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UMA ANÁLISE DA CAPACIDADE ABSORTIVA EM EMPRESAS DE SETORES TRADICIONAIS DO RIO GRANDE DO SUL

RESUMO

Objetivo:

Avaliar processos relacionados às dimensões da capacidade absortiva (CA) em empresas de setores tradicionais do Rio Grande do Sul que desenvolvem inovações.

Originalidade/valor:

As empresas podem se diferenciar no mercado pelo nível de aplicação de conhecimento adquirido e utilização de mecanismos organizacionais, que apresentam elementos considerados intangíveis para o desenvolvimento da CA, ainda pouco reconhecida entre as empresas como capacidade importante para o desenvolvimento de inovações. A partir de estudos anteriores, reuniram-se elementos da CA em suas dimensões e elaborou-se um instrumento de avaliação da CA a fim de analisar a dinâmica de geração de conhecimento em microprocessos de inovação, sob um olhar da CA no contexto organizacional em setores tradicionais.

Design/metodologia/abordagem:

Os dados foram coletados por meio de um questionário semiestruturado com 47 perguntas que abrangem elementos da CA potencial e da CA realizada em suas dimensões, aplicado em duas empresas que apresentam processos de inovação comprovados no relatório do Projeto Nagirs, do banco de dados do Instituto Euvaldo Lodi do Rio Grande do Sul (IEL/RS). Optou-se por uma análise de conteúdo e por sua comparação descritiva das evidências em relação à literatura.

Resultados:

Os resultados sugerem que, em empresas de setores tradicionais, a CA pode ser explicativa para o desenvolvimento de inovações e para a sustentação de uma dinâmica organizacional com mecanismos de busca de renovação do conhecimento, envolvendo gestores e funcionários habilitados na busca e assimilação de informações externas a partir de desafios estratégicos da empresa. O estudo contribui também para o desenvolvimento de instrumento de avaliação de CA em empresas de setores tradicionais.

PALAVRAS-CHAVE
Capacidade absortiva; Dimensões da capacidade absortiva; Processos de inovação; Empresas tradicionais; Inovação

ABSTRACT

Purpose:

This study aimed to assess processes related to absorptive capacity (AC) dimensions in innovation-generating companies of traditional sectors in the State of Rio Grande do Sul, Brazil.

Originality/value:

Companies may establish differential advantages in the market due to how far they apply acquired knowledge and use organizational mechanisms. These mechanisms include intangible elements essential to the development of AC, a capacity that companies do not often recognize as important to generate innovation. Based on previous studies, we established a summary of AC elements and AC within its different dimensions. Then we created an assessment tool for AC analysis and knowledge generation dynamics in innovative micro-processes in organizations of the traditional sectors.

Design/methodology/approach:

Data were collected using a semi-structured questionnaire with 47 items to assess potential and realized AC and their dimensions. We assessed two companies on their AC. These companies were participants of a project of the Núcleo de Apoio à Gestão da Inovação (Nagirs) of Instituto Euvaldo Lodi (IEL) in the State of Rio Grande do Sul, Brazil, oriented to enhance innovation in traditional sectors. This study used content analysis and compared the evidence found with findings in the literature.

Findings:

The results suggested that, in companies of traditional sectors, AC can be considered explicative to innovation generation and the organizational dynamics orchestrating mechanisms for knowledge renewal. Data reveals that knowledge renewal requires managers and qualified workers’ engagement in search and application of external information that responds to the company’s strategic challenges. The study also contributes to establishing an assessment tool for AC in companies of traditional sectors.

KEYWORDS
Absorptive capacity; Absorptive capacity dimensions; Innovation processes; Traditional sector; Innovation

1. INTRODUÇÃO

Aliada às estruturas de gestão da inovação das empresas, à difusão do conhecimento e à integração organizacional, essenciais para o desenvolvimento de inovações, encontra-se uma capacidade ainda pouco analisada em empresas de setores tradicionais da economia, denominada capacidade absortiva (CA) organizacional. A CA tem como base o estudo seminal de Cohen e Levinthal (1990)Cohen, W. M., & Levinthal, D. A. (1990). Absorptive capacity: A new perspective on learning and innovation. Administrative Science Quarterly, 35(1), 128-152., que consideram o construto como uma capaci­dade da empresa em reconhecer o valor da informação, assimilá-la e aplicá-la para fins comerciais, sendo esse processo fundamental para o desenvolvimento das capacidades tecnológicas de uma organização. Zahra e George (2002)Zahra, S. A., & George, G. (2002). Absorptive capacity: A review, reconceptualization, and extension. Academy of Management Review, 27(2), 185-203. ampliaram os pressupostos desenvolvidos por Cohen e Levinthal (1990)Cohen, W. M., & Levinthal, D. A. (1990). Absorptive capacity: A new perspective on learning and innovation. Administrative Science Quarterly, 35(1), 128-152. com uma perspectiva processual baseada na capacidade dinâmica da empresa, distinguindo a CA em potencial e realizada, contribuindo para a reconceitualização da CA.

A evolução dos estudos sobre a CA trouxe para literatura acadêmica um olhar para os processos e microprocessos das empresas. Pesquisadores direcionaram esforços por meio de pesquisas empíricas, na busca de indica­dores para medir antecedentes organizacionais, considerados elementos importantes para a competitividade de uma organização que afetam a capacidade potencial e realizada nos processos de inovação (Jansen, Van Den Bosch, & Volberda, 2005Jansen, J. J., Van Den Bosch, F. A., & Volberda, H. W. (2005). Managing potential and realized absorptive capacity: How do organizational ante­cedents matter? Academy of Management Journal, 48(6), 999-1015.; Volberda, Foss, & Lyles, 2010Volberda, H. W., Foss, N. J., & Lyles, M. A. (2010). Absorbing the concept of absorptive capacity: How to realize its potential in the organization field. Organization Science, 21(4), 931-951.; Tu, Vonderembse, Ragu-Nathan, & Sharkey, 2006Tu, Q., Vonderembse, M. A., Ragu-Nathan, T. S., & Sharkey, T. W. (2006). Absorptive capacity: Enhancing the assimilation of time-based manufacturing practices. Journal of Operations Management, 24(5), 692-710.; Fosfuri & Tribó, 2008Fosfuri, A., & Tribó, J. A. (2008). Exploring the antecedents of potential absorptive capacity and its impact on innovation performance. Omega, 36(2), 173-187.; Vega-Jurado, Gutiérrez-Gracia, & Fernández-de-Lucio, 2008Vega-Jurado, J., Gutiérrez-Gracia, A., & Fernández-de-Lucio, I. (2008). Analyzing the determinants of firm’s absorptive capacity: Beyond R&D. R&D Management, 38(4), 392-405.; Camisón & Forés, 2010Camisón, C., & Forés, B. (2010). Knowledge absorptive capacity: New insights for its conceptualization and measurement. Journal of Business Research, 63(7), 707-715.; Flatten, Engelen, Zahra, & Brettel, 2011Flatten, T. C., Engelen, A., Zahra, S. A., & Brettel, M. (2011). A measure of absorptive capacity: Scale development and validation. European Management Journal, 29(2), 98-116.; Jiménez-Barrionuevo, García-Morales, & Molina, 2011Jiménez-Barrionuevo, M. M., García-Morales, V. J., & Molina, L. M. (2011). Validation of an instrument to measure absorptive capacity. Technovation, 31(5-6), 190-202.; Xie, Zou, & Qi, 2018Zou, T., Ertug, G., & George, G. (2018). The capacity to innovate: A meta-analysis of absorptive capacity. Innovation, 20(2), 87-121.). Essas pesquisas demonstram que a CA influencia a inovação, a transferência de conhecimento intraorganizacional e a aprendizagem interorganizacional, facilitando o acúmulo de conhecimento e de sua utilização (Soares & Mazon, 2016Soares, T. C., & Mazon, G. (2016). Autoavaliação e seus drives de mudança institucional baseado na capacidade absortiva. Revista Ibero-Americana de Estratégia, 15(4), 77-90.).

O objetivo principal deste estudo é avaliar processos e estruturas relacionados às dimensões da CA em empresas consideradas inovadoras em setores tradicionais. Baseado nas principais contribuições em estudos anteriores sobre avaliação da CA, este trabalho elaborou um questionário semiestruturado, considerando as dimensões da CA como categorias de análise. Os dados foram coletados em duas empresas do setor tradicional do Rio Grande do Sul, com processos de inovação previamente identificados por meio de dados secundários (Instituto Euvaldo Lodi do Rio Grande do Sul, 2016). A partir da coleta de dados, o estudo analisa as dimensões da CA de duas empresas, uma do setor de alimentos e bebidas e outra do setor de equipamentos eletromédicos, e contribui para o estabelecimento de instrumento para avaliação da CA.

2. CAPACIDADE ABSORTIVA

Cohen e Levinthal (1990)Cohen, W. M., & Levinthal, D. A. (1990). Absorptive capacity: A new perspective on learning and innovation. Administrative Science Quarterly, 35(1), 128-152. definem CA como a capacidade de uma empresa de assimilar e aplicar novos conhecimentos, levando em conta a diversidade de antecedentes do nível de conhecimento dos membros da organização que, segundo os autores, são fatores que influenciam na capacidade de absorção para o desempenho inovador. Outra dimensão da CA, conforme Cohen e Levinthal (1990)Cohen, W. M., & Levinthal, D. A. (1990). Absorptive capacity: A new perspective on learning and innovation. Administrative Science Quarterly, 35(1), 128-152., consiste na capacidade de explorar recursos externos por meio da utilização de certo nível de conhecimento prévio da empresa, possibilitando o reconhecimento do valor das informações, assimilando-as e aplicando-as comercialmente.

A CA depende do conhecimento prévio existente na organização e dos indivíduos que fazem parte da organização e está associada a investimentos para o desenvolvimento da CA na busca da informação externa e interna. Esses investimentos tendem a desenvolver CA organizacional cumulativa que retroalimenta o conhecimento prévio, que, por sua vez, é intensificado pelo conhecimento novo e pela capacidade de exploração, propiciando um ambiente inovador, podendo ser utilizada pela empresa com maior ou menor intensidade, pois depende de como é conduzida na organização (Cohen & Levinthal, 1990Cohen, W. M., & Levinthal, D. A. (1990). Absorptive capacity: A new perspective on learning and innovation. Administrative Science Quarterly, 35(1), 128-152.). As habilidades do setor de recursos humanos das empresas, ao contratar indivíduos com conhecimento, experiência e formação adequada ao perfil das empresas, contribuem para o desenvolvimento de maior nível de conhecimento da equipe, gerando uma estrutura adequada que facilita a capacidade da empresa de organizar, estimular e transferir conhecimento interno (Schillaci, Romano, & Nicotra, 2013Schillaci, C. E., Romano, M., & Nicotra, M. (2013). Territory’s absorptive capacity. Entrepreneurship Research Journal, 3(1), 109-126.).

Martinkenait e Breunig (2016)Martinkenaite, I., & Breunig, K. J. (2016). The emergence of absorptive capacity through micro-macro level interactions. Journal of Business Research, 69(2), 700-708. atribuem à CA um conjunto de processos de aprendizagem exploratória ligados de modo sequencial e transformador, em que antecedentes organizacionais e individuais interagem. Ainda não há argumentos teóricos ou uma visão conclusiva sobre o desenvolvimento de inovações e o desempenho e a utilização da CA considerando idade e tempo da empresa. No entanto, Zou, Ertug e George (2018)Zou, T., Ertug, G., & George, G. (2018). The capacity to innovate: A meta-analysis of absorptive capacity. Innovation, 20(2), 87-121., em uma me­tanálise dos efeitos da CA na capacidade de inovação das empresas, constataram que o desempenho da CA é indireto, mediado pela inovação e transferência de conhecimento. A CA não aumenta com o tamanho e a idade da empresa, mas a relação da CA com o tamanho da empresa é positiva e significativa para pequenas empresas e negativa e significativa para as grandes. Quanto à idade, em empresas novas a CA não é significativa, e, em empresas maduras, a relação entre idade e CA é negativa e significativa. Apesar de poucos recursos, empresas de pequeno porte são mais capazes de inovar, enquanto as grandes, apesar de mais recursos, são resistentes em investir em capacitação (Zou et al., 2018Zou, T., Ertug, G., & George, G. (2018). The capacity to innovate: A meta-analysis of absorptive capacity. Innovation, 20(2), 87-121.).

Para explicar fenômenos organizacionais a partir de Cohen e Levinthal (1990)Cohen, W. M., & Levinthal, D. A. (1990). Absorptive capacity: A new perspective on learning and innovation. Administrative Science Quarterly, 35(1), 128-152., Zahra e George (2002)Zahra, S. A., & George, G. (2002). Absorptive capacity: A review, reconceptualization, and extension. Academy of Management Review, 27(2), 185-203. ampliaram as dimensões conceituais, distinguindo uma visão processual de CA. Os autores caracterizam a CA em dois subconjuntos: CA potencial (CAp), que compreende a aquisição e assimilação de conhecimento, e CA realizada (CAr), que abrange a transformação e a exploração do conhecimento.

As contribuições teóricas de Zahra e George (2002)Zahra, S. A., & George, G. (2002). Absorptive capacity: A review, reconceptualization, and extension. Academy of Management Review, 27(2), 185-203. são atribuídas inicialmente ao reconhecimento da CA como um conjunto de processos e rotinas organizacionais que as empresas utilizam para adquirir, assimilar, transformar e explorar o conhecimento, obtendo assim uma capacidade dinâmica organizacional que influencia na sustentabilidade de uma vantagem competitiva. Conforme os autores, essa distinção facilita a análise da CA, permitindo aos pesquisadores a exploração de antecedentes e consequências, passível de mudança por meio de ações gerenciais. A segunda contribuição é o reconhecimento da importância das diferentes dimensões da CA de uma empresa e sua influência sobre as escolhas estratégicas. Quando se especificam e examinam essas dimensões, podem-se visualizar claramente os desenvolvimentos e a evolução das capacidades dinâmicas que determinam os caminhos de mudança organizacional. A terceira contribuição dos autores é a identificação das condições da criação de valor da CA, por meio de insights sobre questões relevantes para análise da evolução da empresa (Zahra & George, 2002Zahra, S. A., & George, G. (2002). Absorptive capacity: A review, reconceptualization, and extension. Academy of Management Review, 27(2), 185-203.).

2.1 Avaliação da CA

A partir das recomendações de Zahra e George (2002)Zahra, S. A., & George, G. (2002). Absorptive capacity: A review, reconceptualization, and extension. Academy of Management Review, 27(2), 185-203. voltadas para a operacionalização da CA, pesquisadores foram em busca de mensurações da CA e de suas dimensões, desenvolvendo hipóteses, variáveis e indicadores que, por meio de estudos empíricos, validaram modelos de mensuração do construto.

Jansen et al. (2005)Jansen, J. J., Van Den Bosch, F. A., & Volberda, H. W. (2005). Managing potential and realized absorptive capacity: How do organizational ante­cedents matter? Academy of Management Journal, 48(6), 999-1015. validaram a distinção conceitual da CAp e da CAr propostas por Zahra e George (2002)Zahra, S. A., & George, G. (2002). Absorptive capacity: A review, reconceptualization, and extension. Academy of Management Review, 27(2), 185-203., com uma visão voltada aos antecedentes organizacionais, por meio de pesquisa realizada em uma base de dados de uma grande empresa europeia de negócios financeiros. Para operacionalizar a medição da CA, Jansen et al. (2005)Jansen, J. J., Van Den Bosch, F. A., & Volberda, H. W. (2005). Managing potential and realized absorptive capacity: How do organizational ante­cedents matter? Academy of Management Journal, 48(6), 999-1015. classificaram as capacidades organizacionais em “capacidades combinatórias”, separadas em três grupos: 1. mecanismos organizacionais associados às habilidades de coordenação; 2. mecanismos organizacionais associados a sistemas; e 3. mecanismos organizacionais associados às habilidades de socialização. Para cada grupo, foram incorporadas diferentes fontes de expertise que aumentam a interação entre a formalidade e a informalidade das estruturas, criando um contexto de conhecimento favorável. Volberda et al. (2010)Volberda, H. W., Foss, N. J., & Lyles, M. A. (2010). Absorbing the concept of absorptive capacity: How to realize its potential in the organization field. Organization Science, 21(4), 931-951. denominaram assim os grupos da CA: gerencial, intraorganizacional e interorganizacional, que estão ligados diretamente à coordenação, aos sistemas e à socialização das empresas (Jansen et al., 2005Jansen, J. J., Van Den Bosch, F. A., & Volberda, H. W. (2005). Managing potential and realized absorptive capacity: How do organizational ante­cedents matter? Academy of Management Journal, 48(6), 999-1015.).

O conceito inicial da CA organizacional de Cohen e Levinthal (1990)Cohen, W. M., & Levinthal, D. A. (1990). Absorptive capacity: A new perspective on learning and innovation. Administrative Science Quarterly, 35(1), 128-152. considera as informações externas como fontes de conhecimento que levam a um aprendizado contínuo com efeito cumulativo. Tal conceito remete ao estudo de Tu et al. (2006)Tu, Q., Vonderembse, M. A., Ragu-Nathan, T. S., & Sharkey, T. W. (2006). Absorptive capacity: Enhancing the assimilation of time-based manufacturing practices. Journal of Operations Management, 24(5), 692-710. que consideram que as empresas adquirem implicitamente conhecimento com fontes internas, mas, para algumas empresas, não existe acesso a esse conhecimento gerado ou noção dele. Dessa forma, os autores fazem uma adaptação na definição de CA, considerando-a como “mecanismos organizacionais que ajudam a identificar, comunicar e assimilar conhecimento externo e interno relevante” (Tu et al., 2006Tu, Q., Vonderembse, M. A., Ragu-Nathan, T. S., & Sharkey, T. W. (2006). Absorptive capacity: Enhancing the assimilation of time-based manufacturing practices. Journal of Operations Management, 24(5), 692-710., p. 3).

Fosfuri e Tribó (2008)Fosfuri, A., & Tribó, J. A. (2008). Exploring the antecedents of potential absorptive capacity and its impact on innovation performance. Omega, 36(2), 173-187. apoiam a existência de dois caminhos: a interação com fontes externas de conhecimento e a experiência com a busca do conhecimento (Zahra & George, 2002Zahra, S. A., & George, G. (2002). Absorptive capacity: A review, reconceptualization, and extension. Academy of Management Review, 27(2), 185-203.). A interação com fontes externas do conhecimento pode ocorrer por meio de clientes, competidores, consultorias, universidades e cooperação em pesquisa e desenvolvimento (P&D), o que auxilia na experiência de lidar com a informação externa por meio de diferentes fontes de conhecimento, assim como a contratação de atividades de P&D terceirizada, que proporciona para a empresa competência em participar de parcerias ou alianças em momentos futuros (Aguilar-Olaves, Herrera, & Clemenza, 2014Aguilar-Olaves, G., Herrera, L., & Clemenza, C. (2014). Capacidad de absorción: Aproximaciones teóricas y empíricas para el sector servicios. Revista Venezolana de Gerencia, 19(67), 499-518.; Fosfuri & Tribó, 2008Fosfuri, A., & Tribó, J. A. (2008). Exploring the antecedents of potential absorptive capacity and its impact on innovation performance. Omega, 36(2), 173-187.).

Vega-Jurado et al. (2008)Vega-Jurado, J., Gutiérrez-Gracia, A., & Fernández-de-Lucio, I. (2008). Analyzing the determinants of firm’s absorptive capacity: Beyond R&D. R&D Management, 38(4), 392-405. pesquisaram a distinção da CAp e da CAr de Zahra e George (2002)Zahra, S. A., & George, G. (2002). Absorptive capacity: A review, reconceptualization, and extension. Academy of Management Review, 27(2), 185-203. e destacaram que antecedentes organizacionais podem afetar a CA de diferentes formas. Os autores referenciam atributos de conhecimento, enfocando três grupos de atividades internas que incluem: 1. o conhecimento organizacional que abrange um conjunto de habilidades, conhecimento e experiência que uma empresa possui; 2. a formalização que avalia os procedimentos, as regras e as instruções explícitos nos processos organizacionais, como estabelecimento de moldes para o comportamento dos funcionários; 3. o facilitador da comunicação entre os departamentos e as unidades da empresa, e os mecanismos de integração social que se referem às práticas formais e informais que sistematizam o conhecimento na empresa, diminuindo as barreiras de troca, e que são considerados tão importantes quanto a condução de atividades internas de P&D.

No entanto, em determinadas situações, alguns desvios de regras formais podem ser importantes para a flexibilidade de adquirir conhecimento e aumentar o nível de CA nas empresas (Duchek, 2015Duchek, S. (2015). Designing absorptive capacity? An analysis of knowledge absorption practices in German high-tech firms. International Journal of Innovation Management, 19(4), 1550044.). Camisón e Forés (2010)Camisón, C., & Forés, B. (2010). Knowledge absorptive capacity: New insights for its conceptualization and measurement. Journal of Business Research, 63(7), 707-715. avançaram no estudo com foco no nível de análise organizacional e não se limitaram ao conhecimento tecnológico, permitindo outros tipos de conhecimento. Na CAp (aquisição), os autores avaliaram o conhecimento dos concorrentes, a abertura com o ambiente e a importância da cooperação em P&D com outras instituições, empresas ou universidades. Organizações não preparadas para administrar diferenças institucionais com a academia perdem a efetividade de assimilar o conhecimento disponível (Belderbos, Gilsing, & Suzuki, 2016Belderbos, R., Gilsing, V. A., & Suzuki, S. (2016). Direct and mediated ties to universities: “Scientific” absorptive capacity and innovation performance of pharmaceutical firms. Strategic Organization, 14(1), 32-52,). Além disso, Camisón e Forés (2010)Camisón, C., & Forés, B. (2010). Knowledge absorptive capacity: New insights for its conceptualization and measurement. Journal of Business Research, 63(7), 707-715. fomentam o estabelecimento de programas que estimulem o desenvolvimento de competências tecnológicas internas, oriundas de demandas dos fornecedores ou clientes.

Já para a CAp (assimilação), avaliaram-se os seguintes fatores: a capacidade de assimilação de novas tecnologias e inovações relevantes e com potencial comprovado; a habilidade dos empregados em assimilar, interpretar e usar os novos conhecimentos e utilizar a experiência bem-sucedida de empresas do mesmo setor (benchmarking); o envolvimento dos funcionários com o conhecimento científico (apresentação de trabalhos científicos, docência ou recebimento de pessoal externo que desenvolve pesquisa); a participação em treinamentos e eventos profissionais; e, por fim, a capacidade de desenvolver a gestão do conhecimento para entender e analisar a tecnologia de outras empresas. Para a CAr (transformação), os autores selecionaram os seguintes itens: a capacidade da empresa de utilizar a tecnologia da informação (TI) a fim de facilitar o fluxo de informação, compartilhar conhecimento e promover a comunicação entre os membros da empresa; a capacidade de renovação; a capacidade de adaptação; a troca de informação científica entre os empregados; e a capacidade de integrar todas as fases dos processos de P&D com a engenharia, a produção e o marketing. Os indicadores da CAr (exploração) referem-se à capacidade de utilização e exploração do novo conhecimento para responder às mudanças do ambiente, à aplicação da experiência, à capacidade de patentes de produtos e/ou processos e à capacidade de ampliar o portfólio de produtos e/ou serviços a partir da pressão da concorrência (Camisón & Forés, 2010Camisón, C., & Forés, B. (2010). Knowledge absorptive capacity: New insights for its conceptualization and measurement. Journal of Business Research, 63(7), 707-715.).

Lichtenthaler (2016)Lichtenthaler, U. (2016). Determinants of absorptive capacity: The value of technology and market orientation for external knowledge acquisition. Journal of Business & Industrial Marketing, 31(5), 600-610. considera que a orientação tecnológica e proativa em relação ao mercado afeta positivamente a CA em seus processos de exploração e retenção e na forma como a empresa investe seus conhecimentos já existentes para gerar valor por meio da criação de novos conhecimentos, provenientes de P&D de inovações, o que é denominado exploitation (March, 1991March, J. G. (1991). Exploration and exploitation in organizational learning. Organization Science, 2(1), 71-87.).

O estudo de Flatten et al. (2011)Flatten, T. C., Engelen, A., Zahra, S. A., & Brettel, M. (2011). A measure of absorptive capacity: Scale development and validation. European Management Journal, 29(2), 98-116. adotou medidas multidimensionais da CA, com a adoção de proxys comumente usadas na literatura, como P&D (Cohen & Levinthal, 1990Cohen, W. M., & Levinthal, D. A. (1990). Absorptive capacity: A new perspective on learning and innovation. Administrative Science Quarterly, 35(1), 128-152.), número de patentes (Ahuja & Katila, 2001Ahuja, G., & Katila, R. (2001). Technological acquisitions and the innovation performance of acquiring firms: A longitudinal study. Strategic Management Journal, 22(3), 197-220.; Mowery, Oxley, & Silverman, 1996Mowery, D. C., Oxley, J. E., & Silverman, B. S. (1996). Strategic alliances and interfirm knowledge transfer. Strategic Management Journal, 17(S2), 77-91.), intensidade de P&D (Belderbos, Carree, Diederen, Lokshin, & Veugelers, 2004Belderbos, R., Carree, M., Diederen, B., Lokshin, B., & Veugelers, R. (2004). Heterogeneity in R&D cooperation strategies. International Journal of Industrial Organization, 22(8-9), 1237-1263.; Meeus, Oerlemans, & Hage, 2001Meeus, M. T., Oerlemans, L. A., & Hage, J. (2001). Patterns of interactive learning in a high-tech region. Organization Studies, 22(1), 145-172.; Oltra & Flor, 2003Oltra, M. J., & Flor, M. (2003). The impact of technological opportunities and innovative capabilities on firms’ output innovation. Creativity and Innovation Management, 12(3), 137-144.; Stock, Greis, & Fischer, 2001Stock, G. N., Greis, N. P., & Fischer, W. A. (2001). Absorptive capacity and new product development. The Journal of High Technology Management Research, 12(1), 77-91.; Tsai, 2001Tsai, W. (2001). Knowledge transfer in intra-organizational networks: Effects of network position and absorptive capacity on business innovation and performance. Academy of Management Journal, 44(5), 996-1004.), entre outros. Assim, Flatten et al. (2011)Flatten, T. C., Engelen, A., Zahra, S. A., & Brettel, M. (2011). A measure of absorptive capacity: Scale development and validation. European Management Journal, 29(2), 98-116. desenvolveram medidas em que a CAp (aquisição) compartilha com a geração de inteligência e conhecimento voltado ao mercado. Para a CAp (assimilação), os autores dimensionam o foco sobre a interpretação compartilhada de conhecimentos adquiridos, assim como a disseminação desses conhecimentos e da aprendizagem para toda a organização. A CAr (transformação), para os autores, é caracterizada pelo desenvolvimento dos recursos existentes para criar novos conhecimentos, em combinação de conhecimentos existentes, sobrepondo o conhecimento anterior, assim como a geração de ideias, a capacidade de inovação, a gestão da inovação e a aprendizagem organizacional. Para a CAr (exploração), as pesquisas existentes deram pouca atenção a essa dimensão, pois limitaram-se à capacidade de inovação e à capacidade de respostas orientada ao mercado. A exploração e a criação do conhecimento têm um objetivo comum que se refere ao uso comercial do conhecimento por meio de novos produtos.

Jiménez-Barrionuevo et al. (2011)Jiménez-Barrionuevo, M. M., García-Morales, V. J., & Molina, L. M. (2011). Validation of an instrument to measure absorptive capacity. Technovation, 31(5-6), 190-202. desenvolveram uma escala para medir habilidades em adquirir, assimilar, transformar e explorar/perceber a CA. De acordo com os autores, os mecanismos organizacionais afetam a CAp e a CAr de formas diferentes. A capacidade de coordenação melhorará as capacidades potenciais, enquanto a socialização reforçará a dimensão das capacidades realizadas. Isso explica por que certas unidades ou empresas conseguem adquirir novos conhecimentos a partir do ambiente externo, mas não são capazes de aplicá-los com sucesso.

Os autores enfatizam a importância de identificar as fases da CA para que não haja um desequilíbrio entre a CAp e a CAr. Se determinada empresa consegue renovar continuamente seu estoque de conhecimento por meio da concentração de esforços na aquisição e assimilação de novos conhecimentos externos, elas podem estar fazendo isso na CAp. Portanto, elas poderão ter custos muito altos se não desenvolverem suas habilidades para transformar e valorizar esses conhecimentos. Nesse sentido, Da Rosa e Ruffoni (2014)Da Rosa, A. C., & Ruffoni, J. (2014). Mensuração da capacidade absortiva de em­- presas que possuem interação com universidades. Economia e Desenvolvimento, 26(1), 80-104. sugerem, em seu estudo sobre a mensuração da CA, que uma “assimilação alta” na empresa destaca-se como requisito relevante para obter alta capacidade de absorção.

Contudo, se essas empresas desenvolverem somente as habilidades de transformação e exploração, poderão alcançar benefícios de curto prazo, o que as tornará incapazes de responder às mudanças no ambiente. Portanto, se houver equilíbrio, essas empresas poderão usufruir do conhecimento e conquistar uma vantagem competitiva por um período maior de tempo, adequando-se às mudanças de ambiente (Jiménez-Barrionuevo et al., 2011Jiménez-Barrionuevo, M. M., García-Morales, V. J., & Molina, L. M. (2011). Validation of an instrument to measure absorptive capacity. Technovation, 31(5-6), 190-202.).

3. MÉTODO

A pesquisa é uma investigação com método de estudo de caso (Yin, 2015Yin, R. K. (2015). Estudo de caso: Planejamento e métodos. Porto Alegre: Bookman.), com aplicação de um instrumento de coleta de dados qualitativos em duas empresas de setores tradicionais do Rio Grande do Sul. Para a seleção dos casos, utilizaram-se dados secundários constantes no relatório final do projeto Núcleo de Apoio à Gestão da Inovação do Rio Grande do Sul (Nagirs), executado no período de 2013 a 2016, coordenado pelo Instituto Euvaldo Lodi do Rio Grande do Sul (IEL/RS). O objetivo do projeto Nagirs era verificar o grau de inovação de empresas industriais do Rio Grande do Sul, com estruturas e processos para inovação definidos ou em desenvolvimento.

Os principais critérios de escolha das empresas para participar deste trabalho foram: 1. ter participado do projeto Nagirs entre 2013 e 2016; 2. fazer parte da indústria do setor tradicional no Rio Grande do Sul; e 3. ter processos e estruturas de inovação estabelecidos (Instituto Euvaldo Lodi do Rio Grande do Sul, 2016Instituto Euvaldo Lodi do Rio Grande do Sul (2016). Manual de gestão da inovação. Porto Alegre: IEL/RS.).

Setenta e duas empresas participaram do projeto Nagirs, das quais 12 atendiam aos critérios estabelecidos, e, por contato telefônico, apenas duas aceitaram fazer parte do estudo.

Para a construção do instrumento de avaliação proposto, identificaram-se elementos que evidenciassem o desenvolvimento da CA em estudos anteriores, organizados por diversos autores e por similaridade em seus contextos de análise, os quais foram categorizados por mecanismos organizacionais da CA. Os elementos identificados serviram como base para elaboração de 12 categorias com o propósito de reconhecer as dimensões da CAp e da CAr de Zahra e George (2002)Zahra, S. A., & George, G. (2002). Absorptive capacity: A review, reconceptualization, and extension. Academy of Management Review, 27(2), 185-203. nos processos de inovação nas empresas.

Na Figura 3.1, estão descritas as categorias e as referências dos autores que serviram de base para a análise das empresas estudadas.

Figura 3.1
CATEGORIAS DE ANÁLISE DA CA

Com base na literatura, elaborou-se um questionário com 47 perguntas semiestruturadas que abrangem elementos da CA em suas dimensões: CAp (aquisição e assimilação) e CAr (transformação e exploração). As perguntas foram codificadas com um número de categoria, que sugere em quais dimensões da CA a empresa desenvolve seus processos de inovação, facilitando assim a análise da CA.

O questionário foi validado por especialista na área de conhecimento da CA e aplicado presencialmente. As entrevistas foram gravadas na sede das empresas selecionadas, denominadas A e B. Aplicou-se presencialmente o questionário, o que possibilitou que os respondentes explicassem com detalhes cada processo, descritos inicialmente na íntegra. Entretanto, para fins de análise, eliminaram-se os trechos em que se identificavam as evidências da CA.

A Figura 3.2 apresenta as características dos respondentes das empresas A e B, cujas entrevistas foram realizadas em novembro de 2015, com duração média de 60 minutos.

Figura 3.2
CARACTERIZAÇÃO DOS RESPONDENTES

Por se tratar de apenas duas empresas, o volume de respondentes não justificou a utilização de um software para análise. Dessa forma, optou-se por uma análise de conteúdo e por sua comparação descritiva das evidências em relação à literatura.

4. DESCRIÇÃO DOS CASOS

Com base nas respostas do questionário aplicado nas empresas A e B, indicam-se a seguir um breve histórico de cada empresa e os elementos da CA identificados nos processos de inovação de cada uma, desmembrados por categorias que fazem parte de um conjunto de processos e rotinas organizacionais para adquirir, assimilar, transformar e explorar o conhecimento, obtendo assim uma capacidade dinâmica organizacional para desenvolver inovações (Zahra & George, 2002Zahra, S. A., & George, G. (2002). Absorptive capacity: A review, reconceptualization, and extension. Academy of Management Review, 27(2), 185-203.).

4.1 Empresa A

Trata-se de uma empresa familiar do setor tradicional, fundada em 1924, que se dedica ao setor de alimentos e bebidas. Iniciou com a produção de 200 garrafas de refrigerante por dia. Durante muitos anos, manteve-se como fabricante de pequeno porte, atendendo somente à comunidade local. Já a gestão da segunda geração começa na década de 1960, com uma liderança empreendedora e uma trajetória de crescimento.

Várias mudanças estratégicas ocorreram na empresa a partir dos anos 1970, com início em investimentos em tecnologia, laboratórios e equipamentos para incrementar a capacidade produtiva. Em 2002, iniciou a liderança da terceira geração, marcada pelo desafio de mudar o modelo de gestão e implantar o sistema de qualidade, fato que contribuiu para a implementação de processos e a criação de uma estrutura sustentada pela qualidade e inovação. Aliada ao conhecimento e à experiência do diretor-presidente, a produção de bebidas modernizou-se e hoje sustenta uma vantagem competitiva por meio da qualidade dos produtos e competência na sua distribuição. A empresa mantém a equipe motivada a buscar novos conhecimentos e adaptá-los aos processos, conforme a necessidade da empresa.

Os elementos de cada dimensão da CA identificados na empresa A nas categorias elaboradas neste estudo foram:

  • 1) CAp aquisição

    • Categoria 1 - fonte de conhecimento: conhecimento organizacional baseado na experiência da empresa adquirida ao longo do tempo; pesquisa constante de informações relevantes pertinentes ao setor; troca de informações e conhecimento interno entre os setores (formal e informalmente); parcerias com fornecedores de insumos para desenvolvimento de produtos.

    • Categoria 2 - mecanismos de busca das informações externas: informações externas chegam diariamente pela área comercial e pelos fornecedores; realização de visitas de benchmarking, treinamentos, reuniões, feiras e workshops.

    • Categoria 3 - interação dos funcionários na busca de informações: gerentes e diretores incentivam os funcionários a buscar informações por meio de desafios lançados; manual orienta os funcionários a buscar informações em fontes relevantes nas visitas de benchmarking e treinamentos; há prática de reuniões entre funcionários e seus líderes sobre assuntos do setor, levados à direção por seus gestores; há participação indireta de funcionários em decisões estratégicas da direção; funcionários participam de sugestões e divulgação de ideias por meio de um canal específico, as quais são registradas e recebem posterior retorno.

  • 2) CAp assimilação

    • Categoria 4 - base de conhecimento e capacidade de resolução dos funcionários: o conhecimento dos gerentes é adequado para gerenciar operações diárias; o nível de escolaridade dos gestores e da linha de frente é de ensino superior; operadores e supervisores têm autonomia e conhecimento satisfatório para resolução de problemas técnicos; para suprir deficiências técnicas dos funcionários, são oferecidos treinamentos e capacitações; existem na empresa oito comitês técnicos multissetoriais para assuntos específicos e resolução de problemas.

    • Categoria 5 - comunicação interna: utilização de muitas maneiras de comunicar, como telefone, correspondência eletrônica, redes sociais e murais de informações que geram “ruídos”, dificultando um método ideal e eficiente; a maneira mais eficiente de comunicação entre as áreas são as reuniões formais e informais (conversas de corredor).

    • Categoria 6 - treinamentos: há previsão no orçamento anual para treinamentos gerenciais, técnicos, visitas a empresas, feiras nacionais e internacionais, seja para funcionários, seja para gestores e diretores, conforme a necessidade do setor; a direção e os gerentes fazem palestras internas mensalmente para os funcionários, visitantes e estudantes.

  • 3) CAr transformação

    • Categoria 7 - efetividade na participação dos funcionários: gestores e supervisores participam de reuniões multissetoriais; comitês estratégicos multissetoriais auxiliam na execução de projetos específicos de produto ou processo; existência de programa de desenvolvimento de lideranças que inclui rotação de pessoas entre as áreas.

    • Categoria 8 - compartilhamento do conhecimento e coordenação com a área de P&D e os demais setores: utilização de P&D externo (fornecedor); desenvolvimento de novos produtos com compartilhamento de informações relevantes do setor por meio de reuniões com o laboratório da empresa e P&D do fornecedor, com participação de grupos multidisciplinares no início e ao final do projeto; o compartilhamento do conhecimento adquirido ocorre em reuniões e com a utilização da TI, por meio de softwares, desde o nível operacional até o estratégico; ideias e sugestões dos funcionários são discutidas em reuniões semanais com o supervisor do setor e por meio de programa específico que abrange toda a empresa; realização de workshops para compartilhar informações trazidas de feiras, seminários ou informações relevantes; informações das diferentes áreas são publicadas no jornal interno, no mural ou nos boletins virtuais.

    • Categoria 9 - capacidade de renovação do conhecimento: os funcionários vinculam seus conhecimentos aos adquiridos externamente, registrando-os em programa específico; esses conhecimentos são avaliados com critérios preestabelecidos; a direção incentiva funcionários sobre mudanças que podem ser feitas em suas áreas de atuação.

  • 4) CAr exploração

    • Categoria 10 - aplicação da experiência adquirida (protótipos, patentes e registros de marcas): aplicação do conhecimento externo adquirido com investimento em tecnologia na produção industrial (máquinas e equipamentos) e em tecnologia de comunicação móvel para auxiliar a empresa a gerenciar a área comercial de maneira mais ágil; desenvolvimento de novos produtos com o propósito de inovar os processos ou a gestão; testes de uso das ferramentas de gestão com auxílio de consultores externos e comitês estratégicos da empresa; registro de marcas em âmbito nacional e internacional.

    • Categoria 11 - comunicação da experiência adquirida: comprometimento entre os funcionários de trazer e compartilhar informações para a empresa; receptividade entre funcionários e gestores a novas experiências e ideias.

    • Categoria 12 - capacidade de respostas ao ambiente e da concorrência: o conhecimento organizacional acumulado auxilia na execução dos projetos que estão sendo desenvolvidos para suprir a demanda do mercado e atender às estratégias da empresa (construção de cenários, respostas diferentes para ambientes diferentes) por meio de uma gestão de riscos; a experiência dos diretores e gestores e a expertise das equipes, aliada a novos conhecimentos, incentivam a inovação e o desenvolvimento de novos produtos; existem restrições de crescimento, como espaço físico e capacidade de produção limitada para atender à demanda do mercado e aumentar seu portfólio; diferencial competitivo da empresa está na distribuição de seus produtos.

4.2 Empresa B

A empresa B foi fundada no município de Caxias do Sul, na região da Serra Gaúcha. Em 1978, mudou-se para prédio próprio e, por muitos anos, ficou conhecida por ser a maior assistência técnica de aparelhos de televisão na região do Rio Grande do Sul. Entre 1980 e 1990, destacou-se por também consertar equipamentos médicos. Nesse período, o fundador da empresa mantinha contato com companhias estrangeiras e, em constante treinamento, adquiriu conhecimento técnico ao visitar grandes fábricas de aparelhos eletrônicos. Com isso, conheceu métodos de produção da qualidade e tecnologias de última geração desse setor.

A partir de 1999, a empresa destacou-se no mercado brasileiro de equipamentos eletromédicos para estética, exigindo da empresa maior qualificação, produtividade e P&D. Em 2000, realinhou seus processos produtivos mantendo a terceirização de fabricação dos componentes e 100% da linha de montagem.

Em 2004, um dos filhos do fundador reorganizou a estrutura organizacional e levou seus produtos para o mercado externo. Entre 2007 e 2008, a empresa B assumiu uma posição de liderança tecnológica no mercado de estética brasileiro, conquistada por meio do pioneirismo no lançamento de equipamentos com a utilização da radiofrequência na estética no Brasil. Com isso, houve mudanças estratégicas significativas para a empresa, como a introdução de P&D interno e a reformulação do modelo de gestão para atender à abrangência no mercado externo e introdução de alguns equipamentos na área médica.

Os elementos de cada dimensão da CA identificados da empresa B nas categorias elaboradas neste estudo foram:

  • 1) CAp aquisição

    • Categoria 1 - fonte de conhecimento: conhecimento organizacional por meio da experiência e conhecimento acumulado da empresa e do sócio fundador; valorização da experiência de funcionários que trabalharam em outras empresas; troca de conhecimento interno por meio de reuniões formais ou informais (conversas de corredor); parcerias com 18 distribuidores, fornecedores de insumos, e dez universidades nacionais e internacionais; setor de P&D estruturado, mas eventualmente desenvolve algum equipamento em conjunto com P&D do fornecedor ou de instituições de ensino.

    • Categoria 2 - mecanismos de busca das informações externas: informações externas mais relevantes do setor chegam por intermédio da direção e do setor comercial, da participação de feiras e de contatos com os clientes e distribuidores; a busca das informações pelos gerentes e funcionários acontece por visitas de benchmarking; clientes; assinatura de revistas especializadas; artigos na internet, publicações do setor; consultores; especialistas; mediante trabalhos de campo e pesquisas com universidades e entidades de classe; informalidade no desenvolvimento interno de aquisição tecnológica; a empresa aprende com os fornecedores e clientes, utilizando meios como pesquisa, ensaios e testes em produtos, construção de protótipos que consiste em projeto, execução e implementação, até chegar ao mercado.

    • Categoria 3 - interação dos funcionários na busca de informações: motivação dos funcionários na busca de informações por meio da participação em feiras; o funcionário é estimulado a buscar novos desafios dentro da empresa, como a troca de setor para que ele se sinta mais estimulado em buscar novas informações e aplicar seu conhecimento; decisões estratégicas ficam com a diretoria e gerências; participação indireta de todos os funcionários em decisões estratégicas, pois são representados pelos seus gestores; formalização de processos, instruções de trabalho, roteiro de atividades.

  • 2) CAp assimilação

    • Categoria 4 - base de conhecimento e capacidade de resolução dos funcionários: a maioria dos funcionários tem ensino superior, e os gestores têm pós-graduação; o conhecimento técnico dos funcionários da engenharia, dos fisioterapeutas e dos esteticistas é considerado acima da média de outros profissionais; as equipes trabalham em áreas específicas, mas, quando existe alguma dificuldade em alcançar metas, os gestores organizam uma força-tarefa para buscar os resultados esperados.

    • Categoria 5 - comunicação interna: reuniões entre gestores de diversas áreas; comunicação por meio de telefone, correio eletrônico, redes sociais e aplicativos; o fluxo rápido de informações para toda a empresa e a falta de tempo acarretam oportunidades perdidas; para o grupo de gestores, por ser pequeno, o fluxo de comunicação funciona melhor.

    • Categoria 6 - treinamentos: gestores e supervisores participam de feiras do setor; treinamentos internos são ministrados para os funcionários que necessitam aprimorar suas habilidades e atualizar mudanças na regulamentação; há ainda cursos de atualização de softwares e trocas de plataformas; benchmarking industrial; palestras internas para clientes, distribuidores e professores de universidades.

  • 3) CAr transformação

    • Categoria 7 - efetividade na participação dos funcionários: participação dos funcionários no desenvolvimento dos produtos e nas decisões estraté­gicas, por meio de reuniões interdepartamentais, formais e mensais; incentivo na troca de função e setor aos funcionários para aprendizagem de processos internos das diferentes áreas; incentivo financeiro na produção de trabalhos acadêmicos pertinentes ao setor em que o funcionário atua.

    • Categoria 8 - compartilhamento do conhecimento e coordenação com a área de P&D e os demais setores: sugestões e ideias entre gerentes e direção acontecem de maneira informal; as ideias são discutidas livremente e estão à vista em um placar de sugestões aprovadas dentro do setor; P&D e outras áreas comunicam-se com auxílio de uma metodologia de gerenciamento de projetos que começa com a classificação da sugestão, o domínio da tecnologia e a viabilidade técnica, comercial e financeira; inicia-se o desenvolvimento teórico e prático do equipamento, realizam-se, em seguida, os testes e os contatos com o comercial e o marketing, e, finalmente, faz-se a produção-piloto; publicações periódicas de informativos elaborados pela engenharia, além de boletins técnicos que acompanham o produto.

    • Categoria 9 - capacidade de renovação do conhecimento: os funcionários têm capacidade de usar o conhecimento e aplicá-lo em seu trabalho prático; constante renovação, existem alguns processos que são acompanhados e com uma análise criteriosa no período de experiência até a contratação.

  • 4) CAr exploração

    • Categoria 10 - aplicação da experiência adquirida (protótipos, patentes e registros de marcas): contratos de confiabilidade com parceiros, contratos comerciais com distribuidores e fornecedores; contratos e convênios com universidades e aditivos de contrato por projeto desenvolvido, com cláusulas de confidencialidade; credibilidade e confiabilidade no uso dos equipamentos pelos clientes é um dos resultados do conhecimento aplicado pela equipe da empresa; empresa não tem patentes por causa do descompasso dos órgãos competentes e da dinâmica do mercado brasileiro; melhorias em seus equipamentos comprovam a habilidade da empresa em aplicar conhecimentos adquiridos, com auxílio de pesquisadores internos e externos; apoio dos gestores e da direção para a fabricação de protótipos.

    • Categoria 11 - comunicação da experiência adquirida: o compartilhamento das ideias e sugestões fica registrado a partir da elaboração do pré-projeto; as sugestões passam por avaliação técnica, financeira e comercial; todas as áreas têm a responsabilidade de trazer informações e pensar em inovações para seu setor ou para a empresa como um todo.

    • Categoria 12 - capacidade de respostas ao ambiente e da concorrência: a empresa atende às mudanças de ambiente por meio de uma visão estratégica de mercado, na busca de soluções por intermédio de estudos científicos e por meio do atendimento às normas exigidas do setor; vantagem competitiva perante os concorrentes consiste em ser uma empresa que oferece serviços e fabrica seus próprios equipamentos.

5. ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS

Com uma descrição detalhada das empresas, percebeu-se a oportunidade de analisar as duas empresas sobre a ótica da CA em seus processos de inovação e verificar as evidências da CA em diferentes idades e a maturidade das empresas estudadas. A empresa A é do setor de alimentos e bebidas, de grande porte e madura, pois tem mais de 90 anos. Já a empresa B é de pequeno porte e produz equipamentos eletromédicos, além de ser também madura, pois tem mais de 50 anos.

5.1 CAp (aquisição)

As empresas A e B demonstraram que existe um processo de inovação voltado para a demanda de mercado, com a integração interna dos funcionários e colaboração externa dos fornecedores de insumos. Elas relataram similaridade nas evoluções de crescimento com diversidades ambientais e mudanças mercadológicas e acúmulo de conhecimento e experiência, considerados antecedentes da CA organizacional (Zahra & George, 2002Zahra, S. A., & George, G. (2002). Absorptive capacity: A review, reconceptualization, and extension. Academy of Management Review, 27(2), 185-203.; Jansen et al., 2005Jansen, J. J., Van Den Bosch, F. A., & Volberda, H. W. (2005). Managing potential and realized absorptive capacity: How do organizational ante­cedents matter? Academy of Management Journal, 48(6), 999-1015.; Fosfuri & Tribó, 2008Fosfuri, A., & Tribó, J. A. (2008). Exploring the antecedents of potential absorptive capacity and its impact on innovation performance. Omega, 36(2), 173-187.).

A empresa A não dispõe de P&D interno, mas desenvolve parcerias para desenvolvimento de novos produtos com seus principais fornecedores de insumos utilizando P&D dos fornecedores (Fosfuri & Tribó, 2008Fosfuri, A., & Tribó, J. A. (2008). Exploring the antecedents of potential absorptive capacity and its impact on innovation performance. Omega, 36(2), 173-187.; Camisón & Forés, 2010Camisón, C., & Forés, B. (2010). Knowledge absorptive capacity: New insights for its conceptualization and measurement. Journal of Business Research, 63(7), 707-715.). No entanto, notou-se que não há contratos de confidencialidade com os fornecedores e que os desenvolvimentos são realizados na confiança entre as parcerias, o que pode provocar certo desequilíbrio entre as dimensões CAp e CAr (Jiménez-Barrionuevo et al., 2011Jiménez-Barrionuevo, M. M., García-Morales, V. J., & Molina, L. M. (2011). Validation of an instrument to measure absorptive capacity. Technovation, 31(5-6), 190-202.), pois a vantagem competitiva será de curto prazo.

Já a empresa B tem um setor de P&D interno estruturado, considerado um determinante da CA, conforme mencionam Cohen e Levinthal (1990)Cohen, W. M., & Levinthal, D. A. (1990). Absorptive capacity: A new perspective on learning and innovation. Administrative Science Quarterly, 35(1), 128-152. e Vega-Jurado et al. (2008)Vega-Jurado, J., Gutiérrez-Gracia, A., & Fernández-de-Lucio, I. (2008). Analyzing the determinants of firm’s absorptive capacity: Beyond R&D. R&D Management, 38(4), 392-405.. Fontes de informação externa chegam das parcerias com distribuidores, alguns fornecedores de insumos e universidades nacionais e internacionais, o que remete à abertura do ambiente referenciada por Camisón & Forés (2010)Camisón, C., & Forés, B. (2010). Knowledge absorptive capacity: New insights for its conceptualization and measurement. Journal of Business Research, 63(7), 707-715.. Para desenvolver algum produto ou fazer alguns testes, a empresa eventualmente utiliza o setor de P&D de fornecedor de insumos ou instituição de ensino, mantendo contratos de confidencialidade com os parceiros para troca de tecnologia, além de contratos de fornecimento e convênios com as universidades.

5.2 CAp (assimilação)

A escolaridade dos funcionários da linha de frente das empresas A e B é de nível superior e de maior número de pós-graduados na empresa B, pois, nesse ponto, a contratação de pessoas com níveis de escolaridade superior, para desenvolver produtos com base em estudos científicos e parceria com universidade, acelera o mecanismo de busca para o desenvolvimento da CAp. O conhecimento técnico dos funcionários das duas empresas é bastante alto, facilitando a assimilação das informações externas adquiridas (Tu et al., 2006Tu, Q., Vonderembse, M. A., Ragu-Nathan, T. S., & Sharkey, T. W. (2006). Absorptive capacity: Enhancing the assimilation of time-based manufacturing practices. Journal of Operations Management, 24(5), 692-710.).

As empresas A e B mantêm equipes que trabalham em áreas específicas. Na empresa A, existem comitês técnicos multissetoriais (Jansen et al., 2005Jansen, J. J., Van Den Bosch, F. A., & Volberda, H. W. (2005). Managing potential and realized absorptive capacity: How do organizational ante­cedents matter? Academy of Management Journal, 48(6), 999-1015.) para assimilar assuntos específicos, para resolução de problemas, que podem ser considerados os gate keepers internos mencionados por Cohen e Levinthal (1990)Cohen, W. M., & Levinthal, D. A. (1990). Absorptive capacity: A new perspective on learning and innovation. Administrative Science Quarterly, 35(1), 128-152. e Jones (2006)Jones, O. (2006). Developing absorptive capacity in mature organizations: The change agent’s role. Management Learning, 37(3), 355-376., pois auxiliam na socialização e na escolha das estratégias da empresa. Na empresa B, não existem comitês, mas, quando há alguma dificuldade em determinada área, todos cooperam para que possam alcançar as metas ou buscar os resultados.

A comunicação nas duas empresas acontece por meio de reuniões multidisciplinares (Jansen et al., 2005Jansen, J. J., Van Den Bosch, F. A., & Volberda, H. W. (2005). Managing potential and realized absorptive capacity: How do organizational ante­cedents matter? Academy of Management Journal, 48(6), 999-1015.; Flatten et al., 2010), telefone, e-mail, redes sociais, aplicativos, mecanismos que levam à conectividade, socialização e interface entre as funções consideradas por Jansen et al. (2005)Jansen, J. J., Van Den Bosch, F. A., & Volberda, H. W. (2005). Managing potential and realized absorptive capacity: How do organizational ante­cedents matter? Academy of Management Journal, 48(6), 999-1015. como positivas para o aumento da CAp. Observa-se que existe um fluxo rápido das informações nas empresas, e, apesar de isso ser importante e necessário, há perdas de oportunidades por causa do pouco tempo para assimilação de informações recebidas. Embora a variedade de meios de comunicação seja positiva, se ela não for orientada de maneira eficaz, pode ser uma geradora de “ruídos”, o que prejudicará a intensidade da CA.

Similaridades também foram encontradas nas empresas para aprimorar as habilidades dos funcionários e contribuir para a capacidade de assimilar novas tecnologias. As empresas A e B oferecem treinamentos internos específicos, cursos de atualização de softwares, além de visitas de benchmarking industrial, participação em feiras nacionais e internacionais, treinamentos gerenciais, visitas técnicas que estimulam as habilidades de gestores e funcionários em assimilar novas informações e trazer novas formas de fazer adaptadas à realidade da empresa (Camisón & Forés, 2010Camisón, C., & Forés, B. (2010). Knowledge absorptive capacity: New insights for its conceptualization and measurement. Journal of Business Research, 63(7), 707-715.).

5.3 CAr (transformação)

As empresas A e B envolvem gestores e supervisores na participação dos processos de decisão por meio de reuniões multissetoriais e da formação de comitês estratégicos, para auxiliar na execução de processos específicos ou discutir o desenvolvimento de tendências e inovações. Na empresa A, quando existe o desenvolvimento de um novo produto, o comitê multidisciplinar (marketing, comercial e financeiro) auxilia na primeira e na última etapa do projeto, e o laboratório da empresa acompanha cada passo do desenvolvimento com o setor de P&D do fornecedor (Jansen et al., 2005Jansen, J. J., Van Den Bosch, F. A., & Volberda, H. W. (2005). Managing potential and realized absorptive capacity: How do organizational ante­cedents matter? Academy of Management Journal, 48(6), 999-1015.; Jiménez-Barrionuevo et al., 2011Jiménez-Barrionuevo, M. M., García-Morales, V. J., & Molina, L. M. (2011). Validation of an instrument to measure absorptive capacity. Technovation, 31(5-6), 190-202.).

Na empresa B, existe a capacidade de coordenar as fases do processo de P&D com outras áreas funcionais (Camisón & Forés, 2010Camisón, C., & Forés, B. (2010). Knowledge absorptive capacity: New insights for its conceptualization and measurement. Journal of Business Research, 63(7), 707-715.). Por ser uma empresa com um setor de P&D estruturado, os mecanismos de interação são inerentes ao processo, de maneira sistemática, facilitando o acompanhamento metódico de cada projeto e auxiliando no desenvolvimento da CAr. A empresa incentiva os funcionários na troca de funções entre os setores, auxiliando na motivação e na efetividade de colaboração dos funcionários em aprender e contribuir para a busca de conhecimento pessoal e da empresa, além da oportunidade do setor em aumentar a capacidade de associação do conhecimento novo e o já existente (Cohen & Levinthal, 1990Cohen, W. M., & Levinthal, D. A. (1990). Absorptive capacity: A new perspective on learning and innovation. Administrative Science Quarterly, 35(1), 128-152.).

Nas duas empresas, verificou-se o desenvolvimento de inovações incrementais, o que demonstra capacidade de coordenar o fluxo de informações e transmitir conhecimentos adquiridos, utilizando programas informatizados do nível operacional ao estratégico que auxiliam na comunicação entre os setores. Nesse sentido, conforme referenciaram Camisón e Forés (2010)Camisón, C., & Forés, B. (2010). Knowledge absorptive capacity: New insights for its conceptualization and measurement. Journal of Business Research, 63(7), 707-715. e Jiménez-Barrionuevo et al. (2011)Jiménez-Barrionuevo, M. M., García-Morales, V. J., & Molina, L. M. (2011). Validation of an instrument to measure absorptive capacity. Technovation, 31(5-6), 190-202., as empresas utilizam a TI como aliada no desenvolvimento de sua CAr. Ainda, as empresas mantêm registros, relatórios e documentos para o gerenciamento dos processos, assim como faz a divulgação de informações relevantes por meio de jornal interno, boletins informativos, palestras e workshops, considerados importantes meios de comunicação por Jiménez-Barrionuevo et al. (2011)Jiménez-Barrionuevo, M. M., García-Morales, V. J., & Molina, L. M. (2011). Validation of an instrument to measure absorptive capacity. Technovation, 31(5-6), 190-202. e Flatten et al. (2010).

5.4 CAr (exploração)

A empresa A desenvolve suas inovações com o setor de P&D do fornecedor e com o laboratório interno, onde são realizados testes de degustação envolvendo uma equipe interna multidisciplinar. Para compra de novos equipamentos de produção ou gestão, são realizados testes de uso e aplicabilidade, com orientação de uma consultoria externa e uma equipe interna de gestores. O diferencial da empresa está na área de distribuição como inovação em serviço, podendo ser considerado um regime de apropriabilidade que, conforme Zahra e George (2002)Zahra, S. A., & George, G. (2002). Absorptive capacity: A review, reconceptualization, and extension. Academy of Management Review, 27(2), 185-203., sustenta uma diferença de desempenho. Assim, os resultados demonstrados, que evidenciam a CAr, não se referem apenas às inovações incrementais, mas também às renovações e ao acúmulo de conhecimento para melhorar o processo de decisão estratégica da empresa.

Já na empresa B, a aplicação do conhecimento tem como resultado a credibilidade e confiabilidade no uso dos equipamentos pelos usuários finais e pelas universidades que compartilham sugestões e acompanham os desenvolvimentos e fornecem feedback. Com isso, a empresa atingiu o objetivo estratégico de introduzir seus equipamentos na área médica e aumentar suas vendas com abertura do mercado internacional. Nesse sentido, o conhecimento organizacional adquirido foi incorporado ao conhecimento existente, proporcionando uma CAr (Vega-Jurado et al., 2008Vega-Jurado, J., Gutiérrez-Gracia, A., & Fernández-de-Lucio, I. (2008). Analyzing the determinants of firm’s absorptive capacity: Beyond R&D. R&D Management, 38(4), 392-405.).

As inovações das empresas A e B não são patenteadas nos órgãos competentes. A empresa A optou por registrar somente as marcas de seus produtos em órgãos nacionais e internacionais. A empresa B apenas registra os nomes dos tratamentos estéticos desenvolvidos pela empresa nos órgãos de registro competentes. Se, por um lado, um produto patenteado poderia ser um mecanismo de isolamento para garantir resultados comerciais (Cohen & Levinthal, 1990Cohen, W. M., & Levinthal, D. A. (1990). Absorptive capacity: A new perspective on learning and innovation. Administrative Science Quarterly, 35(1), 128-152.; Camisón & Forés, 2010Camisón, C., & Forés, B. (2010). Knowledge absorptive capacity: New insights for its conceptualization and measurement. Journal of Business Research, 63(7), 707-715.), o que é considerado por alguns autores como uma vantagem competitiva resultante de um regime de apropriabilidade (Zahra & George, 2001), por outro, a burocracia brasileira que envolve o processo de patente oferece margem à concorrência com a oportunidade de cópia, deixando exposto um conhecimento da empresa adquirido e assimilado por dois anos, tempo de duração estimado para desenvolver um novo equipamento e/ou serviço pelas empresas.

6. CONCLUSÃO

O objetivo deste trabalho foi avaliar processos relacionados às dimensões da CA em empresas de setores tradicionais do Rio Grande do Sul que desenvolvem inovações. A análise desenvolvida possibilitou um olhar detalhado das práticas para o desenvolvimento da CA em suas dimensões, em empresas de setores tradicionais do Rio Grande do Sul. O resultado da análise sugere que existem evidências do desenvolvimento da CA nas duas empresas estudadas. As análises mostram que empresas industriais que inovam, independentemente do tamanho ou setor, mantêm uma dinâmica organizacional com mecanismos de busca de renovação do conhecimento existente, envolvendo gestores e funcionários com habilidades na busca e assimilação de informações externas por meio de desafios estratégicos lançados pela empresa.

Percebe-se que a CAp se manifesta com algumas particularidades, como diferentes fontes de informação, parcerias estratégicas com mais ou menos intensidade, estruturação de P&D interno como necessidade para estruturar seus projetos e a diferente percepção da importância de contratos de confiabilidade entre as parcerias. Contudo, existem semelhanças nos mecanismos de busca e assimilação, como treinamentos, visitas de benchmarking, visitas a feiras, rotina de reuniões formais, estruturação de equipes multidisciplinares e interação dos funcionários para transformar seus conhecimentos em resultados para a empresa de maneira documentada.

Quanto à CAr, as duas empresas, apesar de diferentes ambientes e trajetórias, desenvolvem saídas semelhantes, como a geração de inovações incrementais, baseadas na melhoria contínua da empresa, e a definição de escolhas estratégicas que contribuem para desenvolver competências diferenciadas em relação aos concorrentes e enfrentar as mudanças de mercado.

Quando se analisaram as dimensões da CA das empresas A e B, observou-se que a maturidade delas é similar. Em ambas, um antecedente da CA importante foi o conhecimento prévio dos fundadores, pois, à medida que o tempo avançou, mais conhecimento foi acumulado por meio de mecanismos desenvolvidos pelas empresas, adaptando-se às mudanças do seu ambiente, o que sugere uma relação significativa entre a CA e os processos de inovação das empresas.

As empresas A e B se diferem no porte. A empresa A, que é de grande porte, apesar de utilizar seus conhecimentos e aplicá-los em inovações de produtos e serviços, depende muito do conhecimento externo e de seus fornecedores para seus desenvolvimentos, o que sugere uma relação menos intensa ou significativa com a CA para inovar. Por sua vez, a empresa B, de pequeno porte, mantém uma busca constante de desenvolvimento de produtos dentro da empresa por meio do setor de P&D, contribuindo para a capacitação dos funcionários e a diferenciação perante seu setor da indústria, atribuindo uma relação mais positiva e significativa com a CA.

A partir das análises, percebe-se que, apesar de as empresas estudadas utilizarem mecanismos que desenvolvem a CA, elas ainda não reconhecem suas dimensões e seus componentes. De certa forma, este estudo aventurou-se em buscar evidências de uma capacidade intangível presente nas empresas do setor tradicional e percebeu que a CA tem uma função importante, podendo ser considerada essencial para o desenvolvimento de vários tipos de capacidades de uma empresa.

O estudo sugere que empresas do setor tradicional com características inovadoras podem ser avaliadas em seus microprocessos de inovação pela perspectiva da CA, para que sejam identificados elementos simples contidos na caixa-preta das empresas, com possibilidade de uma gestão mais eficaz. Percebeu-se que as dimensões são interdependentes: enquanto a CAp ajuda na efetividade de agregar conhecimentos, possibilitando à empresa estar preparada para enfrentar desafios, a CAr demonstra os resultados das habilidades desenvolvidas por meio do conhecimento adquirido, com a geração de inovações de qualquer natureza ou na capacidade da empresa de escolher melhor os caminhos estratégicos que fazem parte de sua trajetória.

A contribuição deste trabalho está no desenvolvimento e na aplicação de um instrumento de análise da CA em processos e estruturas voltados à inovação, identificando as dimensões da CA desde os processos iniciais até a efetividade das inovações. Existem algumas vantagens da empresa em conhecer como está dimensionada sua CA, como identificar falhas de um processo, melhorar a gestão e desenvolver capacidades de natureza organizacional.

A consolidação dos estudos relativos à CA, a elaboração do instrumento de coleta de dados e a sua aplicação podem ser compreendidas como uma contribuição para o campo de pesquisa da CA. Como contribuição empírica do trabalho, ressalta-se também que a maturidade das empresas é um antecedente importante para o desenvolvimento da CA, enquanto o porte da empresa não apresentou influência no desenvolvimento da CA. A existência de estrutura de P&D pode ser considerada relevante.

Cabe ressaltar que os resultados aqui apresentados não definem um comportamento linear entre as empresas tradicionais com processos de inovação, pois a pesquisa foi aplicada em apenas duas empresas industriais brasileiras, sem a possibilidade de generalização dos resultados.

AGRADECIMENTOS

Agradecemos o apoio financeiro da Capes através dos Projetos Capes/SIU 88881.153845/2017-01 e Capes/Proex 23038.009354/2018-25.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Jan 2020
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    09 Abr 2019
  • Aceito
    23 Ago 2019
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