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Configuração de posições em uma comunidade epistêmica e sua relação com o sentido da aprendizagem em redes interorganizacionais: estudo de caso no campo da biotecnologia

Configuraciones de posición de una comunidad epistémica y su relación con el sentido del aprendizaje en redes interorganizacionales: un estudio de caso en el ámbito de la biotecnologia

Setting positions in epistemic communities and its relation to sense of learning in interorganizational networks: case study in biotechnology field

Resumos

Na literatura sobre redes interorganizacionais, parte das abordagens de pesquisa afirma que tal tipo de ambiente favorece as condições para a aprendizagem por meio da combinação de capacidade de diferentes membros. Igualmente, existem correntes de estudo que apontam haver ressalvas relacionadas às próprias características dos membros. Esta aparente contradição instigou um questionamento: como a configuração de posições de membros de redes interorganizacionais afeta o sentido que a aprendizagem adquire para os próprios membros? Utilizando-se referências conceituais da área de aprendizagem em redes interorganizacionais, o estudo apresenta os resultados da análise de um caso empírico de uma comunidade epistêmica (rede de cooperação científica formalmente instituída) brasileira no campo da biotecnologia. Adotou-se como método de pesquisa a triangulação de técnicas quantitativas e qualitativas. Inicialmente, utilizou-se a análise quantitativa sociométrica evidenciando a posição do membro de acordo com a centralidade para a aprendizagem e a produção acadêmica. Após essa identificação, foram aplicadas entrevistas semiestruturadas aos membros localizados em diferentes posições, fossem elas de alto valor agregado (membros com alta centralidade) ou marginais (membros com baixa centralidade). A partir de um referencial de análise qualitativo com foco nos conceitos de práticas e gêneros discursivos, foi possível delinear diferentes sentidos sobre a aprendizagem decorrida de acordo com a posição dos membros. A partir dos resultados, evidenciou-se a relação da posição ocupada pelo membro da rede o sentido dado à aprendizagem. Apesar das limitações associadas à pesquisa sobre um caso único que dificulta a possível generalização dos resultados, o estudo abre possibilidades de aprofundar novas pesquisas sobre a relação entre as características dos membros e sua posição com a aprendizagem em redes interorganizacionais.

Aprendizagem em redes interorganizacionais; Sociométrico; Sentidos; Posição; Aprendizagem


En la literatura sobre redes interorganizacionales, parte de la investigación establece que este tipo de ambiente favorece las condiciones para aprendizaje mediante la combinación de la capacidad de los diferentes miembros. Además, hay estudios que establecen advertencias relacionadas con las características especiales de los miembros. Esta aparente contradicción se le solicite una pregunta: ¿cómo las configuraciones de posición de miembros de redes interorganizacionales afecta el sentido de que el aprendizaje para sus proprios miembros? Utilizando referencias conceptuales en el área de aprendizaje en redes interorganizacionales, el estudio presenta los resultados del análisis de un caso empírico de una comunidad epistémica (red de cooperación científico formalmente establecida) de Brasil en biotecnología. Fue adoptado como el método la triangulación de las técnicas de investigación cuantitativas y cualitativas. Inicialmente, se utilizó un estúdio sociométrico cuantitativo que muestra la posición del miembro de acuerdo con la centralidad del aprendizaje. Después de esta identificación se aplicaron entrevistas semi-estructuradas con miembros ubicados en diferentes posiciones, ya sea de alto valor añadido (miembros con centralidad alta) o marginal (miembros con centralidad baja). Desde el cualitativo analítico centrado en las posiciones, fue posible delinear sentidos diferentes sobre el aprendizaje transcurrido de acuerdo con la posición de los miembros. Los resultados mostraron la relación de la posición ocupada por el miembro de la red con significado dado al aprendizaje. A pesar de las limitaciones asociadas con la investigación de un caso único que no hace posible la generalización de los resultados, el estudio abre nuevas posibilidades para la investigación sobre la relación entre las características de los miembros y su posición con el aprendizaje en redes interorganizacionales.

Aprendizaje interorganizacionale; Sociometrico; Sentidos; Posición; Aprendizaje


Part of literature on interorganizacional network learning states that this environment (networks) allows Learning through the ability's combination of different members. Also, there are current studies that link the same member's characteristics with issues and barriers to learning. This apparent contradiction stimulated a question: how the configuration of network member's positions affects the sense that learning has to the own members? Our study presents the empirical results of a case analysis related to one Brazilian epistemic network in biotechnology field. The methodology was based on combined methods of quantitative and qualitative techniques. Initially, we used quantitative analysis highlighting the sociometric member's position according the centrality to learning and academic production. After that, we applied a semistructured interview with members located in different positions, independently of high value added (members with high centrality) or marginal value (low centrality members). Using the reference of qualitative analysis focusing on the concepts of practices and genres, it was possible to devise different senses to learning in accordance with the position of members. From results, there it was possible to establish a relationship concerning the interorganizational network member position occupied and the sense given to learning. Despite the limitations associated with a unique case, which makes impossible to generalize the results, the study opens new possibilities for further research on the relationship between the member's characteristics in networks and the sense of learning.

Network learning; Sociometric; Senses; Position; Learning


GESTÃO DE PESSOAS

Configuração de posições em uma comunidade epistêmica e sua relação com o sentido da aprendizagem em redes interorganizacionais: estudo de caso no campo da biotecnologia

Setting positions in epistemic communities and its relation to sense of learning in interorganizational networks: case study in biotechnology field

Configuraciones de posición de una comunidad epistémica y su relación con el sentido del aprendizaje en redes interorganizacionales: un estudio de caso en el ámbito de la biotecnologia

Kenneth Nunes Tavares De AlmeidaI; André Luiz FischerII; Adriana Roseli Wünsch TakahashiIII; Bárbara Beatriz FreitagIV; Alessandro Gomes EnoqueV; Mozar José De BritoVI

IPós-Doutorando pelo Programa de Pós-Graduação em Administração da Universidade de São Paulo (USP). Avenida Professor Luciano Gualberto, 908, Prédio FEA 3, Cidade Universitária, Butantã, São Paulo – SP – Brasil – CEP 05508-900. E-mail: kennethnunes@usp.br

IIDoutor em Administração pela Faculdade de Administração, Economia e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA-USP). Professor do Programa de Pós-Graduação em Administração da Universidade de São Paulo. Avenida Professor Luciano Gualberto, 908, Prédio FEA 3, Cidade Universitária, Butantã, São Paulo – SP – Brasil – CEP 05508-900. E-mail: afischer@usp.br

IIIDoutora em Administração pela Faculdade de Administração, Economia e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA-USP). Professora do Programa de Pós-Graduação em Administração da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Avenida Prefeito Lothario Meissner, 632, 2º andar, Jardim Botânico, Curitiba – PR – Brasil – CEP 80210-170. E-mail: adrianarwt@terra.com.br

IVMestranda do Departamento de Administração da Faculdade de Economia, Administração Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA-USP). Avenida Professor Luciano Gualberto, 908, Prédio FEA 1, Cidade Universitária, Butantã, São Paulo – SP – Brasil – CEP 05508-010. E-mail: barbara.adm@gmail.com

VDoutor em Ciências Sociais pela Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal de Minas Gerais (Fafich-UFMG). Professor do Departamento de Administração da Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Rua 20, 1.600, Tupã, Ituiutaba – MG – Brasil – CEP 38304-402. E-mail: alessandroenoque@pontal.ufu.br

VIDoutor pelo Programa de Pós-Graduação em Administração pela Faculdade de Administração, Economia e Contabilidade da Universidade Federal de São Paulo (FEA-USP). Professor do Departamento de Administração da Universidade Federal de Lavras (Ufla). Universidade Federal de Lavras, Campus Universitário, Lavras – MG – Brasil – Caixa Postal 3037 – CEP 37200-000. E-mail: mozarbrito@gmail.com

RESUMO

Na literatura sobre redes interorganizacionais, parte das abordagens de pesquisa afirma que tal tipo de ambiente favorece as condições para a aprendizagem por meio da combinação de capacidade de diferentes membros. Igualmente, existem correntes de estudo que apontam haver ressalvas relacionadas às próprias características dos membros. Esta aparente contradição instigou um questionamento: como a configuração de posições de membros de redes interorganizacionais afeta o sentido que a aprendizagem adquire para os próprios membros? Utilizando-se referências conceituais da área de aprendizagem em redes interorganizacionais, o estudo apresenta os resultados da análise de um caso empírico de uma comunidade epistêmica (rede de cooperação científica formalmente instituída) brasileira no campo da biotecnologia. Adotou-se como método de pesquisa a triangulação de técnicas quantitativas e qualitativas. Inicialmente, utilizou-se a análise quantitativa sociométrica evidenciando a posição do membro de acordo com a centralidade para a aprendizagem e a produção acadêmica. Após essa identificação, foram aplicadas entrevistas semiestruturadas aos membros localizados em diferentes posições, fossem elas de alto valor agregado (membros com alta centralidade) ou marginais (membros com baixa centralidade). A partir de um referencial de análise qualitativo com foco nos conceitos de práticas e gêneros discursivos, foi possível delinear diferentes sentidos sobre a aprendizagem decorrida de acordo com a posição dos membros. A partir dos resultados, evidenciou-se a relação da posição ocupada pelo membro da rede o sentido dado à aprendizagem. Apesar das limitações associadas à pesquisa sobre um caso único que dificulta a possível generalização dos resultados, o estudo abre possibilidades de aprofundar novas pesquisas sobre a relação entre as características dos membros e sua posição com a aprendizagem em redes interorganizacionais.

Palavras-chave: Aprendizagem em redes interorganizacionais; Sociométrico; Sentidos; Posição; Aprendizagem.

ABSTRACT

Part of literature on interorganizacional network learning states that this environment (networks) allows Learning through the ability's combination of different members. Also, there are current studies that link the same member's characteristics with issues and barriers to learning. This apparent contradiction stimulated a question: how the configuration of network member's positions affects the sense that learning has to the own members? Our study presents the empirical results of a case analysis related to one Brazilian epistemic network in biotechnology field. The methodology was based on combined methods of quantitative and qualitative techniques. Initially, we used quantitative analysis highlighting the sociometric member's position according the centrality to learning and academic production. After that, we applied a semistructured interview with members located in different positions, independently of high value added (members with high centrality) or marginal value (low centrality members). Using the reference of qualitative analysis focusing on the concepts of practices and genres, it was possible to devise different senses to learning in accordance with the position of members. From results, there it was possible to establish a relationship concerning the interorganizational network member position occupied and the sense given to learning. Despite the limitations associated with a unique case, which makes impossible to generalize the results, the study opens new possibilities for further research on the relationship between the member's characteristics in networks and the sense of learning.

Keywords: Network learning; Sociometric; Senses; Position; Learning.

RESUMEN

En la literatura sobre redes interorganizacionales, parte de la investigación establece que este tipo de ambiente favorece las condiciones para aprendizaje mediante la combinación de la capacidad de los diferentes miembros. Además, hay estudios que establecen advertencias relacionadas con las características especiales de los miembros. Esta aparente contradicción se le solicite una pregunta: ¿cómo las configuraciones de posición de miembros de redes interorganizacionales afecta el sentido de que el aprendizaje para sus proprios miembros? Utilizando referencias conceptuales en el área de aprendizaje en redes interorganizacionales, el estudio presenta los resultados del análisis de un caso empírico de una comunidad epistémica (red de cooperación científico formalmente establecida) de Brasil en biotecnología. Fue adoptado como el método la triangulación de las técnicas de investigación cuantitativas y cualitativas. Inicialmente, se utilizó un estúdio sociométrico cuantitativo que muestra la posición del miembro de acuerdo con la centralidad del aprendizaje. Después de esta identificación se aplicaron entrevistas semi-estructuradas con miembros ubicados en diferentes posiciones, ya sea de alto valor añadido (miembros con centralidad alta) o marginal (miembros con centralidad baja). Desde el cualitativo analítico centrado en las posiciones, fue posible delinear sentidos diferentes sobre el aprendizaje transcurrido de acuerdo con la posición de los miembros. Los resultados mostraron la relación de la posición ocupada por el miembro de la red con significado dado al aprendizaje. A pesar de las limitaciones asociadas con la investigación de un caso único que no hace posible la generalización de los resultados, el estudio abre nuevas posibilidades para la investigación sobre la relación entre las características de los miembros y su posición con el aprendizaje en redes interorganizacionales.

Palabras clave: Aprendizaje interorganizacionale; Sociometrico; Sentidos; Posición; Aprendizaje.

1 INTRODUÇÃO

Na década de 1990, Powell e Brantley (1992) realizaram um estudo sobre a aprendizagem que ocorre em redes de cooperação interorganizacional, considerando esse tipo de arranjo como uma estratégia fundamental para fins de desenvolvimento do conhecimento por meio da combinação de experiências e backgrounds de diferentes organizações e pessoas. Estudos como esse são representativos do que Castells (1999) considera ser a emergência e consolidação da ideia de sociedade em rede em um ambiente que exige formatos diferenciados de relacionamento entre indivíduos e entre organizações.

A noção de rede pode ter um grande conjunto de variações e aplicações no contexto organizacional: redes flexíveis de pequenas e médias empresas, redes top-down (ou de subcontratação), redes de relacionamento, redes de informação, redes de comunicação, redes de pesquisa e redes de inovação são apenas algumas das alternativas. Entre as possíveis concepções de rede, a noção de cooperação científica e/ou tecnológica em rede emerge como um campo de estudos relativamente novo (AGUIAR, 2003). Trata-se da associação que envolve diferentes parcerias entre universidades, agências de fomento, poder público e empresas privadas. Essas redes "técnico-científicas" estão associadas à coletivização de determinadas práticas, recursos e conhecimento, sob a égide de um sistema que otimiza os recursos materiais de centros de pesquisa e que ancora sua atuação no compartilhamento de conhecimento entre seus membros. Knorr-Cetina (1999) considerou e propôs que tais redes pudessem ser designadas como comunidades epistêmicas, desde que a aprendizagem e o desenvolvimento de conhecimento fossem delineados como objetivos formais, regulados por mecanismos de obrigações e controles.

Compreender e analisar a formação de tais redes como estratégia para a aprendizagem tem sido uma tarefa relativamente complexa em face do número de fatores envolvidos em sua construção e funcionamento, bem como a própria dinâmica do campo da ciência. Estudar essa relação perpassa, ainda, interesses institucionais relacionados ao poder público e à iniciativa privada, no que tange ao uso das redes científicas como estratégia de desenvolvimento do conhecimento, por um lado, e/ou captação de recursos materiais, por outro.

Hardy, Phillips e Lawrence (2003) propuseram uma categorização em três focos de estudo sobre a aprendizagem que ocorre em redes (estratégica, relacional e de aprendizagem). Os autores, baseando-se na ideia de "efeitos" deste tipo de arranjo organizacional, identificam como primordial a expectativa quanto à melhoria na aprendizagem e geração de conhecimento dos membros. Essa abordagem tem recebido espaço na literatura e constituído uma linha de pesquisa consistente ao longo do tempo (HAKANSON; JOHANSON, 1993; INKPEN; CROSSAN, 1995; POWELL; KOPUT; SMITH-DOER, 1996; POWELL; BRANTLEY, 1996; PLASKOFF, 2003; INKPEN; TSANG, 2008).

Enfatizam-se os ganhos associados à combinação das diferentes capacidades dos participantes da comunidade para a geração de um conhecimento potencializado pela coletividade. Por outro lado, Dierkes et al. (2001) considera importante atentar para os diferentes papéis estabelecidos entre os membros, a considerar a competição que pode obstruir o desenvolvimento dos objetivos iniciais de formulação de redes interorganizacionais. A comunicação, informação e interesses dos membros, bem como a configuração de posições que ocupam (físicas e simbólicas), podem ser fatores que desestimulam a aprendizagem e o desenvolvimento de conhecimento (DAVIES; HARRÉ, 1999; ROSSETI-FERREIRA; AMORIM; SILVA; CARVALHO, 2004).

É nesse campo controverso dos estudos sobre a aprendizagem que ocorre em redes interorganizacionais que emergiu a questão central deste estudo: como a configuração de posições de membros de redes interorganizacionais afeta o sentido que a aprendizagem adquire para os próprios membros? Com essa premissa, a pesquisa teve por objetivo realizar um estudo de caso no qual se analisa a relação da configuração de posições de membros de uma comunidade epistêmica (rede interorganizacional no campo científico) da biotecnologia com o sentido atribuído à aprendizagem decorrente do arranjo. A escolha pela rede estudada foi direcionada pela necessidade de identificar, deliberadamente, um arranjo no qual a intenção estivesse voltada para a construção de conhecimento, ainda que em objetivos secundários houvesse interesses alternativos, como a captação de recursos e o desenvolvimento acadêmico. Nesse sentido, entendeu-se como apropriado investigar uma comunidade epistêmica (KNORR-CETINA, 1999) associada à biotecnologia no Estado da Bahia, já que, nela, os laços eram formais, com regras processuais para a produção de conhecimento.

Para fortalecer a proposta de pesquisa, a linha teórica e metodológica do estudo aqui apresentado procura replicar a busca pela compreensão da melhoria da aprendizagem potencializada pelo formato organizacional de rede (POWELL; BRANTLEY, 1992; HARDY; PHILLIPS; LAWRENCE, 2003; PLASKOFF, 2003; INKPEN; TSANG, 2008), especificamente em comunidades epistêmicas (KNORR-CETINA, 1999), agregando as características e as posições dos membros (conforme pode ser observado nos estudos de: DIERKES et al., 2001; DAVIES; HARRÉ, 1999; ROSSETI-FERREIRA; AMORIM; SILVA; CARVALHO, 2004) e sua relação com o "sentido" que os próprios membros dão à aprendizagem (BAKHTIN, 1999; SPINK, 2000).

Evidencia-se nos tópicos subsequentes a estrutura do estudo com as bases referenciais mais bem delineadas, o plano metodológico utilizado e os resultados da etapa de investigação empírica.

2 REFERENCIAL TEÓRICO

2.1 APRENDIZAGEM EM REDES INTERORGANIZACIONAIS

A aprendizagem que ocorre em redes interorganizacionais pode ser considerada como uma subárea de estudos do que se convencionou chamar Aprendizagem Organizacional (AO). A AO tem constituído uma área robusta de estudos organizacionais, haja vista a quantidade de periódicos, livros e sugestões de aplicabilidade relacionados a esse tema. O número elevado da produção acadêmica resultou, inclusive, na necessidade de desenvolvimento de diversas metas-teorias sobre a AO, bem como perspectivas integrativas de análise de referenciais (MAIER; PRANGE; ROSENTIEL, 2001; DIERKES et al., 2001; LOIOLA; BASTOS, 2003; ESTERBY-SMITH; LILES, 2003; ANTONELLO; 2005).

Considerando-se o número de trabalhos teóricos, descritivos e prescritivos sobre a AO, foi a partir da década de 1990 que a área ganhou impulso significativo, passando a contar com uma produção expressiva (CROSSAN; GUATO, 1996) vindo a consolidar a composição de quadros teóricos mais claros e consistentes sobre a área na década de 2000 (ANTONELLO; GODOY, 2011; CROSSAN; MAURER; WHITE, 2011). Há distintas bases epistemológicas interagindo por meio do diálogo de diferentes autores dentro desse campo: "[...] Há tantas concepções sobre AO, quanto há autores que escrevem na área" (FIOL; LYLES, 1985). Este mosaico de conceitos reproduz em menor escala o mesmo fenômeno que está associado à teorização organizacional, qual seja a heterogeneidade de posições dos diferentes pesquisadores já que o estudo sobre a Organização é sujeito a contribuições de diferentes campos do conhecimento resultando em conceitos, por vezes, contraditórios.

Segundo Astley e van de ven (2005), os estudos da área convivem com uma tensão básica entre os modelos de referência individual e coletiva. Para os autores, a forte influência do modelo racional de comportamento administrativo proveniente dos estudos de Simon (1965) tem, historicamente, conduzido a uma orientação de interesse no "indivíduo" nas teorias organizacionais. Haveria, portanto, pouca compreensão sobre o que representa o estudo da coletividade como categoria passível de uma metodologia específica em AO decorrente dessa dificuldade histórica. Na teorização organizacional, a produção com ênfase mais coletivista vem assumindo maior relevância nos últimos anos, embora seu desenvolvimento ainda tenha sido tímido (ASTLEY; VAN DE VEN, 2005).

No que tange ao processo que ocorre em redes interorganizacionais – foco do estudo aqui apresentado – foi necessário identificar um sentido específico para a aprendizagem que ocorre nesse tipo de arranjo organizacional. A proposta de Weick e roberts (1996) representa uma forma de se compreender a aprendizagem nas organizações que ocorre por meio do conceito de "mente coletiva". Os autores buscam romper com uma visão individualizada da aprendizagem, sugerindo e atentando para o papel desempenhado pelo grupo e seus mecanismos de inter-relacionamento. Na visão desses autores, haveria a premissa de um sistema "transacional" de memória que se forma entre pessoas que trabalham muito proximamente, as quais conhecem muito mais os locais do que os detalhes das operações e confiam mutuamente uns nos outros para cobrir pequenos detalhes sobre os quais não possuem conhecimento. Os "sistemas de memória" são "transativos" gerando estruturas diferenciadas e integradas no sentido de que conectam os indivíduos frequentemente guardando informações em diferentes pontos da rede, manifestando-se nas interações entre as pessoas (WEICK; ROBERTS, 1996).

Amin e Cohendet (2004) consideram a aprendizagem em redes como um fenômeno que deve ser investigado sob o prisma do grupo e das relações, com base na produção de estruturas coletivas com objetivos definidos de apropriar-se do processo e dos resultados associados. Essa definição comporta a concepção de cultura que se forma para o desenvolvimento da aprendizagem (COOK; YANOW, 1995), incluindo a propensão à investigação, abertura e confiança. Entendeu-se que a referência de estudos com essa linha de compreensão está diretamente associada à proposta da pesquisa aqui apresentada que envolver redes interorganizacionais.

O uso do termo "redes" tem se associado a um novo tipo de arranjo organizacional que traria diferenças em relação aos formatos tradicionais com foco em circunscrições burocráticas de hierarquias e limites estabelecidos entre organizações, referência durante parte do século XX. Powell e Brantley (1992) indicam que o conceito de rede associa-se à ideia de flexibilidade e organicidade, evitando-se marcos baseados isoladamente no "mercado" e nas hierarquias clássicas. A ênfase para o seu funcionamento seria o relacionamento dos atores entre si e com o restante do ambiente (fornecedores, clientes, competidores etc.) de maneira mais ampla. Para os autores, relações interpessoais de todos os tipos – comunicações formais, conselhos, socialização etc. – seriam estabelecidas entre os agentes participantes das redes (indivíduos, grupos ou organizações). Os arranjos organizacionais em rede seriam, portanto, mais adaptáveis aos ambientes complexos, variáveis e turbulentos, os quais demandam características de flexibilidade, organicidade e interconexão entre diferentes agentes (elementos conceituais presentes também nos estudos de NOHRIA; ECLER, 1992; BAKER, 1992; BALDI; LOPES, 2002; AMIN; COHENDET, 2004).

Para se entender o processo e a importância das redes nos estudos organizacionais, Hardy, Phillips e Lawrence (2003) propuseram uma categorização com três focos de estudo, baseando-se na ideia de "efeitos" desse tipo de arranjo organizacional: I – Efeitos estratégicos da rede; II – Efeitos relacionais e políticos da criação da rede; III – Efeitos no nível de aprendizagem e geração de conhecimento produzido pela rede. Os autores definem a colaboração como central nas três vertentes, cuja ênfase seria a negociação por um processo constante de comunicação, sem que se reforcem os mecanismos de controle hierárquico entre participantes. Um dos principais fatores associados à colaboração em rede seria, portanto, o fato de os membros poderem aprender novas tecnologias e habilidades a partir da aliança instituída (conforme pode ser observado nas proposições de autores como: LEI; SLOCUM, 1992; HAKANSON; JOHANSON, 1993; PLASKOFF, 2003).

O efeito da rede no nível de aprendizagem potencializa a construção e/ou compartilhamento de conhecimento entre os membros (HARDY; PHILLIPS; LAWRENCE, 2003). A aprendizagem em rede significaria aprender com o parceiro e a cooperação atenderia a tal objetivo quando o conhecimento fosse compartilhado ou gerado a partir da interação. Nessa linha de pensamento, Plaskoff (2003) avalia que em alianças estratégicas a aprendizagem pode decorrer da interação de diferentes atores com competências heterogêneas e distintos backgrounds. Os participantes (indivíduos ou organizações) trariam, portanto, diferentes conhecimentos preliminarmente configurados para a atividade em rede e, a partir das interações, negociariam diferentes perspectivas, criando o ambiente para que ocorra a produção de conhecimento. Dessa forma, uma das maneiras de se entender a aprendizagem em rede seria como o resultado do alinhamento dessa interação, considerando-se os diferentes posicionamentos dos atores e a pressuposição que devem convergir para uma perspectiva comum.

Dentro das alianças interorganizacionais em rede há duas possibilidades de se entender a aprendizagem. De uma forma competitiva, há a relevância para os membros/participantes de extrair determinado conhecimento de uma parceria, descartando-a quando satisfeita a necessidade. Por outro lado, uma visão colaborativa ao adentrar uma relação de parceria permitiria, em tese, que os membros/ participantes apresentassem maior espírito de colaboração entre si, gerando conhecimento pela combinação de capacidades. Sob a segunda perspectiva, as redes podem proporcionar um espaço de trocas de dados, de informação, de opinião, de colaboração e de mobilização sobre um projeto, promovendo a ampliação do conhecimento entre os participantes.

Retomando-se o viés competitivo, fatores de resistência associados aos diferentes participantes envolvidos na criação de uma rede estariam presentes (DIERKES et al., 2001). O conceito de rede envolvido neste debate implica um tipo de arranjo organizacional que obriga membros com diferentes históricos e orientações a conviver, gerando interferência de características pessoais e/ou culturais que facilitariam ou dificultariam o aprendizado em "comunidade". A existência do fator competitivo pode ser determinante para que haja, por exemplo, um comportamento oportunista: um dos participantes de uma rede pode chegar à conclusão de que não teria nada a aprender com os outros participantes ou até mesmo poderia prejudicar-se em sua posição competitiva por ter de compartilhar conhecimento.

Uma forma de diminuir essa problemática seria estabelecer marcos referenciais para o funcionamento e participação dos membros. Estabelecendo mecanismos de convivência, a partir do delineamento da hierarquia, regulação da decisão e definição formal de liderança, favorecer-se-ia o alcance dos objetivos de aprendizagem em redes interorganizacionais. De maneira crítica, pode-se avaliar essa noção como um retrocesso à ideia de controle, já que a premissa inicial das redes pressupunha maior organicidade e flexibilidade. Por outro lado, esses mesmos mecanismos favoreceriam a diminuição de comportamentos oportunistas. Na literatura sobre redes no campo científico, a ideia de "comunidades epistêmicas" vai ao encontro dessa noção, com o estabelecimento de redes formalmente reguladas e com objetivos delineados institucionalmente (KNORR-CETINA, 1999).

Powell e Brantley (1992) realizaram na década de 1990 um estudo específico sobre comunidades epistêmicas no campo da biotecnologia (embora não utilizassem essa nomenclatura na época, a descrição dos acordos estabelecidos permite pressupor as comunidades epistêmicas). Segundo os autores, o desenvolvimento da aprendizagem nesse campo é caracterizado por meio de arranjos organizacionais regulados formalmente. Caracteriza-se por serem processos complexos de cooperação, nos quais estão presentes relações e obrigações compartilhadas em um ambiente de competição entre os participantes. Os resultados dos estudos dos autores evidenciaram que pessoas e organizações em rede necessitam desenvolver duas competências centrais: a competência interna que as diferencie na produção e a competência de aprender a cooperar com outros parceiros sejam eles competidores ou não (universidades, institutos de pesquisa e indústrias no campo macro dos acordos; cientistas, pesquisadores e empresários no nível micro das relações).

A partir de tais referências, partiu-se do pressuposto de que a AO em uma rede interorganizacional poderia ser mais bem captada em uma comunidade epistêmica. Esse tipo de arranjo facilita a compreensão do processo, já que, entre suas premissas, está a produção de conhecimento delineada por um acordo formal com mecanismos e regras claramente descritos. A partir de uma visão crítica sobre a participação dos membros, evidencia-se a concepção do sentido da AO em tais comunidades.

2.2 O SENTIDO DA APRENDIZAGEM EM REDES INTERORGANIZACIONAIS – COMUNIDADES EPISTÊMICAS

Nas comunidades epistêmicas, congregam-se pessoas que trabalham com acordos mútuos sobre áreas do conhecimento a serem pesquisadas, bem como um procedimento comum de hierarquia. Trata-se de um aspecto que limita a ação dos membros, embora seja um delineamento aceito para o sucesso do empreendimento (AMIN; COHENDET, 2004). Noções de autonomia e identidade seriam menos centrais nesta concepção, considerando-se que o esperado seria que o indivíduo contribuísse com suas habilidades pessoais para o sucesso de projetos coletivos, ainda que submetido a mecanismos de controle institucional.

A composição desse tipo de rede pressupõe a criação de ambientes para que os participantes possam explicitar os conhecimentos que possuem individualmente, aproximando-se da concepção de "ba" proposta por Nonaka e Konno (1998). Plaskoff (2003) compartilha a ideia da passagem dessas formas de conhecimento (tácito e explícito) acontecendo na coletividade. O autor pondera que o conhecimento seria construído por meio dos esforços colaborativos com objetivos comuns ou por meio da dialética de perspectivas opostas colocadas em interação, mediadas por instâncias de consenso.

Contudo, os sentidos atribuídos pelos membros à comunidade não permitiria pressupor uma sujeição acrítica. Sainsaulieu (1983 apud VASCONCELLOS; VASCONCELLOS, 2002) avalia que os critérios de decisão de um ator social na interação são influenciados pelas condições e problemas do "aqui e agora". Nesse sentido, ele, o ator, estará sujeito ao "Efeito de Posição" – a decisão depende da posição que o ator social ocupa em um contexto de ação específico e que condiciona seu acesso a informações pertinentes para a tomada de decisão. Nesse caso, ainda que haja hierarquia e regras estabelecidas, existe a possibilidade de os membros realizarem ações imprevistas ou de demonstrarem atitudes em conflito com as pressuposições e objetivos da própria rede. Essa dinâmica é caracterizada por alguns autores como a execução de Jogos Disposicionais articulados com os interesses dos membros de uma rede, de acordo com o espaço que ocupam, tanto físico como simbólico (DAVIES; HARRÉ, 1999; ROSSETI-FERREIRA; AMORIM; SILVA; CARVALHO, 2004).

Para compreender o processo de aprendizagem que ocorre em comunidades epistêmicas, não seria suficiente analisar somente seus mecanismos formais de controle e seus resultados/produtos. Coloca-se como desafio compreender o processo, os participantes e o contexto como fatores essenciais, principalmente a partir da ideia da Posição que ocupam. Nessa ótica, Rosseti-Ferreira, Amorim, Silva e Carvalho (2004) consideram que analisar e compreender o sentido que as pessoas dão para a rede em si, bem como a própria participação, são fatores determinantes para avaliar os processos e resultados decorrentes do estabelecimento do arranjo. Articulando diferentes aspectos conceituais da linguística, da sociologia e da psicologia, Spink (2004, p. 41) conceitua o sentido como:

[...] uma construção social, um empreendimento coletivo, mais precisamente interativo, por meio do qual as pessoas – na dinâmica das relações sociais historicamente datadas e culturalmente localizadas – constroem os termos a partir dos quais compreendem e lidam com as situações e fenômenos a sua volta.

Com o objetivo de compreender melhor a aprendizagem por meio da noção de sentido, associou-se o conceito à noção de gênero discursivo proposta por Bakhtin (1994); nela o autor considera que existem formas relativamente fixas de as pessoas expressarem posições, permitindo tipificar discursos que, apesar da ampla possibilidade de variação, acabam por manifestar aspectos comuns mesmo que enunciados por diferentes falantes de uma língua. Em nível "micro" o gênero discursivo tem como unidade as práticas discursivas (SPINK, 2000) das pessoas associadas à comunidade. Esse conceito representa as maneiras pelas quais as pessoas explicam, compreendem e dão sentido ao mundo e a si mesmas.

Articulando as concepções teóricas apresentadas, a linha de pesquisa do estudo procura compreender a noção de potenciação da aprendizagem pelo formato organizacional de rede interorganizacional (HARDY; PHILLIPS; LAWRENCE, 2003; PLASKOFF, 2003; INKPEN; TSANG, 2008), especificamente em comunidades epistêmicas (KNORR-CETINA, 1999), agregando as características e posições dos membros (DAVIES; HARRÉ, 1999; ROSSETI-FERREIRA; AMORIM; SILVA; CARVALHO, 2004) e a partir da estratégia de análise das práticas e gêneros discursivos dos membros (BAKHTIN, 1999; SPINK, 2000). Com essas definições, passa-se a discutir o plano metodológico do estudo.

3 PLANO METODOLÓGICO

Para verificar a relação entre a posição de membros de uma rede interorganizacional com o sentido dado à aprendizagem, foi realizado um estudo de caso único de natureza descritiva, sem pretensões de generalização. Para Yin (2001) trata-se de uma forma de pesquisa empírica cujo foco no objeto não o dissocia do seu contexto, utilizando-se múltiplas formas de capturar evidências sobre ele. A abordagem do trabalho foi predominantemente qualitativa, mas abrangeu fases de coleta e tratamento dos dados, utilizando técnicas quantitativas e qualitativas. godoy (1995) pondera haver essa possibilidade em estudos de caso, e a escolha pela triangulação de técnicas foi determinada pela natureza da problemática e dos pressupostos epistemológicos adotados (TrIvIñOS, 1987). Na primeira etapa, utilizaram-se ferramentas com foco em dados quantitativos para identificar a posição, a considerar a análise sociométrica e de produção acadêmica dos membros (WASSERMAN; GALSKIEWICZ, 2002; VELAZQUÉZ; NORMAN, 2005). Na segunda etapa do estudo, utilizou-se a técnica de pesquisa qualitativa para analisar os sentidos associados à posição dos membros por meio da noção de práticas e gêneros de discurso (BAKHTIN, 1999; SPINK, 2000).

A interpretação dos resultados, nesse caso, surgiu como a totalidade de uma investigação que teve como base a compreensão de um fenômeno caracterizado pela relação do sentido da aprendizagem em uma comunidade epistêmica devidamente referenciada pela noção de práticas e gêneros discursivos, associando-o com a posição de cada um dos participantes. Essa lógica é evidenciada a partir do quadro metodológico (Figura 1).


À esquerda da Figura 1, a utilização da análise sociométrica está fundamentada em estudos com foco na identificação das relações entre membros de redes por meio de medidas matemáticas e gráficas (WASSERMAN; GALSKIEWICZ, 2002; VELAZQUÉZ; NORMAN, 2005). Essa estratégia tem sido utilizada no Brasil por diversos autores, caracterizando uma apropriação da metodologia para o campo de estudos organizacionais nacionais (SILVA, 2003; RÉGIS; BASTOS; DIAS, 2007) e que foi considerada apropriada para o estudo aqui apresentado. Para efeito deste estudo, utilizou-se a concepção de centralidade. Há diversas outras concepções, mas, para efeito do estudo aqui apresentado, a centralidade do membro permitiu a identificação individualizada da referência do membro da rede interorganizacional.

A centralidade está relacionada às possíveis relações de referência mútuas entre pares de um grupo estudado. No foco deste estudo, o grau de centralidade foi utilizado sob a perspectiva de grau de entrada, identificando-se quantos pares da rede referenciavam um membro no tópico questionado (WASSERMAN; FAUST, 2002; VELAZQUÉZ; NORMAN, 2005). A outra medida quantitativa utilizada – a produção acadêmica – fortaleceu a identificação da capacidade de produção dos membros. Somadas as duas, chegou-se ao conceito de posição.

À direita da Figura 1, a análise qualitativa está fundamentada na concepção de práticas e gêneros discursivos. Na articulação dos aspectos da prática discursiva do membro (SPINK, 2000) associam-se tipos de discurso possíveis de categorizar pela semelhança e frequência, gerando gêneros discursivos (BAKHTIN, 1999). A partir dos gêneros discursivos, foi possível estabelecer o sentido da aprendizagem na rede objeto do estudo. Esses conceitos constituem linhas de pesquisa que vêm sendo utilizadas no campo da gestão, da psicologia e da sociologia. As principais referências dessa metodologia e sua aplicação no Brasil podem ser encontradas nos estudos de Spink (2000) e Rosseti-Ferreira, Amorim, Silva e Carvalho (2004).

3.1 CASO ESTUDADO

Como objeto de estudo, investigou-se uma rede interorganizacional formalmente constituída como comunidade epistêmica no Estado da Bahia, o Instituto Alfa de Biotecnologia (o nome original da instituição foi modificado para preservar a identidade dos participantes). Essa comunidade formal emerge em um contexto de expansão das redes como estratégia deliberada das agências de fomento brasileiras para estimular parcerias a partir de 1990 (AGUIAR, 2003). No desenvolvimento dessa política, o surgimento do Instituto atendeu a uma proposição governamental entre os anos de 2004 a 2010, quando foi delineada a necessidade de atuação em rede das organizações ligadas à pesquisa, descentralizando a produção do âmbito das universidades para a formação de redes envolvendo a iniciativa privada, centros de pesquisa e agências de fomento. A expectativa situava-se em torno da atuação compartilhada para o desenvolvimento da biotecnologia no estado (BAHIA, 2004).

Apesar de a existência dessa comunidade ter sido desregulamentada em 2010 em face de mudanças na política institucional governamental, durante seu funcionamento a comunidade chegou a possuir a população de 144 membros "pessoas físicas", entre pesquisadores, empreendedores, gestores e membros de órgãos de classe industrial, representando 36 diferentes organizações.

Após uma consulta ao coordenador da rede, 42 participantes foram destacados, a considerar o critério de contribuição efetiva para a aprendizagem da comunidade interorganizacional. Todos eram pesquisadores, embora ocupassem diferentes papéis na rede. Cada um deles preencheu um questionário avaliando os pares em relação à aprendizagem que estes proporcionavam. Dos 42 membros destacados, 23 foram mencionados ao menos uma vez como promotores de aprendizagem pelos pares, critério para definição do corte da amostra, já que membros sem menção a aprendizagem poderiam influenciar os resultados, além de não serem relevantes para o objeto desta pesquisa. Trata-se de um grupo predominantemente do gênero masculino (78,26%) com maior nível de participação de doutores (69,57%), com tempo médio de participação na comunidade de aproximadamente 4 anos, e com a maioria das idades entre 36 a 55 anos.

3.2 DESCRIÇÃO DOS RESULTADOS

3.2.1 Técnica de investigação e análise quantitativa – a posição dos membros

Para realizar o estudo da posição dos membros na rede interorganizacional escolhida, considerando-se a aprendizagem associada a cada um, desenvolveu-se um questionário que possibilitou quantificar um aspecto desejado dos relacionamentos entre os membros (VELAZQUÉZ; NORMAN, 2005). Nesse sentido, utilizou-se uma questão central (foram realizadas mais de uma pergunta; enfatiza-se aqui a mais importante para o estudo) que buscava evidenciar a centralidade dos membros: "Indique o grau de importância dos membros da rede listados abaixo para o desenvolvimento da Aprendizagem Organizacional na rede do Instituto Alfa de Biotecnologia".

A partir de uma lista com os nomes dos membros associada a uma escala simples de intensidade (0- não é importante; 1- importante; 2- muito importante) identificou-se a centralidade pelo grau de entrada ("Escore" da Tabela 2). Evidenciou-se, dessa forma, a referência em aprendizagem recebida por cada membro a partir de seus pares. A partir de um software específico voltado a quantificar as relações entre os membros, o UCINet (BORGATTI; EVERETT; FREEMAN, 2002), observaram-se membros com: a) maior centralidade pelo número de graus de entrada (Escore – Tabela 2), b) membros com centralidade média e c) também membros com baixa centralidade. O critério para definir essa classificação baseou-se na comparação dos escores dos membros entre si e confirmados por meio de entrevista com o coordenador da rede. A definição do critério foi arbitrária, já que não havia um parâmetro prévio para esse tipo de classificação. Utilizou-se a comparação entre os membros, identificando-se os de alta centralidade como aqueles com grau de entrada acima de 41%. Membros com média centralidade receberam grau de entrada entre 25% a 40%. Membros com grau de entrada abaixo de 25% foram considerados de baixa centralidade. A taxonomia proposta pode ser observada na Tabela 2.

Após a etapa de análise sociométrica, entendeu-se como pertinente utilizar uma segunda medida para complementar a noção de posição do membro na rede. Essa necessidade surgiu após se entender que um membro da rede poderia ter uma baixa referência entre os pares, mas, por outro lado, ser um pesquisador com produtividade acadêmica elevada no campo da pesquisa em biotecnologia. A medida utilizada para avaliar a produtividade do membro foi o número de artigos e trabalhos publicados em periódicos e anais de congressos, como forma de confrontar a referência em aprendizagem mencionada entre os pares com a produção efetiva de conhecimento em outros locais. Utilizou-se o período de cinco anos de maior nível de funcionamento da rede. No período 2005 a 2009 (anos completos que antecederam a etapa empírica do estudo aqui apresentado), a média de artigos por cada pesquisador foi de 24 artigos no total do período. Nesse sentido, cada pesquisador publicou, aproximadamente, cinco artigos por ano.

A partir de uma medida de dispersão estatística simples (a medida foi arbitrada pela necessidade de comparar a produção acadêmica dos membros entre si), utilizou-se o desvio padrão das publicações desse grupo – 0,9 – como referência para avaliar a produtividade do membro. Levou-se em consideração que uma produção anual de artigos igual ou acima de seis seria suficiente para identificar o pesquisador como um alto produtor de conhecimento, já que estaria acima de um desvio padrão da média do grupo. Utilizando-se essa mesma premissa, a produção acadêmica no intervalo de quatro a seis artigos configurava uma posição do pesquisador como médio produtor de conhecimento. A produção acadêmica abaixo de quatro artigos por ano configurava a posição de pesquisador como de baixo produtor de conhecimento, estando abaixo de um desvio padrão em relação à média (quadro 1).


Identificados os dois índices – centralidade e produção acadêmica – foi possível estabelecer uma relação entre a produção de conhecimento desenvolvida por cada um dos membros. Na interseção entre essas duas evidências, foram localizadas as posições dos membros (Figura 2).


3.2.2 Técnica de investigação e análise qualitativa – gêneros discursivos sobre o sentido da aprendizagem

Na etapa subsequente do estudo, já com as Posições dos membros definidas, enfatizou-se a compreensão dos sentidos atribuídos ao processo de aprendizagem que ocorreu e ocorria na comunidade epistêmica do Instituto Alfa de Biotecnologia (no momento da aplicação das entrevistas, a rede ainda estava em funcionamento). Para tal intento, utilizou-se uma entrevista semiestruturada cujo objetivo primordial era o de permitir aos membros que expressassem os diferentes sentidos associados à aprendizagem que ocorria em redes interorganizacionais e, em especial, a aprendizagem que ocorria na comunidade epistêmica do Instituto Alfa de Biotecnologia. A entrevista foi caracterizada pelos seguintes questionamentos centrais: a) Aprende-se em rede? b) Caso sim, como acontece o aprendizado? c) Existe aprendizagem no Instituto Alfa de Biotecnologia? d) Caso sim, como?

A ferramenta continha, ainda, 20 questões relacionadas à trajetória dos membros e a aspectos estruturais da rede. No entanto, foram enfatizadas as quatro questões iniciais expostas. A partir das respostas identificadas, enfatizou-se a frequência em que ocorreram, gerando quatro diferentes gêneros discursivos. A partir deles, procurou-se identificar o sentido da aprendizagem para determinados grupos da rede interorganizacional a partir da posição que ocupavam. As entrevistas foram aplicadas nos locais de atividade dos pesquisadores e tiveram duração média de 95 minutos. Os resultados evidenciaram um ponto de consenso e quatro diferentes sentidos dados para a aprendizagem, correlacionados à posição do entrevistado.

4 ANÁLISE DOS RESULTADOS – POSIÇÃO E SENTIDO DA APRENDIZAGEM NA REDE INTERORGANIZACIONAL DO INSTITUTO ALFA DE BIOTECNOLOGIA

A partir das respostas à entrevista semiestruturada, um gênero discursivo foi destacado pelos membros, independentemente de sua posição na rede: um aprendizado que foi avaliado como "relacional" para o desenvolvimento da aprendizagem no Instituto Alfa de Biotecnologia. Na visão dos participantes, estabelecer relacionamentos era condição sine qua non para a aprendizagem e geração de conhecimento. Nesse caso, tal gênero discursivo prescindiu da posição dos membros, manifestando-se em todos os subgrupos identificados na Figura 2. Os excertos a seguir caracterizam essa noção:

Agora, a partir dos projetos vem um ponto interessante e principalmente de rede, que você aprende o outro lado do contexto científico, que é a interação pessoal com as pessoas e outras instituições, onde você tem que lidar com gargalos, com dificuldades e fazer disso pontos positivos pra poder se tocar projetos ou ter elaboração, colaborando em pesquisas. A partir desses elementos contraditórios é que realmente nasce Eh, Eh, o potencial pra pesquisa, né? você gerar pesquisa de melhor qualidade. O desafio aí é superar as diferenças pessoais e trabalhar em nível profissional, quer dizer, um profissional em pesquisa, hoje, tem que ser capaz de poder superar as diferenças pessoais, atritos que sempre existem e profissionalmente conseguir trabalhar com grupos... (S7).

– Olha, os nossos pesquisadores, eles tiveram uma formação, isso, histórica de trabalhar individualmente. Hoje tá existindo essa abertura de se trabalhar em grupo. Claro que ninguém faz muita coisa sozinho, mas ainda existe essa resistência e existe o ego pessoal dos indivíduos de querer fazer sozinho ao invés de fazer em grupo. Mas a tendência, hoje, vai ser trabalhar em grupo. você se complementa no grupo. você não tem o domínio total de todas as técnicas. você sempre está precisando de outro colega, que tem outras experiências que você, associando. você vai ter um... um contorno maior. Então, eu penso desse jeito (S23).

Eu acho que (os pesquisadores) aprendem a conviver, aprendem a se relacionar um pouco mais. Tem aquelas pessoas que vão se retrair e vão ficar por não fazer, que tem gente que não gosta de trabalhar em rede porque, geralmente, o pesquisador, ele é muito, como se diz? Possuidor da área, né? Mas, eu acho que você aprende em rede, aprende sim. Nem que aprenda que nem eu aprendi, que eu só vou entrar numa agora que eu tenha TUDO (risos de S16). é um aprendizado, não é? E amadurece. Eu acho também que amadurece. Eu amadureci muito (S16).

Embora tenham pontos singulares, todos os trechos mencionados convergem para a identificação da necessidade de os membros de uma rede estabelecerem um relacionamento para a aprendizagem. Inferiu-se ser essa uma aprendizagem de cunho relacional que estava presente no sentido dado ao arranjo. Isto é confirmado, em parte, pela presença do pesquisador e das relações como centrais para aprendizagem nesse campo. Essa noção vai ao encontro da maior parte dos estudos sobre a aprendizagem quando se pondera a competência que os membros devem apresentar no sentido de cooperar para produzir (PLASKOFF, 2003). Essas referência também confirma estudos anteriores nos quais a rede interorganizacional passa, necessariamente, por estágios de relacionamento (HARDY; PHILLIPS; LAWRENCE, 2003).

Com exceção dessa relativa concordância, as respostas seguintes, dos entrevistados, evidenciaram diferentes gêneros discursivos sobre o sentido da aprendizagem na rede interorganizacional investigada, a partir da posição dos membros. Os sentidos dados pelos diferentes membros foram sintetizados na Figura 3, demonstrando a forma pela qual era dado sentido à aprendizagem, de acordo com a posição dos membros.


I – Participantes no polo inicial à esquerda estavam na posição de menores produtores de conhecimento e baixa referência em aprendizagem. A partir das entrevistas semiestruturadas, identificou-se um sentido de desejo de acesso à aprendizagem, mas, e principalmente, um sentido de isolamento na relação com os demais membros.

Eu percebia muito os pesquisadores que iam lá, pá, pá, pá, pá, pá, apresentavam, "minha proposta é essa, essa e essa, eu tô pensando em fazer isso e isso". Aí sentava e, quando outro ia fazer uma pergunta ele ia embora. Então, a pessoa pensa, "puxa, o que eu vou apresentar não é importante?". Depois, você ia ver que aquele pesquisador era imposto, ele ia mandar o projeto dele mesmo (S10).

O Instituto Alfa é uma rede pra pesquisadores [...] Eu queria ter acesso a essa informação, ou a outra rede qualquer que me interesse. Então, eu acho que essas redes específicas são muito fechadas. Se você olhar direitinho, aqui na (menciona instituição de pesquisa parte da rede), muito pouca gente conhece o Instituto Alfa. Faça uma pesquisa como essa que você tá, você tá fazendo e veja que poucos conhecem o Instituto Alfa, porque é muito específico e por ser específico é muito fechado. Eu digo: será que a gente não tá se isolando? Isso é uma forma de preconceito? é isso que eu acho (S1).

Os dois excertos são representativos das insatisfações pela pouca possibilidade de acessarem recursos, equipamentos e, principalmente, a participação em atividades coletivas com os membros mais capazes, buscando e dando sentido ao isolamento no processo de aprendizagem e na busca pela aprendizagem de crescimento. Por uma série de razões ligadas à trajetória histórica de cada um deles, não foi possível adentrar nos núcleos centrais da rede. Parte desses membros (ver, na Figura 3, os membros S1, S3, S4 e S9) posicionou-se de forma a exigir dos pares do Instituto Alfa de Biotecnologia que houvesse um nivelamento das condições de aprendizagem do grupo. Os sentidos dados pelos membros nessa exigência foram os de acessar e crescer. Por estar procurando espaços para inserção na rede, o sentido dessa aprendizagem foi considerada como desejada.

O conceito de jogos disposicionais (ROSSETI-FERREIRA; AMORIM; SILVA; CARVALHO, 2004) aplica-se diretamente aos sentidos dados por esse grupo, de acordo com a sua posição na rede interorganizacional. Por estar menos bem posicionados, observou-se que o sentido dado às relações e à aprendizagem estava associado ao isolamento e à desconsideração dos demais membros, característico da ideia de posição. Tal aspecto já havia sido dimensionado por Dierkes et al. (2001) quando o autor sinalizava a questão das relações assimétricas como fator impeditivo de aprendizagem. Nem mesmo os mecanismos de comunidade epistêmica dessa rede, como propõem Knorr-Cetina (1999) e Powell e Brantley (1992), foram suficientes para mitigar os efeitos da assimetria de relações.

II – Os membros com alta referência em aprendizagem no grupo e baixos produtores de conhecimento estavam interessados em promover o melhor funcionamento da comunidade do Instituto Alfa de Biotecnologia, sendo este, principalmente, o seu foco de atuação. Apesar de também serem pesquisadores (S2; S6; S11; S13), os interesses desses participantes não estavam voltados para a produção de conhecimento, ao menos nessa rede interorganizacional. Eles tinham clareza quanto aos aspectos competitivos e à importância que possuíam, dada a capacidade de dificultar o funcionamento de uma rede interorganizacional:

[...] Eu vejo, hoje, é que as instituições, elas são cada vez mais complexas e têm múltiplos grupos de interesse, dentro dos grupos de interesse. Há grupos de interesse político, grupos de interesse por financiamento, grupos de interesse por visões, inclusive, não é uma questão simples, né? quer dizer, tem gente que trabalha numa linha e outra que trabalha numa outra linha e ele não quer que a outra linha vença pra linha dele se fortalecer como ideia. é uma visão mais ideológica. Tem outro que por conta política, por conta de ligações políticas, trabalha com outro grupo. Enquanto um tá na gestão, o outro não tá na gestão. Ele fica em conflito com aquele porque ele quer tomar o poder e (pausa curta) você quer desmerecer a ideia do outro porque, de alguma forma, você vai ter mais acesso a financiamento para os seus projetos e se fortalecer pra ter mais voz e, então, é natural que isso aconteça. Isso acontece (S2).

Essa constatação evidenciou-se de forma mais incisiva entre os gestores e fomentadores da rede com participação associada a um forte interesse das instituições públicas ou privadas que representavam. A aprendizagem deste grupo foi delimitada pelos verbos intermediar e gerir, sendo considerada uma aprendizagem de gestão diante das dificuldades que se colocavam.

A integração. Assim, hoje, todas as pessoas conhecem o que cada uma das áreas faz, pelo menos tem uma ideia, se não conhecem a fundo. E, quando tem um projeto, vamos imaginar que se precise fazer um projeto em rede, que, nos últimos anos, vários projetos saíram em rede; agora esfriou um pouco mais; então, a gente mandava um comunicado na rede e todo mundo se unia e fazia esses projetos. Então, realmente, a ideia era integrar, era fazer com que as pessoas trabalhassem de forma cooperativa no sentido de somar esforços, né? Utilizar ainda uma estrutura comum e integrar. Esse foi o objetivo (S6).

III – Membros com menor referência em aprendizagem no grupo, mas altos produtores de conhecimento, não conseguirem compreender quais as estratégias para participar plenamente da estrutura do Instituto Alfa de Biotecnologia, optando por alijar-se dos processos de aprendizagem proporcionados por essa comunidade, elegendo outros arranjos organizacionais para a aplicação de sua capacidade no desenvolvimento do conhecimento. A identificação da produção intelectual desses membros, bem como as entrevistas realizadas com os mesmos, permitiu identificar gêneros discursivos de participação em grupos externos com altos níveis de produção intelectual, considerando-se o número de artigos produzidos, quase sempre com alta média de autores por artigo. O sentido da aprendizagem na rede, nesse caso, foi considerado externo. Os sentidos associados a essa perspectiva foram os de buscar e produzir fora. Foram representativos desse grupo os membros S10, S16, S18 e S23:

A rede também tem o problema de, às vezes, pegar um assunto, ou uma pessoa querer pegar uma coisa, sei lá, eu quero saber como que, sei lá..., por que é que uma planta tem duas folhas, uma coisa assim bem ilógica, mas a gente sabe que tem um cara ali, que vem trabalhando com isso há anos. A rede do Instituto Alfa de Biotecnologia ignora isso... e monta todo um esquema sem chamar essa pessoa, sem ouvir essa pessoa, faz sem nem considerar essa pessoa. Então, eu acho que isso foi um dos problemas que também, vários..., não é assunto, mas várias linhas em andamento tiveram isso e não pode fazer isso. Então, aí é um problema porque aí começa aquele sentimento de se sentir escanteado, de se sentir magoada e, mais tarde, você vai precisar da pessoa e a pessoa vai estar, como eu estou, em outras redes (S16).

I – Entre os participantes com melhor Posição – maiores produtores de conhecimento e membros com maior referência em aprendizagem – evidenciou-se o sentido de trocar e excluir, por meio dos benefícios gerados pela interação que promove a aprendizagem entre os membros. Por outro lado, também foi relacionado a esse grupo o sentido de excluir, considerando-se que descartavam relacionamentos que não trouxessem benefícios para sua participação (observe-se no Figura 2 os membros: S15, S8, S17, S20, S22 e S23).

Para eles, a aprendizagem implicava troca, busca de retorno no sentido de favorecê-los com algum benefício, o qual lhe fizesse enxergar um motivo para a liberação de sua capacidade e conhecimento a um membro menos capaz. Tratava-se, na visão de um dos membros, de um grupo com mais interesse e maior produção:

Eu ganho igual a qualquer outro professor, eu falo, mas existem vários outros aqui na universidade e em outras universidades que têm o mesmo perfil que eu. A gente corre atrás, queremos fazer acontecer e fazer. A verdade é que eu vi aqui na Bahia muita gente nova com menos tempo até de doutoramento que eu e estão aí aprovando projeto, fazendo as coisas acontecerem (S15).

Para os membros desse grupo, há uma expectativa clara de troca no processo de aprendizagem. Esse tipo de aprendizagem foi denominado no estudo aqui apresentado como idealizada, pois as pessoas que utilizavam tal conceito tendiam a buscar relações simétricas, nas quais os outros membros deveriam promover o mesmo potencial de evolução de aprendizagem. O excerto a seguir caracteriza esse sentido:

Fomos o primeiro laboratório a ser nacional do Nordeste. Temos colaborado com mais de vinte... [pausa curta], temos colaboradores, recurso não falta, não tem mais, porque não tem tempo para aquele projeto. Então, pra que [menciona S15, outro membro bem posicionado] vai disponibilizar seu conhecimento, pra uma rede onde está um cara da [menciona outra instituição menor], que nunca concluiu um projeto, não aconteceu, e simplesmente vai usufruir do projeto, do grupo que está ralando aí, tá entendendo, aí? Todo mundo tem direito. O professor da [instituição menor] também tem direito. é muito difícil, eu não acho que o S15 esteja errado não, ele está certo. Isso é uma coisa muito complicada. Tem que trazer alguma coisa em troca. S15 quer ganhar alguma coisa em troca, S15, o grupo dele. Se você quiser fazer isso, sim, clara e objetiva, eu vou ganhar o quê? você quer ser o bonzinho, filantrópico? que o Brasil ganhe e a Bahia se fortalece, a Bahia se fortalece se eu passar isso, pro rapazinho da [instituição menor]? Passando não move nada, porque eu vou passando, vou passando e o cara não vai fazer nada pelo Brasil (S8).

Nesse caso, as constatações e análises manifestadas por Dierkes et al. (2001) podem ser retomadas. O background dos pesquisadores e a forma como eles dão sentido ao processo de aprendizagem na rede interorganizacional acabam por afetar o acesso ao conhecimento e a definição dos ganhos proporcionados pela participação na comunidade epistêmica em questão. Pode-se também retomar o aspecto de jogos disposicionais articulados com os interesses dos membros, de acordo com o espaço que ocupam, tanto físico como simbólico (FERREIRA; AMORIM; SILVA; CARVALHO, 2004).

Reforçando-se o aspecto metodológico do estudo, a composição dos sentidos foi realizada por meio da estruturação de gêneros discursivos. Nos quatro grupos apresentados, foi possível inferir e evidenciar a interferência da posição que o membro ocupava com a forma como o mesmo dava sentido à aprendizagem na comunidade epistêmica do Instituto Alfa de Biotecnologia. A partir da análise dos resultados, passa-se a identificar as implicações para os estudos sobre aprendizagem em redes.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O objetivo central deste artigo foi o de investigar empiricamente a relação da posição de membros de uma comunidade epistêmica do campo da biotecnologia com o sentido que eles atribuem à aprendizagem no arranjo estudado. Considera-se que as proposições de Plakoff (2003) e Hardy, Phillips e Lawrence (2003) puderam ser confirmadas no estudo e divergem, em parte, da proposição da relação de pesquisa proposta inicialmente. Por meio da noção de gênero discursivo, a maior parte dos membros da comunidade, situados em qualquer posição mapeada, identifica haver uma aprendizagem nos níveis individual (dos membros) e coletivo (das organizações participantes) que é de cunho relacional para a atuação em rede. retoma-se, portanto, a proposição de Plaskoff (2003) de que uma das maneiras de se entender a AO em rede seria como o resultado do alinhamento das relações e interação entre os membros, considerando-se os diferentes posicionamentos dos participantes e a pressuposição que devem convergir para uma perspectiva comum.

Os resultados do estudo aqui apresentados pode agregar a essa constatação, por outro lado, a possibilidade de associar a relação de sentido da aprendizagem com a posição específica dos membros a partir do aumento do foco e potência da "lente" de análise sobre os grupos e pessoas participantes. Isto foi possível porque foram utilizadas técnicas quantitativas que permitiram agrupar os participantes em um mapa de posições. A partir dessas posições, propõe-se um quadro no qual é possível "mapear" a interferência da posição no sentido dado à aprendizagem na comunidade epistêmica estudada.

A posição dos maiores produtores de conhecimento e com alta referência (centralidade) está relacionada à noção de troca e desenvolvimento, congruente com as referências conceituais que apontam uma aprendizagem maior e com mais produtos relacionados à combinação dos conhecimentos dos membros, confirmando as expectativas de parte das referências da área (HAKANSON; JOHANSON, 1993; INKPEN; CROSSAN, 1995; BALESTRIN; FAYARD, 2003). O contrário também foi observado de acordo com o outro polo de posição: quanto menor a produção acadêmica e centralidade, maior a chance de o membro dar sentido de exclusão e competição à rede, com pouca aprendizagem e escassos produtos relacionados ao desenvolvimento do conhecimento. Isto confirma parte das preocupações dos estudiosos da área, ao sinalizar que a competição e exclusão podem afetar não somente o sentido da rede, mas também o comportamento dos membros (DAVIES; HARRÉ, 1999; ROSSETI-FERREIRA; AMORIM; SILVA; CARVALHO, 2004).

Os resultados agregam, também, o estudo dos sentidos atribuídos a aprendizagem por membros de posições intermediárias. reforça-se, a partir dos resultados, que o estudo da aprendizagem em redes interorganizacionais deve levar em consideração a compreensão de que há diferentes níveis de participação, a observar a complexidade dos interesses e posições dos membros, bem como a interferência dessas relações no sentido que aprendizagem possui na comunidade epistêmica.

Em uma área de estudos em construção, a proposição de metodologias alternativas que identifiquem formas e estratégias para apoiar a compreensão da aprendizagem em redes interorganizacionais foi considerada como uma das implicações desse estudo. Propôs-se, portanto, a introdução da medida de posição na análise sobre aprendizagem em redes interorganizacionais. No entanto, entende-se que o estudo teve limitações claras ao focar apenas uma rede de caráter científico e não aprofundou as possibilidades das ferramentas de análise sociométrica e de análise dos gêneros discursivos. A intenção foi apresentar, em contrapartida, uma proposta de investigação alternativa que pudesse ser utilizada como apoio para o desenvolvimento de novos estudos sobre arranjos organizacionais em rede e sua implicação sobre a aprendizagem.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Jan 2013
  • Data do Fascículo
    Dez 2012
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