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Tempo de mudanças: sobrevivência de um hospital público

Changing times: a public hospital's survival

Tiempo de cambios: sobrevivencia de un hospital público

Resumos

Em um contexto de globalização e reforma do Estado, as organizações de saúde vêm experimentando pressões para aumentarem a eficiência e a efetividade. Ocorreram mudanças nos métodos de financiamento e remuneração das ações de saúde e introdução de novos agentes de regulação. Neste estudo é discutido como esse ambiente - com restrições orçamentárias e novas regras do jogo - acarretou adaptações e mudanças institucionais em um hospital público. Foi realizado um estudo de caso no Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais e foram analisados indicadores selecionados de produção entre 1994-2000 e a percepção dos trabalhadores e gerência sobre as mudanças institucionais. Para análise da percepção foram realizadas entrevistas semi-estruturadas com o corpo diretivo e grupos focais com os trabalhadores. Para contornar esse ambiente de "turbulências", o Hospital das Clínicas implementou estratégias racionalizadoras e adaptativas de mudança organizacional, aumento da produção e busca de novos parceiros-financiadores.

Reforma do Estado; setor de saúde; eficiência; hospital universitário; hospital público


The Brazilian health organizations have been forced to increase its efficiency and effectiveness. Changes in hospitals are observed in ways of financing and remuneration, due to the introduction of new regulation agents. The aim of this study was to know how this reforming environment, with budgetary restrictions and new game rules, was inductive of institutional adaptations in a public university hospital. A case study was carried out within the Hospital of Federal University of Minas Gerais (HC/UFMG) in order to analyze the behavior of selected production indicators for the period between 1994 and 2000. To understand how the workers and the management perceived the changes, partially structured interviews with the directive body as well as focal groups with the workers were conducted. Findings showed that in order to find a path for survival in an unstable and turbulent environment, the HC/UFMG implemented organizational strategies for adaptation, increased production and search for new supportive partners.

State reform; health sector; efficiency; university hospital; public hospital


ARTIGOS

Tempo de mudanças: sobrevivência de um hospital público

Changing times: a public hospital's survival

Tiempo de cambios: sobrevivencia de un hospital público

Mariângela Leal CherchigliaI; Sueli Gandolfi DallariII

IUFMG

IIUSP

RESUMO

Em um contexto de globalização e reforma do Estado, as organizações de saúde vêm experimentando pressões para aumentarem a eficiência e a efetividade. Ocorreram mudanças nos métodos de financiamento e remuneração das ações de saúde e introdução de novos agentes de regulação. Neste estudo é discutido como esse ambiente – com restrições orçamentárias e novas regras do jogo – acarretou adaptações e mudanças institucionais em um hospital público. Foi realizado um estudo de caso no Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais e foram analisados indicadores selecionados de produção entre 1994-2000 e a percepção dos trabalhadores e gerência sobre as mudanças institucionais. Para análise da percepção foram realizadas entrevistas semi-estruturadas com o corpo diretivo e grupos focais com os trabalhadores. Para contornar esse ambiente de “turbulências”, o Hospital das Clínicas implementou estratégias racionalizadoras e adaptativas de mudança organizacional, aumento da produção e busca de novos parceiros-financiadores.

PALAVRAS CHAVE: Reforma do Estado, setor de saúde, eficiência, hospital universitário, hospital público.

ABSTRACT

The Brazilian health organizations have been forced to increase its efficiency and effectiveness. Changes in hospitals are observed in ways of financing and remuneration, due to the introduction of new regulation agents. The aim of this study was to know how this reforming environment, with budgetary restrictions and new game rules, was inductive of institutional adaptations in a public university hospital. A case study was carried out within the Hospital of Federal University of Minas Gerais (HC/UFMG) in order to analyze the behavior of selected production indicators for the period between 1994 and 2000. To understand how the workers and the management perceived the changes, partially structured interviews with the directive body as well as focal groups with the workers were conducted. Findings showed that in order to find a path for survival in an unstable and turbulent environment, the HC/UFMG implemented organizational strategies for adaptation, increased production and search for new supportive partners.

KEYWORDS: State reform, health sector, efficiency, university hospital, public hospital.

INTRODUÇÃO

No Brasil dos anos de 1990 o processo de reforma do Estado se baseou em um tríplice diagnóstico: crise fiscal crescente, exaustão das formas protecionistas de intervenção na economia e uma administração pública excessivamente burocrática e ineficiente. A reforma concreta do aparelho de Estado ocorreria na dimensão gestão, baseando-se nos princípios da administração pública gerencial (Brasil, 1995). Essa proposta estava inserida em uma série de doutrinas administrativas que vinha dominando a agenda de reformas burocráticas em alguns países do mundo desenvolvido, desde o início dos anos de 1980, agrupadas na expressão nova administração pública ou simplesmente gerencialismo. Combinaria as reflexões da nova economia política sobre o Estado à defesa ideológica do modelo de gestão característico do setor privado (Borges, 2000). A refundação democrática da administração pública estaria na proposta do Estado-empresário, bem como a noção de contratualização das relações institucionais. O Estado deveria ser uma empresa que promoveria a concorrência entre os serviços públicos, centrando-se mais em objetivos e resultados do que na obediência a regras. Deveria se preocupar mais em obter recursos do que em gastá-los e deveria transformar os cidadãos em consumidores, descentralizando o poder segundo mecanismos de mercado em vez de mecanismos burocráticos. O modelo burocrático é considerado inadequado na era da informação, do mercado global, da economia baseada no conhecimento e, além disso, demasiado lento e impessoal no cumprimento dos seus objetivos (Santos, 1999).

Entretanto, desde a Constituição de 1988 e a criação do Sistema Único de Saúde (SUS), o setor de saúde vem passado por radical transformação. A reforma setorial da saúde não somente precedeu a reforma do Estado, mas também reafirmou o ideário de política pública universalizante, acarretando mudanças nas relações sociais – políticas, econômicas e normativas – existentes entre o Estado, a população e os agentes ou atores – financiadores, produtores e provedores – da produção de serviços de saúde. Ponto central da reforma sanitária brasileira é o processo de descentralização, envolvendo tanto a transferência de serviços como também de responsabilidades, poder e recursos da esfera federal para a estadual e municipal. Passou-se de um sistema político, administrativo e financeiro centralizado para um cenário em que milhares de gestores tornaram-se atores fundamentais no campo da saúde (Levcovitz, Lima e Machado, 2001).

Especificamente no setor hospitalar, a força ambiental primária dirigida às mudanças ocorreu nos métodos de financiamento e remuneração das ações de saúde e na introdução de novos agentes de regulação (Roggenkamp, 2001). Com a criação do SUS, a forma de pagamento prospectivo, denominada Autorização de Internação Hospitalar (AIH), foi disseminada para os prestadores de serviços hospitalares ao SUS, públicos e privados. Entre os hospitais públicos, os universitários federais sofreram um impacto adicional: observou-se um panorama de desobrigação progressiva do Ministério da Educação (MEC) com esses hospitais.

Desde fins da década de 1990, novas pressões de mudança estão presentes devido à difusão da agenda da flexibilização administrativa. Coerente com o discurso da reforma do Estado e da busca de maior eficiência na gestão pública, disseminou-se a idéia de que seria necessário garantir maior autonomia e flexibilidade às unidades de saúde. Do ponto de vista microorganizacional, essas mudanças se caracterizavam pelo aumento do controle gerencial sobre o trabalho, especialmente reduzindo a autonomia médica, a infra-estrutura hospitalar por meio de novos métodos de controle de materiais e insumos e as fontes de financiamento (Costa et al., 2000).

A teoria neo-institucional tem destacado o poderoso impacto das incertezas do ambiente na estrutura e nas respostas das organizações a tais incertezas – como as teorias da contingência e da ecologia populacional – enfatizando também a importância da capacidade adaptativa das organizações. Assim, segundo a teoria neo-institucional, as organizações são estruturadas pelo fenômeno em seus ambientes e tendem a se tornar isomórficas com ele. Tendências isomórficas levam organizações a adotar produtos, serviços, técnicas, políticas e programas que não resultam, necessariamente, em aumento da eficiência ou da performance. Entretanto, esses elementos são tomados por “verdadeiros”, como necessários e apropriados: eles legitimam a organização do ponto de vista interno e externo. As organizações provedoras de saúde também apresentam tendências isomórficas (Powell e DiMaggio, 1999; Hanlon, 2001). No entanto, é necessário notar que não se trata de fazer do hospital um lugar de repercussão mecânica das orientações político-ideológicas dominantes, na mesma medida em que não é possível atribuir-lhe uma autonomia total. O hospital se adapta às mudanças no ambiente, mas conserva uma importante margem de definição e tomada de decisão que correspondem a processos específicos de produção e reprodução das relações de poder dentro do hospital (Carapinheiro, 1998).

Nesse estudo, procuramos discutir como o ambiente de reforma, com restrições orçamentárias e novas regras do jogo, levou a adaptações e mudanças institucionais em um hospital público: o Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais. Analisamos também a percepção dos atores institucionais sobre tais mudanças, bem como possíveis alterações ocorridas em indicadores selecionados de produção e produtividade.

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Em 2001 foi realizado um estudo de caso no Hospital das Clínicas (HC) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). O HC é um conjunto hospitalar universitário de alta complexidade, com capacidade instalada para 550 leitos, estando em funcionamento 385 leitos em dezembro de 2001. O HC atende predominantemente aos pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS), Municipal, Regional e Estadual, correspondendo a 95% de sua clientela. Atende ainda pacientes particulares e de convênios.

Para se verificar as possíveis mudanças e estratégias adaptativas adotadas pelo HC, foi feita uma análise comparativa das propostas do Plano Diretor da Reforma do Aparelho de Estado, elaborado pelo Ministério da Administração e Reforma do Estado (MARE) e documento referencial da reforma do Estado nos anos de 1990, com as propostas contidas nos relatórios de dois eventos seminais do HC. O I Seminário (1992), realizado em duas etapas, sendo que a segunda etapa ficou conhecida como II Seminário; e o III Seminário, realizado em 1998. Esses dois seminários orientaram as mudanças estruturais organizacionais do HC em cada momento. Para a análise documental, utilizamos categorias significativas, que permitiam cotejar diferenças e similitudes entre os documentos. As categorias utilizadas foram: organização/estrutura, gestão, financiamento e relações de trabalho (Corbin e Strauss, 1998).

Adicionalmente, foi analisado o comportamento de indicadores selecionados de produção e produtividade de 1994 a 2000, buscando detectar alterações durante o período. Foi realizado um estudo transversal, retrospectivo/descritivo, por meio de séries cronológicas dos seguintes indicadores: (i) arrecadação total; (ii) produção hospitalar e ambulatorial para o SUS e o setor privado de saúde; (iii) média de permanência; e (iv) taxa de ocupação. A seleção dos indicadores norteou-se na proposta de Médici e Girardi (1996) modificada por Cherchiglia et al. (1998) e nos estudos de Ibañez et al. (2001).

Os dados de produção hospitalar (internações) e ambulatorial (como consultas, exames etc.) para o SUS – e seus respectivos valores – foram obtidos a partir das Autorizações de Internação Hospitalar (AIH) e do Sistema de Informação Ambulatorial (SIA) do consolidado produzido pelo DATASUS/Ministério da Saúde. Selecionou-se essa fonte por ser o documento de faturamento ao órgão remunerador/financiador dos serviços de saúde. A AIH e o SIA são totalmente informatizados, permitindo um resgate mais detalhado e confiável através de meio magnético. Os demais dados de produção e arrecadação do Hospital das Clínicas foram fornecidos pela Divisão Financeira e Seção de Convênios do Hospital das Clínicas – UFMG.

Todos os dados sobre valores estão em reais, corrigidos para dezembro de 2000 pelo Índice de Preço ao Consumidor do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IPCA-IBGE).

Para a análise da percepção dos agentes foram realizadas 23 entrevistas semi-estruturadas com a direção: com o diretor, em exercício em 2001, e ex-diretores; com as chefias intermediárias (cinco administrativas, quatro clínicas e a coordenação de enfermagem); e com o presidente em exercício em 2001 e dois ex-presidentes do Conselho Administrativo do Hospital das Clínicas – diretores da Faculdade de Medicina.

Para a análise da percepção dos trabalhadores foram constituídos grupos pequenos (6-10 pessoas) de composição heterogênea (Krueger e Casey, 2000), levando em consideração as seguintes variáveis: profissão de base, vínculo empregatício, posição funcional e especialidade médica. A escolha aleatória dos integrantes dos grupos foi feita a partir do cadastro de profissionais do Departamento de Recursos Humanos do Hospital das Clínicas. Os integrantes de cada grupo foram voluntários, selecionados a partir da disponibilidade e interesse em participar da pesquisa. Procurou-se contar, nos diferentes grupos, com trabalhadores representantes dos diversos setores, que estivessem exercendo atividades no Hospital há pelo menos quatro anos.

Foram realizados cinco grupos focais, quais sejam: médicos de diferentes especialidades, profissionais de nível superior em serviços de saúde, auxiliares de enfermagem e técnicos do serviço de apoio ao diagnóstico e terapêutica (SADT), profissionais administrativos e de serviços gerais de diferentes setores.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Mudanças organizacionais e gerenciais para os novos tempos

No Quadro 1 estão descritas as principais diferenças entre as propostas do I Seminário e o III Seminário do HC. Pode-se afirmar que, no Seminário de 1992, as discussões estavam voltadas para o ambiente interno do HC, ou seja, a reestruturação de seu modelo organizacional, assistencial e pedagógico respondendo mais a uma necessidade interna – por ausência ou colapso de modelo anterior – do que para se adequar às mudanças no ambiente externo. O III Seminário em 1998 ocorre dentro do processo de consolidação das reformas do Estado e setorial. A proposta de reestruturação visou proporcionar ao HC maior agilidade e flexibilidade operacional, para atender às demandas dos novos financiadores/compradores: os governos municipal e estadual e os planos e convênios privados de saúde.


Observamos em todas as categorias analisadas que o HC vinha progressivamente se abrindo e se adaptando às conjunturas do ambiente externo. Segundo Costa et al. (2000), na busca de sobrevivência as instituições públicas de saúde têm realizado mudanças organizacionais, procurado novas fontes de financiamento e parcerias institucionais. No entanto, essas mudanças ocorreriam de modo fragmentado, localizado e experimental. Seria uma espécie de “reforma silenciosa e não explícita”, configurando-se um processo de socialização de normas e redesenho de valores sobre as funções do Estado ou o papel das organizações públicas. A experiência de adaptação vivenciada pelo HC, na década de 1990, poderia ser um exemplo dessa “reforma silenciosa”.

É interessante observar que, de certa maneira, as propostas, apresentadas no III Seminário, e em implantação no HC, em 2002, já se encontravam em discussão desde o início dos anos de 1990, com o I Seminário. A necessidade de uma estrutura mais horizontal, em que o poder das categorias profissionais – médica e de enfermagem – fosse reduzido, já encontrava eco desde aquela época, bem como a necessidade de uma gerência profissionalizada com autonomia, flexibilidade e agilidade na tomada de decisão. Dessa forma, o projeto de descentralização proposto no III Seminário, a criação das Unidades Funcionais (UF), aprofundou e incorporou algumas das proposições e elementos do discurso da reforma administrativa, como o contrato de gestão, avaliações de desempenho, criação do Conselho de Usuários do HC e a necessidade de uma gerência eficiente.

As UF passaram a ser as células administrativas do hospital, dotadas de autonomia para gestão de recursos e gerenciamento de processos, com estrutura multidisciplinar. O contrato de gestão passou a ser o mecanismo para que se pactuassem metas de trabalho, obrigações, responsabilidades e recursos, estabelecidos de comum acordo entre a unidade funcional e a diretoria. O organograma, apesar de atender às pressões corporativas, tornou-se mais horizontal, diminuindo os níveis hierárquicos. A proposta em implementação no HC, a partir do III Seminário, está em consonância com o modelo adotado – e considerado um sucesso – por alguns hospitais públicos brasileiros (Cecílio, 1997).

Utilizando a perspectiva neo-institucionalista de Powell e DiMaggio (1999), pode-se afirmar que o HC mimetizou um exemplo bem-sucedido de organização gerencial, o que lhe garantiria legitimidade perante os financiadores-compradores e a sociedade. Aumentava, assim, sua probabilidade de sobrevivência e êxito em face de um ambiente de incertezas.

Uma outra hipótese no ambiente microorganizacional postula que as organizações hospitalares, complexas e com monopólio de competência, tendiam a acumular elevada “folga organizacional” ao longo de sua formação (Costa et al., 2000). Ou seja, pela ausência de constrangimentos externos ou incentivos internos, a maioria das organizações podia operar abaixo de sua capacidade (física e humana). Parece-nos que o HC vinha mobilizando as possíveis reservas adquiridas nos tempos de bonança financeira, o que permitia um processo paulatino de mudanças para enfrentar as situações de incerteza em seu entorno, especialmente no comportamento da política pública. Portanto, quando pressões regulativas, normativas e cognitivas foram suficientemente fortes no ambiente organizacional (externo), a necessidade de reconhecimento social e aceitação venceu o peso da imutabilidade da organização (Scott, 1987). Ocorreram mudanças que resultaram em novas estruturas ou processos que podem se tornar institucionalizados dentro da organização ao longo do tempo. A teoria institucional sublinha que a mudança organizacional procura a construção de legitimidade que pode ser obtida ou assegurada ao adotarem-se estruturas e processos prevalentes no campo das organizações, como o de isomorfismo (Deephouse, 1996; Suchman, 1995).

Produção de serviços para o setor público e privado

Na Tabela 1 são apresentadas as principais fontes de arrecadação do Hospital das Clínicas – UFMG entre 1994-2000. Observamos um crescimento da arrecadação do HC de 136% nestes anos. A prestação de serviços foi a grande fonte, com aumento de 106%, entre os anos analisados. O ano de 1997 foi o mais profícuo para o HC na celebração de convênios com outros órgãos públicos – secretarias de saúde do município e do estado e com órgãos federais –, quando chegou a representar 23% do total arrecadado, mostrando uma tendência de queda nas transferências por convênios nos anos seguintes, com ligeira recuperação em 2000.

Na análise da arrecadação advinda da prestação de serviços, podemos notar que a proveniente do SUS varia, no período estudado, de 91% a 83% do valor arrecadado. No entanto, o percentual da receita proveniente de convênios com planos de saúde e com clientela particular no total da receita de prestação de serviços praticamente dobrou entre 1994 e 2000 (9% e 16,5%, respectivamente). A arrecadação por prestação de serviços ao SUS cresceu cerca de 89% e a de convênios e particulares 290%, entre 1994 e 2000.

Um dos pilares da proposta da reforma do Estado brasileiro na década de 1990 foi a separação entre financiamento e provisão dos serviços. O núcleo da mudança foi a perda do repasse automático de recurso orçamentário público por série histórica ou reembolso da conta apresentada – pagamento retrospectivo pelo custo – e sua substituição pelo repasse, quase que exclusivamente, devido à remuneração da produção de serviços prestados ao SUS (Almeida, 1999; Levcovitz, Lima e Machado, 2001). Colocou-se um preço em todas as atuações dos hospitais públicos e, portanto, fazer somente o que seria pago poderia ser contraditório com os valores e princípios da res publica no setor de saúde. Segundo Duckett (1995), a ênfase na mensuração e precificação de produtos ocorreu não somente no cuidado hospitalar, mas seria uma característica contemporânea das estratégias de mudanças do setor público de muitos países.

Os indicadores de produção hospitalar e ambulatorial para o SUS são apresentados na Tabela 2. Ao se analisar a produção de serviços para o SUS, observa-se que o número das AIH realizadas pelo HC sofreu quedas e recuperações e, ao final do período, mostrou um incremento de 49%.

Entretanto, o valor recebido pelas AIH aumentou apenas 15%, entre 1994 e 2000, com redução de 25% no seu valor médio. A produção ambulatorial apresentou uma variação positiva de 28% (33% no valor) no mesmo período.

É importante destacar que em 2000 ocorreu uma greve dos servidores estatutários do HC que durou cerca de 90 dias. Esse período de greve pareceu afetar mais profundamente a produção hospitalar do que a ambulatorial. Deve-se atentar ainda para o fato de que as AIH produzidas pelo HC recebiam, até final de 2000, acréscimo de 75% em seu valor devido ao Fator de Incentivo ao Desenvolvimento do Ensino e da Pesquisa em Saúde (FIDEPS), pago pelo Ministério da Saúde aos hospitais universitários. A partir deste ano, os hospitais passaram a receber um valor fixo mensal, sendo que o HC recebeu, naquele ano, 385 mil reais mensais como incentivo ao ensino e pesquisa em saúde.

Não é surpreendente o crescimento da produção, em particular a hospitalar do HC para o SUS entre 1994 e 2000. Infere-se que o aumento de produção poderia estar relacionado, ainda que indiretamente, a um aumento de registros. Estudos sobre a utilização de formas de pagamentos prospectivos baseados no diagnóstico, como a AIH, têm demonstrado que, após os primeiros anos, os médicos aprendem (e são incentivados pelos hospitais) a codificar mais apuradamente os diagnósticos (Mikkola et al., 2001). Um outro ponto, talvez o mais importante para os hospitais públicos e universitários, foi seguir a “regra do jogo”, ou seja, aumentar a produção para continuar sobrevivendo. Essa hipótese também foi aventada por Duckett (1995), quando avaliou a introdução de mecanismo semelhante ao da AIH na Austrália, para explicar o aumento de internações nos hospitais universitários australianos.

Um dado que chamou a atenção no HC foi o aumento pouco significativo da produção ambulatorial (27%) entre 1994 e 2000, principalmente se levar em conta que a hospitalar cresceu 49% no mesmo período. Esse fato parece colocar o HC na contramão das mudanças ocorridas no setor saúde neste final de milênio. O processo de crescimento da participação do setor ambulatorial na economia hospitalar parece ser um fenômeno atual, decorrente de mudanças na forma de financiamento à saúde, utilizando-se até mesmo incentivos financeiros para ambulatorização; inovações tecnológicas; maior aceitação por parte do paciente; e controle dos custos pelos compradores-financiadores dos serviços (Cherchiglia et al., 1998; Mikkola et al., 2001; McKee e Healy, 2002).

Pode-se afirmar que o Hospital das Clínicas vem se tornando, a exemplo de outros hospitais de ensino, importante parceiro dos gestores do SUS, pois vem aumentando sua participação no volume de internações realizadas pelo SUS. Tanto em estudos realizados no Estado do Rio de Janeiro quanto em Belo Horizonte foram reportados crescimentos da ordem de 54% e 300%, respectivamente, entre 1992 e 1996 (Gouvêa et al. 1997; Jorge et al., 1998). Portanto, a “abertura” do HC para o SUS de Belo Horizonte poderia ser importante estratégia na busca de reconhecimento e legitimação e, conseqüentemente, maior probabilidade de obter recursos e sobreviver (Suchman, 1995; Meyer e Rowan, 1999).

A Tabela 3 mostra a freqüência e o valor dos serviços de internação e atendimento ambulatorial prestados a convênios e particulares pelo Hospital das Clínicas – UFMG entre 1997-2000.

Os dados sobre convênios com planos de saúde e atendimento de paciente com desembolso direto (particulares) apenas estão disponíveis a partir de 1997, quando foi criada a Seção de Convênios. Destaca-se o crescimento da importância dos convênios com planos e seguros privados de saúde na economia do Hospital das Clínicas, apesar de representarem apenas 5% do atendimento. O número de atendimento de conveniados aumentou 4,5 vezes e o valor recebido em cerca de 14 vezes, destacando-se o incremento da produção ambulatorial em torno de 6,5 vezes e de sua receita mais de 10 vezes. Notam-se também o crescimento do valor médio das internações em 72% e dos procedimentos ambulatoriais em 50%.

Entretanto, observa-se a queda constante da receita com particulares perante aquela advinda de planos de saúde. Em 1997 representava 70% do somatório dessas duas fontes e apenas 13% em 2000. No entanto, ocorreu um decréscimo de apenas 10% no número de pacientes e na receita com particulares.

É ínfima a participação do Hospital das Clínicas no mercado de planos e seguros de saúde, apesar do crescimento de sua importância na economia do HC. A postura pouco agressiva do HC nesse mercado parece estar na cultura bastante arraigada de atendimento gratuito ao paciente indigente visando ao ensino. Também pode ser devida, entre outras razões, à necessidade de cumprir o preceito constitucional de equidade do acesso e da atenção, uma vez que é um hospital público. Agrega-se a isso a forte competição nesse mercado e a estrutura e organização gerencial burocrática e pouco flexível do HC que não conseguiria atender com presteza as demandas dos compradores privados de serviços nem ser eficiente na organização interna (como melhoria dos processos de cobranças, evitar glosas às faturas etc.). Segundo Suwandono et al. (2001), é necessário atentar para o fato de que hospitais públicos, ao se abrirem para o mercado privado de saúde, necessitam ter uma administração e um sistema de custos efetivos para serem capazes de monitorar e controlar os custos incorridos dessas atividades.

A média de permanência e a taxa de ocupação dos leitos do HC é mostrada na Tabela 4. Houve queda constante da média de permanência no HC nos anos analisados, com redução de 29% do tempo de permanência, passando de 7,8 dias para 5,5 dias. A taxa de ocupação nos leitos do HC permaneceu estável, em torno de 70%, registrando em 1996 sua maior taxa de ocupação (75%).

A queda constante da média de permanência hospitalar nos anos analisados acompanhou o movimento geral de queda desse indicador ocorrida no mundo ocidental (Duckett, 1995; Gouvêa et al., 1997; Jorge et al., 1998; Mikkola et al., 2001; Ibañez et al., 2001, Mckee e Healy, 2002). Entre as possíveis explicações podem ser citadas a maior precisão e rapidez no diagnóstico, devido ao desenvolvimento dos serviços complementares; o desenvolvimento tecnológico ocorrido com drogas, órteses e próteses; e novas tecnologias cirúrgicas que influenciam diretamente no tempo de internação necessário para o restabelecimento dos pacientes (Bittar, 1996). Outro fator determinante foi a utilização de controle de preços no sistema de saúde, especialmente a remuneração por diagnóstico, que têm incentivado os hospitais a darem altas mais precoces. Muitos pesquisadores têm discutido as implicações, para a saúde e recuperação dos pacientes, da redução da média de permanência (Duckett, 1995; Mikkola et al., 2001). É interessante notar que, apesar da queda da média de permanência no HC para 5,5 dias, ela foi maior do que em hospitais privados brasileiros de mesma complexidade (3,7 dias) e próxima de alguns hospitais sob organizações sociais (Bittar, 1996; Ibañez et al., 2001). Como já referido, os hospitais públicos de ensino são mais influenciados pela necessidade social, atendendo pacientes crônicos, com patologias mais graves, sem suporte familiar ou da comunidade para uma alta precoce, o que, sem dúvida, irá influenciar a média de permanência.

Segundo Malik e Teles (2001), dados de hospitais privados que atendem somente pacientes com cobertura de saúde suplementar (planos de saúde) e de desembolso direto mostraram uma taxa de ocupação em torno de 90%. A taxa de ocupação do HC, entretanto, esteve em torno de 70%, sendo que em algumas clínicas esteve abaixo desse percentual. A taxa do CTI pediátrico, por sua vez, esteve próxima dos 100%, evidenciando a demanda reprimida nessa especialidade (Malik e Teles, 2001).

Percepção dos atores institucionais: resistência e pragmatismo

Foi consenso que os anos de 1990 trouxeram mudanças, em especial para as organizações e trabalhadores do setor público de saúde. A municipalização e a mudança na forma de financiamento dos hospitais universitários federais foram lembradas como os fatores mais importantes a influir na vida do HC nestes tempos de reforma.

As mudanças no financiamento e as alternativas encontradas pelo HC para contornar as dificuldades decorrentes foram vistas até mesmo como positivas, pois impulsionaram um processo de reestruturação e reorganização gerencial do HC, levando à racionalização de custo e à “necessidade” de eficiência. O tempo do desperdício estaria ficando no passado. Essa percepção vai ao encontro da noção de “folga organizacional” utilizada por Costa et al. (2000) para tentar explicar a manutenção da ineficiência e do baixo empenho dos hospitais públicos nos anos de 1990.

Então, o que aconteceu? Com essa diminuição do financiamento do hospital, o hospital foi obrigado, já que havia uma limitação de orçamento e uma dependência cada vez maior dos próprios recursos para poder manter o hospital, houve uma implementação de determinadas medidas que agora culmina nesse processo de unidades funcionais, um processo de melhoria da gerência. (...) Claro que o único fator não foi a reforma do Estado, houve também a consciência que não era correto manter um paciente no hospital por um tempo maior que o necessário para fazer as intervenções necessárias. A gente nota, ao longo do tempo, principalmente agora mais recente, um aumento da taxa de ocupação e a diminuição do tempo de permanência. Isso é uma mudança muito grande no processo de trabalho lá dentro. Eu acho que isso fundamentalmente foi motivado, não por achar que isso era o mais correto, mas porque foi forçado devido à situação de penúria financeira. Foi obrigado a tomar medidas. O desperdício diminuiu brutalmente, as compras melhoraram sensivelmente, comprar melhor, saber comparar melhor. Então, a crise de financiamento trouxe como conseqüência uma melhoria da gerência. (Entrevista)

Observação interessante foi a de que a reforma setorial da saúde trouxe um impacto mais substantivo na reestruturação do Hospital do que a “reforma maior”, a do Estado. Com o processo de municipalização dos serviços de saúde de Belo Horizonte, consolidado no início de 1993, a Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte (SMS/BH) passou de simples prestadora de serviços a gestora do sistema de saúde, controlando a quase totalidade das ações de saúde desenvolvidas no município, com a prerrogativa de administrar o pagamento dos prestadores controlados e conveniados ao SUS. Ao assumir a condição de gestora do SUS em Belo Horizonte, a SMS/BH tornou-se a principal fonte de recursos (financiador/regulador/comprador de serviços) e ator-chave da relação com os provedores de serviços de saúde no município e em especial com o HC (Campos et al., 1998).

A “abertura para o SUS”, a partir do estabelecimento de uma nova relação entre a SMS/BH e o HC, corporificada na criação do Pronto Atendimento Clínico, em 1996, significou para a grande maioria dos trabalhadores, gerência e diretoria profundas mudanças na organização e no próprio comportamento das pessoas. Nas palavras de um entrevistado,

Aí foi feito um acordo (da Secretaria Municipal de Saúde) com o hospital, de dar dinheiro para o hospital, para o hospital realmente criar o pronto atendimento dele. Eu acho que esse foi um marco que mudou substancialmente, porque aí obrigou o hospital a se inserir no SUS. (Entrevista)

Como visto, os hospitais universitários vêm se tornando importantes parceiros do SUS, com crescimento expressivo do número de internações e procedimentos realizados nestes hospitais (Gouvêa et al., 1997; Jorge et al., 1998). A importância dessa parceira foi assim expressa por um entrevistado:

Às vezes a gente tem mais interesse em ter uma boa relação com o gestor, às vezes até do que com o próprio reitor, porque o reitor mais ou menos você consegue conviver, por justiça nós nunca tivemos problemas na relação com o reitor, mas com o gestor nós tivemos problema de relação e é complicadíssimo, porque é quem nos sustenta aqui. Isso mudou totalmente a situação do hospital. (Entrevista)

A mudança da política de financiamento do governo federal foi apontada, por unanimidade dos entrevistados, como a responsável pela “abertura para os planos e seguros de saúde”, destinando 30% de seus leitos para essa clientela. Todos a justificaram como a possibilidade de manter o HC funcionando, aberto para SUS. Cohn (1999), referindo-se à mesma medida tomada pelo HC/USP, questiona se essa política, sem o devido controle social, não levaria à “privatização dos serviços” por práticas gerenciais que permitissem a seletividade do acesso da clientela, temor este partilhado pelos entrevistados.

[...] Então a política do governo está sendo implantada da forma mais perversa do mundo. Ele está nos obrigando a receber a privatização por dentro, ou seja, dar acesso aos seguros de saúde privados, de uma forma privilegiada, em leitos exclusivos, para que a gente tenha condição de atender uma maioria de leitos públicos. (Entrevista)

[...] Então, a gente começa a utilizar a mesma metodologia que a gente sempre criticou há anos atrás, que é a metodologia da sobrevivência capitalista mesmo: o que se paga melhor então a gente vai estar atendendo, o que se paga pior a gente vai estar tentando segurar [....] (Entrevista)

A reestruturação e a inovação gerencial estavam direcionadas para a busca da eficiência, da flexibilização, da agilidade na tomada e na implantação de uma decisão com o objetivo de atender às demandas dos novos parceiros (gestor municipal e estadual) e planos e seguros privados de saúde. É interessante notar que elas trouxeram algumas das propostas consideradas fundamentais pela “nova administração pública”, alcançando, assim, o status institucional, não requerendo ações evidentes para dar continuidade a sua existência (Scott, 1987).

“[...] Porque um hospital particular dá lucro e um hospital público não dá? Eu sempre pensei em um hospital como uma empresa. O Hospital das Clínicas tem as características próprias, mas ele é uma empresa e, como empresa, ele tem que ter condições de se auto-sustentar. Quer dizer, têm determinadas nuances, de pertencer à rede SUS, que você tem que respeitar, os convênios que o hospital faz, o custo do ensino, há a questão da pesquisa e tudo mais. (Entrevista)

As resistências às mudanças organizacionais foram de toda ordem e de todas as categorias profissionais. Os professores/médicos resistiram passivamente – não se inserindo nos debates; os profissionais de enfermagem tentaram delimitar seu poder em posições “fechadas” dentro da categoria; os técnicos e administrativos contribuíram com a morosidade dos processos e no aumento do absenteísmo. Segundo Cecílio (1997, 1999), o grau de resistência ou oposição é proporcional à estrutura previamente existente. Quanto mais estruturados os corpos funcionais em organogramas formais, maior seria a dificuldade de mudança. Observamos que os três segmentos eram bastante estruturados no HC, o que poderia representar maior dificuldade na implementação das mudanças.

Chama a atenção que a resistência à abertura do HC para o SUS, que significa se submeter à lógica e às regras que norteiam o sistema municipal de saúde, ocorreu tanto por parte dos trabalhadores técnicos e administrativos e seu sindicato, devido ao aumento da carga de trabalho, como por parte dos professores que perderam “autonomia” e passaram a se amparar no discurso da integralidade do atendimento:

Greve, não, mas certamente o que a gente pode observar a partir da discussão com o sindicato, principalmente, é que há uma resistência, sim. O trabalhador não consegue ter uma visão mais ampla no sentido de pensar que nós estamos fazendo parte de um sistema, esse sistema tem que atender uma determinada demanda. Então, ele fala que aquilo diminui a qualidade do trabalho, que aumenta o estresse, aumenta a quantidade do trabalho. (Entrevista)

No entanto, a resistência às mudanças organizacionais, ocorridas na última década, geralmente não foi explícita e nem organizada. Apareceram mais como pequenos boicotes, desinteresse e medo do “novo”, não sendo, portanto, intransponíveis. Malik e Teles (2001), em estudo sobre a utilização de iniciativas de qualidade em hospitais, encontraram uma atitude favorável à implantação dessas iniciativas por parte do corpo funcional. Talvez fosse essa a percepção da gerência do HC ao afirmar:

Houve, não, há, em grande quantidade, de toda as ordens e de todos os níveis, entre professores, entre funcionários, há grandes resistências entre a estrutura de enfermagem. Isso a gente observa todos os dias, em pequenos atos. Agora, também, elas não têm sido resistências intransponíveis, não. Está havendo um certo acolhimento dessas propostas de mudança. (Entrevista)

Hernandez e Caldas (2001), em revisão crítica sobre o tema da resistência à mudança – um dos tópicos mais estudados no campo organizacional –, contestam pressupostos comumente relacionados à resistência como: (i) um fato natural e inevitável; (ii) algo nocivo às organizações e às iniciativas de mudança; (iii) algo que ocorre apenas entre empregados e (iv) um fenômeno massificado. Segundo os autores, a resistência pode ser fenômeno positivo, saudável e contributivo. Portanto, algumas resistências relatadas podem ser oportunas para se repensar os caminhos propostos:

Com a mudança das marcações de consulta pela central de marcação, acabou isso, acabaram as filas, porém dificultou mais o acesso das pessoas ao hospital. Então, existem clínicas que têm uma resistência. Não estão querendo colocar a marcação deles para a central. Por quê? Porque não está bom, não está legal. Então, eu acho que em alguns aspectos existem resistências sim, com relação a algumas mudanças. Porque se fosse para melhorar, eu acho que tudo que é para melhorar a gente tem que ficar aberto, mas quando você vê que não está dando resultado, aí a pessoa fica realmente resistente nesse ponto. (Entrevista)

Para Carapinheiro (1998) a sensibilização e a aderência às políticas de racionalização dos recursos têm sido progressivas, notando-se maior permeabilidade dos vários grupos profissionais aos problemas da gestão hospitalar, nomeadamente dos médicos, mas nesse caso estabelecendo-se medidas cautelares da autonomia na gestão dos serviços.

CONCLUSÃO

O Hospital das Clínicas, a exemplo dos hospitais públicos brasileiros, buscou legitimar-se e adaptar-se às novas demandas e restrições impostas pelo ajuste estrutural da economia e pela reforma do Estado.

As mudanças organizacionais do HC refletiram a tentativa do Hospital de se adaptar e sobreviver em um ambiente de escassez de recursos e mudanças do padrão de regulação. Essa estratégia de proteção incluiu táticas como reestruturação organizacional com a criação das unidades funcionais (UF), voltadas para a busca da responsabilização, descentralização, eficiência, flexibilidade, agilidade na tomada e implantação de decisões; maior articulação com os gestores municipal e estadual, inserindo-se de forma incisiva no SUS/BH, além da busca por recursos no mercado privado de saúde em face dos cortes de recursos orçamentários provenientes do governo federal. Uma outra estratégia foi a adoção de um conjunto de procedimentos com o objetivo de cortar custos operacionais em atividades consideradas não prioritárias e aumentar a produção de serviços. Essas mudanças encontraram resistências, como boicotes e não-adesão ao projeto das UF, e estão sendo enfrentadas paulatinamente.

Entretanto, essas são alternativas racionalizadoras e paliativas e não podem ser freqüentemente repetidas ou sustentadas diante de persistentes cortes de recursos públicos. A racionalização de recursos sob os auspícios do mercado é míope e ineficiente, pois ela cria uma imensa pressão, por redução de custos, em instituições que, justificadamente, devem operar a custos mais elevados: é o caso dos setores de missão social pronunciada, nos quais, tradicionalmente, a função de provisão pública e planejamento estatal têm sido mais fortes, como os setores saúde e educação. Em um processo de redesenho das funções do Estado e do papel das organizações públicas, valores e metas finalísticas de justiça social, equidade e promoção de oportunidade – e não apenas o cumprimento de metas eficientistas – são princípios inarredáveis.

AGRADECIMENTOS

Ao apoio financeiro da Organização Panamericana de Saúde e da CAPES, e ao empenho por parte da direção e chefias e trabalhadores do Hospital das Clínicas da UFMG no sentido de viabilizar cada etapa do trabalho. À dedicação de Laís Silva Cisalpino e Rodney Lincoln de Matos na coleta e sistematização dos dados.

Artigo recebido em 15.09.2004. Aprovado em 21.10.2005.

Mariângela Leal Cherchiglia

Professora Adjunta da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais. Doutora em Saúde Pública pela Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo.

Interesses de pesquisa nas áreas de políticas de saúde, economia da saúde, gestão e mercado de trabalho em saúde.

E-mail: cherchml@medicina.ufmg.br

Endereço: Av. Alfredo Balena, 190, 9º andar, Belo Horizonte – MG, 30 130-100.

Sueli Gandolfi Dallari

Professora Titular da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo, Livre-Docente em Direito Sanitário pela Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo. Doutora em Saúde Pública.

Interesses de pesquisa nas áreas de direito sanitário, vigilância sanitária e políticas de saúde.

E-mail: sdallari@usp.br

Endereço: Av. Doutor Arnaldo, 715, São Paulo – SP, 01246-904.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    24 Jan 2007
  • Data do Fascículo
    Dez 2006

Histórico

  • Recebido
    15 Set 2004
  • Aceito
    21 Out 2005
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