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A economia da empresa pública

RESENHA BIBLIOGRÁFICA

Henrique Fingermann

Rees, Ray. A Economia da empresa pública. 1. ed. do orig. Public enterprise economics. Zahar, 1979. 250 p. Trad. da 1. ed. inglesa, 1976.

Quando o setor público passa a ser responsável por um terço das importações, dois terços da poupança financeira e quase igual parcela dos investimentos da economia brasileira, a discussão sobre a atuação do Estado como empresário não pode mais permanecer limitada aos aspectos políticos e ideológicos da questão.

A possibilidade e a necessidade do controle das empresas estatais - em um momento em que o próprio Governo parece incapaz de íazê-lo - é uma questão política, para cujo encaminhamento a sociedade brasileira deverá ser capaz de entender e manifestar-se sobre aspectos técnicos do problema. Nesse sentido, não deve ser negligenciada a contribuição que a teoria econômica pode dar ao debate ao introduzir parâmetros objetivos na análise do desempenho das empresas públicas.

No contexto apontado, avulta o interesse desta obra do Prof. Ray Rees na qual - sem abandonar o prisma privilegiado pela literatura de focalizar a empresa pública como expressão sociológica e política da ação estatal - o autor dedica-se a estender a análise ao enfoque econômico, abordando aspectos teóricos da determinação de preços neste tipo de empresa, além de questões como lucratividade, tributação e distribuição de renda.

Os objetivos que se espera sejam alcançados pela empresa pública, o conflito entre eles e as sugestões de como a análise econômica pode contribuir para o controle das empresas estatais constituem a preocupação dos primeiros capítulos.

A opção do autor de enfatizar o caráter normativo da empresa pública, em uma visão européia que se contrapõe ao enfoque "positivo" norte-americano - no qual a corporação estatal é vista como produtora de serviços de utilidade pública, com metas próprias e restrições externas - constitui obstáculo à aproximação da análise empreendida à realidade concreta brasileira, onde as empresas públicas atuam com autonomia que as aproxima do modelo americano.

Outra premissa relevante no trabalho de Rees é a do papel que a descentralização representa no processo de controle das empresas públicas. O autor indica que a atuação do economista deve estar voltada para a procura de procedimentos descentralizados, para a busca de objetivos conflitantes com um mínimo custo de controle. Na verdade, ao colocar no centro da discussão a descentralização de controle, de modo tão amplo que permitisse às empresas públicas a determinação de seus próprios preços, de acordo com regras gerais, Rees remete a questão à discussão de políticas públicas.

O livro aborda a empresa estatal como instrumento da política governamental e discute como o controle pode garantir que os tomadores de decisão ajam em consonância com uma escala de preferências definida a nível social n que atenda ao "interesse nacional". Quanto a este, Rees destaca quatro de seus predicados ligados à empresa pública: a eficiência econômica de sua operação, vista sob os aspectos administrativo, tecnológico e alocativo; a lucratividade como elemento que propicia a independência financeira da independência estatal em relação ao Tesouro Nacional; a funcão dessas empresas na distribuição de renda e os efeitos macroeconômicos dessa modalidade de ação estatal, particularmente em relação a preços, salários e balanço de pagamentos.

Ao enfatizar o problema de controle, o autor fixa-se na estrutura político-institucional da Inglaterra e - nesse aspecto - as colocações carecem de adaptações para transposição à nossa realidade, revestindo-se, porém, de valor ilustrativo das proposições.

A segunda parte da obra desenvolve temas relacionados à econo mia da empresa pública. Nesse sentido, o livro abarca a problemática da determinação de preços e investimentos em diferentes situações alternativas denominadas "segundas melhores" (second best) economias.1 1 A expressão "segunda melhor" - definida em contraposição a "primeira melhor economia" - aplica-se a uma situação em que pelo menos uma das suposições que definem esta última é violada.

Ainda no campo teórico, Rees apresenta modelos que incorporam a tributação e objetivos de distribuição de renda à formulação de políticas de determinação de preços na empresa pública. Finalmente, tais políticas e questões relativas à capacidade produtiva são analisadas em condições de incerteza.

Uma oportuna introdução teórica é representada pela apresentação de algumas das idéias básicas da economia do bem-estar, particularmente daquelas que geram conseqüências relevantes para as políticas das empresas públicas. Complementam esta exposição proposições de classificação de uma escala de situações alternativas abertas à economia ("primeira melhor" e segunda melhor" situações).

A análise - partindo de algumas colocações gerais da economia do bem-estar explicitadas ao nível da economia como um todo, ou seja, ao nível de equilíbrio geral - é estendida para condições de equilíbrio parcial. A abordagem é voltada, nesse contexto, para alguns problemas resultantes da tentativa de aplicar princípios de custo marginal às políticas de preços das empresas públicas.

Objeções advindas da teoria do segundo melhor - decorrentes da não-correspondência entre a primeira melhor economia e o mundo real - são discutidas no capitulo em que Rees prossegue na análise das críticas ao emprego do custo margina! na determinação de preços.

A teoria desenvolvida até este ponto da obra é voltada para a eficiência alocativa e pressupõe que o formulador de políticas seja indiferente em relação à distribuição de renda - ou seja, capaz de obter qualquer distribuição desejada pela transferência de montantes fixos, sem modificar as condições marginais - ass'm como em relação ao lucro, pela possibilidade de financiar quaisquer déficits, via impostos, ou repassar quaisquer superávits. Outra suposição implícita é a da eficiência tecnológica, considerada sempre presente na produção da empresa pública. Na verdade, a impossibilidade prática de se garantir a realização de tais pressupostos leva o autor a completar a tentativa de formular políticas descentralizadas de preços e investimentos pela introdução de objetivos de lucratividade, distribuição de renda e eficiência tecnológica. Rees analisa como definir políticas que atendam a essas preocupações com uma perda mínima de eficiência econômica e discute como operacionalizar tais políticas em combinações com as segundas melhores regras obtidas no desenvolvimento dos tópicos precedentes. A obra dedica-se, ainda, a abordar a teoria do custo de capital da empresa pública - fundamenta! para a avaliação de investimentos -e a estudar a determinação de preços e investimento em condições de incerteza, tanto de demanda, quanto de custo dos bens produzidos, concluindo por apresentar um modelo que trata simultaneamente de política de preços e da política de investimentos.

Em que pese ser uma obra destinada a economistas e estudantes de economia - um bom entendimento da teoria econômica é o principal pré-requisito apontado pelo autor para a compreensão do livro - A Economia da empresa pública constitui, particularmente pelo seu caráter teórico, uma oportuna contribuição ao debate que se trava sobre os reflexos em nossa economia da atuação das empresas públicas.

(Trabalho elaborado sob a orientação acadêmica do Prof. Eurico Korff.)

  • 1
    A expressão "segunda melhor" - definida em contraposição a "primeira melhor economia" - aplica-se a uma situação em que pelo menos uma das suposições que definem esta última é violada.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      28 Jun 2013
    • Data do Fascículo
      Dez 1980
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