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A casa & a rua

RESENHA BIBLIOGRÁFICA

Sergio Amad Costa

Professor no Departamento de Fundamentos Sociais e Jurídicos de Administração da EAESP/FGV

DaMatta, Roberto. A casa & a rua. Rio de Janeiro, Guanabara, 1987, 178 p.

Roberto DaMatta é, sem dúvida, um dos mais conceituados antropólogos brasileiros. Na militância de sua profissão, desde 1959, vem-se dedicando ao Departamento de Antropologia do Museu Nacional (Rio de Janeiro), orientando inúmeras dissertações de mestrado e doutorado, ministrando aulas e seminários no Programa de Pás-Graduação em Antropologia Social.

De sua obra, destacam-se vários livros. Ensaios de antropologia social, publicado pela Editora Vozes em 1973, é o primeiro livro individual do autor e é marcado pela diversidade de interesses de quem estava buscando um objeto definitivo de pesquisa. Isto é, aborda o problema da "má sorte" na Amazônia", escreve sobre mitologia indígena, analisa o carnaval e tece, também, críticas literárias. Um mundo dividido - a estrutura sócial dos índios apinayé, lançado em 1976, pela Editora Vozes, e também traduzido e publicado em inglês pela Harvard University Press, é resultado do trabalho acadêmico desenvolvido durante 10 anos no Museu Nacional e na Universidade de Harvard.

Carnavais, malandros e heróis: para uma sociologia do dilema brasileiro, publicado pela Editora Zahar traduzido para o francês - é um trabalho mais de estilo ensaístico. Aliás, a nosso ver, um dos mais polêmicos estudos de Roberto DaMatta. Lançado em 1979, apresenta uma análise do carnaval brasileiro, privilegiando seus aspectos englobadores, estudando as vestimentas carnavalescas, a linguagem do carnaval e as modificações que essa festa provoca no tempo e no espaço urbano, É uma interpretação por meio de uma perspectiva comparada, visando a inferir implicações políticas desse rito no cotidiano brasileiro, focalizando-o com relação ao trabalho e aos valores que guiam o dia-a-dia.

Mas o autor não parou aí. Há uma série de astros livros - uns em forma mais de tese e outros mais didáticos e artigos, abordando temas que vão desde a violência, passando peto universo do futebol e chegando até a sexualidade. Mas não é agora o caso de fazer-se referência a tais publicações. Interessa-nos, no momento, seu mais recente livro A casa & a rua- espaço, cidadania, mulher e morte no Brasil, que acaba de ser lançado pela Editora Guanabara, com 178 páginas.

Neste novo estudo, Roberto Da-Matta não se serve de uma antropologia social "bem comportada". Há um ar de irreverência em seus escritos e um estilo mais solto ao tentar compreender as questões escolhidas como objeto de interpretação. Não é um trabalho de fácil leitura. Pelo contrário, exige grande esforço e, em alguns momentos, as interpretações se tornam até complicadas, pois o autor se utiliza de várias metáforas para sustentar algumas de suas teses. Porém, graças à própria mestria de Roberto DaMatta, não há parágrafos ininteligíveis. Urge, isso sim, atenção na leitura para compreender a Idéia do autor e, também, faz-se necessário antes de mais nada, entender o eixo central de interpretação que norteia este estudo.

Em outras palavras, o ensaísta está analisando o Brasil como uma sociedade relacional. Do ponto de vista de Roberto DaMatta, para entender o Brasil, mais importante do que os elementos em oposição, destacam-se a sua conexão, a sua relação, os elos que conjugam os seus elementos. Assim, a interpretação dos temas (espaço, cidadania, mulher e mortes) neste livro reside naquilo que está "entre" as coisas. É a partir dos conectivos e das conjunções que o ensaísta considera o melhor ângulo para ver as oposições, sem desmanchá-las, minimizá-las ou simplesmente tomá-las irredutíveis. Percebe-se, desta forma, o porquê do & no título do livro - A casa & a rua: um elo que permite balizar duas entidades e que, simultaneamente, inverta o seu próprio espaço.

Nesta perspectiva de análise, nota-se que não estão sendo, neste livro, esvaziadas as contradições. Pelo contrário, estão sendo reveladas as suas naturezas, deixando mas clara a maneira com que cada cultura lida com elas. Cumpre observar, também, que "casa" e "rua" neste estudo são categorias sociológicas fundamentais. Não designam apenas espaços geográficos ou coisas físicas comensuráveis. Referem-se, também, a entidades morais, esferas de ação social, domínios culturais institucionalizados, despertando emoções, reações, leis, orações, músicas e imagens esteticamente emolduradas e inspiradas.

Um ponto muito interessante, em nossa opnião, é o exame de um triângulo ritual bem típico do Brasil, revelando que mito e realidade são, na sua lógica mais profunda, a mesma coisa. O autor vem, há vários anos, estudando três tipos de rito: o da desordem (carnaval); o da ordem (cívicos); e o dos cerimoniais "neutros" (religiosos). A partir deste triângulo percebem-se várias implicações dentro da sociedade brasileira. E é neste quadro que se compreende mais claramente a perspectiva da análise do ensaísta, entendendo o Brasil como uma sociedade relacional. Tal tese fica assaz evidente quando o autor trata da questão da mulher, ao abordar o romance Dom Flor e seus dois maridos, de Jorge Amado.

A casa & a rua é um trabalho cuja leitura nos foi sumamente gratificante. Mas, como observa Roberto DaMatta, no início de seu estudo, este livro é o mesmo que uma casa. "Nela, se há regras para o anfitrião, há também normas para a visita. E que até mesmo quando não se gosta, se pode dizer isso educadamente e generosamente. Fique à vontade."

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Jun 2013
  • Data do Fascículo
    Dez 1987
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