Acessibilidade / Reportar erro

Declaração de óbito, compromisso no preenchimento: avaliação em Belém - Pará, em 2010

Resumos

OBJETIVO: Avaliar o preenchimento das declarações de óbito em Belém-PA, registradas no ano de 2010. MÉTODOS: Foram analisadas 800 declarações de óbito de morte não violenta, sorteadas aleatoriamente, referentes ao ano de 2010. Quanto ao correto preenchimento, foram avaliados todos os campos do documento, com exceção dos campos V (Morte fetal ou menor que um ano), I (Destinado aos cartórios) e VIII (Causas externas/Mortes violentas). Cada campo foi analisado seguindo os seguintes parâmetros: preenchidos de maneira incompleta, campos em branco, ilegíveis e preenchimento incorreto. RESULTADOS: A partir dos dados coletados, foram encontrados altíssimos índices de equívocos no preenchimento das certidões; 98,7% delas apresentavam, pelo menos, um erro em seu preenchimento. Entretanto, os mais notáveis e de maior repercussão foram encontrados no campo VI, destinado ao registro da causa de morte, onde, tal erro foi encontrado em 71,5%, principalmente pela utilização de termos vagos no registro. CONCLUSÃO: Os altíssimos índices de declarações de óbito mal preenchidas demonstram uma grande falha por parte dos currículos das escolas médicas, bem como uma carência de projetos de educação médica continuada que abordem tal temática de inestimável importância. Os resultados demonstraram negligência ou desconhecimento da própria fisiopatogenia das doenças por parte dos médicos.

Declaração de óbito; Morte encefálica; Avaliação


OBJECTIVE: To evaluate the completion of medical certificates of death in Belém, state of Pará, Brazil in 2010. METHODS: In the present study, 800 medical certificates of non-violent death, randomly chosen, and produced in 2010 were analyzed. Regarding correct completion, all fields of the Trabalho document were evaluated, except for fields I (reserved for civil registries), V (stillbirth or death under age of one year), and VIII (external causes/violent death). Each field was analyzed regarding the following parameters: incomplete fields, fields left blank, illegibility, and incorrect completions. RESULTS: Based on the data collected, very high rates of errors in completion were observed; 98.7% of the certificates had at least one mistake. The most remarkable and important mistakes were found in field VI, intended for the cause of death, with a frequency of error of 71.5%, especially due to vagueness. CONCLUSION: The very high rates of poorly completed medical certificates of death highlights a significant failure in the medical schools' curriculum, as well as a lack of continuing medical education programs addressing such topic of paramount importance. The results demonstrated neglect or lack of knowledge on the pathophysiology of diseases by physicians.

Medical certificate of death; Brain death; Evaluation


ARTIGO ORIGINAL

Declaração de óbito, compromisso no preenchimento. Avaliação em Belém - Pará, em 2010* * Trabalho realizado na Universidade Estadual do Pará, Belém, PA, Brasil.

José Antônio Cordero da SilvaI; Vitor Nagai YamakiII,** ** Autor para correspondência. E-mail: vitoryamaki@gmail.com (V.N. Yamaki). ; João Paulo Santiago de OliveiraII; Renan Kleber Costa TeixeiraII; Felipe Augusto Folha SantosII; Victor Seiji Nascimento HosoumeII

IFaculdade de Medicina, Universidade do Porto, Porto, Portugal

IICurso de Medicina, Universidade Estadual do Pará, Belém, PA, Brasil

RESUMO

OBJETIVO: Avaliar o preenchimento das declarações de óbito em Belém-PA, registradas no ano de 2010.

MÉTODOS: Foram analisadas 800 declarações de óbito de morte não violenta, sorteadas aleatoriamente, referentes ao ano de 2010. Quanto ao correto preenchimento, foram avaliados todos os campos do documento, com exceção dos campos V (Morte fetal ou menor que um ano), I (Destinado aos cartórios) e VIII (Causas externas/Mortes violentas). Cada campo foi analisado seguindo os seguintes parâmetros: preenchidos de maneira incompleta, campos em branco, ilegíveis e preenchimento incorreto.

RESULTADOS: A partir dos dados coletados, foram encontrados altíssimos índices de equívocos no preenchimento das certidões; 98,7% delas apresentavam, pelo menos, um erro em seu preenchimento. Entretanto, os mais notáveis e de maior repercussão foram encontrados no campo VI, destinado ao registro da causa de morte, onde, tal erro foi encontrado em 71,5%, principalmente pela utilização de termos vagos no registro.

CONCLUSÃO: Os altíssimos índices de declarações de óbito mal preenchidas demonstram uma grande falha por parte dos currículos das escolas médicas, bem como uma carência de projetos de educação médica continuada que abordem tal temática de inestimável importância. Os resultados demonstraram negligência ou desconhecimento da própria fisiopatogenia das doenças por parte dos médicos.

Palavras chave: Declaração de óbito; Morte encefálica; Avaliação

Introdução

A declaração de óbito (DO) é um documento imprescindível à organização e planejamento de uma sociedade de acordo com suas próprias necessidades, estabelecendo assim políticas direcionadas, principalmente no que diz respeito à saúde pública. Os frequentes erros encontrados no preenchimento das declarações de óbito demonstram, em sua maioria, uma relativa negligência por parte da classe médica, determinando a perda de dados relevantes ao setor nacional de saúde, que determinam prejuízos às ações de políticas efetivas direcionadas ao setor1.

A importância da DO para fornecer informações sobre a saúde de uma população foi reconhecida há séculos, sendo, portanto, um documento de estatística vital, constituído na base da moderna epidemiologia2. A partir destas informações, são desenvolvidas estatísticas relacionadas a diversas variáveis sobre mortalidade, que constituem uma ferramenta essencial para a programação e avaliação das ações e investigações epidemiológicas, de ensino e pesquisa, sendo, ainda hoje, os dados mais utilizados em estatísticas voltadas à saúde, representado pelo Sistema de Informação de Mortalidade (SIM)3.

Além de atestar o óbito, este documento é utilizado para conhecer a real situação de saúde da população e gerar atitudes e ações planejadas visando a melhoria do setor. Portanto, deve ser fidedigno e expressar a realidade da saúde da população, que é mensurada com base na DO emitida pelo médico4, visto que este tem a responsabilidade ética e jurídica do preenchimento e pela assinatura da DO, como também pelas informações registradas em todos os campos deste documento5.

A partir da Sexta Revisão da Classificação Estatística Internacional de Doenças6, consolidou-se um modelo de DO que passou a ser utilizado em praticamente todos os países do mundo após 19507 e, posteriormente, no Brasil, desde 19768. Contudo, Kanso et al.9 avaliaram a qualidade das informações da causa básica de morte de idosos, onde foi identificado um grande quantidade de causas mal definidas e/ou inespecíficas decorrentes de equívocos, desconhecimento e inexperiência no preenchimento da DO.

Embora date da década de 1970, não é incomum que os médicos se depararem pela primeira vez com uma DO no momento em que se veem na contingência real de preenchê-lo. Consequentemente, ocorrem equívocos e falhas em seu preenchimento por provável desconhecimento. Nas diversas justificativas, merece destaque a falta de atenção por parte dos currículos das escolas médicas, relacionada ao ensino do correto preenchimento do atestado de óbitoeàsua importância como ferramenta de saúde pública10.

Falhas na declaração da causa básica, elevado percentual de causas mal definidas ou utilização de termos vagos, equívocos no preenchimento da declaração de óbito e a elevada incompletudedas variáveis limitam a utilização das DOs para as estatísticas nacionais11,12. Diante do exposto, o objetivo deste trabalho é avaliar e analisar o preenchimento das declarações de óbito de uma forma ampla, ética e epidemiológica.

Métodos

Esta pesquisa caracteriza-se como transversal e retrospectiva, tendo sido aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade do Estado do Pará, número do protocolo 111/11. Foram analisadas as declarações de óbito registradas noSistemadeInformaçãodeMortalidadeda cidadedeBelém, estado do Pará, no ano de 2010, disponibilizadas pela Secretaria de Saúde do Município de Belém.

A amostra constituiu-se de 800 declarações de óbito de causa não violenta, selecionadas por meio de amostragem aleatória simples, tendo um universo total de 11.430 DOs. Para tal sorteio, foi utilizado o software BioEstat 5.0®, quando foi informado o tamanho da amostra e do universo abordado, e então o programa determinou os números dos prontuários a serem analisados. O tamanho da amostra foi determinado pelos dados encontrados em projeto piloto, com índice de confiança de 95%. Para o projeto piloto foram estudadas 20 DOs de causa de óbito violenta. Esses dados não fizeram parte do trabalho final.

Foram verificados os campos de preenchimento obrigatório pelo médico, ou seja, do bloco II ("identificação") ao bloco VII ("médico"), seguindo critérios como presença de preenchimento incompleto ("campos em branco") e capacidade de legibilidade dos campos, além de se considerar o preenchimento incorreto (equivocado) específico de cada bloco na declaração de óbito.

O estudo objetivou avaliar, essencialmente, o preenchimento das declarações de óbito, considerando que as informações registradas nos documentos são fiéis aos acontecimentos. Por isso, os campos III, IV e V serão analisados somente quanto à presença de campos ignorados ou preenchidos de forma ilegível pelo médico declarante. Contudo, foram ainda analisados a idade e o tempo após a graduação dos médicos que preencheram as DOs.

No que diz respeito ao bloco II ("Identificação"), foram considerados preenchimentos incorretos casos de marcação errônea no tipo de óbito (fetal e não fetal), bem como em relação à ocupação, em casos que foram utilizadas categorias, a exemplo de estudante, dona de casa, desempregado, em vez de utilizar ocupações propriamente ditas, de acordo com a classificação brasileira de ocupações (CBO)10.

Outro fator que foi analisadoéobloco VI ("Condições e causas do óbito"), mais especificamente no campo destinado ao registro das causas de morte, utilizando critérios quanto à utilização de termos vagos (ex.: parada cardiorrespiratória e falência múltipla de órgãos e sistemas), causas intermediárias e terminais como causa básica de morte, bem como quando classificada uma causa contribuinte (estado que, embora tenha contribuído para a morte, não está relacionado com o processo patológico que a produziu) como causa direta de morte. Foram consideradas completas as declarações sem campos em branco, bem como com preenchimento correto e legível.

Foram excluídas as declarações de morte violenta, visto que seu preenchimento ocorre por parte dos médicos legistas, profissionais que apresentam um conhecimento diferenciado eespecífico emrelaçãoàsclasses médicas,podendo,então,os resultados serem falseados com a inclusão destas.

Os testes de Qui-quadrado, proporções iguais e teste C de contingência foram utilizados para verificar se houve diferença na quantidade de equívocos entre órgãos fetais e não fetais e para comparar a idade e o tempo após a graduação com a quantidade de equívocos em cada campo, tendo sido adotado o valor 0,05 para rejeição da hipótese de nulidade.

Resultados

Foram estudadas 800 declarações de óbito, sendo estas preenchidas por 380 médicos distintos. A média das idades destes foi de 42,88 ± 11,72 anos, e a média de anos após a graduação foi de 16,56 ± 10,88 anos.

Dentre as declarações estudadas, 98,7% apresentavam pelo menos um equívoco no seu preenchimento. Destas, 524 (65,5%) referiam-se a pessoas que residiam neste município, sendo os outros 269 (33,62%) pertencentes a outros municípios, tendo ainda quatro (0,5%) DOs com caligrafia ilegível no campo "residência", e três (0,38%) com este campo em branco.

No campo para preenchimento da idade, 33 (4,13%) DOs encontravam-se em branco, e 19 (2,37%) foram marcadas como ignorado. Já na classificação quanto ao tipo de óbito, 38 (4,75%) foram marcadas como fetais, e em 752 (94%) foi marcada a opção não fetal; em nove DOs o campo foi deixado em branco, e em uma foram marcadas ambas as opções. Todas as DOs que informaram a idade do paciente e discriminaram o óbito como fetal marcaram, equivocadamente, este campo.

Em relação ao local de ocorrência do óbito, 563 (70,37%) ocorreram em hospitais, 91 (11,37%) no domicílio do falecido, 85 (10,63%) em prontos-socorros, 42 (5,25%) em vias públicas, 17 (2,13%) em outros estabelecimentos de saúde e, em duas DOs (0,25%), foram marcados dois itens. Dentre os óbitos em hospitais, 387 (68,73%) ocorreram em hospitais públicos e 175 (31,08%) na rede particular; apenas em uma DO este dado estava ilegível.

Do total de declarações estudadas, 655 (81,88%) receberam assistência médica, ao contrário de outros 97 (12,12%) que não a receberam; além disso, 42 (5,25%) foram deixadas em branco ou ignoradas, e em seis foram marcados dois itens. Vale ressaltar que as DOs referentes a mortes em vias públicas e no domicílio foram os óbitos que menos receberam assistência médica em relação aos demais estabelecimentos de saúde.

No campo referente à hora da morte, 54 (6,75%) DOs estavam em branco. Já em relação à profissão do falecido, foram encontradas em branco 91 (11,38%) DOs, além de 426 (53,25%) apresentando campo com preenchimento equivocado, por descreverem profissões vagas que devem ser evitadas no correto preenchimento deste documento.

Quando analisado o campo que diz respeito ao tempo de evolução da doença até o óbito, ou seja, o tempo de evolução cronológica da doença, 790 (98,75%) apresentavamse em branco.

A quantidade de declarações de óbito ilegíveis e com campos em branco está descrita na tabela 1. A análise da causa básica de morte mostrou que 28,5% das declarações estavam corretas quanto ao preenchimento da causa básica, enquanto 71,5% das declarações apresentavam algum erro no preenchimento deste campo. O erro mais comum encontrado foi na utilização de termos vagos, que estiveram presentes em 440 (55%) DOs. Os termos vagos utilizados estão descritos na tabela 2. Em seguida, seguem erros, tais como ilegibilidade, representada por 69 (8,62%) DOs, além do preenchimento sequencial incorreto feito em 60 delas (7,5%), e de campos deixados em branco encontrados em somente dois (0,25%) dos documentos analisados.

Em todos os dados analisados, a idade dos médicos ou o tempo decorrido após a graduação não se mostrou como um fator modificador do perfil encontrado (p > 0,05).

Discussão

Como a declaração de óbito é um documento fundamental para fins epidemiológicos, bem como para o planejamento de políticas em saúde, é imprescindível que suas informações sejam extremamente fidedignas e acessíveis2. Entretanto, a realidade demonstra um relativo descaso no preenchimento de tal documento, o que dificulta uma correta distribuição dos recursos de saúde pelo país13.

O SIM, apesar de representar a principal fonte de dados sobre mortalidade no Brasil, com visível aumento anual de sua abrangência, enfrenta obstáculos para melhorar a qualidade dos seus dados, principalmente em razão do preenchimento inadequado do seu documento padrão, que é a declaração de óbito. Entretanto, é importante ressaltar que a classe médica apresenta-se como única responsável por tais perdas de dados científicos e epidemiológicos2.

Em virtude disso, o planejamento em saúde torna-se o maior prejudicado, sendo seus recursos comumente direcionados de forma equivocada, o que pode ser comprovado pela informação advinda desta pesquisa, onde mais de 33% das fichas estudadas pertencia a pacientes que residiam em outras regiões do estado, que não a capital, mostrando que há uma carência de serviços de saúde no interior do estado, e que vários pacientes necessitam ser transferidos de seu município de origem para receber cuidados de saúde adequados na capital.

Ainda quanto à informação da localidade, uma parte dos municípios de origem foi impossibilitada de ser utilizada por equívocos no preenchimento da DO, relacionados à ilegibilidade, campos em branco, bem como erros na própria identificação dos municípios, configurando um empecilho a estudos de elevado grau de importância, relacionados à distribuição demográfica de doenças que mais acometem a região.

Outro dado de grande relevância para a saúde pública é a idade do paciente, que não foi descrita corretamente em inúmeras declarações. Este dado é de suma importância nos estudos que visam identificar uma predominância de óbitos em determinada faixa etária, bem como para estudos de mortalidade infantil e neonatal14.

Quando correlacionado o campo da idade com o do tipo de óbito (fetal e não fetal), percebe-se que, dentre os que descreveram o óbito como fetal, a idade descrita não correspondia ao conceito deste tipo de óbito, que é "a morte de um produto de concepção antes da expulsão do corpo da mãe, independentemente da duração da gravidez. A morte do feto é caracterizada pela inexistência, depois da separação, de qualquer sinal descrito para o nascido vivo"10, evidenciando que uma parcela dos médicos não conhece esta definição. Os demais que assinalaram óbito fetal não descreveram a idade da criança.

Em relação aos dados supracitados, há divergência nos valores encontrados por Vanderlei et al.15, com metodologia semelhante de pesquisa nas variáveis de idade, município de residência e tipo de óbito, que apresentaram valores maiores em relação a este estudo. Tal diferença pode ter ocorrido pela maior conscientização por parte dos médicos sobre a importância da DO.

A quantidade de DO com campos "em branco" (preenchimento incompleto), na presente pesquisa, foi de 96,5%, semelhante ao encontrado por Stuque, Cordeiro e Cury16, que encontraram valor de 100%, enquanto que Barbuscia e Rodrigues Junior17 encontraram este preenchimento incompleto em 51% dos casos. Tal fato demonstra o grave desconhecimento ou negligência por parte de médicos da necessidade do correto preenchimento dos campos da DO. Excluindo-se o Bloco I, referente aos dados do cartório, todos os demais Blocos são de responsabilidade ética e jurídica do médico, no que tange ao seu preenchimento e veracidade2, contudo, Niobey et al.18 mostraram, em seu estudo, que os médicos não se sentem responsáveis por partes "menos nobres" da DO, ficando a cargo dos funcionários administrativos completarem os dados como residência e idade.

O campo referente ao tempo de evolução entre a doença até o óbito foi o que apresentou a maior quantidade de campos "em branco", apresentando um índice de 98,75%. Mendonça et al.2, pesquisando sobre o preenchimento da DO, encontraram que 90% destes não preenchiam o campo destinado ao tempo decorrido entre o início da doença e até o óbito, ocorrendo esse fato pela não compreensão, por parte dos médicos, sobre a importância de tal item.

Contrastando com a quantidade de dados "em branco", apenas 13,25% das DOs analisadas apresentaram em algum campo ilegível, semelhante ao trabalho de Stuque et al.16, que encontraram 12,12% das DOs com caligrafia considerada ilegível. O código de ética médica (2010), em seu artigo 11 e 87, proíbem ao médico atestar de forma ilegível ou secreta. Assim, pode-se notar, devido à baixa proporção de letras ilegíveis encontradas, que os médicos demonstraram maior cuidado ao escrever na declaração de óbito.

O registro da causa de morte representa um sistema vital cuja função é fornecer informações críticas necessárias para guiar programas de saúde pública19. Por isso devem seguir um padrão mundial de regras no preenchimento, representado, atualmente, pelo código internacional de doenças. Ao avaliar as DOs, foram encontradas em mais de 70% dos documentos, com pelo menos um erro no preenchimento do campo da causa básica de morte, concordando com os resultados de Villar e Pérez-Méndez20.

O equívoco mais encontrado nas declarações está na utilização de termos vagos, como parada cardiorrespiratória e falência múltipla de órgãos. Estes, na realidade, são sintomas ou condições de morte, e não causas de morte propriamente ditas20; portanto, sua utilização é irrelevante para as políticas públicas de planejamento e, por isso, denominadas "garbage code"22. Estudos realizados demonstraram, por meio de entrevistas, que cerca de 35% dos médicos entrevistados classificaram IR como causa básica de morte, o que condiz com o resultado encontrado na seguinte pesquisa, onde tal termo foi citado em aproximadamente 20% das DOs analisadas2.

A correta forma de preencher este campo é declarar a causa básica do óbito em último lugar, estabelecendo uma sequência, de baixo para cima, até a causa terminal ou imediata. Logo abaixo, o médico deve declarar outras condições mórbidas préexistentes e sem relação direta com a morte, que não entraram na sequência causal.

A experiência não parece ser um fator de melhora no que diz respeito ao preenchimento da DO20, sendo este fato comprovado nesse estudo pela idade e tempo após a graduação não terem sido fatores modificadores do perfil estudado. Grande parte dos médicos considera a importância do correto preenchimento do documento, por outro lado, sente-se que não possuem instrução o suficiente a ponto de não cometerem equívocos21-24.

Pesquisas realizadas com médicos revelaram que cerca de 80% dos entrevistados afirmam que a maior dificuldade para o correto preenchimento está na falta de clareza das instruções contidas no próprio documento2. Portanto, a carência por projetos de educação médica continuada, bem como um melhor preparo pelas escolas médicas, podem facilmente explicar parte desses erros, visto que estudos mostraram um aumento no preenchimento correto de 28,9% para 91% das declarações analisadas, com a simples intervenção de um seminário de 90 minutos abordando assuntos relacionados ao preenchimento apropriado da DO20. E, de fato, grande parte dos clínicos afirma que a prática de palestras relacionadas ao treinamento no preenchimento do documento pode levá-los a modificar a causa de morte em várias circunstâncias21.

Conclusão

A declaração de óbito, por ser um documento médico de relevância científica e epidemiológica, deve ser preenchida com bastante critério, atenção e sem negligência. O estudo revelou um descaso por parte da classe médica no que diz respeito ao compromisso com o preenchimento do documento, observado nos equívocos encontrados em quase toda a totalidade da amostra.

As carências de projetos de educação médica continuada sobre o tema e a falta de preparo pelas escolas médicas explicam, em parte, estes erros, demonstrando a pouca preocupação com relação à formação profissional médica relacionada às estatísticas vitais, base fundamental para o planejamento em saúde da população.

A classe médica carece de ações em busca da melhora da qualidade no preenchimento da DO, especialmente no aparelho formador, de forma que desenvolver o compromissoearesponsabilidade com relação à importância deste documento, ao em vez de preenchê-los somente enquanto exigência de sepultamento.

Conflitos de interesse

Os autores declaram não haver conflitos de interesse.

Recebido em 27 de abril de 2012

Aceito em 23 de março de 2013

On-line em 10 de julho de 2013

  • 1. Macmahon B, Pugh TF. Epidemiology: principles and methods. Boston: Little Brow and Co; 1970.
  • 2. Mendonça FM, Drumond E, Cardoso AMP. Problemas no preenchimento da Declaração de Óbito: estudo exploratório. Rev Bras Estud Popul. 2010;27:285-95.
  • 3. Muratore C, Belziti C, Di Toro D, Gant López J, Mulassi A, Barrios A, et al. Accuracy of the Death Certificate (DC) to Assess the Cause of Death and Comparison with the Verbal Autopsy: The PRISMA Study. Rev Argent Cardiol. 2006;74:211-6.
  • 4. Pereira MG, Castro ES. Avaliação do preenchimento de declarações de óbitos, 15. Brasília, DP (Brasil): Rev Saúde Pública; 1981. p. 14-9, 1977-1978.
  • 5. Ministério da, Saúde., Sistema de Informações de, Saúde., Sub-sistema de Informações sobre, Mortalidade. Brasília (DF): Manual de procedimentos e, operações; 1976.
  • 6. Leavell HP, Clark EG. Medicina preventiva. São Paulo: McGraw Hill do Brasil; 1976.
  • 7. World Health, Organization., Manual of the International Statistics Classification of Diseases, Injuries, and Causes of Death. 6th rev. Geneve: WHO; 1948.
  • 8. Laurenti R, Mello-Jorge MHP. O Atestado de Óbito São Paulo: Centro da Organização Mundial da Saúde para Classificação de Doenças em Português. 1994.
  • 9. Kanso S, Romero DE, Costa Leite I, Moraes EN. Qualidade da informação da causa de morte de idosos. Cad Saúde Pública. 2011;27:1323-39.
  • 10. Ministério da, Saúde., A., declaração de óbito: documento necessário e, importante. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2006.
  • 11. Paes NA. Avaliação da cobertura dos registros de óbitos dos estados brasileiros em 2000. Rev Saúde Pública. 2005;39:882-90.
  • 12. Pedrosa LDCO, Sarinho SW, Ximenes RAA, Ordonha MR. Qualidade dos dados sobre óbitos neonatais precoces. Rev Assoc Med Bras. 2007;53:389-94.
  • 13. O'Donovan BGG, Armstrong P, Byrne MC, Murphy AW. Donegal Specialist Training Programme in General Practice. A mixed-methods prospective study of death certification in general practice. Fam Pract. 2010;27:351-5.
  • 14. Gorgot LRMR, Santos I, Valle N, Matisajevich A, Barros AJD, Albernaz E. Óbitos evitáveis até 48 meses de idade entre as crianças da Coorte de Nascimentos de Pelotas de 2004. Rev Saúde Pública. 2011;45:334-42.
  • 15. Vanderlei LC, Arruda BKG, Frias PG, Arruda S. Avaliação da qualidade de preenchimento das declarações de óbito em unidade terciária de atenção à saúde materno-infantil. Inf Epidemiol SUS. 2002;11:7-14.
  • 16. Stuque CO, Cordeiro JA, Cury PM. Avaliação dos erros ou falhas de preenchimento dos atestados de óbito feitos pelos clínicos e pelos patologistas. J Bras Patol Med Lab. 2003;39:361-4.
  • 17. Barbuscia DM, Rodrigues-Júnior AL. Completude nas declarações de nascido vivo e nas declarações de óbito. Cad Saúde Pública. 2011;27:1192-200.
  • 18. Niobey FML, Cascão AM, Duchiade MP, Sabroza PC. Qualidade do preenchimento de atestados de óbitos de menores de um ano na região metropolitana do Rio de Janeiro. Rev Saúde Pública. 1990;24:311-8.
  • 19. Naghavi M, et al. Algorithms for enhancing public health utility of national causes-of-death data. Popul Health Metr. 2010;8:9.
  • 20. VillarJ, Pérez-Méndez L. Evaluating an educational intervention to improve the accuracy of death certification among trainees from various specialties. BMC Health Serv Res. 2007;7:183.
  • 21. Maudsley G, William EM. Death certification by house officers and general practitioners-practice and performance. J Public Health Med. 1993;15:192-201.
  • 22. Murray CJL, Lopez AD. The global burden of disease: a comprehensive assessment of mortality and disability from diseases, injuries, and risk factors in 1990 and projected to 2020. Boston: Harvard University Press; 1996.
  • 23. Lakkireddy DR, Basarakodu KR, Vacek JL, Kondur AK, Ramachandruni SK, Esterbrooks DJ, et al. Improving death certificate completion: a trial of two training interventions. J Gen Intern Med. 2007;22:544-8.
  • 24. Messite J, Stellman SD. Accuracy of death certificate completion: the need for formalized physician training. JAMA. 1996;275:794-6.
  • *
    Trabalho realizado na Universidade Estadual do Pará, Belém, PA, Brasil.
  • **
    Autor para correspondência. E-mail:
    vitoryamaki@gmail.com (V.N. Yamaki).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      09 Set 2013
    • Data do Fascículo
      Ago 2013

    Histórico

    • Recebido
      27 Abr 2012
    • Aceito
      23 Mar 2013
    Associação Médica Brasileira R. São Carlos do Pinhal, 324, 01333-903 São Paulo SP - Brazil, Tel: +55 11 3178-6800, Fax: +55 11 3178-6816 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: ramb@amb.org.br