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Ooforectomia profilática na histerectomia por agravo uterino benigno: evidências atuais

PANORAMA INTERNACIONAL

GINECOLOGIA

Ooforectomia profilática na histerectomia por agravo uterino benigno: evidências atuais

José Mendes Aldrighi; Luis Paulo Wolff; Marilene Alicia Souza; Vilmar Marques de Oliveira* * Correspondência: Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo. Rua Dr Cesário Mota Jr., nº 112 - Vila Buarque São Paulo - SP CEP: 01221-010 ; Tsutomu Aoki

A ooforectomia profilática durante uma histerectomia por agravo uterino benigno representa tema controverso. A prática concomitante desses dois procedimentos atinge mais de 300 mil casos anuais nos EUA e, 50% deles são realizados em mulheres com idade entre 40 e 64 anos, quando os ovários ainda exibem significativa atividade endócrina.

De fato, ao redor de 37 anos constata-se nítida claudicação hormonal dos ovários, quando sua população folicular é de 20 mil unidades; a partir daí, instalam-se pequenas oscilações na produção dos esteróides, justificando as primeiras irregularidades menstruais características do estágio da transição menopausal.

Quando o número de folículos alcança 1.000 unidades, os ovários cessam definitivamente a produção de esteróides, resultando na última menstruação da vida da mulher - a menopausa - emergindo, a partir de então, o estágio da pós-menopausa.

Apesar da evidente escassez de folículos após a menopausa, os ovários ainda mantêm normal a síntese de androgênios (testosterona e androstenediona) no seu estroma, que transportados ao tecido adiposo periférico se convertem em estrona, o principal estrogênio da pós-menopausa.

Assim, após uma ooforectomia, com a queda na produção dos androgênios, ocorre redução de 40%-50% nas concentrações séricas de estrona, explicando o aparecimento de sintomas e sérios agravos. As ondas de calor constituem os sintomas mais desconfortáveis e acometem 90% das mulheres ooforectomizadas, diferentemente da prevalência de 50% observada na população feminina, quando a menopausa se instala espontaneamente. Sintomas psíquicos e sexuais também são referidos e decorrem da redução de 40% na produção androgênica.

No estágio da pós-menopausa com a evidente deficiência de estrogênios podem eclodir importantes agravos como atrofia cutâneo-mucosa, doença cardiovascular, osteoporose e distúrbios da cognição1.

Os mecanismos envolvidos no maior risco cardiovascular observado em mulheres ooforectomizadas ainda não estão bem esclarecidos; admite-se como o mais possível a perda dos efeitos benéficos dos estrogênios sobre o metabolismo lipídico e endotélio vascular.

Nesse sentido, as evidências mostram o dobro do risco de infarto agudo do miocárdio nas mulheres ooforectomizadas entre 40-44 anos e incremento de 40% naquelas com 50-59 anos2; entretanto, o risco não foi maior quando o ato cirúrgico ocorreu após os 65 anos3.

Nesse sentido, Dorum et al. 4 em estudo populacional envolvendo mulheres entre 40 e 69 anos observaram que a ooforectomia bilateral associada ou não a histerectomia redunda num maior risco de síndrome metabólica e, consequentemente da DCV e do diabetes tipo 2.

A ooforectomia também acarreta expressivas repercussões para a massa óssea, visto que os estrogênios fisiologicamente exercem ação antirreabsortiva e os androgênios, além daquele efeito, ainda atuam na formação óssea. Estudos em mulheres com ooforectomia, acompanhadas por mais de 16 anos, revelaram não só maior prevalência de fraturas osteoporóticas, mas também aumento da mortalidade após pequenos traumas naquelas com fraturas de quadril aos 60 anos 5. Ademais, a preservação dos ovários promove ainda redução de 50% na mortalidade por todas as causas6.

Contrastando aos riscos apontados, as evidências mostram que a ooforectomia profilática pode redundar em benefícios, como a prevenção dos cânceres de mama/ovário e a redução do número de futuras ooforectomias. No tocante ao câncer de ovário, evidências epidemiológicas e ilações matemáticas sugerem uma prevenção anual de 1.000 casos para 300 mil ooforectomias realizadas no momento de uma histerectomia eletiva em mulheres acima de 40 anos7.

No entanto, deve ser considerado que a histerectomia isoladamente também propicia redução em 40% na incidência do câncer de ovário6. Apesar das evidências mostrarem sérias repercussões, a ooforectomia profilática atualmente é recomendada, porém pouco praticada, em populações de risco; assim, as portadoras de mutações nos genes BRCA1 e BRCA2 e/ou com antecedentes familiares de câncer de ovário, quando submetidas à ooforectomia bilateral apresentam redução de 90% no risco8, não se afastando, no entanto, o risco do carcinoma peritoneal.

A ooforectomia preventiva também é indicada com o propósito de reduzir a incidência do câncer de mama, especialmente nas portadoras de mutações gênicas BRCA1/2 que apresentam 80% de risco; a mastectomia profilática reduz o risco em 90% e a ooforectomia o faz em 50%.

Em relação à prática da ooforectomia na prevenção dos cistos ovarianos após a menopausa, a maioria dos estudos demonstra que esses cistos expressam características bioquímicas e ultrassonográficas benignas9. Bailey et al.10 documentaram que a prevalência de cistos uniloculares após a menopausa é baixa (3,3%), além do que não evidenciaram qualquer caso de carcinoma ovariano. Dekel et al.11 por sua vez, acompanharam durante 20 anos mulheres submetidas à histerectomia com conservação dos ovários e constataram que apenas 2.8% necessitaram de ooforectomia subsequente.

Comentário

Do exposto se depreende que a ooforectomia profilática deve ser analisada dentro de um juízo crítico e sua decisão deve ser individualizada. Assim, excetuando mulheres com mutações gênicas do BRCA1 e BRCA2 e/ou casos de antecedentes familiares de câncer de ovário, as evidências desvelam uma lógica na direção da conservação dos ovários por algumas razões:

1. A histerectomia por si só pode reduzir em 40% o risco de câncer de ovário;

2. A relação custo-benefício não é vantajosa, pois para se alcançar a prevenção de um caso de câncer de ovário são necessárias 5.000 ooforectomias;

3. A ooforectomia aumenta a mortalidade por todas as causas;

4. O câncer de ovário é uma neoplasia relativamente incomum em mulheres até 55 anos.

Apesar do exposto, a decisão da ooforectomia profilática deve ser individualizada e indicada somente após um diálogo franco entre a mulher e seu médico, sem induções e ou insinuações, devendo sempre ser considerado o consentimento informado, envolvendo os riscos e benefícios do procedimento.

  • 1. Moscucci O, Clarke A. Prophylatic oophorectomy: a historical perspective. J Epidemiol Commun Health. 2007;61(3):182-4.
  • 2. Parker WH, Shoupe D, Broder MS, Liu Z, Farquhar C, Berek JS. Elective oophorectomy in the gynecological patient: when is it desirable? Curr Opin Obstet Gynecol. 2007;19(4):350-4.
  • 3. Astma F, Bartelink ML, Grobbee DE, Van der Schouw YT. Postmenopausal status and early menopause as independent risk factors for cardiovascular disease: a meta-analysis. Menopause. 2006;13(2):265-79.
  • 4. Dorum A, Tonstad S, Liavaag AH, Michelsen TM, Hildrum B, Dahl AA. Bilateral oophorectomy before 50 years of age is significantly associated with the metabolic syndrome and Framingham risk score: a controlled, population-based study (HUNT-2). Gynecol Oncol. 2008;109(3):377-83.
  • 5. Melton LJ 3rd, Khosla S, Malkasian GD, Achenbach SJ, Oberg AL, Riggs BL. Fracture risk after bilateral oophorectomy in elderly women. J Bone Miner Res. 2003;18(5):900-5.
  • 6. Parker WH, Broder MS, Liu Z, Shoupe D, Farquhar C, Berek JS. Ovarian conservation at the time of hysterectomy for benign disease. Obstet Gynecol. 2005;106(2):219-26.
  • 7. Shoupe D, Parker WH, Broder MS, Liu Z, Farquar C, Berek JS. Elective oophorectomy for benign gynecological disorders. Menopause. 2007;14(3 Pt 2):580-5.
  • 8. Brekelmans CT, Seynaeve C. Can bilateral prophylactic salpingo-oophorectomy reduce cancer mortality in carriers of a BRCA1 or BRCA2 mutation? Lancet Oncol. 2006;7(3):191-3.
  • 9. Parker WH, Levine RL, Howard FM, Sansone B, Berek JS. A multicenter study of laparoscopic management of selected cystic adnexal masses in postmenopausal women. J Am Coll Surg. 1994;179(6):733-7.
  • 10. Bailey CL, Ueland FR, Land GL, DePriest PD, Gallion HH, Kryscio RJ, et al. The malignant potential of small cystic ovarian tumors in women over 50 years of age. Gynecol Oncol. 1998;69(1):3-7.
  • 11. Dekel A, Efrat Z, Orvieto R, Levy T, Dicker D, Gal R, et al. The residual ovary syndrome: a 20-year experience. Eur J Obstet Gynecol Reprod Biol. 1996;68(1-2):159-64.
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    Correspondência: Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo. Rua Dr Cesário Mota Jr., nº 112 - Vila Buarque São Paulo - SP CEP: 01221-010
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      16 Jul 2009
    • Data do Fascículo
      2009
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