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PRÁTICAS COTIDIANAS E PROCESSOS DE TERRITORIALIZAÇÃO DE ASSENTADOS EM QUERÊNCIA DO NORTE, PARANÁ

RESUMO

Objetivo:

Compreender os processos de territorialização no cotidiano de vida e trabalho de assentados em Querência do Norte, Paraná.

Originalidade/valor:

Este trabalho contribui com o contexto das discussões acerca do território e processo de territorialização (Haesbaert, 2011; Raffestin, 1993, 2008; Saquet, 2008) no cotidiano (De Certeau, 2014) de trabalhadores marginalizados pela sociedade de forma geral.

Design/metodologia/abordagem:

Este artigo de natureza qualitativa foi desenvolvido a partir de dados coletados por meio de oito entrevistas de história de vida com assentados, pré-assentados e moradores de Querência do Norte. Depois de transcritas, as entrevistas passaram por uma análise de narrativas.

Resultados:

Identificamos que a partir das práticas de trabalho, estudo e reivindicações, os assentados territorializam o espaço e ali passaram a criar suas próprias regras e normas de convivência. Em suas lutas pela terra, torna-se claro que seu local de pertencimento é o campo, justificando a insistência na luta pelo direito à terra para cultivar. O sentimento de pertencimento dos trabalhadores é representado pela luta que os une e os coloca como parte de um movimento maior. Tendo o homem como centro, a construção da territorialidade se faz no cotidiano de luta e trabalho dos assentados e pré-assentados em Querência do Norte.

Palavras-chave:
Cotidiano; Território; Processo de territorialização; Assentados; Querência do Norte (PR)

ABSTRACT

Purpose:

To understand the processes of territorialization in the daily life and work routine of settlers in Querência do Norte, Paraná, Brazil.

Originality/value:

This work contributes to the context of discussions on territory and territorialization processes (Haesbaert, 2011; Raffestin, 1993, 2008; Saquet, 2008) in the daily life (De Certeau, 2014) of workers marginalized by society in general.

Design/methodology/approach:

We developed this qualitative article from data collected through eight life history interviews with settlers, pre-settlers, and residents of Querência do Norte, in the State of Paraná (PR). After transcribing the interviews, they went through an analysis of narratives.

Findings:

We identify that, through the practices of work, study and claims, the settlers territorialize the space, and there they create their own rules and norms of coexistence. In their struggles for land, it is clear that their place of belonging is the field, justifying the insistence on the struggle for the right to land to cultivate. The sense of belonging of the workers is represented by the struggle that unites them and places them as part of a larger movement. Placing men at the center of the construction of territoriality is accomplished through the daily struggle and work of the settlers and pre-settlers in Querência do Norte (PR).

KEYWORDS:
Everyday life; Territory; Processes of territorialization; Settlers; Querência do Norte (PR)

1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Segundo Reis (2012)Reis, R. R. (2012). O direito à terra como um direito humano: A luta pela reforma agrária e o movimento de direitos humanos no Brasil. Lua Nova, 86, 89-122., a distribuição de terra no Brasil é uma questão permeada por conflitos e revoltas populares, como as de Canudos, Contestado, Guerra do Formoso, Ligas Camponesas e o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). A relevância dos movimentos sociais reside em sua capacidade de influenciar discursos, procedimentos e comportamentos do Estado (Hollender, 2016Hollender, R. (2016). Capitalizing on public discourse in Bolivia - Evo Morales and Twenty-First Century capitalism. Consilience: The Journal of Sustainable Development, 15, 50-76.). Como destaca Fernandes (2017)Fernandes, M. J. C. (2017). Da luta pela terra à luta pela Reforma Agrária no Brasil. Revista GeoInterações, 1(1), 55-67., as ações dos movimentos sociais são uma forma de resistência ao descaso do Estado.

Como salienta Meszaros (2000)Meszaros, G. (2000). No ordinary revolution: Brazil’s landless workers’ movement. Race & Class, 42(2), 1-18., no Brasil, a luta pela terra é uma característica contínua da história nacional. O MST, um dos mais importantes movimentos sociais do Brasil, nasceu da determinação de lutar contra novas formas de agressão contra os mais pobres, principalmente os camponeses5 5 O termo camponês utilizado por Meszaros (2000) aponta para o conteúdo histórico-político do termo, que, segundo Wanderley (2014), denota todo o histórico de lutas do campesinato brasileiro, entretanto, para o desenvolvimento desse trabalho será utilizado o termo agricultor familiar, que, como destaca Wanderley (2019), pode ser colocado como equivalente ao termo camponês. , e tem desafiado a questão da distribuição de terra, bem como a lógica do desenvolvimento capitalista brasileiro (Meszaros, 2000Meszaros, G. (2000). No ordinary revolution: Brazil’s landless workers’ movement. Race & Class, 42(2), 1-18.). O grupo foi formalmente organizado em 1984 (Straubhaar, 2015Straubhaar, R. (2015). Public representations of the collective memory of Brazil’s Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. Latin American Perspectives, 42(3), 107-119.), sendo um dos mais duradouros e importantes movimentos de base para a reforma agrária na história do mundo e o principal da América Latina (Carter, 2009Carter, M. (2009). The landless rural workers movement and democracy in Brazil. Latin American Research Review, 45(4), 186-217. ). Entretanto, a ação do MST e a representatividade dos movimentos sociais no campo ainda são temas marginalizados no âmbito dos estudos em Administração.

Mas, por qual razão refletir sobre a temática dos processos de territorialização a partir do cotidiano desses sujeitos? Em que essa discussão contribui para os estudos organizacionais? Quais as conexões possíveis entre essa temática e objeto de pesquisa proposta e a Administração? Dentre as possibilidades que poderiam ser abordadas para justificar tais conexões, alguns aspectos merecem destaque. O primeiro argumento refere-se ao apagamento - ou quem sabe esquecimento - de temas conflituosos, como a questão da disputa pela terra e seus processos de territorialização por periódicos da área de Administração. Como argumentam Barros e Carrieri (2015)Barros, A., & Carrieri, A. P. (2015). O cotidiano e a história: Construindo novos olhares na administração. Revista de Administração de Empresas, 55(2), 151-161. , a perspectiva hegemônica tem lugar de proeminência nos estudos organizacionais, ocorrendo a marginalização de estudos a partir de objetos e teorias fora desse contexto dominante.

Por décadas, as temáticas predominantes nos periódicos da área abordaram - e ainda abordam - temas que interessam ao mainstream, a partir da perspectiva dos sujeitos de querer e poder. Essa realidade, observada nas organizações, manifesta-se também no campo de pesquisa em Administração. A dominação anglo-saxônica no campo da Administração reflete o processo de colonização do conhecimento e dos saberes nos estudos organizacionais (Alcadipani, Khan, Gantman, & Nkomo, 2012Alcadipani, R., Khan, F. R., Gantman, E., & Nkomo, S. (2012). Southern voices in management and organization knowledge. Organization, 19(2), 131-143.; Ibarra-Colado, 2006Ibarra-Colado, E. (2006). Organization studies and epistemic coloniality in Latin America: Thinking otherness from the margins. Organization, 13(4), 463-488.). A diversidade observada no cotidiano das organizações revela um universo pouco explorado e conhecido de tais organizações. Tal diversidade pode ser estudada a partir do cotidiano das pessoas, das estratégicas e das práticas de sobrevivência adotadas cotidianamente, bem como da gestão ordinária do cotidiano praticada por tais sujeitos autônomos (Barros & Carrieri, 2015Barros, A., & Carrieri, A. P. (2015). O cotidiano e a história: Construindo novos olhares na administração. Revista de Administração de Empresas, 55(2), 151-161. ).

Nesse sentido, o desafio que se apresenta a partir do problema de pesquisa e do referencial teórico adotados neste artigo é refletir ou quiçá compreender as nuances daqueles sujeitos que não ocupam cargos de chefia ou postos estratégicos em grandes organizações. Como argumentam Carrieri, Perdigão e Aguiar (2014)Carrieri, A. P., Perdigão, D. A., & Aguiar, A. R. C. (2014). A gestão ordinária dos pequenos negócios: Outro olhar sobre a gestão em estudos organizacionais. Revista de Administração, 49(4), 698-713., o gerencialismo ou management dominou o processo de construção da Administração, legitimando-a como referência e/ou padrão no modelo de gestão a partir de modelos rígidos e formais. O desafio desta pesquisa é oportunizar a esses sujeitos invisíveis, com base na perspectiva De Certeau (2014)De Certeau, M. (2014). A invenção do cotidiano: Artes de fazer. (22a ed.). Petrópolis: Vozes., externarem suas vozes, repercutirem suas vivências, reverberarem em um campo historicamente dominado por esses sujeitos de querer e poder, vozes que por muitas vezes foram historicamente sufocadas, reprimidas, inauditas, vozes dos pequenos, dos ordinários, dos comuns.

Outro aspecto que legitima a discussão da temática território e cotidiano na Administração se sustenta na posição de que as pesquisas em Administração não se referem apenas a organizações empresariais com fins lucrativos, mas também a outros tipos de organizações, como os movimentos sociais, que trazem em sua realidade outras formas de fazer gestão. Assim, destacamos a gestão ordinária proposta por Carrieri et al. (2014, p. 698)Carrieri, A. P., Perdigão, D. A., & Aguiar, A. R. C. (2014). A gestão ordinária dos pequenos negócios: Outro olhar sobre a gestão em estudos organizacionais. Revista de Administração, 49(4), 698-713., como aquela que “foge aos parâmetros gerencialistas”, pois foca no cotidiano desse homem ordinário, a qual apresentamos a partir deste trabalho.

Metodologicamente, a reflexão teórico-empírica realizada neste artigo permite que se realize a transposição de teorias e pressupostos teóricos de outras áreas do conhecimento para os estudos organizacionais. A Administração, historicamente, a partir de suas origens, foi constituída a partir da contribuição de outras áreas do conhecimento (Rodrigues, 2019Rodrigues, F. S. (2019). Sobre a transposição de métodos de outras áreas do conhecimento à pesquisa qualitativa em administração: Um estudo sobre a análise de discurso de Michel de Pêcheux, suas possibilidades, resistências e limitações. Revista Eletrônica Gestão e Serviços, 10(2), 2767-2789. ). Como argumentam Barros e Carrieri (2015)Barros, A., & Carrieri, A. P. (2015). O cotidiano e a história: Construindo novos olhares na administração. Revista de Administração de Empresas, 55(2), 151-161. , o uso dialógico de teorias provenientes de outras áreas do saber pode permitir o surgimento de novos conhecimentos na área de Administração. A contribuição está em fazer a junção da história do tempo presente para compreender os fatos em suas sutilezas e detalhamentos que, porventura, outros métodos mais tradicionais de coleta de dados, como aqueles baseados numa lógica instrumental, talvez não dessem suporte.

Esta pesquisa também constitui possibilidades para a administração pública e a atuação do Estado ao apresentar a realidade de vida e trabalho dos moradores de assentamentos e pré-assentamentos da reforma agrária, cujas necessidades não se encerram com a constituição do assentamento. Sem voz e sem vez, esses sujeitos que compõem a massa de trabalhadores rurais assentados, acampados ou em processo de assentamento, são invisibilizados, quando não sumariamente negligenciados do processo de planejamento das políticas públicas.

Outrossim, a justificativa da relevância de abordarmos o MST em um estudo da área da Administração está nas modificações que o movimento operou na realidade dos trabalhadores rurais brasileiros. O estado do Paraná, sendo essencialmente agrícola e o local onde nasceu o MST, não poderia permanecer isento à maior parte das suas reivindicações. Querência do Norte, município situado no extremo noroeste do Paraná, é um exemplo de como ocorrem essas lutas no estado. Godoy e Silva (2008)Godoy, A. G., & Silva, P. B. (2008). Reforma agrária: Uma história de desenvolvimento de Querência do Norte - Paraná. RACE Unoesc, 7(2), 131-148. destacam a influência do MST no crescimento do mercado consumidor, ressaltando as mudanças ocorridas no município. O município de Querência do Norte possui 785 famílias em dez assentamentos (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - Incra, 2017Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária. (2017). Incra nos Estados - Informações gerais sobre os assentamentos da Reforma Agrária. Brasil.). Após a chegada do MST, ocorreu um aumento no nível de atividade econômica do município, além de maior dinamicidade no comércio, uma vez que os grandes latifundiários da região não exploravam suas terras e viviam fora do município (Godoy & Silva, 2008Godoy, A. G., & Silva, P. B. (2008). Reforma agrária: Uma história de desenvolvimento de Querência do Norte - Paraná. RACE Unoesc, 7(2), 131-148.). Entretanto, as lutas por terra no município são anteriores à chegada do MST e remontam à construção do município a partir de 1950 com a chegada de trabalhadores rurais e posseiros (Gonçalves, 2004Gonçalves, S. (2004). O MST em Querência do Norte-PR: Da luta pela terra à luta na terra (Dissertação de mestrado). Universidade Estadual de Maringá, Maringá, Paraná, Brasil.).

Era um cenário de incertezas e dificuldades para os agricultores familiares, parceiros, arrendatários e ocupantes das terras do município, sem garantias com relação às condições de trabalho, possibilidade de posse da terra e com as ações do poder público beneficiando os grandes proprietários do município. Foi quando o Sindicato dos Trabalhadores Rurais do município passou a destacar problemas fundiários nas grandes propriedades em 1985 com o objetivo de realizar assentamentos em Querência. Assim, em 1988, a Fazenda 29, Pontal do Tigre, foi apontada como área prioritária para desapropriação e reforma agrária, sendo posteriormente ocupada por 200 famílias de outros acampamentos do MST (Gonçalves, 2004Gonçalves, S. (2004). O MST em Querência do Norte-PR: Da luta pela terra à luta na terra (Dissertação de mestrado). Universidade Estadual de Maringá, Maringá, Paraná, Brasil.).

A luta do MST por terras é a luta por um território no sentido de um espaço físico para assentamento desses trabalhadores. Entretanto, para os fins desta pesquisa, compreende-se que para além do sentido físico desses espaços, o território é o resultado da ação de um ator para “se apropriar de um espaço, concreta ou abstratamente” (Raffestin, 1993Raffestin, C. (1993). Por uma geografia do poder. São Paulo: Ática., p. 143). Portanto, além de representar um espaço delimitado geograficamente, o território também caracteriza um espaço de ação do sujeito, territorializando não apenas na forma legal e concreta ao definir a propriedade legítima do espaço, mas também promovendo a apropriação do espaço de forma abstrata. A partir das vivências cotidianas do sujeito, buscamos observar o processo de ter­ritorialização que acompanha o movimento do espaço (De Certeau, 2014De Certeau, M. (2014). A invenção do cotidiano: Artes de fazer. (22a ed.). Petrópolis: Vozes.).

Nesse contexto, o objetivo deste artigo é compreender os processos de territorialização no cotidiano de vida e trabalho dos assentados da reforma agrária no município de Querência do Norte (PR). Permitindo, dessa forma, ampliar o olhar dado pela Administração para a questão do trabalho, dissociando da perspectiva tradicional que compreende a ênfase nas práticas das organizações formais e expressar, por meio das vozes dos trabalhadores que constroem em seu cotidiano, novos movimentos do espaço. Desenvolvemos este estudo a partir das histórias de vida de assentados do assentamento Pontal do Tigre, Sebastião da Maia e Margarida Alves, além de moradores do pré-assentamento da Fazenda Água do Bugre e da cidade que trabalham diretamente com os agricultores familiares dos assentamentos.

Este artigo está organizado em seis partes: primeiramente, as considerações iniciais, seguidas da apresentação teórica de Michel de Certeau para o cotidiano. Já na terceira parte, introduzimos as discussões teóricas relativas a território e territorialização e, na quarta, são apontados os procedimentos metodológicos utilizados nesta pesquisa. Em seguida, são apresentadas a análise das histórias de vida e sua relação com os aspectos teóricos sustentados por este trabalho e, finalmente, as considerações finais.

2. O COTIDIANO EM DE CERTEAU

O interesse pelo cotidiano, pelo homem ordinário e pelas práticas cotidianas tem se intensificado recentemente no campo dos estudos organizacionais brasileiros. Nesse aspecto, questionar os saberes hegemônicos típicos do mainstream, pensar novas possibilidades de pesquisa a partir do uso da história, dar visibilidade às histórias das pessoas comuns, dos empresários ordinários, dos trabalhadores comuns, como fazem Barros e Carrieri (2015)Barros, A., & Carrieri, A. P. (2015). O cotidiano e a história: Construindo novos olhares na administração. Revista de Administração de Empresas, 55(2), 151-161. , passam a ser renovadas possibilidades. Como argumentam Ribeiro, Ipiranga, Oliveira e Dias (2019, p. 591)Ribeiro, R. C. L., Ipiranga, A. S. R., Oliveira, F. F. T., & Dias, A. D. (2019). Uma “estética de lances” de uma “heroína ordinária”: O reorganizar de práticas de resistências de uma Artesã. Cadernos EBAPE.BR , 17(3), 590-606., esse interesse carrega em si “[...] o sentido social e político de práticas que se expressam subjetivamente, em um emaranhado organizado carregado de contradições”, construídas a partir de movimentos cotidianos, derivadas, por sua vez, das atividades exercidas pelos atores sociais, que se desdobram em eventos que provocam mudanças nas tramas dos acontecimentos.

Os seguintes estudos recentes no campo dos estudos organizacionais valem ser destacados: Carrieri, Saraiva e Pimentel (2008)Carrieri, A. P., Saraiva, L. A. S., & Pimentel, T. D. (2008). A institucionalização da Feira Hippie de Belo Horizonte. Organizações & Sociedade, 15(44), 63-79. pesquisaram uma feira hippie em Minas Gerais, tendo como foco as ações subversivas de sobrevivência frente ao processo de institucionalização; Oliveira e Cavedon (2013)Oliveira, J. S. & Cavedon, N. R. (2013). Micropolíticas das práticas cotidianas: Etnografando uma organização circense. Revista de Administração de Empresas, 53(2), 156-168. analisaram a vida cotidiana de um circo a partir da etnografia; Teixeira, Saraiva e Carrieri (2015)Teixeira, J. C., Saraiva, L. A. S. , & Carrieri, A. P. (2015). Os lugares das empregadas domésticas. Organizações & Sociedade, 22(72), 161-178. abordaram uma discussão sobre a identidade e o cotidiano de empregadas domésticas; Ribeiro et al. (2019)Ribeiro, R. C. L., Ipiranga, A. S. R., Oliveira, F. F. T., & Dias, A. D. (2019). Uma “estética de lances” de uma “heroína ordinária”: O reorganizar de práticas de resistências de uma Artesã. Cadernos EBAPE.BR , 17(3), 590-606. articulam uma discussão a partir da perspectiva feminista e a prática de resistência de uma artesã, discutindo a questão da mulher ordinária; Domingues, Fantinel e Figueiredo (2019)Domingues, F. F., Fantinel, L. D., & Figueiredo, M. D. (2019). Between the conceived and the lived, the practiced: The crossing of spaces at the arts and crafts fair of Namorados Square in Vitória/ES, Brazil. Organizações & Sociedade, 26(88), 28-49. fizeram etnografia no espaço organizacional de uma feira de artesanato no Espírito Santo à luz dos estudos de Henri Lefebvre e Michel de Certeau.

Nesse contexto, uma das principais referências sobre cotidiano advém de Michel de Certeau, cujos trabalhos retratam, como aponta Kuus (2018)Kuus, M. (2018). The terroir of bureaucratic practice: Everyday life and scholarly method in the study of policy. Environment and Planning C: Politics and Space, 37(4), 617-633., o caráter contingente e situacional da prática social. Estudar o cotidiano, segundo Courpasson (2017)Courpasson, D. (2017). The politics of Everyday. Organization Studies, 38(6), 843-859., caracteriza-se como uma atenção ao casual e às possibilidades de emancipação dos ritmos, restrições e fatalidades dominantes que repousam nos gestos comuns do cotidiano. Tal dimensão extraordinária das rotinas ordinárias (Machado da Silva & Leite, 2008Machado da Silva, L. A., & Leite, M. (2008). Violência, crime e polícia: O que os favelados dizem quando falam desses temas? In L. A. Machado da Silva. Vida sob cerco: Violência e rotinas nas favelas do Rio de Janeiro (pp. 47-76). Rio de Janeiro: Nova Fronteira.) torna-se evidente na vivência em ocupações urbanas, nas lutas por moradia, sujeitas a conflitos e disputas por território (Santos, 2019Santos, R. A. (2019). Na cidade em disputa, produção de cotidiano, território e conflito por ocupações de moradia. Cadernos Metrópole, 21(46), 783-805.), nas quais os sujeitos ordinários adequam suas necessidades comuns às excepcionalidades emergentes. Contudo, a perspectiva ordinária do cotidiano é essencial para que consigam prosseguir nas ocasiões de excepcionalidade (Machado da Silva & Leite, 2008Machado da Silva, L. A., & Leite, M. (2008). Violência, crime e polícia: O que os favelados dizem quando falam desses temas? In L. A. Machado da Silva. Vida sob cerco: Violência e rotinas nas favelas do Rio de Janeiro (pp. 47-76). Rio de Janeiro: Nova Fronteira.). Repressões, violências e outras maneiras coercitivas de intimidar o sujeito ordinário que luta pelo território, tanto no campo quanto na cidade, representam tais excepcionalidades, que mudam o ritmo natural, ordinário da vida cotidiana do sujeito comum, exigindo que eles lancem mão de tal prática social.

De Certeau tem como foco o indivíduo (Best & Hindmarsch, 2018Best, K., & Hindmarsh, J. (2018). Embodied spatial practices and everyday organization: The work of tour guides and their audiences. Human Relations, 72(2), 1-24.), o homem comum, aparentemente entregue à passividade, tratado como cidadão de segunda categoria, geralmente concebido como sujeito invisível na vida social (De Certeau, 2014De Certeau, M. (2014). A invenção do cotidiano: Artes de fazer. (22a ed.). Petrópolis: Vozes.). Olhar para as ações do homem ordinário na vida cotidiana desvela tanto as estratégias dos sujeitos de querer e poder, que definem as regras do jogo da vida cotidiana, quanto a possibilidade de ação do homem ordinário nesse contexto (De Certeau, 2014De Certeau, M. (2014). A invenção do cotidiano: Artes de fazer. (22a ed.). Petrópolis: Vozes.; Courpasson, 2017Courpasson, D. (2017). The politics of Everyday. Organization Studies, 38(6), 843-859.). Dessas possibilidades de ação, a habilidade astuciosa do sujeito ordinário de se adequar às oportunidades que se apresentam no cotidiano, conciliando o ordinário e o extraordinário, pode ser visualizada nas ocupações urbanas (Santos, 2019Santos, R. A. (2019). Na cidade em disputa, produção de cotidiano, território e conflito por ocupações de moradia. Cadernos Metrópole, 21(46), 783-805.).

De Certeau (2014)De Certeau, M. (2014). A invenção do cotidiano: Artes de fazer. (22a ed.). Petrópolis: Vozes. destaca que existe uma relação - sempre social - que determina os termos das determinações relacionais, nas quais cada individualidade é o locus onde atua determinada pluralidade incoerente e, às vezes, contraditória. Assim, mais do que analisar o sujeito em si, o interesse das práticas cotidianas é sobre o modus operandi, que se refere às artes cotidianas do fazer de tais sujeitos. Ao fazer uso de algumas práticas sociais, o homem ordinário traz consigo códigos milenares impressos culturalmente em si mesmos, ocultados nesses sujeitos, revestidos por uma máscara de racionalidade típica do ocidente. No sentido proposto por De Certeau, exumar refere-se à intenção de trazer à tona tais códigos subliminares gravados nas ações desses usuários, denominados consumidores pelo autor.

Tratar os sujeitos como consumidores é revelar a produção silenciosa e subversiva, a qual Ortmann e Sydow (2017)Ortmann, G., & Sydow, J. (2017). Dancing in chains: Creative practices in/of organizations. Organization Studies, 39(7), 1-23. apontam como quase invisível, representando novas formas de fazer uso das regras, rotinas e recursos disponíveis para tal sujeito. Nesse cenário, o jogo do cotidiano ocorre em um campo de tensão e conflito, no qual os sujeitos jogam empregando forças diferentes, o que pode ser compreendido a partir dos conceitos de estratégia e tática. Estratégia é o cálculo das relações de força que um sujeito de querer e poder, o dono do próprio, utiliza para definir as regras do jogo político, econômico ou científico. Por sua vez, a tática é o expediente empregado pelo homem ordinário que, por não ser detentor do próprio, opera golpe a golpe no espaço que é do outro, de forma astuciosa, sorrateira, microbiana. Se, por um lado, o próprio configura-se em uma vitória do lugar sobre o tempo, considerando não ter o lugar, por outro, a tática seria a vitória do tempo sobre o lugar, sobre o próprio (De Certeau, 2014De Certeau, M. (2014). A invenção do cotidiano: Artes de fazer. (22a ed.). Petrópolis: Vozes.; Munro, 2017Munro, R. (2017). Creativity, organisation and entrepreneurship: Power and play in the ecological press of Money. Organization Studies, 39(2), 1-19. ; Frers & Meier, 2017Frers, L., & Meier, L. (2017). Resistance in public spaces: questions of distinction, duration, and expansion. Space and Culture, 20(2), 127-140.; Nielsen & Langstrup, 2018Nielsen, K. D., & Langstrup, H. (2018). Tactics of material participation: How patients shape their engagement through e-health. Social Studies of Science, 48(2), 259-282. ; Gangneux & Docherty, 2018Gangneux, J., & Docherty, S. (2018). At close quarters: Combatting Facebook design, features and temporalities in social research. Big Data & Society, 5(2), 1-10.).

Nas brechas deixadas pela sociedade, o homem ordinário se sustenta, transformando-as em possibilidades, aproveitando-se oportuna e convenientemente das ocasiões (De Certeau, 2014De Certeau, M. (2014). A invenção do cotidiano: Artes de fazer. (22a ed.). Petrópolis: Vozes.; Ortmann & Sydow, 2017Ortmann, G., & Sydow, J. (2017). Dancing in chains: Creative practices in/of organizations. Organization Studies, 39(7), 1-23.). É a “arte do contornamento” (Telles, 2010Telles, V. (2010). A cidade nas fronteiras do legal e do ilegal. Belo Horizonte: Argumentum. , p. 25) em que os sujeitos ordinários astuciosamente lançam mão para se ajustarem às situações do cotidiano. De forma sorrateira, buscam tirar vantagem dos acontecimentos a fim de criarem ocasiões, como no caso dos artistas, artesãos, que devem estar no local nos quais ninguém os espera, serem astutos (Ribeiro et al., 2019Ribeiro, R. C. L., Ipiranga, A. S. R., Oliveira, F. F. T., & Dias, A. D. (2019). Uma “estética de lances” de uma “heroína ordinária”: O reorganizar de práticas de resistências de uma Artesã. Cadernos EBAPE.BR , 17(3), 590-606.). As táticas são maneiras de fazer que revelam a possibilidade da vitória do fraco sobre o forte, que se expressam nas formas microbianas de agir para obter proveito de situações aparentemente contrárias (Redshaw, 2017Redshaw, T. (2017). Bitcoin beyond ambivalence: Popular rationalization and Feenberg’s technical politics. Thesis Eleven, 138(1), 46-64.; Duarte & Brewer, 2019Duarte, B. J., & Brewer, C. A. (2019). “Caught in the nets of ‘discipline’”: Understanding the possibilities for writing teachers’ resistance to standardization in local policy. Educational Policy, 33(1), 88-110.). Se o enfrentamento direto aos sujeitos de querer e poder nem sempre parece ser a melhor alternativa, não é rejeitado diretamente já que fazem uso de sua capacidade de se metamorfosear socialmente e reinventar possibilidades de uso, tanto dos artefatos quanto dos espaços de forma alternativa a partir dos atalhos garimpados nesse cotidiano (De Certeau, 2014De Certeau, M. (2014). A invenção do cotidiano: Artes de fazer. (22a ed.). Petrópolis: Vozes.). Tal prática astuciosa da tática remete àquilo que De Certeau (2014)De Certeau, M. (2014). A invenção do cotidiano: Artes de fazer. (22a ed.). Petrópolis: Vozes. chama de metis, termo originado dos gregos que se refere a esse tipo de inteligência astuta.

É na vivência cotidiana que se manifesta a tensão entre os detentores do próprio, que definem as estratégias, e o homem ordinário, que apenas possui suas práticas astuciosas. A trajetória de resistência de uma artesã (Ribeiro et al., 2019Ribeiro, R. C. L., Ipiranga, A. S. R., Oliveira, F. F. T., & Dias, A. D. (2019). Uma “estética de lances” de uma “heroína ordinária”: O reorganizar de práticas de resistências de uma Artesã. Cadernos EBAPE.BR , 17(3), 590-606.), por exemplo, reflete tal prática de se utilizar das táticas e bricolagens como forma de manter sua existência diante da opressão dos mecanismos de opressão. A busca por moradia, evidenciada no estudo de Santos (2019)Santos, R. A. (2019). Na cidade em disputa, produção de cotidiano, território e conflito por ocupações de moradia. Cadernos Metrópole, 21(46), 783-805., também se apresenta como um campo de lutas e disputas na arena urbana, na qual a prática sorrateira dos sujeitos ordinários convive com a necessidade dupla de conciliar o ordinário e o extraordinário como possibilidades de sobrevivência.

É nesse contexto de possibilidades que De Certeau (2014)De Certeau, M. (2014). A invenção do cotidiano: Artes de fazer. (22a ed.). Petrópolis: Vozes. faz uma importante discussão sobre lugar e espaço. O autor chama de lugar a ordem de distribuição de elementos nas relações de coexistência, na qual analogamente pela própria lei da física, dois corpos não podem ocupar o mesmo espaço. Nesse sentido, impera a lógica do próprio, já que as fronteiras e a ordem dos espaços definem os limites de cada sujeito, indicando estabilidade, uma configuração de posições em um instante. A partir dessa lógica, o lugar parece estático. O espaço, por sua vez, remete à dinamicidade que se consuma no entrecruzamento das possibilidades admitidas pelas variáveis tempo, velocidade e direção. Espaço, nessa perspectiva, é movimento, sendo para De Certeau (2014) um lugar praticado. Na próxima seção, discutiremos de que forma um espaço pode ser territorializado.

3. TERRITÓRIO E TERRITORIALIZAÇÃO

As concepções de território podem ser agrupadas em três vertentes básicas: política, que trata das relações entre espaço e poder; cultural, na qual o território é produto da apropriação ou valorização simbólica de um grupo em relação ao espaço vivido; e econômica, que foca na dimensão espacial das relações econômicas, na qual o território é fonte de recursos (Haesbaert, 2011Haesbaert, R. (2011). O mito da desterritorialização: do “fim dos territórios” à multiterritorialidade. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil.). Folmer e Meurer (2019)Folmer, I., & Meurer, A. C. (2019). Território em movimento. Revista NERA, 22(48), 8-13. destacam que o conceito de território é uma forma de designar os espaços construídos a partir da prática social (relações) que os sujeitos estabeleceram e suas dinâmicas. Para compreender o conceito de território, é importante analisar sua relação com o conceito de espaço, sendo que não podem ser considerados como equivalentes ou sinônimos (Raffestin, 2008Raffestin, C. (2008). A produção das estruturas territoriais e sua representação. In M. A. Saquet, & E. S. Sposito (Orgs.). Territórios e Territorialidades: teorias, processos e conflitos. São Paulo: Editora Expressão Popular.; Folmer & Meurer, 2019Folmer, I., & Meurer, A. C. (2019). Território em movimento. Revista NERA, 22(48), 8-13.).

A respeito da diferença entre território e espaço, Picheth e Chagas (2018, p. 790)Picheth, S. F. & Chagas, P. B. (2018). Interfaces entre territorialidade e identidade: Analisando as vivências das mães do Grupo Maternati. Cadernos EBAPE.BR, 16(4), 788-801. destacam que “o território se apoia no espaço, mas configura-se como uma produção por meio dele”. O território é construído pelo sujeito, já o espaço antecede o território, que é gerado a partir do espaço por meio de uma ação do sujeito, colocando o foco dos estudos sobre território na ação do sujeito e fugindo do entendimento de território material alheio à sua ação (Raffestin, 2008Raffestin, C. (2008). A produção das estruturas territoriais e sua representação. In M. A. Saquet, & E. S. Sposito (Orgs.). Territórios e Territorialidades: teorias, processos e conflitos. São Paulo: Editora Expressão Popular.).

A construção de um território pelo sujeito ocorre, como aponta Raffestin (2008)Raffestin, C. (2008). A produção das estruturas territoriais e sua representação. In M. A. Saquet, & E. S. Sposito (Orgs.). Territórios e Territorialidades: teorias, processos e conflitos. São Paulo: Editora Expressão Popular., por meio da apropriação concreta ou abstrata do espaço, dessa forma, esse sujeito territorializa tal espaço. Portanto, a territorialização pode ser compreendida conforme tratada pelo autor como a criação de territórios por meio da apropriação direta ou indireta, objetiva ou subjetiva realizada pelo sujeito. Já o conceito de territorialidade refere-se “a multidimensionalidade do ‘vivido’ territorial pelos membros de uma coletividade, pelas sociedades em geral”, como destaca Raffestin (1993, p. 158)Raffestin, C. (1993). Por uma geografia do poder. São Paulo: Ática.. É nesse sentido que Koch (2017)Koch, K. (2017). The role of territoriality in the European Union multi-level governmental cooperation framework of Finnish-Russian cross-border cooperation. European Urban and Regional Studies, 26(2), 115-133. apresenta a territorialidade para Raffestin como uma prática entre os atores, essencialmente relacional. Assim, a territorialidade é uma forma de comportamento relacional na qual a natureza das relações é mais importante que o espaço físico em que ocorrem (Sewell & Taskin, 2015Sewell, G., & Taskin, L. (2015). Out of sight, out of mind in a new world of work? Autonomy, control, and spatiotemporal scaling in telework. Organizational Studies, 36(11), 1507-1529.).

Definida como um conjunto de relações, a territorialidade tem origem no sistema tridimensional sociedade-espaço-tempo (S-E-T), que se refere à relação entre sociedade, espaço e tempo na construção de territorialidades (Raffestin, 1993Raffestin, C. (1993). Por uma geografia do poder. São Paulo: Ática.). A vida é composta por relações e, por esse motivo, Raffestin (1993)Raffestin, C. (1993). Por uma geografia do poder. São Paulo: Ática. define a territorialidade como um conjunto de relações que envolve o sujeito pertencente a uma coletividade, uma relação que possui forma ou conteúdo. Já a exterioridade ou um lugar, é espaço abstrato, sistema institucional, político ou cultural. O tempo nesse sistema tridimensional de Raffestin (1993)Raffestin, C. (1993). Por uma geografia do poder. São Paulo: Ática. representa as variações que os elementos sociedade e espaço sofrem, suscetíveis às variações no tempo.

Portanto, territorialidade refere-se às relações sociais, “que produzem historicamente cada território” (Saquet, 2008Saquet, M. A. (2008). Por uma abordagem territorial. In M. A. Saquet, & E. S. Sposito (Orgs.). Territórios e Territorialidades: teorias, processos e conflitos . São Paulo: Editora Expressão Popular . , p. 79), sendo, nesse sentido, a produção a partir do espaço (Saraiva, Carrieri, & Soares, 2014Saraiva, L. A. S., Carrieri, A. P., & Soares, A. S. (2014). Territorialidade e identidade nas organizações: O caso do mercado central de Belo Horizonte. Revista de Administração Mackenzie, 15(2), 97-126.). Como aponta Fuini (2019)Fuini, L. L. (2019). A construção do território e as territorialidades: As dimensões do poder e seus sujeitos sociais em São João da Boa Vista/SP. Sinergia, 20(3), 184-195., a territorialidade está ligada à ideia de pertencimento a um território por um grupo. Conforme apresenta Saquet (2008)Saquet, M. A. (2008). Por uma abordagem territorial. In M. A. Saquet, & E. S. Sposito (Orgs.). Territórios e Territorialidades: teorias, processos e conflitos . São Paulo: Editora Expressão Popular . , a territorialização é constituída por diferentes temporalidades e territorialidades multidimensionais. “A territorialização é resultado e condição dos processos sociais e espaciais, significa movimento histórico e relacional” (Saquet, 2008Saquet, M. A. (2008). Por uma abordagem territorial. In M. A. Saquet, & E. S. Sposito (Orgs.). Territórios e Territorialidades: teorias, processos e conflitos . São Paulo: Editora Expressão Popular . , p. 83). Raffestin (1993, p. 161)Raffestin, C. (1993). Por uma geografia do poder. São Paulo: Ática. ressalta que a territorialidade se constitui de “relações mediatizadas, simétricas ou dissimétricas com a exterioridade”, portanto, falar de territorialidade é falar de produção, troca e consumo e não de uma simples ligação com o espaço.

A natureza relacional do território também é abordada por Haesbaert (2011, p. 82)Haesbaert, R. (2011). O mito da desterritorialização: do “fim dos territórios” à multiterritorialidade. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil., que trata tanto da sua definição “dentro de um conjunto de relações histórico-sociais” quanto da relação complexa entre processos sociais e espaço material. A partir desse entendimento, podemos compreender o território como movimento, fluidez, interconexão, ou seja, temporalidade. A produção territorial descrita por Raffestin (1993Raffestin, C. (1993). Por uma geografia do poder. São Paulo: Ática., 2008)Raffestin, C. (2008). A produção das estruturas territoriais e sua representação. In M. A. Saquet, & E. S. Sposito (Orgs.). Territórios e Territorialidades: teorias, processos e conflitos. São Paulo: Editora Expressão Popular. é o processo de territorialização ou construção e apropriação do território, que gera, como aponta Saquet (2008, p. 88)Saquet, M. A. (2008). Por uma abordagem territorial. In M. A. Saquet, & E. S. Sposito (Orgs.). Territórios e Territorialidades: teorias, processos e conflitos . São Paulo: Editora Expressão Popular . , identidades e heterogeneidades, que, por sua vez, geram territórios.

A territorialização envolve um ator (individual ou coletivo), o trabalho, a disposição do ator (combinação de energia e informação) e os mediadores materiais (instrumentos, materiais, conhecimento). Raffestin (1993Raffestin, C. (1993). Por uma geografia do poder. São Paulo: Ática., 2008)Raffestin, C. (2008). A produção das estruturas territoriais e sua representação. In M. A. Saquet, & E. S. Sposito (Orgs.). Territórios e Territorialidades: teorias, processos e conflitos. São Paulo: Editora Expressão Popular. destaca os seguintes componentes do processo de territorialização: as intenções realizáveis dos objetivos do ator, a relação do ator com o ambiente geral, o ambiente orgânico e inorgânico, o ambiente social, o ambiente geral (ambiente orgânico e inorgânico somado ao ambiente social), o território produzido pelo ator no ambiente e o conjunto das relações desenvolvidas pelo ator no território. Esses elementos que Raffestin (2008)Raffestin, C. (2008). A produção das estruturas territoriais e sua representação. In M. A. Saquet, & E. S. Sposito (Orgs.). Territórios e Territorialidades: teorias, processos e conflitos. São Paulo: Editora Expressão Popular. apresenta caracterizam um modelo em pequena escala, utilizado para explicar as transformações que ocorrem no processo de territorialização. Desse modo, a territorialização é a combinação de “elementos apreendidos pelos atores nos diversos sistemas que estão a sua disposição” (Raffestin, 2008Raffestin, C. (2008). A produção das estruturas territoriais e sua representação. In M. A. Saquet, & E. S. Sposito (Orgs.). Territórios e Territorialidades: teorias, processos e conflitos. São Paulo: Editora Expressão Popular., p. 30).

As concepções de território e territorialização de Raffestin (1993Raffestin, C. (1993). Por uma geografia do poder. São Paulo: Ática., 2008)Raffestin, C. (2008). A produção das estruturas territoriais e sua representação. In M. A. Saquet, & E. S. Sposito (Orgs.). Territórios e Territorialidades: teorias, processos e conflitos. São Paulo: Editora Expressão Popular., Haesbaert (2011)Haesbaert, R. (2011). O mito da desterritorialização: do “fim dos territórios” à multiterritorialidade. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil. e Saquet (2008)Saquet, M. A. (2008). Por uma abordagem territorial. In M. A. Saquet, & E. S. Sposito (Orgs.). Territórios e Territorialidades: teorias, processos e conflitos . São Paulo: Editora Expressão Popular . nos remetem a um entendimento da ação do sujeito em um espaço. Pautamo-nos na centralidade do sujeito conforme é destacada na abordagem dos autores, buscando um entendimento que não apenas se firme no aspecto material, mas imaterial e simbólico do território, como local de relações, apropriações, criações e invenções por parte do sujeito.

Para entendermos como ocorreram as ações dos participantes desta pesquisa na territorialização do espaço dos assentamentos em Querência do Norte, na próxima seção apresentaremos as estratégias metodológicas utilizadas para a obtenção e interpretação dos dados da investigação.

4. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

O desenvolvimento desta pesquisa teve como objetivo compreender os processos de territorialização no cotidiano de vida e trabalho dos assentados da reforma agrária no município de Querência do Norte (PR). Para tanto, foi desenvolvida uma pesquisa descritiva a fim de interpretar tais processos de territorialização a partir do cotidiano e da história de vida dos sujeitos entrevistados.

Os dados são de natureza qualitativa e foram coletados utilizando a técnica de história oral, que apresenta três modalidades: a história oral de vida, história oral temática e tradição oral. Para o desenvolvimento deste trabalho, optamos pelo uso da história oral de vida que, para Ichikawa e Santos (2006)Ichikawa, E. Y., & Santos, L. W. (2006). Contribuições da história oral à pesquisa organizacional. In A. Silva, C. K. Godoi, & R. B. Mello (Orgs.). Pesquisa qualitativa em estudos organizacionais: Paradigmas, estratégias e métodos (pp. 185-209). São Paulo: Saraiva., permite maior liberdade ao sujeito entrevistado, que pode relatar suas experiências pessoais, uma vez que lhe é dado espaço para que narre sua história de acordo com as suas experiências, assim se enquadrando no objetivo proposto para este estudo.

Para o desenvolvimento desta pesquisa, realizamos um total de oito entrevistas de história de vida, que ocorreram no período de julho de 2016 a julho de 2017, com moradores de alguns dos assentamentos, pré-assentamento e da cidade de Querência do Norte. Os entrevistados serão mencionados a partir de um pseudônimo com o propósito de manter o anonimato dos participantes da pesquisa. São eles: Marta - foi para o MST aos 11 anos depois que seu pai perdeu as terras por conta de dívidas com o banco; Lourdes - entrou para o movimento aos 17 anos; Aparecida - mora há 11 anos em um pré-assentamento; Célia - entrou para o movimento aos 15 anos e também mora em um pré-assentamento; Ana - zootecnista da cooperativa que trabalha diretamente com os agricultores dos assentamentos; João - 53 anos, um dos líderes do assentamento; Marcos - 29 anos e filho de João -, e Mário - um dos líderes históricos dos assentados de Querência do Norte.

Após a transcrição das entrevistas, realizamos a análise das narrativas das histórias de vida dos entrevistados. Nesse sentido, consideramos a colocação de Barros e Lopes (2014, p. 55)Barros, V. A., & Lopes, F. T. (2014). Considerações sobre a pesquisa em história de vida. In E. M. Souza (Org). Metodologias e analíticas qualitativas em pesquisa organizacional: uma abordagem teórico-conceitual. Vitória, ES: EDUFES. ao tratarem da análise das histórias de vida, destacando que “a pergunta que deve guiar o pesquisador é construída no sentido de como utilizar as histórias para fazer avançar a compreensão de uma realidade”. Desse modo, as narrações que compõem essas histórias de vida devem ser observadas pelo pesquisador não apenas como histórias de pessoas, mas como forma de compreender um objeto, situação ou universo social desconhecido.

Portanto, segundo Barros e Lopes (2014)Barros, V. A., & Lopes, F. T. (2014). Considerações sobre a pesquisa em história de vida. In E. M. Souza (Org). Metodologias e analíticas qualitativas em pesquisa organizacional: uma abordagem teórico-conceitual. Vitória, ES: EDUFES., o mais relevante para a análise é o recorte analítico da pesquisa, podendo guiar o pesquisador a partir de questões relacionadas, por exemplo, à pessoa, ao trabalho, às escolhas militantes, aos engajamentos, que serão mediadas pelos conceitos e teorias que sustentam a pesquisa e dialogam com as narrativas produzidas pelos entrevistados. Desse modo, relacionamos as narrativas à teorização sobre território e cotidiano. Ou seja, interpretamos os dados a partir de um diálogo constante com os autores que deram suporte teórico para esta investigação.

5. APRESENTAÇÃO E INTERPRETAÇÃO DOS DADOS

5.1 O fazer parte do MST

Os processos de territorialização que ocorrem a partir de um espaço representam o ponto de partida dos sujeitos que constroem as relações com o espaço e com os outros sujeitos no cotidiano (Raffestin, 1993Raffestin, C. (1993). Por uma geografia do poder. São Paulo: Ática., 2008)Raffestin, C. (2008). A produção das estruturas territoriais e sua representação. In M. A. Saquet, & E. S. Sposito (Orgs.). Territórios e Territorialidades: teorias, processos e conflitos. São Paulo: Editora Expressão Popular.. Assim, os assentados e pré-assentados entrevistados partem de diferentes territorialidades, mas possuem em muitos casos os mesmos objetivos que os ligam ao espaço que hoje é sua moradia. As histórias de vida mostram a relação desses sujeitos com a vida do campo:

Nesse período de juventude, o que que era o sonho? Ter um pedaço de terra. O pai só tinha 3 alqueires, não conseguiu mais, tanto é que depois os filhos foram trabalhar de empregados e ele foi junto também pra cidade, e eu resisti. Dos seis filhos, eu sou o único que [está] na luta, né? Então, hoje eu me sinto realizado, né? (João).

Foi meu irmão que entrou de começo. A gente não tinha, não conhecia, né? Daí meu irmão entrou... e a partir dali a gente começou a conviver com ele, né? Ia lá visitar ele no barraco, ver como era a vida dele lá. A gente era adolescente na época, não pensava muito, né? Levava mais no passeio, mas dali pra cá a gente veio conhecendo e entendendo. Aí de Tibagi [município da região central do Paraná] ele veio aqui pra Querência, na Pontal, onde ele ficou acampado na primeira vez. Aí veio o pai e resolveu da gente vir embora pra cá também. E entramos aí. Aí nesse tempo eu saí. Eu saí. Voltei pra lá aonde eu voltei, casei. Agora aqui mesmo faz 11 anos que eu tô aqui. Daí eu não saí mais.

Aqui em cima dessa área faz 8 anos. Tivemos uns tempos bons, que tava tudo tranquilo no acampamento, mas a gente podia sair, trabalhar, muita gente trabalhava fora. Aí tava meio tranquilo. Aí a gente achou melhor vim cada qual para o seu lote, né? Pra tentar tocar a vida. Porque até então a gente trabalhava em cima da terra. Mas, não era... aquela coisa, né? Fazia roça, mas, assim, a parte de plantar as coisas pra gente comer, né? Aí como nós estávamos lá no acampamento, até vir aqui, plantar [...] eu mesmo trabalhei com a cooperativa lá no laticínio. Então, a gente tinha aquele compromisso do dia a dia, né? Aí vamos pra cima dos lotes que daí vai ficar melhor, né? E a gente veio, ficou mesmo melhor (Célia).

Nos trechos anteriores podemos compreender o início da territorialização em Querência, do entrevistado João, com seu sonho de ter seu próprio pedaço de terra, e da entrevistada Célia, conhecendo o movimento aos poucos. O que chama nossa atenção nesse ponto não é apenas o histórico e as trajetórias no âmbito rural, mas também a exploração e o uso do trabalho para, de fato, territorializar o novo espaço.

A entrevistada Célia, em particular, menciona o trabalho em cima da terra, apesar disso, o senso de pertencimento, de ter uma terra em seu nome era o diferencial para as coisas ficarem melhores. O território de um pedaço próprio funciona no âmbito imaginário e simbólico. A promessa futura somente toma forma com base nas práticas cotidianas, “aquele compromisso do dia a dia” (Célia). De Certeau, Giard e Mayol (2013)De Certeau, M., Giard, L., & Mayol, P. (2013). A invenção do cotidiano: Morar e cozinhar. (12a ed.). Petrópolis: Vozes. identificam principalmente as práticas de cozinhar e morar como práticas cotidianas que permitem compreender as bricolagens e os sentidos que são colocados no dia a dia dos sujeitos ordinários. Com base em nossas entrevistas, conseguimos identificar entre os participantes da pesquisa fundamentalmente dois tipos de práticas capazes de territorializar: trabalhar e estudar. Os trechos a seguir mostram alguns relatos em relação à prática de estudar:

Então, a nossa luta desde o início foi assim, sobre essa fase nossa foi na perspectiva de ter a terra, mas ter uma educação também. Uma luta por educação pros filhos, né? Daí nessa perspectiva, eu acho Querência aqui, uma ideia que tudo os pais queriam que os filhos estudassem, aquilo que eles talvez não conseguiram, pudessem os filhos estudar. E a gente conseguiu [...] Então, nós saímos dessa situação de escola precária pra uma escola melhor, que daí as reivindicações eram poço artesiano, escola, posto de saúde, telefone e energia elétrica, você vê, nós não tínhamos nada, né? (João).

Eu tive a grande oportunidade de estudar até a quarta série primária. [...] com as mudanças do MST de um lado pro outro... hoje estávamos num espaço e amanhã em outro, então não conseguia concluir o estudo, né? Aí depois que chegamos aqui em Querência que eu voltei ao estudo [...] foram várias dificuldades, né? Aí você pensa assim, por esses anos todos que a gente dormiu no molhado, dormiu sem coberta, passou sede, passou dificuldade de comida, um coletivo de pessoas, se tem algum arrependimento algum dia ou falar assim “nossa pai, o pai tinha oportunidades, tantas oportunidades de ter ido morar com o tio, com isso, com aquele outro pra tocar arrendamento e tal”. Não. Nunca. Só agradecer o pai, por o pai ter tomado essa atitude, né? De, tipo assim, da família dele, de criar os filhos, ter um objetivo e uma meta (Marta).

No trecho referente ao entrevistado João, as reinvindicações ultrapassam apenas a terra, no sentido físico, mas buscam elementos básicos de sobrevivência e dignidade, como uma escola melhor, posto de saúde, entre outras questões. Podemos perceber, também, na fala da entrevistada Marta, o constante processo de mudança, passando de um espaço para outro em um longo ciclo. Ainda assim, de todos os espaços percorridos, sua essência quase sempre foi a mesma. A dificuldade de concluir os estudos foi apenas um custo pela luta. A própria entrevistada mostra a sua satisfação nas decisões do pai acerca do fato de que mesmo desterritorializado do espaço físico, ainda se manteve em um território de costumes e símbolos da terra, do rural.

Nos depoimentos, emerge também uma mistura entre o estudar e o trabalhar, uma junção capaz de formar o aprendizado entre os membros assentados. Vejamos o trecho a seguir:

Como a gente não tinha o recurso pra sair, procurar um curso, se especializar, a gente foi buscar em vários, em vários assentamentos culturas diferentes de práticas com plantas medicinais. [...] porque aí, tipo, vem o grupo lá que é do ribeirinho que se criou nas ilhas, mas ele tenha alguma coisa que ele sempre usou [...] E lá vem de outro grupo de origem alemã, de origem tal. Então, a gente fez um juntado disso. [...] Assim foi com a pomada, xarope 12 ervas e tantas outras que a gente foi aprendendo aqui com os outros (Marta).

Essas práticas contadas por Marta, de aprender e produzir para consumo dos assentados e posteriormente venda para terceiros, são típicas do homem ordinário. De Certeau (2014)De Certeau, M. (2014). A invenção do cotidiano: Artes de fazer. (22a ed.). Petrópolis: Vozes. menciona em seus escritos o uso da bricolagem como uma tática, a forma de improvisar e utilizar materiais e recursos à mão para criar as rupturas da vida cotidiana. Aprender e ensinar são práticas que geram contato e compartilhamento da vida cotidiana com outros territórios físicos e entrelaça o território dos assentados. Essas práticas promovem a união e o pertencimento a um mesmo território, onde estando acampado ou assentado, o movimento sem-terra continua:

[...] a gente tenta trabalhar mais essa questão organizativa, trabalhar com as mulheres, trabalhar juventude, mas a gente também tem bastante dificuldade, né? [...] Nós levantamos cedo para tirar leite [...], a gente aqui em Querência, a gente passou por um período de assim, de muita perseguição, né? [...] Tenho dificuldade em lembrar ano, mas a gente passou um período assim com muita dificuldade, a gente teve vários companheiro com preventiva, né? Então, tipo, aí o grupo mais novo a gente tinha que se organizar e fazer as atividades, né? Porque, não é porque um, um tá com dificuldade que a gente vai desistir da luta, né? E o nosso trabalho, o nosso dia a dia é esse, né? [...] Trabalhava lá com as plantas medicinais. Na época, quando iniciou a horta, a gente trabalhava um pouco mais com as plantas medicinais. E era plantar, era colher, era secar. Então todo o processo, né? (Lourdes).

Conforme a entrevistada Lourdes, o trabalho também surge das dificuldades, sendo que nele também ocorre a territorialização. Quando alguns líderes estavam presos, em épocas de perseguições mais acirradas ao movimento, outros membros tiveram de agir para que se dia a dia se desenvolvesse com alguma normalidade. E foi por meio das práticas de prestação de serviços, de sentir a dificuldade com a juventude e da vida sofrida, que Lourdes transforma o território e sente seu pertencimento no movimento.

As relações pessoais, mais especificamente o amor e a paixão, são outro ponto associado ao pertencimento em determinado território. Observemos os trechos a seguir:

Ela cadastrou ali naquela região de Santa Terezinha, pertinho de Foz do Iguaçu, que o pai dela morava ali. E daí esperar. Daí, eu tava acampado, daí, a gente começou conversar, daí, ela falou “Ó, já fiz cadastro, só não acampei igual você e tal”. Daí... a gente se conheceu lá. Depois, em 90, eu casei. 93 nasce a primeira filha (João).

Pai falou assim: “Óia, eu vou embora. Eu e a sua mãe”. Aí nós dissemos: Não, nós vamos ficar. Eu e ele [irmão] topamos. Não, nós vamos ficar aqui. Daí ele falou: “Não, só queria saber a opinião de vocês, porque vocês são os mais velhos, vocês não podiam vir, mas eu e a sua mãe, nós vamos ficar também”. Aí dali a gente ficou, daí depois eu conheci meu companheiro lá, né? E a gente namorou, acabou se casando (Lourdes).

[...] ele [marido] já veio da Água da Prata. No caso, ele só tem uma irmã aqui na nossa região, né? A irmã dele pegou lote na Água da Prata. E como ele sobrou, eles vieram pra cá, os excedentes da Água da Prata vieram pra Água do Ouro. Daí, eu vim com o meu pai, acampar pra cá e foi onde nós nos conhecemos aqui. O amor que nasceu do acampamento. Tudo começou aqui (Aparecida).

Vemos nesses trechos o quanto as relações entre os sujeitos também são fundamentalmente uma prática de territorialização. O nascimento de uma filha, o namorar e o se casar, dividir a vida simbólica, a vida física e ainda estarem na luta é o que faz cada prática se territorializar por onde passam. Fazem da terra com papel assinado ou do acampamento improvisado seus locais de pertencimento, onde transformam, agem e, principalmente, lutam.

5.2 Ações que territorializam

Por meio das rupturas e do jogo cotidiano entre os membros é que cada um toma para si o senso de pertencimento. É na dificuldade, na ruptura, no hoje, amanhã e depois que o compartilhamento faz da luta não só o sonho e o objetivo principal, mas também uma das ações territorializadoras.

[...] tanta coisa que foi, foi muito difícil lá. A falta de água, a falta de perspectiva. A região que o pessoal não se adaptou. Aí, foi toda uma luta pra gente reivindicar, então, a vinda pra Querência do Norte, né? (João).

A ação de reinvindicação mostra talvez uma das práticas primárias para a territorialização. O caso narrado pelo entrevistado João trata de uma terra fornecida pelo governo na qual havia muitos morros, sendo um local pouco produtivo e inadequado para a agricultura. Reivindicando, os membros conseguiram um novo pedaço de terra, mais uma vez, fruto de um conflito entre aqueles que jogam com as regras do jogo - o Incra e o governo - e os homens ordinários - os membros do MST.

A Luta (a partir de agora escrita em letra maiúscula) é quase imediatamente associada à reinvindicação: as passeatas, os quilômetros percorridos e o poder da união do grupo fizeram dessas práticas cotidianas ações que trouxeram o sentido de pertencimento. Não apenas foram solicitadas novas terras, mas também mudanças nas prerrogativas estabelecidas pelo governo. Observemos, abaixo, quando o entrevistado João fala sobre a regra de receber lote de terra apenas quem fosse casado:

[...] antes o INCRA tinha uma discriminação, eu acho. Porque ele chamava de pontuação. Quem pontuava mais? Era a família que tinha mais filhos. Pontuava pra cima. Solteiro, não pegava lote, [...] daí, nós fizemos toda uma luta histórica, imagina, 86, 87, 88 chegamos aqui. Quando chega em 95, aí eu já... deu certo de casar, mas tinha vários companheiros que continuam solteiros até hoje. [...] Daí nós falamos: não! O casamento, o casamento não pode ser uma regra pra assentar ou não, porque é uma opção de vida. Eu falei porque a pessoa tem 10 anos lutando pra ter um espaço porque ele quer ser agricultor. Agora, só porque ele casou ou não casou, não pode? Daí, sei que deu toda uma polêmica, daí, de início eles não concordaram. Daí, falamos: “não! Nós não vamos abrir mão disso”. [...]. Daí, a gente quebrou essa regra, que em muitas áreas eles excluíam os solteiros, simplesmente. Daí, muitos até faziam algum arranjo, algum casamento meio improvisado [...] não é por aí, claro, na Luta não adianta pegar atalho, [...] aí conquistamos, né? Daí, a partir de hoje já é normal o Incra também assentar solteiro (João).

O trecho narrado pelo entrevistado João mostra dois fatos importantes para a questão teórica já estabelecida. O primeiro deles é a questão das práticas territorializadoras de não apenas reivindicar e ter sucesso com isso, mas enfrentar a resistência do Incra, de ganhar dele no próprio jogo, mudar as regras por enfrentar a polêmica e ainda utilizar o verbo conquistar. Além disso, vemos outro movimento oposto ao uso da estratégia (De Certeau, 2014De Certeau, M. (2014). A invenção do cotidiano: Artes de fazer. (22a ed.). Petrópolis: Vozes.): a tática de arranjar um casamento improvisado e indiretamente “burlar” as regras estabelecidas para conquistar o objetivo da Luta. Interessante é o próprio entrevistado perceber e ir contra tal ação ao dizer que não se deve pegar atalhos na Luta. Essa reflexão pode ter sido uma consequência de outro problema relatado. No trecho abaixo vemos outra reinvindicação do MST referente à titularidade do lote:

O lote vem no nome dos dois, só que o que que acontecia muito? Quando tinha briga, na concepção de alguns camponeses, o dono era o nome que tava primeiro no contrato [...]. É até complicado pra explicar, mas é assim, vamos supor que aqui o [...] se separasse. O Incra, ele não tem um setor que cuida de dividir isso aqui. O lote é da família. Ele não divide, ele não tem um setor jurídico que trata disso [...]. Separou? Não tem em lugar nenhum uma legislação específica que ampara. E, aí, tinha muito caso de doenças mesmo, de alcoolismo. E a mulher acabava saindo com os filhos e o homem falava: “Não. O lote é meu. Quer ir embora? Vai”, ela saía. Aí... mudou. Eu mesmo ligava direto tendo caso assim. “Não, manda um contrato no nome dela, pro companheiro dela entender que ela também é dona, né?” [...]. Aí, então começou a sair o contrato no nome da mulher. Daí, agora é uma questão mais de compreensão cultural. Então, agora ele entende que assim, aparecendo primeiro o nome dela, é como se ela fosse a titular (Ana).

Conforme relato da entrevistada Ana, observamos um conflito entre os membros do MST, no qual ambos compartilham de um mesmo território. A prática de ruptura e desamparo do INCRA gerou a necessidade de uma reinvindicação por parte do grupo. Além de outra prática para proteger o movimento, isso também fomenta a necessidade de uma “compreensão cultural”, nas palavras da entrevistada, ou seja, uma instituição de regras para pertencimento e bom convívio entre todos.

5.3 Compreendendo o que é a Luta e onde isso pode levar

Talvez o ponto principal, e que move muitas das práticas nos territórios transitados pelos membros do MST, seja o uso do termo “Luta”. A palavra convencional, usada com insistência, refletia o que achávamos ser o alicerce do grupo, aquilo que os motiva a esperar meses e/ou anos por seu próprio pedaço de terra. Em certo ponto, isso é correto. Todavia, conforme as entrevistas avançavam, percebíamos que “a Luta” não é um código moral e bem-definido, mas, sim, ações e práticas responsáveis pela territorialização funcionando, inicialmente, em um sentido coletivo e, posteriormente, se transformando em algo individual.

Não. Igual falei lá no começo. Essa tarefa foi passada pra mim há uns 13 anos atrás, vamos dizer 10 anos atrás. E eu encaro isso como uma tarefa. Hoje, tipo assim, vamos dizer assim, que por uma lógica do espaço, eu sou presidente do CEPAG (Centro de Formação e Pesquisa “Ernesto Guevara”), mas isso não altera e nem desaltera nada. Sou só a mesma militante de antes. De antes. A mesma [...] (Marta).

O trecho anterior demostra não apenas a necessidade da união de todos os sujeitos em um objetivo comum, mas também a força com a qual isso passa a se enraizar. Marta demonstra que, apesar de suas tarefas mudarem, ela ainda é a mesma militante de antes, ou seja, é parte do território onde a Luta é o alicerce. Suas práticas transformam o território em uma conquista pela Luta. A militância e o MST principiam no desejo comum e cada prática cotidiana permite que os sujeitos se assumam como membros, o que se revela também na linguagem. Aos olhos de um desentendido, ou de alguém observando de fora do território, como é possível diferenciar um pequeno agricultor familiar de um membro do MST já de posse de seu pedaço de terra? Quais distinções separam um do outro? A resposta mostra-se em duas formas mais perceptíveis: o vocabulário e o histórico.

Comecemos pelo vocabulário:

Não. É companheiro mesmo de... chama todo mundo de companheiro ou companheira... que é... que é um... tem uns que não casou, mas a maioria é casado, sim. Né? Igual aos crentes. Os crentes é “ô, irmão”, “ô, irmã”. Aqui é companheiro, companheira. “Ô companheiro, como é que você tá?”, eu digo assim... aí vai (Marcos).

Percebemos o quão raro era algum dos entrevistados nos chamarem de companheiro/companheira. O termo usado era quase sempre “você”. Em uma das entrevistas foi questionado se a palavra seria para se referir aos membros do MST que fossem casados. Um sinônimo para esposa e/marido. A resposta obtida nos fez perceber que somente os membros do movimento é que chamam uns aos outros de companheiro/companheira, caracterizando, assim, uma ação cotidiana para simbolizar não apenas o pertencimento à Luta (do posto de quem fala), mas também identificar quais de fato são membros (aqueles assim chamados).

Apesar de a linguagem se tratar de uma forma sutil e da própria fala ser considerada uma prática cotidiana para De Certeau (2014De Certeau, M. (2014). A invenção do cotidiano: Artes de fazer. (22a ed.). Petrópolis: Vozes.), há o elemento “histórico” que se mostra ainda mais evidentemente. A existência de um processo de territorialização para Raffestin (1993)Raffestin, C. (1993). Por uma geografia do poder. São Paulo: Ática. considera a tríade sociedade-espaço-tempo ou, como complementa Saquet (2008)Saquet, M. A. (2008). Por uma abordagem territorial. In M. A. Saquet, & E. S. Sposito (Orgs.). Territórios e Territorialidades: teorias, processos e conflitos . São Paulo: Editora Expressão Popular . , o aspecto histórico. Os membros do MST perpassam por longos períodos em conjunto, dividindo suas práticas e convivendo com suas próprias rupturas. Assim, como mencionado por De Certeau (2014), a vida cotidiana em si não está pautada na rotina e na mesmice, mas nos conflitos e rupturas causados pelos sujeitos que compartilham da vida cotidiana.

Um “companheiro” reconhece o outro por ambos dividirem o mesmo chão do acampamento, por partilharem um terreno no presente que é a promessa de um terreno futuro. Nesse momento, identificamos que as práticas cotidianas são também as ações territorializadoras. Não cabe a um membro externo identificar um membro do MST, mas, sim, o membro do MST identificar quem está de fora de seu território, fora da Luta.

Percebemos isso por conta do histórico de violência sofrida pelo grupo. Conforme os relatos a seguir, os membros do MST são constantemente vistos como sujeitos sem poder, de baixa hierarquia social e que, muitas vezes, assumem o papel de ladrões ou acomodados por receberem “de graça” as terras para seu plantio: “Mas a maioria de nós somos ordinários. Porque a gente não aparece na mídia” (Marta).

[...] muitas madrugadas passada em claro. Quando falam pra gente, em plena segunda-feira: “tem assembleia”. O que que a gente pensa? Despejo terça-feira. É isso que vem na cabeça da gente. [...] Até as crianças ficam abaladas, porque as meninas não podem ver um carro de polícia que tá passando, descendo pra baixo que falam “Ó lá, mãe, ó. A polícia tá indo lá pro barraquinho, destruir o nosso barraquinho, tirar nós de lá” (Aparecida).

A gente veio num ônibus com as crianças e as mulheres. E os homens vieram em cima de caminhão. Toda essa distância de Ponta Grossa até aqui... aí chegamos aqui e eles [queriam] assustar nós, falaram “Ó, Querência é muito complicado, tem a polícia na entrada, tem... jagunço, tem... 1.500 vaca brava” (João).

Então, ali começou a pior briga [...] Aí, a Direção pensou isso aí, “Ah, vamos fazer”. Tá, vamos fazer. Foi ocupada tal, foi feito. Então, ali foi onde começou a disputa de poder. Nós queremos terra, o governo falava que tinha, mas não mostrava, não falava “então, nós podemos assentar tantas família em tal lugar”. Eles não falavam onde que tinha área, [só] falavam que tinha. Mas quem tinha que correr atrás éramos nós. E nós não tínhamos poder pra saber qual que eram as áreas. Então, se o governo falava que tinha, não mostrava. [...] E, aí, a UDR fazia pressão pro governo não mostrar as áreas que era pra fazer a reforma agrária e os assentamentos, né? [...]. Tá. Então, dali nós fizemos um movimento ali, ocupamos a área, daí, tava começando a ficar difícil, [...] começou a dar despejo em volta de nós e tal, e desocupação, brigava, a polícia ia lá, outras vezes, nem polícia não ia, já ia já segurança que nós chamamos de pistoleiro, jagunço, né? Ia lá e despejava por conta (Mário).

[...] era mais sofrido. Hoje, nós falarmos que é tão sofrido, não é. Antigamente era bem mais. Até questão de trabalhar tudo, de diária, era tudo mais barato, né? Tinha pessoas que trabalhavam pra manter a família, tinha pessoa que não dava conta. Porque muitas vezes eles negavam serviço, porque era sem-terra (Aparecida).

Podemos observar as práticas cotidianas criando as rupturas e permitindo a territorialização do espaço. Os próprios entrevistados reconhecem sua condição de que não jogam com as regras do jogo (De Certeau, 2014De Certeau, M. (2014). A invenção do cotidiano: Artes de fazer. (22a ed.). Petrópolis: Vozes.), como na fala da entrevistada Marta, os membros eram pessoas ordinárias, comuns, sem poder, sem próprio. Ou, como no caso da entrevistada Aparecida e do entrevistado Mário, que relatam o quão sensível é a situação das terras. A qualquer momento, esses mesmos entrevistados poderiam ser despejados, tirados de seus lares e levados a um território incerto. A violência, seja simbólica (ter um serviço negado por ser sem-terra) seja física (ser despejado de sua moradia), é condição corriqueira em suas vidas.

Esse histórico de lutas comuns fez com que territorializassem fortemente o espaço reivindicado em Querência do Norte. As relações entre os atores sociais, o espaço e o tempo construíram tal territorialidade. Sendo a vida composta por relações, a territorialização ocorreu a partir da coletividade e do conjunto dessas relações nas quais os sujeitos estavam envolvidos no espaço (abstrato e/ou concreto) e no tempo (Raffestin, 1993Raffestin, C. (1993). Por uma geografia do poder. São Paulo: Ática.).

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A Luta e o compartilhamento de costumes e símbolos que ligam os membros do MST à vida no meio rural ainda são temas pouco abordados nas pesquisas desenvolvidas em Administração. Esse silenciamento expõe a questão do acesso à terra no Brasil como temática ainda não pacificada e, como aponta Fernandes (2017)Fernandes, M. J. C. (2017). Da luta pela terra à luta pela Reforma Agrária no Brasil. Revista GeoInterações, 1(1), 55-67., anterior à luta pela Reforma Agrária. Nesse cenário, ainda se conserva a imagem do MST como um movimento antiestado e antidemocrático, sendo apresentado de forma negativa por intelectuais e por grande parte da imprensa brasileira (Carter, 2009Carter, M. (2009). The landless rural workers movement and democracy in Brazil. Latin American Research Review, 45(4), 186-217. ; Straubhaar, 2015Straubhaar, R. (2015). Public representations of the collective memory of Brazil’s Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. Latin American Perspectives, 42(3), 107-119.). Com isso, a violência no campo passa a ser apresentada como proveniente dos membros do MST, desqualificando seu papel como vítima dos excessos cometidos pelos grandes latifundiários.

O objetivo deste estudo foi compreender os processos de territorialização no cotidiano de vida e trabalho dos assentados da Reforma Agrária no município de Querência do Norte (PR). Por meio das narrativas de histórias de vida coletadas, observamos alguns aspectos presentes no cotidiano desses trabalhadores e que compõem tais processos de territorialização: a Luta que compartilham, o pertencimento à vida no campo e as relações entre os sujeitos.

A partir das narrativas analisadas, compreendemos que a Luta dos entrevistados está relacionada às suas práticas cotidianas e, consequentemente, aos seus processos de territorialização. Os membros do MST são pessoas ordinárias para De Certeau (2014)De Certeau, M. (2014). A invenção do cotidiano: Artes de fazer. (22a ed.). Petrópolis: Vozes. e agem lance por lance, prática por prática. Nesse sentido, vão vivenciando suas Lutas no dia a dia e transformando o território, tornando as condições de vida atuais diferentes daquelas do passado. Essa discussão pouco é apresentada na Administração, que silencia as vozes dos sujeitos ordinários, trabalhadores rurais, que lutam cotidianamente pelo direito de viver e trabalhar no campo em meio às mais diversas violências sofridas.

Os sujeitos entrevistados apresentam um forte sentimento de pertencimento ao movimento do qual fazem parte, sendo que a palavra Luta é a que mais salta aos olhos nos depoimentos. A Luta é o que os une. O fato de integrarem um movimento maior parece ser o que de alguma forma mantém o grupo mais coeso e identificado entre si. Politicamente é um movimento bastante atuante, práticas como trabalho, estudo e reivindicações promovem um maior senso de pertencimento entre as pessoas que convivem com a mesma realidade histórica de Luta. Pudemos observar, a partir dos resultados desta pesquisa, que a territorialização se faz no cotidiano e também a centralidade do homem na construção da territorialização. Conforme mostra Raffestin (1993Raffestin, C. (1993). Por uma geografia do poder. São Paulo: Ática., 2008Raffestin, C. (2008). A produção das estruturas territoriais e sua representação. In M. A. Saquet, & E. S. Sposito (Orgs.). Territórios e Territorialidades: teorias, processos e conflitos. São Paulo: Editora Expressão Popular.), o trabalho, as disposições dos sujeitos e os mediadores materiais e simbólicos são importantes nesse processo de transformar um espaço em território. O tempo, outro elemento da territorialização, representa variações que ocorrem na sociedade ao longo de uma escala longitudinal.

Dessa forma, a história compartilhada entre os membros do MST entrevistados para esta investigação se mostrou um importante fator de coesão, pertencimento, compartilhamento de práticas cotidianas e, consequentemente, de um processo de territorialização e territorialidade. Resta saber quais práticas, lugares e fatores históricos farão sentido (ou não farão sentido) nos processos de territorialização das futuras gerações das famílias assentadas. A pesquisa realizada já deu indícios sobre tal questão, contudo, caracteriza-se como assunto pertinente a um próximo artigo.

  • NOTAS DOS AUTORES
    Eline G. O. Zioli, mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Administração (PPA), Universidade Estadual de Maringá (UEM); Fábio S. Rodrigues, doutor pelo Programa de Pós-Graduação em Administração, UEM; Evandro L. Gaffuri, mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Administração, UEM; Elisa Y. Ichikawa, doutora pelo Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Produção, Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Eline G. O. Zioli é agora professora EBTT do Departamento de Gestão do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo (IFSP); Fábio S. Rodrigues é agora professor adjunto do Departamento de Administração da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS); Evandro L. Gaffuri é agora egresso do Programa de Pós-Graduação em Administração da UEM; Elisa Y. Ichikawa é agora professora associada do Centro de Ciências Sociais Aplicadas da UEM.
  • Agradecemos ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pelo apoio financeiro para a consecução da presente pesquisa.
  • 5
    O termo camponês utilizado por Meszaros (2000)Meszaros, G. (2000). No ordinary revolution: Brazil’s landless workers’ movement. Race & Class, 42(2), 1-18. aponta para o conteúdo histórico-político do termo, que, segundo Wanderley (2014)Wanderley, M. N. B. (2014). O campesinato brasileiro: Uma história de resistência. Revista de Economia e Sociologia Rural, 52(1), S025-S044., denota todo o histórico de lutas do campesinato brasileiro, entretanto, para o desenvolvimento desse trabalho será utilizado o termo agricultor familiar, que, como destaca Wanderley (2019)Wanderley, M. N. B. (2019). Reflexões sobre agricultura familiar e campesinato no Brasil e na França. In O. T. De Souza, M. De Andrade, A. C. Fleury, J. P. Billaud, & M. Zanoni (Orgs). Diálogos contemporâneos acerca da questão agrária e agricultura familiar no Brasil e na França. Porto Alegre: EDIPUCRS., pode ser colocado como equivalente ao termo camponês.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Abr 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    01 Jul 2019
  • Aceito
    17 Jun 2020
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