethical practices through a case study on Instagram. Journal of Empirical Research on Human Research Ethics, 15(1-2), 40-45. https://doi.org/10.1177/1556264619850736
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).

ANÁLISE FOUCAULTIANA

Brownlie et al. (2009)Brownlie, D., Hewer, P., & Tadajewski, M. (2009). Thinking “Communities of Academic Practice”: On space, enterprise and governance in marketing academia. Journal of Marketing Management, 25(7-8), 635-642. https://doi.org/10.1362/026725709X471532
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mapearam metodologias Foucaultianas utilizadas em estudos de marketing e sugeriram benefícios para essa análise investigativa em dois níveis diferentes. Um primeiro nível permite aos pesquisadores do consumidor entender como certas linhas de pensamento de marketing são contingentes, embora não necessariamente inevitáveis. Num segundo, apresenta interpretações capazes de transformar ou alterar as condições de produção do conhecimento de marketing.

Da mesma forma, Thompson e Tian (2008)Thompson, C., & Tian, K. (2008). Reconstructing the South: How commercial myths compete for identity value through the ideological shaping of popular memories and countermemories. Journal of Consumer Research, 34(5), 595-613. https://doi.org/10.1086/520076
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indicam essa metodologia para refletir criticamente sobre a intimidade do consumo com as memórias populares estabelecendo um status hegemônico de determinados grupos sociais. Segundo Tadajeski (2006), é uma aproximação para entendermos a transversalidade do conhecimento de marketing e as possíveis produções que extrapolam seu escopo.

A etapa inicial dessa metodologia chama-se arqueologia do saber e foi abordada em obra homônima de Foucault (2002)Foucault, M. (2002). The Archaeology of knowledge. Routledge., onde explicou como encontrar práticas discursivas dispersas em determinados fenômenos sociais. É possível observar como se produzem as formações discursivas a partir da identificação dos enunciados – que são a unidade discursiva mais básica – e de seu agrupamento. Para tanto, é necessário analisar as ações compartilhadas pelos enunciados que constituem as funções enunciativas, levando em consideração alguns critérios que, de forma semelhante, permitem identificar as regras que sustentam as formações discursivas.

Ao expandir suas investigações para a análise do poder, Foucault (2003aFoucault, M. (2003a). Society must be defended: Lectures at the Collège de France, 1975-76. Picador., 2006Foucault, M. (2006). The history of sexuality: The Will to Knowledge (Vol. 1). Penguin.) analisou como práticas não discursivas nascem de práticas discursivas. Assim, sua genealogia do poder utilizou as formações discursivas para revelar diagramas de poder articulados por meio de operadores que podem ser identificados sob alguns critérios (Foucault, 2006Foucault, M. (2006). The history of sexuality: The Will to Knowledge (Vol. 1). Penguin.): nas relações de poder, diferentes forças se associam e indicam sistemas de diferenciação; os fins perseguidos pelo exercício do poder indicam os tipos objetivos; tecnologias de poder que se materializam no exercício do poder revelam modalidades instrumentais; regras e valores morais que permitem o exercício do poder são baseados em formas de institucionalização; e a disposição das probabilidades de estabelecimento das relações de poder diz respeito aos graus de racionalização.

Da mesma forma, ao ampliar o escopo de suas investigações para analisar a constituição do sujeito, Foucault identificou as “práticas do self”, que permitem produzir subjetividades a partir da combinação entre práticas discursivas e não discursivas (Paltrinieri, 2012Paltrinieri, L. (2012). L’expérience du concept. Publications de la Sorbonne.). Essa etapa metodológica foi apresentada por Foucau lt (2012) como genealogia do sujeito, que utiliza diagramas de poder para revelar formas-sujeito baseadas em agentes morais que podem ser identificados combinando alguns critérios: o modo como os sujeitos equilibram suas vontades e moralidades observadas em o contexto em que vivem é representado por substâncias éticas; a forma como os sujeitos tentam se adaptar às diferentes condutas revela modos de sujeição; as ações que os sujeitos realizam sobre si mesmos para conhecer a própria subjetividade correspondem à elaboração de um trabalho ético; e, finalmente, as associações estabelecidas entre as verdades interiores e exteriores dos sujeitos, que refletem a sua vontade e as moralidades do seu contexto social, dizem respeito à teleologia do sujeito moral.

A Figura 1 apresenta um diagrama para facilitar a compreensão das categorias analíticas Foucaultianas e suas relações ou etapas – especificamente, a contiguidade entre elas.

Figura 1
Mapa Analítico

COLETA DE DADOS E CRITÉRIOS DE QUALIDADE

A presente pesquisa segue a proposta adotada por estudos recentes que utilizam dados netnográficos em associação com a analise Foucaultiana (Camargo et al., 2022; Denegri-Knott & Tadajewski, 2017Denegri-Knott, J., & Tadajewski, M. (2017). Sanctioning value: The legal system, hyper-power and the legitimation of MP3. Marketing Theory, 17(2), 219-240. https://doi.org/10.1177/1470593116677766
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). Portanto, para realização de nossas investigações foram levadas em consideração as direções apontadas por Kozinets (2020)Kozinets, R. V. (2020). Netnography: The essential guide to qualitative social media research – Doing ethnographic research online. Sage. para a escolha de um contexto cultural relevante, representativo e atual.

O maior fórum de fãs de Star Wars, o TheForce.net, foi selecionado como locus empírico do presente estudo. É uma plataforma com mais de duas décadas de existência e conta com contínuas e numerosas interações do fandom da saga cinematográfica, sejam em resposta a notícias de novas produções ou relacionadas com o universo ficcional, ou ainda na partilha de conteúdos tipicamente produzidos por fãs (i.e., fanarts, fanfics, teorias de fãs, vídeos de fãs, memes) (Proctor, 2013Proctor, W. (2013). Holy crap, more Star Wars! More Star Wars? What if they’re crap?”: Disney, Lucasfilm and Star Wars online fandom in the 21st Century. Journal of Audience and Reception Studies, 10(1), 198-224.; Whitney, 2017Whitney, A. (2017). Formatting nostalgia. In S. A. Guynes & D. Hassler-Forest, D. (Eds.) Star Wars and the history of transmedia storytelling (pp. 265-276). Amsterdam University Press.).

O fórum subdivide as interações dos fãs em categorias e tópicos específicos, sendo os mais proeminentes aqueles que tratam de notícias e discussões sobre as trilogias da saga: Trilogia Original (ou seja, Episódios IV, V e VI), Trilogia Prequela (ou seja, Episódios I, II e III), Trilogia Sequela (ou seja, Episódios VII, VIII e IX). Dentre os tópicos de discussão disponíveis no referido site, a presente pesquisa selecionou como fonte de dados a categoria Trilogia Sequela, que conta com 119 tópicos lançados entre outubro de 2013 e janeiro de 2020. Com foco na resposta da pesquisa e seu escopo, foram escolhidos os tópicos que abordam a introdução recente de personagens representativos de identidades políticas. No total, foram coletados e analisados 24.459 postagens sobre 40 temas diferentes publicados entre março de 2014 e maio de 2020.

O estudo segue critérios éticos de uso de dados obtidos em plataformas online (Ravn et al., 2020Ravn, S., Barnwell, A., & Neves, B. B. (2020). What Is “publicly available data”? Exploring blurred public–private boundaries and ethical practices through a case study on Instagram. Journal of Empirical Research on Human Research Ethics, 15(1-2), 40-45. https://doi.org/10.1177/1556264619850736
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). Considerando que TheForce.net é um espaço público que autoriza qualquer internauta a transitar e acessar as discussões realizadas no fórum, adotamos a proposta de que é possível utilizar tais dados, desde que o estudo não prejudique os indivíduos ou o contexto cultural que se está investigando (Dijck, 2013Dijck, J. van. (2013). The culture of connectivity: A critical history of social media. Oxford University Press.; Kozinets, 2020Kozinets, R. V. (2020). Netnography: The essential guide to qualitative social media research – Doing ethnographic research online. Sage.).

DESCRIÇÃO DOS RESULTADOS

A análise dos dados revelou uma forma-sujeito decorrente de duas categorias de agentes morais que serviram de base para descrever os resultados nas subseções seguintes. A Figura 2 apresenta uma representação visual das relações entre as categorias analisadas: setas são utilizadas para indicar as relações entre as categorias e, ao fundo, diferentes cores indicam as categorias relacionadas a cada agente moral, bem como aquelas que se sobrepõem a ambas.

Figura 2
Mapa Analítico

Os agentes morais foram apresentados com base nas categorias analíticas (em negrito) e nos critérios que as constituem (em itálico); além disso, foram descritos a partir da forma apresentada nos dados analisados. Para facilitar a familiarização com os achados do estudo, foi elaborada a Tabela 1, explicando as nomenclaturas e os níveis das categorias analíticas equivalentes.

Tabela 1
Categorias analíticas

Além disso, o procedimento analítico foi ilustrado por meio de mensagens retiradas do corpus da pesquisa, referentes aos conjuntos de relações que sustentam cada agente moral. Por fim, o estudo refletiu sobre como tais agências podem ser interpretadas à luz do referencial teórico do estudo.

INTOLERÂNCIA

A intolerância representa o comportamento de membros do fandom quando atacam a representatividade de identidades políticas que se tornaram pauta recorrente na sociedade contemporânea. Concretiza-se num movimento de relutância a qualquer transformação de tal representatividade no contexto dos fãs e na narrativa do universo ficcional. O argumento utilizado como base para tal comportamento é que a saga não foi construída por seu envolvimento com questões sociais e que assim deve permanecer. Desta forma, esses membros do fandom rejeitam e atacam essas representações introduzidas por meio de novos personagens sob a alegação de que as transformações implementadas na nova fase do universo ficcional e a repercussão de uma perspectiva política nas discussões de parte do público podem arruinar sua relação com a saga. Consequentemente, eles exigem que os novos filmes não explorem agendas sociais e até ameaçam boicotá-los. Assim, essa parte do fandom se expressa com veemência no sentido de defender o status quo da saga em meio a um processo de avanço de agendas políticas. Para tanto, demandam uma depuração narrativa que exige uma eugenia dos fãs.

Essa agência moral revela um diagrama de poder de cancelamento. A reação aos novos filmes sob a justificativa mencionada revela o comportamento de cassação, não apenas em relação aos filmes em si, mas também às próprias identidades políticas neles representadas. Esse diagrama é sustentado por dois operadores de poder: em tom mais contundente, há rejeição às transformações políticas tanto no universo ficcional quanto no contexto dos fãs; e por outro lado, evoca-se o purismo na narrativa da saga para deliberar pela rejeição das inovações trazidas pelos novos filmes.

Ambos os operadores compartilham a premissa de que as novas produções fazem parte de uma saga legitimada e, como tal, devem respeitar a fórmula, seguindo os fundamentos canônicos das narrativas originais para garantir a manutenção de sua essência. Eles diferem no tipo objetivo por trás dessa linha de raciocínio; por um lado há indícios de repúdio ao diferente e por outro, há inquietação com a novidade.

Esses objetivos marcam os aspectos que distinguem os operadores de poder além dessa abordagem. Assim, em uma segunda linha de raciocínio, o repúdio ao diferente fundamenta-se no argumento da manutenção dos fundamentos canônicos; esses membros do fandom evocam padrões sociais dominantes como constitutivos desse processo de construção. Consequentemente, apresentam-se avessos a tal representatividade e sua rejeição fica caracterizada por esse comportamento.

Por outro lado, a inquietação com a novidade vai ao encontro da manutenção da própria forma como eles entendem sua condição de fã, com base no argumento de que o fandom é autossuficiente. Esse argumento os legitima a questionar o contexto de mudanças que fundamentam sua insatisfação com a adoção de tendências, fato que caracteriza sua capacidade de deliberação.

Um exemplo (ver citação Fã 1 na Figura 3) que ilustra essas relações de poder que culminam na intolerância presente no fandom de Star Wars, é o desabafo de um fã em uma discussão que se propõe a questionar a validade narrativa da personagem Rey – a primeira protagonista Jedi feminina da saga.

Figura 3
Exemplo de intolerância

Foi possível observar a intolerância quando da crítica do Fã 1 às personagens femininas e a sua atitude de considerar que não vale à pena discutir com outros fãs sobre essa questão. O Fã 1 exclui veementemente os outros que se sentem ofendidos e reagem a esse menosprezo em relação a uma personagem feminina e, para ele, criticar uma personagem feminina não teria cunho ofensivo pessoal. Em seus argumentos anteriores nesse mesmo tópico do fórum, o Fã 1 concorda que a fragilidade narrativa das personagens masculinas não era um problema, enquanto essa fragilidade seria sim um problema no caso da personagem feminina (esse argumento do Fã 1 foi apontado pelo Fã 2 em sua resposta, mencionando que esse tipo de visão tenta relativizar os ataques à personagem feminina no fórum). O Fã 1 acaba por defender o status quo ao exigir uma depuração narrativa com personagens masculinas, apontando que, ao contrário do que observa com as personagens femininas, as masculinas são passíveis de crítica sem que fãs histéricos se sintam ofendidos.

Deste modo, o Fã 1 propõe o cancelamento de seus pares por o acusarem de misoginia e machismo ao atacar a personagem Rey ao longo da discussão. Do seu ponto de vista, é possível rejeitar a personagem por meio de ataques às suas premissas narrativas sem atacar as próprias mulheres. Nessa perspectiva, é factível considerar que o objetivo de seus argumentos era o repúdio ao diferente, buscando manter o que considera ser o nível canônico pré-estabelecido em produções anteriores. Nesse sentido, considerando que seus pares o impedem de criticar a personagem Rey, o Fã 1 destaca que o mesmo não aconteceria se o protagonista principal fosse uma personagem masculina. Portanto, evoca padrões sociais dominantes ao se posicionar de forma contrária à representatividade inserida com a protagonista da Trilogia Sequela.

Ampliando-se para o estágio da arqueologia do saber, os fundamentos que sustentam tal deliberação e a linha que ela compartilha com a rejeição indicam como ambos os operadores de poder refletem a formação discursiva denominada ameaça reacionária, que diz respeito ao entendimento de que os autodenominados verdadeiros fãs devem se posicionar contra a introdução de pautas políticas nas novas produções da saga. Essa formação discursiva se baseia em uma regra sobre o descontentamento dos fãs, que trata da existência de falhas narrativas decorrentes da introdução de representatividade social em novas produções. Essa regra, por sua vez, se baseia em duas funções enunciativas: Esses membros do fandom desacreditam o que há de novo por meio de enunciados que abordam a inferioridade dos novos protagonistas em relação aos filmes anteriores, além de criticar os fãs que se mostram a favor de pautas políticas, muitas vezes recorrendo a um tipo de “humor” que aponta para certos preconceitos. E, por outro lado, tentam inviabilizar mudanças ao afirmar que a introdução dessas pautas pode colocar em xeque a hegemonia de uma saga estabelecida na cultura pop, e ao enfatizar seu desconforto com romances homossexuais ou interraciais e com padrões estéticos diferentes do caucasiano e da mulher sensual.

De outro modo, as características únicas da rejeição indicam sua base em outra formação discursiva, aqui chamada de últimos guardiões, que se alinha a uma visão mais radical dos membros do fandom sobre o papel que os fãs devem desempenhar para ajudar a preservar a pureza da saga. Tal formação discursiva também se fundamenta na regra do descontentamento do fã (descrita acima), mas é singularizada por meio de outra regra que diz respeito ao entendimento da fidelidade canônica, que é quando os fãs defendem que a saga não pode ser profanada por mudanças efêmeras, como as agendas políticas em discussão. Essa regra também se baseia na função enunciativa voltada para a inviabilização de mudanças (também descrita acima), bem como em outra que critica interesses externos e é composta por enunciados que defendem que alinhar a saga a temas representativos de movimentos políticos ou tendências de mercado pode ser prejudicial e perigoso para ela.

Por fim, a interação sobre homossexualidade (ver Fig. 4) exemplifica como a intolerância – e as práticas discursivas e não discursivas que a sustentam – é uma realidade no fandom de Star Wars.

Figura 4
Exemplo de intolerância

A intolerância à homossexualidade é explicitamente declarada e caracterizada pela sugestão de cancelamento à possível presença de personagens homossexuais nos filmes da saga e aos fãs que concordam com essa presença. Por um lado, as falas dos Fãs 3 e 5 evocam o purismo da saga, fato que caracteriza a “deliberação” do operador de poder e desvenda o entendimento de que a presença de personagens homossexuais em Star Wars representaria uma ameaça a saga, que já não poderia manter-se em sua originalidade. Por outro lado, o Fã 5 é ainda mais explícito em seu posicionamento de rejeição pois sugere uma cisão entre os que aceitam a homossexualidade e os que não a aceitam, apresentando-se como guardião dos valores que acredita constituírem a franquia.

Em ambas as situações, fica evidente o incômodo com o fato de alguns fãs se posicionarem favoravelmente sobre a representatividade da homossexualidade no cinema, visto que o fã irritado desacredita essa posição e tenta inviabilizá-la com base no argumento de que a homossexualidade não representa a essência de Star Wars. Mais especificamente, no que diz respeito à manutenção dessa essência, o cânone se estabelece como algo fiel e não deve se submeter a exigências externas capazes de descaracterizá-lo.

AMORALIDADE

A outra agência moral identificada refere-se à amoralidade exercida pelo fandom. Embora ela não incite o repúdio às identidades políticas representadas nas produções de Star Wars, corrobora essa posição ao apoiá-lo. Essa agência parte da ideia de que a saga não deve abordar tais temas e afastar-se desse tipo de discussão. Assim, alguns membros do fandom demonstram claro desconforto com as causas defendidas pelos adeptos da agenda política no cinema, pois desejam que a franquia permaneça imparcial em prol de sua longevidade e declaram estar apenas em busca de diversão. A amoralidade é marcada tanto pela omissão dos fãs em relação às agendas políticas contemporâneas quanto pela demanda por uma narrativa depurada baseada nos filmes originais. Assim, constroem a narrativa de onipotência de uma saga a partir da idealização de um recurso imaginário para blindar seu universo ficcional. Consequentemente, estabelecem o processo de divinização do cânone, o que pressupõe que promovam a exclusão de qualquer elemento narrativo que possa prejudicar a saga.

Essa agência moral revela o diagrama de poder do entretenimento que enfatiza a ideia de que Star Wars deve se esforçar para cumprir seu legado como um dos produtos culturais mais icônicos da cultura pop. Então, assim como o cancelamento, este diagrama também está associado ao operador de poder vinculado à deliberação (descrito na seção anterior). Sua singularidade está na associação com outro operador de poder, o marketing, que atua na medida em que os fãs passam a pensar mercadologicamente e acreditar que a introdução de temas polêmicos na saga, como personagens representativos de identidades políticas, pode ter impacto negativo no desempenho da franquia. A identificação desse operador – i.e., marketing - atende a aspectos subjacentes ao outro – i.e., deliberação – e ambos indicam que Star Wars tem um fandom autossuficiente e que não precisa atender demandas sociais para ampliar seu público. Essa parte do fandom alimenta a insatisfação com as tendências que não atendem às suas expectativas, portanto, questionam o contexto de mudanças adotado pela franquia. O entendimento deles é que para a franquia se manter relevante é melhor ater-se fielmente às produções anteriores, fato que exige blindagem da saga.

De forma semelhante à intolerância, a associação entre essa agência e o operador de poder chamado deliberação, ainda que através de um diagrama separado, relaciona-a com a formação discursiva chamada ameaça reacionária descrita na seção anterior. Essa formação discursiva, por sua vez, também está associada ao operador de poder denominado marketing, graças ao diagrama de poder do entretenimento.

Para indicar as relações de poder entre fãs que sustentam a amoralidade, destacamos a fala de um fã (ver Fig. 5) sobre como ele acha que os roteiristas tomam as decisões para novas personagens e narrativas em Star Wars.

Figura 5
Exemplo de amoralidade

A amoralidade está disposta ao propor que as mudanças aplicadas na Trilogia Sequela sejam uma forma de fazer com que o público feminino se interesse por Star Wars. O tom indiferente aplicado pelo fã indica que ele prefere excluir esse público. Portanto, a demanda por uma narrativa depurada evoca a divinização do cânone, no entanto, deriva de uma perspectiva da narrativa de onipotência da saga.

Para este fã, as mudanças em Star Wars são causadas pelas transformações do entretenimento. Assim, a Lucasfilm estaria mais interessada em abordar questões de marketing do que narrativas. Consequentemente, elucida a autossuficiência do fandom que não necessita de demografia feminina. Além disso, alimenta a insatisfação com as tendências ao questionar as mudanças contextuais incluídas na saga. Não obstante, posiciona-se como crítico de tudo que não esteja incluso na Trilogia Original, propondo que o universo permaneça fiel a essas produções, buscando blindar a saga.

Chegando ao estágio da arqueologia do saber, a singularidade do entretenimento, por sua vez, o vincula a outra formação discursiva denominada vingança do fandom, que diz respeito ao entendimento que os fãs precisam articular-se para provar seu poder a fim de mitigar as mudanças implementadas nos novos filmes. Esta formação está associada a duas regras: uma referente ao descontentamento dos fãs (descrita na seção anterior) e outra particular, que diz respeito ao entendimento dos fãs de que Star Wars deve ter um universo fechado onde novas narrativas devem seguir a lógica estabelecida no capítulo anterior. A regra é amparada pela função enunciativa que desacredita o novo (também descrita na seção anterior) e, de forma singular, por aquela que evoca uma priorização do passado a partir de enunciados que indicam como a saga já abriu espaço para mulheres femininas e afro-americanos na trilogia original (ou seja, Princesa Leia, Lando) sem politizar sua narrativa.

O presente estudo apresenta uma mensagem postada (ver Figura 6) sobre o tema abordando o espaço dado à diversidade na Trilogia Sequela para mostrar como a amoralidade ocorre.

Figura 6
Exemplo de amoralidade

A amoralidade fica evidente na fala desse fã, de forma que uma discussão sobre gênero se reduz a uma questão de público-alvo de produtos midiáticos, em que a franquia é vista apenas como um produto de entretenimento que deve manter seu legado. Ao defender que Star Wars é para o público masculino – assim como Frozen e Jogos Vorazes seriam para o público feminino – o fã se coloca na posição de analista de mercado e clama pela manutenção das raízes da franquia, com o objetivo que sua comunidade de fãs masculinos possa usar Star Wars para vingar-se das mudanças observadas na indústria do entretenimento. Além disso, o fã delibera contra uma protagonista feminina assumindo que essa mudança representaria uma ameaça à hegemonia de Star Wars. Tais aspectos evidenciam o descontentamento dos fãs com a mudança implementada na nova trilogia e sua ênfase em inviabilizá-la. Para tanto, ele evoca uma narrativa mítica que prioriza aspectos associados ao lançamento da saga para manter seu universo fechado.

ABAIXO E ALÉM DO ANTIFÃ: A “NORMALIDADE” DEVE SER DEFENDIDA?

O presente estudo tomou o comportamento antifã como aquele que corresponde à reação dos fãs à introdução de identidades políticas nas narrativas dos produtos midiáticos. No entanto, as reflexões sobre as agências morais observadas nas interações dos fãs de Star Wars a esse respeito têm evidenciado um espectro de posicionamentos que indicaram diferentes níveis de uma perspectiva mais ampla: como os fandoms podem estabelecer desacordos e práticas de interesses divergentes (Fuschillo, 2020Fuschillo, G. (2020). Fans, fandoms, or fanaticism? Journal of Consumer Culture, 20(3), 347-365. https://doi.org/10.1177/1469540518773822
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; Hewer et al., 2017Hewer, P., Gannon, M., & Cordina, R. (2017). Discordant fandom and global football brands: ‘Let the people sing’. Journal of Consumer Culture, 17(3), 600-619. https://doi.org/10.1177/1469540515611199
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).

Uma versão mais radical da intolerância revela o repúdio total de parte do fandom à introdução de pautas políticas na saga. Isso ocorreu por meio de um discurso encolerizado, que se concretizou na sugestão de boicotar as novas produções e segregar os fãs que aceitam, ou mesmo defendem essa postura. Esse posicionamento revela o comportamento típico de haters, mais do que de antifãs. Eles expressam raiva e agressividade em relação a produtos midiáticos e fãs que vão contra sua visão de mundo. Haters são vistos como tóxicos para a cultura dos fãs; são caracterizados por uma doxa desestabilizada e interrompida, segundo a qual lutam para manter o controle dos grupos dominantes, bem como para disseminar preconceitos ou ideologias capazes de reforçar assimetrias sociais (Hills, 2018Hills, M. (2018). An extended foreword: From fan doxa to toxic fan practices? Participations: Journal of Audience & Reception Studies, 15(1), 105-126.).

Por outro lado, uma versão mais sóbria da amoralidade revela fãs que temem pela interrupção do sucesso contínuo da franquia após a incorporação de agendas políticas, pois entendem que essa externalidade não deve contaminar seu legado à cultura pop. Essa posição revela fãs conservadores – que são aqueles que não querem que mudanças sejam implementadas e questionam até que ponto interesses díspares (i.e., econômicos, sociais, políticos) podem distorcer valores que os levaram a consumir determinado produto midiático ou a ser um parte ativa do fandom – ao invés de antifãs (Gray, 2003Gray, J. (2003). New audiences, new textualities: Anti-fans and non-fans. International Journal of Cultural Studies, 6(1), 64-81. https://doi.org/10.1177/1367877903006001004
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; Scott, 2019Scott, S. (2019). Fake geek girls: Fandom, gender, and the convergence culture industry. New York University Press.).

Entre essas duas posições, foi possível identificar os antifãs, que navegam entre a amoralidade e a intolerância; seu discurso se move entre o preconceito velado e a retórica da pureza canônica. Acreditam estar agindo de forma produtiva em benefício do fandom, mesmo quando recorrem a comportamentos que podem colocar em xeque a unidade do grupo (Gray, 2003Gray, J. (2003). New audiences, new textualities: Anti-fans and non-fans. International Journal of Cultural Studies, 6(1), 64-81. https://doi.org/10.1177/1367877903006001004
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; Hattie, 2019Hattie, L. (2019). Anti-fandom in the Xiaxue empire: A celebrity blogger and her haters. The Journal of Fandom Studies, 3(1), 261-277. https://doi.org/10.1386/jfs_00004_1
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). Assim, acabam tentando mascarar sua intolerância a outras identidades que não a própria, com a desculpa de que a saga deve se manter fiel a supostas verdades que lhe são atribuídas como fundamento.

Posições que orbitam o comportamento antifã observado em diferentes níveis convergem para uma mesma forma-sujeito que perpetua as assimetrias sociais e visa a preservação do status quo. É um exercício de rejeição da racionalidade que orienta as recentes transformações sociais em prol de identidades políticas historicamente reprimidas e estigmatizadas. Assim, a formasujeito identificada corresponde a uma “normalidade” que se tenta defender.

No entanto, a “normalidade” deve ser defendida? Segundo Foucault (2003b)Foucault, M. (2003b) Abnormal: Lectures at the Collège de France 1974-1975. Verso., a subversão dos valores morais dos ditos “anormais” é muitas vezes um exercício de subjetivação baseado no uso de prazeres, podendo ser uma ameaça a subjetividades enraizadas em moralidades que, por sua vez, são enraizadas em discursos conservadores. Esses discursos reproduzem uma racionalidade repressiva que pode ser perigosa para a sociedade, pois defendem uma “pseudonormalidade” baseada no conhecimento historicamente institucionalizado que impõe proibições e segregações a subjetividades que parecem ameaçá-la. Esse exercício de subjetivação é capaz de levar a sociedade a produzir assimetrias, a partir das quais o poder exercido evoca certos saberes capazes de diferenciar os indivíduos; tal poder visa normalizar a sociedade ao possibilitar inclusões e exclusões a partir de parâmetros de verdade derivados daqueles que regulam e regem a vida social.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os achados do presente estudo indicam que a reação antifã à introdução de identidades políticas nas narrativas dos produtos midiáticos pode levar a uma posição de segregação, direta ou explicitamente, pela intolerância ou pela amoralidade, que sustenta uma suposta isenção. Esse duplo movimento apresenta diferentes ênfases sobre como esse processo se realiza, pois ambas as agências morais evidenciam o desconforto desses fãs com as agendas políticas elaboradas, ressignificadas e promovidas por meio de práticas de consumo (v er Ser a zio, 2015). Assim, também revela como os antifãs podem passar dessa posição para uma mais sóbria, de fãs conservadores para mais radicais, e até se apresentarem como haters.

É interessante ressaltar que esse movimento toma como álibi o próprio produto midiático, apropriando-se de uma interpretação essencialista de sua narrativa e, assim, divulgando sua imutabilidade. Esse processo revela como os produtos de mídia massivamente produzidos e distribuídos acabam se sobrepondo como ideologias de mercado mediadas massivamente (Arnould & Thompson, 2015Arnould, E., & Thompson, C. J. (2015). Introduction: Consumer culture theory: Ten years gone (and beyond). Consumer Culture Theory, 17(1), 1-21. https://doi.org/10.1108/S0885-211120150000017001
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). Entre outras implicações esse processo pode potencializar assimetrias sociais para além das práticas de consumo e mostrar como o consumo funciona como arena de relações de poder (Üstüner & Thompson, 2012Üstüner, T., & Thompson, C. J. (2012). How marketplace performances produce interdependent status games and contested forms of symbolic capital. Journal of Consumer Research, 38(5), 796-814. https://doi.org/10.1086/660815
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).

No entanto, de acordo com os resultados atuais, essa retórica apenas sustenta um processo de exclusão ao evocar uma pureza pautada por valores conservadores na mitologia dos textos midiáticos. Embora os fandoms sejam ambientes propícios a divergências e à resistência a mudanças nos produtos midiáticos (ver Hewer et al., 2017Hewer, P., Gannon, M., & Cordina, R. (2017). Discordant fandom and global football brands: ‘Let the people sing’. Journal of Consumer Culture, 17(3), 600-619. https://doi.org/10.1177/1469540515611199
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), há evidências de como os antifãs de Star Wars praticam comportamentos de preconceito e até de ódio que vão além do consumo propriamente dito (ver Hattie, 2019Hattie, L. (2019). Anti-fandom in the Xiaxue empire: A celebrity blogger and her haters. The Journal of Fandom Studies, 3(1), 261-277. https://doi.org/10.1386/jfs_00004_1
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) ao adotar uma prática de discriminação política.

Ao fazê-lo, esses fãs praticam o que Foucault (2003b)Foucault, M. (2003b) Abnormal: Lectures at the Collège de France 1974-1975. Verso. chamou de prática divisional, segundo a qual uma dada subjetividade é objetivada por meio da cisão entre o que não é “normal” e a perspectiva do status quo social. Essa prática visa garantir interesses e privilégios, anulando o diferente para perpetuar um determinado modo de vida considerado correto, bem como mobilizando desejos para impor tal modo de vida por meio do controle de outros. Esse comportamento é exatamente o que caracteriza uma vida fascista (Foucault, 1983Foucault, M. (1983). Preface. In G. Deleuze & F. Guattari, Anti-Oedipus: Capitalism and schizophrenia (pp. XI-XV). University of Minnesota Press.). Assim, mais do que tóxica para o consumo de entretenimento e para a própria cultura dos fãs, a reação dos antifãs de Star Wars à introdução de personagens representativos de identidades políticas nos filmes da franquia evidencia um processo de segregação de cunho fascista.

Isso pode acontecer porque a produção de subjetividades em meio às práticas de consumo é baseada na articulação de diferentes éticas (ver Denegri-Knott et al., 2018Denegri-Knott, J., Nixon, E., & Abraham, K. (2018). Politicising the study of sustainable living practices. Consumption Markets & Culture, 21(6), 554-573. https://doi.org/10.1080/10253866.2017.1414048
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; MacGregor et al., 2021MacGregor, C., Petersen, A., & Parker, C. (2021) Promoting a healthier, younger you: The media marketing of anti-ageing superfoods. Journal of Consumer Culture, 21(2), 164-179. https://doi.org/10.1177/1469540518773825
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). No entanto, o trabalho ético é condicio sine qua non para a subjetivação, e não algo valorizado a priori (Foucault, 2011Foucault, M. (2011). The courage of truth: The government of self and others II, Lectures at the Collège de France, 1983-1984. Palgrave Macmillan.). Assim, segundo Foucault (2006)Foucault, M. (2006). The history of sexuality: The Will to Knowledge (Vol. 1). Penguin., a sociedade deve estar vigilante e defender-se dos processos repressivos de subjetivação que muitas vezes incidem sobre a dominação, o que significa a própria anulação do poder como força produtiva.

Desta forma, a contribuição social do presente estudo está em desvelar uma prática de consumo que reproduz uma lógica social de divisão e exclusão de identidades historicamente dominadas. Com base na perspectiva CCT, o estudo se insere em uma discussão temática e teórica interdisciplinar e avança em investigações sobre práticas de consumo vistas como subjetivadoras das relações de poder pela lente teórica de Michel Foucault (ver Denegri-Knott et al., 2018Denegri-Knott, J., Nixon, E., & Abraham, K. (2018). Politicising the study of sustainable living practices. Consumption Markets & Culture, 21(6), 554-573. https://doi.org/10.1080/10253866.2017.1414048
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; MacGregor et al, 2021MacGregor, C., Petersen, A., & Parker, C. (2021) Promoting a healthier, younger you: The media marketing of anti-ageing superfoods. Journal of Consumer Culture, 21(2), 164-179. https://doi.org/10.1177/1469540518773825
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). Assim, vai ao encontro do entendimento de que essa abordagem possibilita ampliar a investigação sobre os fenômenos do campo (ver Arnould & Thompson, 2015Arnould, E., & Thompson, C. J. (2015). Introduction: Consumer culture theory: Ten years gone (and beyond). Consumer Culture Theory, 17(1), 1-21. https://doi.org/10.1108/S0885-211120150000017001
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).

Além disso, ao observar o comportamento dos antifãs que se opõem à representação na mídia e às discussões sobre essa pauta entre os fãs, o estudo amplia o alerta feito por Stanfill (2020)Stanfill, M. (2020). Introduction: The reactionary in the fan and the fan in the reactionary. Television & New Media, 21(2), 123-134. https://doi.org/10.1177/1527476419879912
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. O ataque dos antifãs vai além do que os incomoda, defendendo um status quo em que consideram a crescente transformação da cultura popular uma afronta aos valores do fandom. No entanto, os resultados do presente estudo vão ao encontro de pesquisas recentes que buscam compreender o impacto dos antifãs diante do maior espaço dado, no fandom, às agendas de gênero, raça e sexualidade (ver Burkhardt et al., 2022Burkhardt, E., Trott, V., & Monaghan, W. (2022). “# Bughead Is Endgame”: Civic meaning-making in riverdale anti-fandom and shipping practices on Tumblr. Television & New Media, 23(6), 646-662. https://doi.org/10.1177/15274764211022804
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; Christian et al., 2020Christian, A. J., Day, F., Díaz, M., & Peterson-Salahuddin, C. (2020). Platforming intersectionality: Networked solidarity and the limits of corporate social media. Social Media+ Society, 6(3). https://doi.org/10.1177/2056305120933301
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; Salter, 2020Salter, A. (2020). # RelationshipGoals? Suicide Squad and fandom’s love of “problematic” men. Television & New Media, 21(2), 135-150. https://doi.org/10.1177/1527476419879916
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), indicando que, quando somadas, essas práticas excludentes alinham movimentos perigosamente próximos a práticas fascistas.

Definir o escopo da pesquisa a ser aplicada aos consumidores de um determinado produto de mídia pode ser considerada uma limitação do estudo. No entanto, como Star Wars é reconhecido como um dos textos de maior impacto cultural da indústria do entretenimento (ver Gray, 2003Gray, J. (2003). New audiences, new textualities: Anti-fans and non-fans. International Journal of Cultural Studies, 6(1), 64-81. https://doi.org/10.1177/1367877903006001004
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; Wood et al., 2020Wood, R., Litherland, B., & Reed, E. (2020). Girls being Rey: Ethical cultural consumption, families and popular feminism. Cultural Studies, 34(4), 546-566. https://doi.org/10.1080/09502386.2019.1656759
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), a escolha atual fornece insights para reflexões iniciais sobre uma provável generalização teórica. Assim, outros estudos na mesma linha de investigação poderiam contribuir para a teorização dos processos de produção de subjetividade a partir de diferentes posicionamentos dos fãs.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Maio 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    21 Mar 2022
  • Aceito
    05 Dez 2022
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