Acessibilidade / Reportar erro

Prescrição de quelantes de fósforo e calcitriol para pacientes em hemodiálise crônica

Prescription of phosphorus binders and calcitriol for chronic hemodialysis patients

Resumos

OBJETIVO: Descrever a frequência de prescrição de quelantes de fósforo (QF) e calcitriol em pacientes sob hemodiálise (HD) crônica em Salvador, Brasil, e avaliar se o tratamento está de acordo com recomendações do Kidney Disease Outcomes Quality Initiative (K/DOQI). MÉTODOS: Corte transversal de dados da linha de base do Estudo Prospectivo do Prognóstico de Pacientes Tratados Cronicamente por Hemodiálise (PROHEMO). Foi realizada descrição da frequência de prescrição de QF e calcitriol conforme as concentrações de indicadores laboratoriais do metabolismo mineral, comparando com recomendações do K/DOQI. RESULTADOS: Sevelamer isoladamente (i.e., não combinado com outro QF) foi prescrito para 45,4% dos pacientes, carbonato de cálcio (CaCO3) isoladamente para 26,5%, sevelamer combinado com CaCO3 para 2,1% e acetato de cálcio para 5,2%. Prescrição de QF foi observada para 53% dos pacientes com fósforo <3,5 mg/dL e 40% com fósforo <3,0 mg/dL. Em desacordo com K/DOQI, prescrição de calcitriol foi detectada para 19% dos pacientes com PTH<150 pg/mL e ausência da prescrição para aproximadamente 35,4% com PTH>300 pg/dL combinado com fósforo menor ou igual a 5,5 mg/dL, cálcio menor ou igual a 9,5 mg/dL e produto cálcio e fósforo (CaxP)<55 mg2/dL2. Neste último grupo, 38% tiveram prescrição de sevelamer sem outro QF. CONCLUSÃO: Os resultados mostram um elevado percentual de prescrição de sevelamer em pacientes em HD de manutenção em uma cidade brasileira, apesar do alto custo deste medicamento e ausência de contraindicação para QF à base de cálcio. Os resultados em pacientes com PTH<150 pg/mL e com PTH>300 pg/mL combinado com determinadas concentrações de cálcio, fósforo e CaxP indicam também a necessidade de avaliar as práticas de uso de QF e calcitriol.

Hemodiálise; Metabolismo mineral; Quelante de fósforo; Vitamina D


OBJECTIVE: To describe the frequency of prescription of phosphate binders (PB) and calcitriol for patients on chronic hemodialysis in Salvador, Brazil, and to assess whether treatment is in agreement with recommendations of the Kidney Disease Outcomes Quality Initiative (K/DOQI). METHODS: Cross section of baseline data of the PROHEMO study. The frequency of prescription of PB and calcitriol according to laboratory indicators of mineral metabolism was compared with K/DOQI recommendations. RESULTS: Sevelamer alone (i.e., not combined with other PB) was prescribed for 45.4% of patients, calcium carbonate (CaCO3) alone for 26.5%, sevelamer combined with CaCO3 for 2.1% and calcium acetate for 5.2%. Prescription of PB was noted in 53% of the patients with phosphorus <3.5 mg/dL and 40% with phosphorus <3.0 mg/dL. In disagreement with K/DOQI, prescription of calcitriol was found in 19% of patients with PTH<150 pg/mL and prescription was absent for approximately 35.4% with PTH>300 pg/dL combined with phosphorus equal or less than 5.5 mg/dL, calcium equal or less than 9.5 mg/dL and calcium x phosphorus product (CaxP)<55 mg2/dL2. For this latter group 38% had a prescription of sevelamer without other phosphate binders. CONCLUSION: Results show a large percentage of prescriptions of sevelamer among patients on maintenance hemodialysis in a Brazilian city, despite the high cost of the medication and absence of contraindications for PB with calcium salts. Results in patients with PTH<150 pg/mL and with PTH>300 pg/mL combined with certain concentrations of calcium, phosphate and CaxP also indicate the need to evaluate practices for use of phosphate binders and calcitriol.

Hemodialysis; Mineral metabolism; Phosphate binder; Vitamin D


ARTIGO ORIGINAL

Prescrição de quelantes de fósforo e calcitriol para pacientes em hemodiálise crônica

Prescription of phosphorus binders and calcitriol for chronic hemodialysis patients

Maria Tereza Silveira MartinsI; Luciana Ferreira da SilvaII; Márcia Tereza Silva MartinsIII; Cácia Mendes MatosIV; Nelson Almeida D'ávila MeloV; Matheus Freitas Cardoso de AzevedoVI; Iane Érica M. TravessaVII; Maurício Kauark AmoedoVIII; Pedro Amoedo FernandesIX; Fernanda Conceição Pereira NogueiraX; Gildete Barreto LopesXI; Antonio Alberto LopesXII,* * Correspondência: Rua Marechal Floriano, 448 - apt 1301 - Canela, CEP 40110-010, Salvador - BA, aaslopes@ufba.br

IMestre em Medicina e Saúde pela Universidade Federal da Bahia - Médica Nefrologista da Clínica NEPHRON. Salvador,BA, Brasil

IIMestre em Alimentos e Nutrição - Nutricionista do Instituto de Nefrologia e Diálise; Professora Assistente da Universidade do Estado da Bahia; Aluna do Curso de Doutorado do Programa de Pós-Graduação em Medicina e Saúde da Faculdade de Medicina, UFBA, Salvador, BA, Brasil

IIIMédica Nefrologista - Aluna do Curso de Mestrado do Programa de Pós-Graduação de Medicina e Saúde da Universidade Federal da Bahia. Médica Nefrologista da CLINIRIM, Salvador,BA

IVMestre em Nefrologia - Diretora Médica do Instituto de Nefrologia e Diálise. Salvador, BA, Brasil

VMédico Residente do Hospital Universitário Professor Edgard Santos, UFBA, Salvador, BA, Brasil

VIMédico Residente da Santa Casa de São Paulo. São Paulo,SP, Brasil

VIIEstudante de Medicina - Bolsista de Iniciação Científica - Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública. Salvador,BA, Brasil

VIIIMédico Residente da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto. São José do Rio Preto,SP,Brasil

IXEstudante de Medicina - Bolsista de Iniciação Científica do PIBIC - Faculdade de Medicina da Bahia da Universidade Federal da Bahia. Salvador,BA,Brasil

XEstudante de Medicina - Bolsista de Iniciação Científica do PIBIC - Faculdade de Medicina da Bahia da Universidade Federal da Bahia. Salvador, BA, Brasil

XIMestre em Medicina e Saúde - Aluna do Curso de Doutorado do Programa de Pós-graduação em Medicina e Saúde da Universidade Federal da Bahia. Salvador, BA, Brasil

XIIPhD em Ciência Epidemiológica pela Universidade de Michigan, Estados Unidos - Professor Associado I, Livre-Docente de Nefrologia da Faculdade de Medicina da Bahia da Universidade Federal da Bahia. Salvador,BA, Brasil

RESUMO

OBJETIVO: Descrever a frequência de prescrição de quelantes de fósforo (QF) e calcitriol em pacientes sob hemodiálise (HD) crônica em Salvador, Brasil, e avaliar se o tratamento está de acordo com recomendações do Kidney Disease Outcomes Quality Initiative (K/DOQI).

MÉTODOS: Corte transversal de dados da linha de base do Estudo Prospectivo do Prognóstico de Pacientes Tratados Cronicamente por Hemodiálise (PROHEMO). Foi realizada descrição da frequência de prescrição de QF e calcitriol conforme as concentrações de indicadores laboratoriais do metabolismo mineral, comparando com recomendações do K/DOQI.

RESULTADOS: Sevelamer isoladamente (i.e., não combinado com outro QF) foi prescrito para 45,4% dos pacientes, carbonato de cálcio (CaCO3) isoladamente para 26,5%, sevelamer combinado com CaCO3 para 2,1% e acetato de cálcio para 5,2%. Prescrição de QF foi observada para 53% dos pacientes com fósforo <3,5 mg/dL e 40% com fósforo <3,0 mg/dL. Em desacordo com K/DOQI, prescrição de calcitriol foi detectada para 19% dos pacientes com PTH<150 pg/mL e ausência da prescrição para aproximadamente 35,4% com PTH>300 pg/dL combinado com fósforo menor ou igual a 5,5 mg/dL, cálcio menor ou igual a 9,5 mg/dL e produto cálcio e fósforo (CaxP)<55 mg2/dL2. Neste último grupo, 38% tiveram prescrição de sevelamer sem outro QF.

CONCLUSÃO: Os resultados mostram um elevado percentual de prescrição de sevelamer em pacientes em HD de manutenção em uma cidade brasileira, apesar do alto custo deste medicamento e ausência de contraindicação para QF à base de cálcio. Os resultados em pacientes com PTH<150 pg/mL e com PTH>300 pg/mL combinado com determinadas concentrações de cálcio, fósforo e CaxP indicam também a necessidade de avaliar as práticas de uso de QF e calcitriol.

Unitermos: Hemodiálise. Metabolismo mineral. Quelante de fósforo. Vitamina D.

SUMMARY

OBJECTIVE: To describe the frequency of prescription of phosphate binders (PB) and calcitriol for patients on chronic hemodialysis in Salvador, Brazil, and to assess whether treatment is in agreement with recommendations of the Kidney Disease Outcomes Quality Initiative (K/DOQI).

METHODS: Cross section of baseline data of the PROHEMO study. The frequency of prescription of PB and calcitriol according to laboratory indicators of mineral metabolism was compared with K/DOQI recommendations.

RESULTS: Sevelamer alone (i.e., not combined with other PB) was prescribed for 45.4% of patients, calcium carbonate (CaCO3) alone for 26.5%, sevelamer combined with CaCO3 for 2.1% and calcium acetate for 5.2%. Prescription of PB was noted in 53% of the patients with phosphorus <3.5 mg/dL and 40% with phosphorus <3.0 mg/dL. In disagreement with K/DOQI, prescription of calcitriol was found in 19% of patients with PTH<150 pg/mL and prescription was absent for approximately 35.4% with PTH>300 pg/dL combined with phosphorus equal or less than 5.5 mg/dL, calcium equal or less than 9.5 mg/dL and calcium x phosphorus product (CaxP)<55 mg2/dL2. For this latter group 38% had a prescription of sevelamer without other phosphate binders.

CONCLUSION: Results show a large percentage of prescriptions of sevelamer among patients on maintenance hemodialysis in a Brazilian city, despite the high cost of the medication and absence of contraindications for PB with calcium salts. Results in patients with PTH<150 pg/mL and with PTH>300 pg/mL combined with certain concentrations of calcium, phosphate and CaxP also indicate the need to evaluate practices for use of phosphate binders and calcitriol.

Key words: Hemodialysis. Mineral metabolism. Phosphate binder. Vitamin D.

Introdução

O projeto das diretrizes do Kidney Disease Quality Initiative (K/DOQI) foi desenvolvido e tem sido divulgado amplamente pela National Kidney Foundation no intuito de que sejam adotadas práticas de diagnóstico, prevenção e tratamento das doenças renais baseadas nas melhores evidências dos trabalhos científicos1. Diretrizes foram especialmente desenvolvidas para a abordagem das alterações do metabolismo mineral2. De acordo com estas recomendações, pacientes em diálise devem manter as concentrações de cálcio sérico corrigido para a albumina entre 8,4-9,5 mg/dL, fósforo sérico entre 3,5-5,5 mg/dL, produto cálcio x fósforo menor que 55 mg2/dL2 e paratormônio (PTH) plasmático entre 150-300 pg/mL. Para alcançar os alvos do controle do fósforo, o K/DOQI considera que tanto o sevelamer quanto os demais quelantes de fósforo podem ser prescritos inicialmente, considerando que são eficazes em manter o nível de fósforo dentro do recomendado em qualquer estágio da doença renal2. O K/DOQI, no entanto, recomenda que se evite o uso de quelante de fósforo à base de cálcio em pacientes com concentração sérica de cálcio, corrigido para a concentração de albumina, superior a 10,2 mg/dL ou com nível de PTH plasmático inferior a 150 pg/mL em duas avaliações consecutivas2. As recomendações descritas nas diretrizes do K/DOQI para o metabolismo mineral visam reduzir as complicações, sobretudo os diversos tipos de doença óssea e a mortalidade precoce nos pacientes portadores de doença renal crônica3.

Em relação à prescrição de análogo de vitamina D para pacientes em diálise, o K/DOQI recomenda o seu uso quando a concentração sérica do PTH for superior a 300 pg/mL2. Caso ocorra aumento do cálcio, do fósforo e/ou do produto cálcio x fósforo para níveis acima do recomendado pelo K/DOQI durante o uso da vitamina D, esta deverá ser reduzida ou mesmo interrompida2. Caso a concentração de PTH se reduza para um limite inferior ou igual a 300 pg/mL, recomenda-se a diminuição da dose ou a interrupção da prescrição do análogo da vitamina D 2.

O objetivo do presente estudo é descrever a frequência de prescrição dos diferentes tipos de quelantes de fósforo e do calcitriol (único análogo da vitamina D disponível para a população estudada) em pacientes sob hemodiálise crônica na cidade de Salvador. Os dados foram também analisados para verificar os percentuais de pacientes dentro e fora dos alvos recomendados pelo K/DOQI para cada indicador laboratorial do metabolismo mineral.

Métodos

Corte transversal de dados da linha de base do "Estudo Prospectivo do Prognóstico de Pacientes Tratados Cronicamente por Hemodiálise" (Estudo PROHEMO), desenvolvido em Salvador. Os dados analisados são de quatro clínicas participantes do estudo. O PROHEMO foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia. Todos os pacientes assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido para participação no estudo.

Foram estudados 747 pacientes adultos em HD crônica. Os pacientes que compõem a presente amostra foram admitidos no estudo no período de maio de 2005 a abril de 2007. Os dados foram obtidos através de questionário pré-definido e de informações sobre prescrição nos prontuários médicos. Os indicadores de adequação do metabolismo mineral (concentração sérica de cálcio, fósforo, PTH intacto e produto cálcio x fósforo) corresponderam ao valor laboratorial mais próximo à coleta dos dados clínicos e sociodemográficos, sendo que a rotina de exames dos serviços participantes inclui dosagem mensal de cálcio e fósforo e semestral de PTH. O PTH intacto foi dosado por eletroquimioluminescência (ROCHE). O cálcio foi corrigido para a concentração de albumina utilizando a seguinte fórmula: cálcio corrigido em mg/dL = cálcio em mg/dL + (0,8 x (4 - albumina em g/dL)).

Foram determinados para cada subgrupo, definido pelas concentrações dos indicadores laboratoriais do metabolismo mineral, os percentuais de pacientes com prescrição de carbonato de cálcio ou de sevelamer não combinado com outro quelante de fósforo ou com prescrição de calcitriol. Os percentuais de prescrição foram comparados com a conduta terapêutica recomendada pelo K/DOQI.

Resultados

A Tabela 1 descreve características gerais dos 747 pacientes participantes do estudo. A amostra foi constituída por 432 homens (57,9%) e 315 mulheres (42,1%). A média de idade dos pacientes era 48,5 ± 13,9 anos (mediana=48,3 anos). Aproximadamente 50% dos pacientes estavam em tratamento dialítico há pelo menos 35 meses. Mulatos corresponderam a 61,6% da amostra, negros a 28,2% e brancos 8,7%. As três causas mais frequentes de estágio final de doença renal (EFDR) identificadas pelos nefrologistas foram nefropatia hipertensiva (36%), glomerulonefrite crônica (27,2%) e nefropatia diabética (16,9%). Diabetes mellitus como causa de EFDR ou comorbidade foi diagnosticada em 19,7% (147/747) dos pacientes. A média de albumina sérica foi 3,9±0,5 g/dL (mediana = 4 g/dL) e de hemoglobina 10,1±1,7 g/dL (mediana=10,2). A média de Kt/V foi de 1,5 ± 0,2 (mediana = 1,5).

Os percentuais de pacientes com concentrações de indicadores do metabolismo mineral dentro do recomendado pelo K/DOQI foram 51,3% para cálcio corrigido para albumina, 47,0% para fósforo, 21,9% para PTH e 68,9% para produto cálcio e fósforo. Em torno de 13% dos pacientes apresentaram concentrações de cálcio corrigido abaixo do recomendado (i.e., <8,4 mg/dL) e 35,5% acima do recomendado pelo K/DOQI (i.e., >9,5 mg/dL). No que se refere ao PTH, os percentuais de pacientes com concentrações abaixo (i.e., <150 pg/mL) e acima (i.e., >300 pg/ml) foram, respectivamente, 37,2% e 40,9%. Aproximadamente 13,8% dos pacientes apresentaram concentrações de fósforo abaixo do recomendado (i.e., <3,5 mg/dL) e 7,8% concentrações abaixo de 3,0 mg/dL.

A Tabela 2 mostra a frequência de prescrição de quelantes e de calcitriol entre os 747 pacientes. Foi observado que 79,1% (591/747) receberam prescrição de algum tipo de quelante de fósforo, sendo hidrocloreto de sevelamer o mais frequente prescrito (47,5%). Carbonato de cálcio foi prescrito como quelante de fósforo para 28,6% dos pacientes, sendo prescrito conjuntamente com sevelamer para 2,1%. Prescrição de acetato de cálcio foi observada para 5,2% e de hidróxido de alumínio como quelante de fósforo para 0,7% dos pacientes.

A Tabela 3 mostra os percentuais de pacientes com prescrição de carbonato de cálcio, sevelamer não combinado a outro quelante de fósforo e de calcitriol de acordo com concentrações de indicadores laboratoriais do metabolismo mineral. Na coluna direita da tabela é mostrada a conduta terapêutica esperada de acordo com as diretrizes K/DOQI. De acordo com as diretrizes K/DOQI é esperado que pacientes com cálcio corrigido para albumina >10,2 mg/dL (situação 2) não usem quelante de fósforo contendo cálcio e também calcitriol. Observou-se, no entanto, que carbonato de cálcio foi prescrito para 22,5% e calcitriol para 23,4% dos 111 pacientes com cálcio corrigido >10,2 mg/dL. Dentre os 260 pacientes com PTH inferior a 150 pg/mL (situação 3), 32,3% (84) receberam prescrição de carbonato de cálcio e 16,5% (43) calcitriol, quando estas medicações deveriam ser evitadas de acordo com K/DOQI.

Em 103 pacientes com fósforo menor que 3,5 mg/dL (dados não mostrados na tabela) em que o esperado seria evitar quelantes de fósforo, 31,1% tiveram prescrição de carbonato de cálcio e 16,5% de sevelamer. Entre 58 pacientes com concentração de fósforo ainda mais baixa (<3,0 mg/dL), 27,6% tiveram prescrição de carbonato de cálcio e 6,9% de sevelamer não combinado a outro quelante de fósforo (situação 5).

Dentre os 291 pacientes com fósforo superior a 5,5mg/dL (situação 6), 66,3% (193) receberam prescrição de sevelamer não combinado com outro quelante de fósforo e 23,7% receberam prescrição de calcitriol. Entre os 222 pacientes com produto cálcio x fósforo > 55 mg2/L2, 19,8 % tiveram prescrição de calcitriol e 14% de carbonato de cálcio (situação 7).

A Tabela 3 mostra também os percentuais de prescrição de quelantes de fósforo e calcitriol de acordo com combinações dos indicadores do metabolismo mineral. Dentre os 41 pacientes com a combinação mostrada na situação 8, 58,5% (24/41) tiveram prescrição de sevelamer e 29,3% (12/41) de carbonato de cálcio e, contrariando as diretrizes K/DOQI, 43,9% fizeram uso de calcitriol.

As situações 9 e 10 representam os pacientes com PTH>300 combinados com diferentes concentrações dos demais indicadores laboratoriais do metabolismo mineral. De acordo com as recomendações do K/DOQI, na situação 9 (cálcio>9,5 ou fósforo>5,5 ou CaxP> 55 combinado com PTH>300) o uso de calcitriol deve ser evitado e na situação 10 (cálcio£9,5 e fósforo>5,5 e CaxP< 55 e PTH > 300) está indicado o uso de calcitriol. Conforme mostrado na Tabela 3, 34,3% dos pacientes tiveram prescrição de calcitriol na situação 9 e 35,4% dos pacientes não tiveram prescrição de calcitriol na situação 10.

Discussão

De acordo com os resultados do início da coleta de dados do PROHEMO, um percentual elevado de pacientes não havia alcançado os alvos recomendados pelo K/DOQI para os indicadores do metabolismo mineral, i.e., cálcio corrigido para albumina, fósforo, PTH e produto cálcio x fósforo. Foi também observada uma discordância com o K/DOQI na prescrição de quelantes de fósforo e de calcitriol. Observou-se, por exemplo, prescrição de quelantes de fósforo para mais de um terço dos pacientes com fósforo sérico inferior a 3 mg/dL, portanto muito abaixo do alvo recomendado pelo K/DOQI. Tal fato se repetiu na avaliação da prescrição de calcitriol de acordo com as orientações do K/DOQI. Foi observada prescrição de calcitriol para quase um quinto dos pacientes com PTH<150 pg/mL, possivelmente contribuindo para aumentar a possibilidade de doença óssea adinâmica. Por outro lado, não se detectou prescrição de calcitriol para mais de um terço dos pacientes com PTH>300 pg/dL, que pode estar associada a uma maior prevalência de hiperparatireoidismo secundário4-5-6.

Em relação à prescrição de quelantes de fósforo, quase metade dos pacientes tinha prescrição de sevelamer. Tal fato chamou atenção, pois além do perfil dos indicadores laboratoriais do metabolismo mineral e da presença de calcificação vascular, custo é outro fator a ser considerado na decisão entre usar sevelamer ou outro quelante de fósforo7. É importante notar que, no nosso meio, o custo do sevelamer é aproximadamente 60 vezes superior ao do carbonato de cálcio e 20 vezes superior ao acetato de cálcio8,9.

O K/DOQI sugere que em situações de persistência de hiperfosfatemia, apesar do uso de um quelante de fósforo, pode-se associar um segundo quelante2. É possível que o uso judicioso de associações de menores doses de sevelamer e de quelantes à base de cálcio possa melhorar o controle do fósforo sérico e ao mesmo tempo reduzir os custos do tratamento10. No nosso estudo, no entanto, observamos que somente um percentual muito pequeno (aproximadamente 2,1%) de pacientes recebeu prescrição de sevelamer combinado com outro quelante.

No presente estudo observou-se que sevelamer foi o quelante de fósforo prescrito para aproximadamente 70% dos pacientes com fósforo superior a 5,5 mg/dL. Neste subgrupo de pacientes, sevelamer foi usado em lugar de quelantes contendo cálcio, mesmo em situações de hipocalcemia. O fato de não existirem evidências suficientes mostrando benefício na redução de mortalidade, hospitalização ou melhora da qualidade de vida associadas ao uso do hidrocloreto de sevelamer apoia a necessidade da reavaliação da prescrição dos quelantes de fósforo observada no presente estudo11.

Tonelli et al. realizaram uma meta-análise que incluiu dez ensaios clínicos randomizados totalizando 3.000 pacientes em diálise que utilizaram sevelamer ou um dos quelantes à base de cálcio11. Não foi observada diferença na qualidade de vida, taxa de mortalidade por todas as causas, mortalidade cardiovascular, efeitos adversos ou hospitalizações entre pacientes tratados com sevelamer e quelantes à base de cálcio11.

O presente estudo apresenta informações que podem ajudar a melhorar o controle do metabolismo mineral em pacientes em hemodiálise crônica no nosso meio. Objetivando o uso adequado das informações, no entanto, é importante considerar potenciais limitações metodológicas. Como a análise se baseou em um corte transversal não foi possível avaliar modificações na prescrição bem como nas concentrações dos indicadores laboratoriais do metabolismo mineral ao longo da evolução dos pacientes. Outra limitação deste estudo foi a falta de informação sobre a presença de calcificações metastáticas, que podem justificar a prescrição de sevelamer em pacientes sem contraindicações ao uso de quelante à base de cálcio. O fato da dosagem de PTH ser semestral pode ter também contribuído para que um percentual elevado de pacientes esteja com prescrição de calcitriol em desacordo com recomendações do K/DOQI.

Em conclusão, os dados do presente estudo sugerem que um percentual considerável de pacientes em hemodiálise em Salvador tem prescrição de quelante de fósforo e calcitriol que diferem do que tem sido recomendado pelo K/DOQI. Uma compreensão dos fatores relacionados a esta inadequação e uma visão crítica das recomendações do K/DOQI deverão permitir melhor controle das alterações do metabolismo mineral e redução de custos desnecessários em nosso meio.

Agradecimentos

Os autores agradecem aos diretores e equipes das clínicas de diálise participantes do PROHEMO e a Sociedade Brasileira de Nefrologia - Regional da Bahia pela colaboração para o desenvolvimento do estudo. O PROHEMO conta também com apoio do CNPq referente a recursos para custeio/capital (processo 484743/2006-6), bolsas de iniciação científica do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Cientifica (PIBIC) e bolsa de produtividade em pesquisa (processo 308068/2006-8).

Conflito de interesse: não há

Referências

1. The National Kidney Foundation Kidney Disease Outcomes Quality Initiative. [cited 2007 oct 13].Available from: http://www.kidney.org/professionals/KDOQI.

2. National Kidney Foundation. K/DOQI clinical practice guidelines for bone metabolism and disease in chronic kidney disease. Am J Kidney Dis. 2003;42(Suppl):S1-201.

3. Young EW, Akiba T, Albert JM, McCarthy JT, Kerr PG, Mendelssohn DC, et al. Magnitude and impact of abnormal mineral metabolism in hemodialysis patients in the Dialysis Outcomes and Practice Patterns Study (DOPPS). Am J Kidney Dis. 2004;44:34-8.

4. Slatopolsky E, Brown A, Dusso A. Pathogenesis of secondary hyperparathyroidism. Kidney Int Suppl. 1999;73:S14-9.

5. Martin KJ, Olgaard K, Coburn JW, Coen GM, Fukagawa M, Langman C, et al. Diagnosis, assessment, and treatment of bone turnover abnormalities in renal osteodystrophy. Am J Kidney Dis. 2004;43:558-65.

6. Goodman WG, Ramirez JA, Belin TR, Chon Y, Gales B, Segre GV, et al. Development of adynamic bone in patients with secondary hyperparathyroidism after intermittent calcitriol therapy. Kidney Int. 1994;46:1160-6.

7. Palmer SC, Craig JC, Strippoli GF. Sevelamer: a promising but unproven drug. Nephrol Dial Transplant. 2007;22:2742-5.

8. Guia Farmacêutico Brasíndice [online]. [citado out 2007]. São Paulo: Andrei Publicações Médicas; 2007. Disponível em: http://www.brasindice. com.br/conheca.shtml.

9. Quimibras Indústrias Químicas S/A. [online]. Rio de Janeiro. Especificações Reagen. Reagen lista de especificações por produtos. [citado 22 jan 2008]. Disponível em: http://www.quimibras.com.br/homepage/especificacoes/espec_Reagen.html. 10. Iwasaki Y, Takami H, Tani M, Yamaguchi Y, Goto H, Goto Y, et al. Efficacy of combined sevelamer and calcium carbonate therapy for hyperphosphatemia in Japanese hemodialysis patients. Ther Apher Dial. 2005;9:347-51.

11. Tonelli M, Wiebe N, Culleton B, Lee H, Klarenbach S, Shrive F, et al. Systematic review of the clinical efficacy and safety of sevelamer in dialysis patients. Nephrol Dial Transplant. 2007;22:2856-66.

Artigo recebido: 18/02/08

Aceito para publicação: 17/05/08

Trabalho realizado pelo Programa de Pós-graduação em Medicina e Saúde, Faculdade de Medicina, UFBA, Salvador, BA; na Clínica NEPHRON - Barris, Salvador, BA; no Instituto de Nefrologia e Diálise (INED), Salvador, BA; na Clínica do Rim e Hipertensão Arterial (CLINIRIM), Salvador, BA; no Núcleo de Epidemiologia Clínica do Hospital Universitário Professor Edgar Santos, Universidade Federal da Bahia (UFBA), Salvador, BA; e pelo Departamento de Medicina, Faculdade de Medicina, UFBA, Salvador, BA.

  • 1
    The National Kidney Foundation Kidney Disease Outcomes Quality Initiative. [cited 2007 oct 13].Available from: http://www.kidney.org/professionals/KDOQI
    » link
  • 2. National Kidney Foundation. K/DOQI clinical practice guidelines for bone metabolism and disease in chronic kidney disease. Am J Kidney Dis. 2003;42(Suppl):S1-201.
  • 3. Young EW, Akiba T, Albert JM, McCarthy JT, Kerr PG, Mendelssohn DC, et al. Magnitude and impact of abnormal mineral metabolism in hemodialysis patients in the Dialysis Outcomes and Practice Patterns Study (DOPPS). Am J Kidney Dis. 2004;44:34-8.
  • 4. Slatopolsky E, Brown A, Dusso A. Pathogenesis of secondary hyperparathyroidism. Kidney Int Suppl. 1999;73:S14-9.
  • 5. Martin KJ, Olgaard K, Coburn JW, Coen GM, Fukagawa M, Langman C, et al. Diagnosis, assessment, and treatment of bone turnover abnormalities in renal osteodystrophy. Am J Kidney Dis. 2004;43:558-65.
  • 6. Goodman WG, Ramirez JA, Belin TR, Chon Y, Gales B, Segre GV, et al. Development of adynamic bone in patients with secondary hyperparathyroidism after intermittent calcitriol therapy. Kidney Int. 1994;46:1160-6.
  • 7. Palmer SC, Craig JC, Strippoli GF. Sevelamer: a promising but unproven drug. Nephrol Dial Transplant. 2007;22:2742-5.
  • 8
    Guia Farmacêutico Brasíndice [online]. [citado out 2007]. São Paulo: Andrei Publicações Médicas; 2007. Disponível em: http://www.brasindice. com.br/conheca.shtml
    » link
  • 9
    Quimibras Indústrias Químicas S/A. [online]. Rio de Janeiro. Especificações Reagen. Reagen lista de especificações por produtos. [citado 22 jan 2008]. Disponível em: http://www.quimibras.com.br/homepage/especificacoes/espec_Reagen.html
  • 10. Iwasaki Y, Takami H, Tani M, Yamaguchi Y, Goto H, Goto Y, et al. Efficacy of combined sevelamer and calcium carbonate therapy for hyperphosphatemia in Japanese hemodialysis patients. Ther Apher Dial. 2005;9:347-51.
  • 11. Tonelli M, Wiebe N, Culleton B, Lee H, Klarenbach S, Shrive F, et al. Systematic review of the clinical efficacy and safety of sevelamer in dialysis patients. Nephrol Dial Transplant. 2007;22:2856-66.
  • *
    Correspondência: Rua Marechal Floriano, 448 - apt 1301 - Canela, CEP 40110-010, Salvador - BA,
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      03 Abr 2009
    • Data do Fascículo
      2009

    Histórico

    • Aceito
      17 Maio 2008
    • Recebido
      18 Fev 2008
    Associação Médica Brasileira R. São Carlos do Pinhal, 324, 01333-903 São Paulo SP - Brazil, Tel: +55 11 3178-6800, Fax: +55 11 3178-6816 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: ramb@amb.org.br