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O xadrez político na administração

ARTIGOS

O xadrez político na administração

John Howard Sims

Assessor de Pesquisas da Universidade de Chicago (EUA)

"Cum finis est licitus, etiam media sunt licita." - Pe. HERMANN BUSENBAUM (1650)

Dois jovens senhores estão tomando seus aperitivos. São aproximadamente da mesma idade. Vestem-se de maneira muito semelhante. Os almoços que pedem não vão ser muito diferentes um do outro. No escritório trabalham em cubículos adjacentes, têm a mesma secretária e se tratam pelo primeiro nome. Não obstante, são inimigos tácitos em combate mortal.

Dez anos mais tarde - ambos o sabem - um dêles terá seu grande escritório particular, suas vultosas rendas, seu apartamento dúplex ou seu palacete no bairro elegante, a esposa bem aquecida com peles e socialmente segura. Um dêles viverá tranqüilo e condignamente; outro irá para a cama taciturno, e acordará corroído pelo temor do insucesso. Àquele o bom êxito; a êste o fracasso.

Se tudo isso sabe um pouco a ficção contemporânea - livros, cinema, TV - é porque nestes últimos anos tem-se visto a criação de uma nova imagem do executivo americano: o estrategista, o político, o manipulador de homens, o maquiavel de terno cinzento. A sala de reuniões tornou-se sua côrte de intrigas, e a mesa de conferências seu campo de batalha. Nela êle trava a batalha da personalidade, negaceia para obter status, luta pela mobilidade ascensional. Pode devotar mais tempo às táticas da guerrilha do escritório, do que à emprêsa que lhe paga os salários.

Tal retrato reflete uma das principais preocupações do líder da emprêsa moderna: o estado das relações humanas (ou desumanas) dentro da hierarquia executiva. As emprêsas gigantescas desejam eliminar a crescente tendência que se observa em sua elite para o esgotamento nervoso e a intriga. "Se permitirmos que nos degolemos reciprocamente", - preconiza o presidente de uma companhia - "se não canalizarmos nossas ambições, não desenvolvermos o talento administrativo leal, e não controlarmos firmemente os conflitos que ocorrem dentro da Administração, estaremos solapando as próprias forças de que necessitamos para liquidar nossos concorrentes".

Assim, mediante despesa anual de milhões, exércitos de peritos em relações humanas estão formigando sobre executivos-cobaias, tanto dos juniores quanto dos seniores - examinando, analisando, correlacionando - todos com o propósito expresso de compreender e controlar o executivo. O meio, descoberto depois que a fumaça das IBMs se dissipa, está contido na sonora palavra "cooperação". O que é preciso, dizem os expertos, é a inabalável utilização de técnicas democráticas de liderança, que demandam inevitàvelmente a participação grupal, possivelmente seguida pela brincadeira do "pirulito-que-bate-bate". A administração deve ser democratizada, uma atmosfera dos escalões médios e superiores. O companheirismo deve prevalecer benignamente, superiores e subordinados encontram-se em pé de igualdade, dão-se os braços e assoviam enquanto trabalham, juntos, para o bem comum.

Para tristeza dos peritos em relações humanas que vieram com essa solução, os executivos tarimbados, agradecidos, apanharam o conselho e aceitaram as técnicas sugeridas como um método sutil extraordinário para manipular homens e ganhar poder. Os executivos mais brilhantes lembram um dito de GEORGE ORWELL, em sua sátira A Revolução dos Bichos de que "todos os animais foram criados iguais, mas alguns o foram mais iguais que?os outros". Sorrindo, os bonapartes da grande emprêsa prosseguem engolindo mais e mais território e pisando em mais e mais homens - enfim jogando conforme as regras do jôgo, somente com alguns floreios extras.

A contribuição da pseudopanacéia pelos "expertos" era predizível. É um sintoma moderno. Vivemos numa era de adoração grupal e os sandeus de todos os lados continuam a interpretar democracia como nada mais que igualitarismo. Porque liderança direta, cheia de imaginação, implica superioridade, é automàticamente suspeita de ser antidemocrática. Como o psiquiatra HARRY STACK SULLIVAN escreveu, vivemos numa idade disparatada, cujo moto é "desde que sou uma colina, então, por Deus, não haverá montanhas".

É justamente essa atitude que tem permitido a muitos americanos enganarem-se a si mesmos ao negar a própria existência de diferenças de poder. Em tal ambiente de clausura a recusa em considerar o exercício do poder e da luta pelas funções legítimas e naturais do executivo na emprêsa (ou do diretor de faculdade, do deputado, ou do cientista) não constitui surprêsa. Apesar de tudo, a estrutura diversa e intricada da emprêsa moderna (ou das universidades, ou do govêrno, ou do laboratório) exige organização e direção de seus componentes. Ergo, exige organizadores e diretores.

E devem ser de uma raça especial. O executivo em ascensão deve, por certo, não somente exercer controle sôbre os meios físicos da produção, mas sôbre homens. As implicações importantes disso foram exploradas pelo autor, juntamente com o Dr. NORMAN H. MARTIN, na Harvard Business Review: "Conhecimento, raciocínio e conhecimento técnico não serão suficientes como meios de controle, mas darão lugar à arte de persuadir e induzir, a táticas e manobras, e a tudo o mais que está envolvido nas relações interpessoais. O poder não pode ser dado: deve ser obtido. E as técnicas e artes de sua obtenção são, ao mesmo tempo, os métodos de seu emprêgo como meio de controle. Isso representa a função política do detentor do poder."

Pela aceitação dêsses fatos da vida administrativa seria tempo de a Administração parar de torcer as mãos e sentir-se chocada e culpada com relação aos esforços dos executivos em buscar, exercer e aumentar o poder. Deveria preocupar-se primeiramente com o como isso é feito - as técnicas e táticas, as manobras empregadas para obter e exercer o poder - e, em seguida, com o "bem" ou o "mal" das finalidades de tais práticas e seu emprêgo. Êsses fins têm sua fonte não nas técnicas em si, mas nas pessoas que as utilizam.

Executivos tarimbados, de grande vivência, sabem muito bem que a obtenção do poder não é simplesmente uma questão da emergência dos de "melhores predicados". Nem, também, uma questão de sorte cega, exceto possivelmente no caso do filho do patrão que herda o escritório com o tapête de lã grosso e felpudo no assoalho. O executivo sazonado é consciente de que seu trabalho é brutal: requer dedicação, imaginação, habilidade, cotidianamente. Êle também conhece as dores de cabeça que existem para manter a posição de poder após havê-la obtido.

Embora as intrigas e técnicas do executivo sejam incomensuràvelmente sutis e sinuosas, uma olhadela aos seis recursos básicos, comuns na eficácia em tôdas as áreas de atividades, dar-nos-á um índice de ação no "xadrez político da administração".

CRIAÇÃO DE ALIANÇAS

Como já se disse, "Não é o que você conhece que importa, mas a quem você conhece". Uma organização empresária -- qualquer organização empresária - compõe-se de uma seqüência de relações protetor-protegido. O candidato à ascensão - o protegido - descobre o fato de que seu ritmo ascensional depende muito dessas relações. O protetor - o executivo que já tem a chave do lavatório exclusivo - também colhe benefícios: possui um subordinado leal e pronto para sua defesa que serve como um sistema de comunicações através do qual o executivo pode sentir o pulso político da organizaçã.

O estabelecimento de tais alianças mutuamente benéficas implica no processo psicológico de identificação. O protegido de sucesso é o que toma seu superior como modêlo. Dêle se torna cada vez mais próximo em gostos, interêsses, valores, filosofia. Em certo sentido, procura tornar-se igual a seu modêlo, para formar com êle um só ente. Prepara-se, dessa forma, para a mobilidade ascensional, para que esteja pronto quando fôr chamado. Evita, ao mesmo tempo, compromissos de ordem intelectual ou afetiva com a sociedade que deseja deixar.

O apadrinhado sofisticado sabe que o que êle é socialmenté determinará, em parte, sua promoção. Sua preferência por gôlfe ou boliche, bridge ou buraco, Vivaldi ou Rachmaninov, tudo isso ajuda seu superior a decidir se êle "serve", se é "um dos nossos" - considerações pelo menos tão importantes quanto sua habilidade para desempenhar o trabalho.

Cada vez mais as emprêsas desejam conhecer a esposa do jovem executivo. Querem observar o casal nos coquetéis, no clube, ou jantar em sua casa, pois em tais situações os intangíveis da "classe" podem ser melhor observados. Os maneirismos e as atitudes pelas quais o executivo promissor é enquadrado na hierarquia que se chama classe social não pode ser simulada, mas emana de seu ser membro da classe. E é através da identificação com seus superiores, com a classe a que pertencem, que o aspirante se torna membro e é assim elegível à promoção.

O jovem executivo ambicioso pode concentrar-se mais nas alianças com seus superiores, mas não se cinge a elas. Pode possuir alianças em seu nível e em níveis inferiores. Por exemplo, dois ou mais jovens se unem para proteção e progresso mútuos; somente se separarão quando tiverem subido tão alto que se verão forçados a entrar em conflito entre si. Podem demonstrar notável devoção entre si por longo tempo. Dois executivos de uma importante editora, comparativamente jovens, estiveram aliados, ambos como escriturários, até que um dêles, há poucos anos, veio a falecer. Cada qual funcionou como extensão do outro na obtenção de informações, ao fazerem alianças no trabalho; e a reação de cada um a qualquer ataque que fôsse feito ao outro era instantânea e brutal. Um dêles buscava mobilidade ascensional, especializando-se em alianças com seus superiores; o outro, cujo desempenho funcional era mais brilhante, concentrava-se em alianças em seu próprio nível e nos níveis inferiores. Objetivo: informações recíprocas. Rara era a ocasião em que uma decisão de tôpo levasse mais que vinte e quatro horas para chegar até êles, fossem elas de um ou de outro setor. Assim, seus planos seguiam sempre a corrente da organização, e seu progresso era também mais rápido.

O moto "lôbo-comendo-lôbo" da vida empresária pode parecer ter sido supervalorizado n'algumas apresentações populares, mas qualquer jovem executivo saberá um bocado do avêsso das coisas, muito antes de ocupar o escritório particular com bar na parede. Seduzir a secretária do chefe tem aberto muitas portas à ambição. Os riscos são grandes, mas também as recompensas. Muitos concorrentes têm sido tirados da jogada pelo uso judicioso do papel carbono: memorandos com relação a uma tarefa não executada são endereçadas à vítima, mas esta jamais os recebe porque somente as cópias são enviadas aos superiores, enquanto os originais são destruídos tão logo datilografados. O chefe logo começa a imaginar se não superestimou alguém. O satírico SHEPHERD MEAD extraiu amargo humor disso e de outras práticas em How to Succeed in Business Without Really Trying, e êle o fêz sem exagerar muito. A recusa em dar informações corroborativas em reuniões é também u'a maldade eficaz e comum: o executivo José, tristemente observando seu projeto ser atacado pelos superiores num conclave, vira-se esperançoso para João que, em particular, se mostrara disposto a apoiá-lo. Diz João: "A mim me parece uma idéia meio absurda. Acho que não me agrada."

FLEXIBILIDADE

O executivo hábil procura manter sua flexibilidade. A convicção no agir é contrabalançada pela precaução relativa a compromissos futuros. Êle tem objetivos mínimos e máximos, e cursos alternativos de ação prontos a levá-lo em direção a suas metas. E, se forças que ultrapassem seu controle o bloquearam, é capaz de retroceder sem perder a compostura.

Certo executivo de emprêsa petrolífera, pouco antes que o recesso e a ameaça de guerra tivessem assumido elevadas proporções, sugeriu um programa, que havia elaborado, de expansão no Oriente Próximo. Parecia que êle havia jogado seu futuro profissional nessa parada. Quando as condições econômicas e políticas tornaram seu projeto não só desaconselhável, mas inexeqiiível, seus rivais na administração, reclinados e felizes, aguardaram sua reação. Êle surgiu imediatamente com outro programa, também completamente elaborado, para pesquisa de um nôvo produto, ideal para uma economia em recesso. Permanecera, o tempo todo, na reserva.

A mesma flexibilidade se evidencia nas relações interpessoais do executivo. Suas alianças com os que estão acima dêle são caraterizadas por lealdade e dedicação limitadas. Êle não deseja que sua carreira dependa inteiramente de um só homem, pois que ninguém é indispensável, nem mesmo o chefe. Por isso mesmo êle se mune de ligações inter-industriais, de modo que possa ir para outro lugar caso tal se torne necessário ou aconselhável.

AS TÉCNICAS DA OPORTUNIDADE POSTERGADA

A despeito de quão poderoso seja um executivo, há ocasiões em que êle é levado a fazer coisas que não deseja. A vontade de seus colegas e subordinados, as solicitações dos superiores, as pressões políticas de seus inimigos, tudo pode desencadear um acúmulo de forças que o executivo não ousa ignorar. Se êle aceder, estará abrindo mão de sua autoridade; se recusar, arriscar-se-á a infligir ofensas perigosas. O executivo "vivo" domina tais situações pela oportunidade postergada. Toma o assunto para estudar seus pormenores. Planeja. Descobre dificuldades que devem ser vencidas e possíveis conseqüências que devam ser consideradas. Está sempre prestes a fazer alguma coisa, mas não chega a fazê-la. Êle não pode ser acusado de negligência, mas o programa indesejável morre já na fase embrionária.

Quando possível, o executivo deveras experiente assume inteiramente a responsabilidade de desenvolver o esquema a que se opõe, caso pareça haver qualquer possibilidade de êsse esquema vingar apesar de sua oposição. Certo diretor de publicidade encontrou-se na situação em que o jovem filho do fundador passou a presidir a emprêsa, e a primeira idéia do rapaz foi que a propaganda do principal produto da casa devesse ser radicalmente modificada para exercer "apêlo" exclusivamente sôbre as mulheres. Isso apresentava, ao modo de ver do diretor de publicidade, duas desvantagens principais: era uma idéia abominável; e, talvez o mais importante, provinha de uma fonte ameaçadora. Por êste último fato não havia jeito de simplesmente contestá-la. Assim, o diretor de publicidade chamou a si o encargo - não entusiásticamente, mas com boa vontade - para "investigar e implementar". Contratou uma emprêsa de projeção - e muito cara - de analistas de mercado, para pesquisar. Contratou pesquisadores para examinar situações semelhantes no passado. Manteve o sistema funcionando por quase nove meses. Aí, então, a proposta não "implementada" havia consumido exagerada quantia de dinheiro e tempo - conforme êle próprio havia sugerido que custaria. O rapaz, presidente, descobriu que tinha outras castanhas no fogo para cuidar, e mostrou-se disposto a ouvir a voz da razão.

A RÊDE

A tendência dominante entre os "expertos" em relações industriais é recomendar que os canais de comunicações sejam abertos inteiramente. A teoria é que os subordinados devam estar cientes do que acontece na administração, e vice-versa. Se todos conhecem tudo, diz a teoria, as ações destrutivas serão eliminadas. O executivo hábil, entretanto, compreenderá que conhecimento é, na verdade, poder, e, como tal, não desejará partilhá-lo. Descobrirá que lhe é vantajoso sonegar informações, temporária ou permanentemente. E, assim, êle determina quem deve saber o que e quando.

Isso freqüentemente compreende o uso da "rêde", sistema informal de comunicações embutido em tôdas as salas, do mesmo modo que as instalações elétricas. Por exemplo, um vice-presidente pode estar preocupado pelo fato de um grupo de executivos do seu staff chegar cada vez mais tarde. O horário de entrada está sendo progressivamente alterado das 9,30 para as 10 horas. Os executivos estão abusando da liberdade que lhes é dada. O vice-presidente deve fazer com que seus homens cheguem mais cedo ao escritório, mas tem de fazê-lo de modo que seu pessoal não se sinta desprestigiado. É fácil: diz à secretária que está pensando em verificar a entrada do pessoal pela manhã. O vice-presidente está certo de que a secretária contará às outras secretárias que, dentro de três horas, estarão lealmente contando a novidade a seus chefes, os retardatários. Êstes passarão a chegar mais cedo e manterão a convicção de que se estão autodisciplinando.

A "rêde" é um sistema de trânsito nos dois sentidos. Uma boa secretária pode produzir incrível quantidade de informações, uma vez que haja sido treinada para isso. Duas coisas são necessárias: é preciso que ela seja ensinada a dizer ao chefe tudo o que ouve, sem tentar interpretar, e deve ser inteiramente leal. Lealdade é fácil de obter. Basta ser gentil para com ela, dedicar-lhe consideração (não lhe dite cartas depois do expediente, não lhe peça que faça suas compras durante o horário de almoço, etc.) e, por acréscimo, fazer-lhe a côrte - mas omitindo o último passo, qualquer que seja a tentação.

O EXECUTIVO COMO LÍDER DO GRUPO

O executivo bem sucedido usa o grupo para atingir seus próprios fins, mas não permite ser usado. Jamais outorga sua autoridade e se concentra em resistir ao poderoso fenômeno psicológico da atração grupal, por meio do qual o grupo adquire vida própria, tornando-se mais importante que seus membros individuais, inclusive o líder. O executivo bem sucedido "não vai com os outros". Aceita conselhos, mas só quando os pede, não permitindo que lhe sejam impostos. E é cauteloso quando os pede. Não pergunta inocentemente: "Bem, o que você acha que deve ser feito?" Êle sabe que as pessoas podem interpretar tal questão como delegação de poder, e apresentar decisões em lugar de conselhos.

O EXECUTIVO COMO ATOR

Alguns executivos são capazes de entrar numa reunião e dominá-la desde o início. Ficam à vontade, falam bem, vencem a argumentação. Outros, igualmente, ou mesmo mais capazes, são menos fluentes e, em conseqüência, se perdem a si e a suas idéias, ao murmurar e pigarrear para limpar a garganta.

Há homens, é claro, que possuem talento dramático inato. Mas, o executivo hábil não é apenas eloqüente de modo natural: êle é artisticamente eloqüente. Pensa sôbre comunicações como sendo elas mais do que, simplesmente, um meio de transmitir idéias: pensa em comunicações como algo capaz de animar, convencer e produzir. Sabe que comunicação é uma arte e, portanto, requer a substituição do espontâneo pelo deliberado, pelo consciente, pelo planejado. Sabe o efeito que deseja produzir e, de antemão, o que fará para produzi-lo. Feita a escolha, ensaia a apresentação de modo que venha a parecer natural. A vantagem é sua: projetou algo que para a maioria de seus colegas é território desconhecido.

Para se praticarem manobras e intrigas nessas áreas principais e para a utilização dêsses princípios requer-se um tipo certo de homem.

Uma descrição do executivo bem sucedido deve iniciar ressaltando seu alto nível de ambição. O executivo que deseja e obtém poder é, literalmente, uma casa de força. Não pode dar-se o luxo de ter dias menos propícios, mas desempenha suas funções sempre ao nível máximo de sua capacidade, Suas energias não estão simplesmente mobilizadas, mas agudamente focalizadas. Ele possui um conjunto de metas bem delineadas e se locomove em seu sentido com um propósito fixo que rejeita todos os interesses estranhos como desperdício de tempo e energia. Isto nao quer dizer que seja monomaníaco. As mulheres em sua vida, as crianças, os amigos, os interêsses externos, todos têm seu lugar. Mas, êle interpreta literalmente e com seriedade o lema "no trabalho", assim como outro adágio: "Longe dos olhos, longe do coração". Sua vida é, em certo sentido, uma série de compartimentos. Quando entra num dêles cerra a porta, cuidadosamente, aos que estão atrás.

Talvez, a caraterística isolada mais distintiva do executivo bem sucedido seja sua habilidade em olhar um homem objetivamente. Êle compreende que para manter boas relações com colegas e subordinados é necessário sensibilidade para com suas necessidades e até certo grau de intimidade, mas jamais se torna emocionalmente vinculado a ponto de permitir que seus sentimentos pessoais sirvam de base para provocar ou evitar ação.

O executivo possui uma auto-estrutura bem definida. Êle sabe quem é, para onde está indo e acredita tanto em sua personalidade quanto em seu objetivo. Pode controlar os outros porque é capaz de controlar-se a si mesmo. Pensa por si, fala por si e é por si próprio.

É esta a personalidade que melhor pode empregar as táticas e as manobras que fazem o jôgo de xadrez da política administrativa. As recompensas são o poder, o prestígio, a propriedade. Mas, há um preço a pagar por tais benefícios: a necessidade de estar sempre vigilante e em guarda; o negar-se cada impulso de confiar inteiramente em outrem. E, também, há as severas limitações à vida emocional do executivo: seus amigos não podem ser livremente escolhidos. Subordinados devem permanecer subordinados. Colegas continuam concorrentes. Intimidade é sempre potencialmente perigosa. A tudo isso podemos adicionar a probabilidade de úlceras.

A questão de a recompensa do papel do executivo justificar o preço é uma questão relativa: a decisão deve ser pessoal. Da mesma maneira, os fins econômicos ou pessoais, aos quais o executivo pode empregar seu poder e o instrumental acompanhante de técnicas e táticas, dependerá do sistema de valores do indivíduo, limitado sempre pela ideologia da sociedade em que opere. Aqui são relevantes as. referências ao que é "bom" ou "mau" nas práticas administrativas: os fins aos quais se devota o poder. Mas, é apenas patético objetar às práticas políticas por si; realmente, sua neutralidade é provada pelas finalidades cabalmente opostas às que têm sido usadas.

Sugerimos que há correlação entre determinada estrutura de personalidade e a habilidade em empregar, com sucesso, manobras políticas. Porventura quer isso dizer que o executivo bem sucedido já nasça feito, seja um líder "natural" e ponha em prática essas técnicas intuitivamente?

A resposta não é simples. Talento, jeito, inclinação todos, "dons naturais" - são têrmos aplicados a habilidades não muito bem compreendidas, na suposição de que aquêles que as possuem também não as podem compreender bem e mais por instinto do que em função de seu conhecimento.

Até certo ponto isso é inquestionàvelmente verdadeiro. Executivos falam, às vezes, que "sentem" o caminho que devam seguir e que, ocasionalmente, ficam surpresos ao procederem à análise do que fizeram inconscientemente. Mas, isso constitui exceção. O executivo bem sucedido assenta sua fé na inteligência e no trabalho árduo. Nada substitui a estratégia que resulta do cálculo deliberado. A política na administração é tanto ciência quanto arte. Conseqüentemente, as aptidões de sua execução só se adquirem quando aplicadas. O executivo, político hábil, sabe muito bem o que está fazendo. No jôgo político da administração, como em qualquer jôgo que contraponha ao talento de um o engenho de outro, o amador bem dotado se submete ao controle consciente, que é a caraterística do profissional.

Nota da Redação: Publicado, originàriamente, na revista Playboy, copirraite©, outubro de 1958, por HMH Publishing Co., Inc. (EUA), sob o título "Executive Chess". Todos os direitos reservados. Traduzido do inglês por Isidoro Macedo.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Jul 2015
  • Data do Fascículo
    Dez 1964
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