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Avaliação pós-transplante de ovários íntegros e fatiados sem anastomose vascular

Endocrinological, morphological and gestational assessment of intact and sliced ovarian orthotopic reimplantation or transplantation without vascular pedicle

Resumos

OBJETIVO: Avaliar a fertilização, bem como aspectos endócrinos e histológicos do ovário após seu reimplante ou transplante ortotópico, sem anastomose vascular. MÉTODOS: Foram utilizadas 56 coelhas da raça Nova Zelândia Branca e Califórnia distribuídas em: Grupo 1 (n=8) - controle, apenas laparotomia e laparorrafia; Grupo 2A (n=8) - reimplante ortotópico de ovários íntegros; Grupo 2B (n=8) - reimplante ortotópico de ovários fatiados; Grupo 2C (n=8) - reimplantes ovarianos de um lado, íntegros, e, do outro lado, fatiados; Grupo Grupo 3A (n=8) - transplante ortotópico de ovários íntegros; Grupo 3B (n=8) - transplante ortotópico de ovários fatiados; Grupo 3C (n=8) - transplantes ovarianos de um lado, íntegros, e, do outro lado, fatiados. A partir do terceiro mês pós-operatório, cada coelha foi colocada para cópula. Dosou-se o estradiol, a progesterona, o FSH e o LH no nono mês pós-operatório. Estudou as morfologias macro e microscópicas dos ovários, tubas e útero, de todas os animais. Os números de gestações e de filhotes foram avaliados por meio do teste Qui-quadrado e as dosagens hormonais foram comparadas pelo one-way Anova, seguido pelo teste de Tukey-Kramer. RESULTADOS: No Grupo 1, sete (87,5%) coelhas engravidaram entre o segundo e terceiro meses após início da cópula. No Grupo 2, as gestações ocorreram entre o quinto e o oitavo meses pós-operatórios e, no Grupo 3, entre o quarto e o oitavo meses pós-operatórios. A porcentagem de gravidez observada foi de 37,5% no Grupo 2A, 50% no Grupo 2B e 2C, 37,5% no Grupo 3A, 50% no Grupo 3B e 62,5% no Grupo 3C. Os níveis hormonais e o estudo morfofuncional dos ovários, tubas e úteros não apresentaram alterações. CONCLUSÃO: O reimplante ou transplante ovariano homógeno ortotópico sem pedículo vascular é eficaz para a manutenção de níveis normais de hormônios ovarianos e permitiu a fertilização natural.

Hormônios ovarianos; Transplante de ovário; Histologia ovariana; Ciclosporina; Fertilização


OBJETIVE: To assess the natural pregnancy and to determine the morphofunctional aspects of ovaries of rabbits submitted to bilateral oophorectomy and orthotopic allogeneic or autologous intact and sliced ovarian transplantation without a vascular pedicle. METHODS: Fifty-six female New Zealand White and California rabbits were studied. The ovaries were removed and orthotopically transplanted or replaced without vascular anastomoses: Group 1 (n = 8), only laparotomy and laparorrhaphy were performed; Group 2A (n = 8) intact ovaries were reimplanted on both sides; Group 2B (n = 8) both ovaries were sliced and orthotopically reimplanted; Group 2C (n = 8), an intact ovary was reimplanted on one side and a sliced ovary on the other side; Group 3A (n = 8) intact ovaries were transplanted on both sides, Group 3B (n = 8) both ovaries were sliced and orthotopically transplanted, Group 3C (n = 8), an intact ovary was transplanted on one side and a sliced ovary on the other side. Three months later, the females were paired with males for copulation. Estradiol, progesterone, follicle stimulating hormone and luteinizing hormone levels were assessed. The morphological aspect of the ovaries was studied and the number of pregnancies and litters were also determined.Tthe number of successful pregnancies and the number of litters was compared between the groups by the chi-square test. One-way ANOVA and the Tukey-Kramer tests compared the hormonal dosages. The significance was of p < 0.05. RESULTS: Pregnancies occurred in seven (87.5%) rabbits of Group 1, in 37.5% in Groups 2A and 3A, in 50% of groups 2B, 2C and 3B, and in 62.5% of group 3C. Hormone levels and histology confirmed the vitality of all ovaries. CONCLUSION: Intact or sliced orthotopic allogeneic and autologous ovarian transplantation without a vascular pedicle is viable in rabbits, and preserves their fertility and hormonal functions.

Fertilization; Histology; Ovarian transplants; Ovarian function; Pregnancy


ARTIGO ORIGINAL

Avaliação pós-transplante de ovários íntegros e fatiados sem anastomose vascular

Endocrinological, morphological and gestational assessment of intact and sliced ovarian orthotopic reimplantation or transplantation without vascular pedicle

Andy Petroianu* * Correspondência: Av. Afonso Pena, nº 1626, apto. 1901, CEP 30130-005, Belo Horizonte, Minas Gerais, Fone (fax): (31) 3274-7744, petroian@medicina.ufmg.br ; Luiz Ronaldo Alberti; Leonardo de Souza Vasconcellos

RESUMO

OBJETIVO: Avaliar a fertilização, bem como aspectos endócrinos e histológicos do ovário após seu reimplante ou transplante ortotópico, sem anastomose vascular.

MÉTODOS: Foram utilizadas 56 coelhas da raça Nova Zelândia Branca e Califórnia distribuídas em: Grupo 1 (n=8) - controle, apenas laparotomia e laparorrafia; Grupo 2A (n=8) - reimplante ortotópico de ovários íntegros; Grupo 2B (n=8) - reimplante ortotópico de ovários fatiados; Grupo 2C (n=8) - reimplantes ovarianos de um lado, íntegros, e, do outro lado, fatiados; Grupo Grupo 3A (n=8) - transplante ortotópico de ovários íntegros; Grupo 3B (n=8) - transplante ortotópico de ovários fatiados; Grupo 3C (n=8) - transplantes ovarianos de um lado, íntegros, e, do outro lado, fatiados. A partir do terceiro mês pós-operatório, cada coelha foi colocada para cópula. Dosou-se o estradiol, a progesterona, o FSH e o LH no nono mês pós-operatório. Estudou as morfologias macro e microscópicas dos ovários, tubas e útero, de todas os animais. Os números de gestações e de filhotes foram avaliados por meio do teste Qui-quadrado e as dosagens hormonais foram comparadas pelo one-way Anova, seguido pelo teste de Tukey-Kramer.

RESULTADOS: No Grupo 1, sete (87,5%) coelhas engravidaram entre o segundo e terceiro meses após início da cópula. No Grupo 2, as gestações ocorreram entre o quinto e o oitavo meses pós-operatórios e, no Grupo 3, entre o quarto e o oitavo meses pós-operatórios. A porcentagem de gravidez observada foi de 37,5% no Grupo 2A, 50% no Grupo 2B e 2C, 37,5% no Grupo 3A, 50% no Grupo 3B e 62,5% no Grupo 3C. Os níveis hormonais e o estudo morfofuncional dos ovários, tubas e úteros não apresentaram alterações.

CONCLUSÃO: O reimplante ou transplante ovariano homógeno ortotópico sem pedículo vascular é eficaz para a manutenção de níveis normais de hormônios ovarianos e permitiu a fertilização natural.

Unitermos: Hormônios ovarianos. Transplante de ovário. Histologia ovariana. Ciclosporina. Fertilização.

SUMMARY

OBJETIVE: To assess the natural pregnancy and to determine the morphofunctional aspects of ovaries of rabbits submitted to bilateral oophorectomy and orthotopic allogeneic or autologous intact and sliced ovarian transplantation without a vascular pedicle.

METHODS: Fifty-six female New Zealand White and California rabbits were studied. The ovaries were removed and orthotopically transplanted or replaced without vascular anastomoses: Group 1 (n = 8), only laparotomy and laparorrhaphy were performed; Group 2A (n = 8) intact ovaries were reimplanted on both sides; Group 2B (n = 8) both ovaries were sliced and orthotopically reimplanted; Group 2C (n = 8), an intact ovary was reimplanted on one side and a sliced ovary on the other side; Group 3A (n = 8) intact ovaries were transplanted on both sides, Group 3B (n = 8) both ovaries were sliced and orthotopically transplanted, Group 3C (n = 8), an intact ovary was transplanted on one side and a sliced ovary on the other side. Three months later, the females were paired with males for copulation. Estradiol, progesterone, follicle stimulating hormone and luteinizing hormone levels were assessed.

The morphological aspect of the ovaries was studied and the number of pregnancies and litters were also determined.Tthe number of successful pregnancies and the number of litters was compared between the groups by the chi-square test. One-way ANOVA and the Tukey-Kramer tests compared the hormonal dosages. The significance was of p < 0.05.

RESULTS: Pregnancies occurred in seven (87.5%) rabbits of Group 1, in 37.5% in Groups 2A and 3A, in 50% of groups 2B, 2C and 3B, and in 62.5% of group 3C. Hormone levels and histology confirmed the vitality of all ovaries.

CONCLUSION: Intact or sliced orthotopic allogeneic and autologous ovarian transplantation without a vascular pedicle is viable in rabbits, and preserves their fertility and hormonal functions.

Key words: Fertilization. Histology. Ovarian transplants. Ovarian function. Pregnancy.

INTRODUÇÃO

Muitas pacientes com câncer sofrem perda da função ovariana, mesmo sem o ovário estar envolvido na doença, em decorrência de tratamento radioterápico e quimioterápico1,2. Em outros casos, a ooforectomia é realizada em procedimentos sobre a pelve, mesmo sem haver inconveniência para sua manutenção. Essa conduta resulta em menopausa precoce e distúrbios funcionais, tais como disfunção sexual, níveis alterados de lipoproteínas, além de maior risco de osteoporose e de doenças cardíacas1,2,3,4.

Uma alternativa fisiológica de manter a função hormonal em mulheres que precisam submeter-se à perda de seus ovários normais é a retirada e conservação dos ovários, para serem reimplantados após o término do tratamento que os destruiria. Diversas técnicas experimentais de auto-implante ovariano vêm sendo pesquisadas5,6. No entanto, a multiplicidade de espécies animais e de métodos estudados para a preservação da função ovariana resulta em informações conflitantes quanto à eficácia da preservação hormonal7,8,9.

A utilização de tecidos ovarianos criopreservados e reimplantados em posição heterotópica é uma alternativa mais fisiológica de manter a função hormonal9,10,11,12. Nesse sentido, a maior parte dos estudos sobre preservação de tecido ovariano restringe-se aos transplantes autógenos. Transplantes homógenos ortotópicos ou heterotópicos foram pouco investigados, principalmente devido às dificuldades de obter-se imunossupressão13.

A ciclosporina (CyA) é um peptídeo derivado de fungos, utilizado no tratamento de pacientes submetidos a transplantes de órgãos. Sua atividade imunossupresssora baseia-se na inibição da resposta imune celular e na diminuição da produção de linfócitos T dependentes de anticorpos14. Por outro lado, verificou-se que a CyA provoca disfunções do sistema endócrino7, tendo sido descritas alterações na função gonadal de ratos e humanos7,8. Esse efeito é provavelmente devido à interação da CyA com a prolactina em um mesmo receptor linfocítico em ratos14.

O objetivo do presente trabalho foi verificar a ocorrência de gestação natural em coelhas e avaliar aspectos morfológicos e endócrinos de reimplantes ou transplantes ovarianos homógenos, fixados em posição ortotópica, na forma íntegra e fatiada, sem anastomose vascular.

MÉTODOS

Este trabalho foi realizado de acordo com as recomendações das Normas Internacionais de Proteção aos Animais e do Código Brasileiro de Experimentação Animal (1988)15,16, e foi aprovado pelo Comitê de Ética em Experimentação Animal da UFMG.

Foram estudadas 56 coelhas (Oryctogalus cuniculus) das raças Nova Zelândia Branca (n=28) e Califórnia (n=28) e dez machos sabidamente férteis da raça Nova Zelândia Branca. Os animais foram mantidos em gaiolas individuais, onde receberam ração para coelhos e água à vontade. Eles permaneceram em adaptação e observação do estado de saúde por 20 dias.

No início do experimento, todos os coelhos estavam com 4 meses de idade, sexualmente maduros e com peso variando de 2380 g a 2740 g. No pré-operatório, os animais foram mantidos em jejum de 12 horas.

As coelhas foram aleatoriamente distribuídas em três grupos, com metade dos animais pertencentes a cada uma das raças:

Grupo 1: n=8, animais submetidos apenas a laparotomia mediana e laparorrafia.

Grupo 2: reimplante de ambos os ovários

Subgrupos 2A n=8: íntegro bilateral

2B (n=8): fatiado bilateral

2C (n=8): íntegro de um lado e fatiado do outro lado.

Grupo 3: transplante homógeno dos dois ovários

Subgrupos 3A (n=8): íntegro bilateral

3B (n=8): fatiado bilateral

3C (n=8): íntegro de um lado e fatiado do outro lado.

Todos os animais receberam antibioticoprofilaxia com cefadroxila na dose de 50 mg/kg dissolvida em 10 ml de leite, trinta minutos antes do procedimento cirúrgico.

A anestesia foi induzida com injeção intramuscular na região glútea de cloridrato de quetamina a 5%, na dose de 50 mg/kg. Quando necessário, foi aplicado adicionalmente um quarto da dose inicial do anestésico29,41. Durante todo o período anestésico, foram observadas as freqüências cardíaca e a respiratória, além da movimentação voluntária dos coelhos, a fim de detectar possíveis complicações.

Os animais do Grupo 1 foram submetidos a laparotomia mediana infra-umbilical, identificação do útero, das tubas uterinas e dos ovários. Em seguida, realizou-se laparorrafia com suturas contínuas em dois planos, aponeurose, com fio de poliglactina 2-0 e pele, com náilon 3-0.

Nos animais do Grupo 2, por meio de laparotomia mediana infra-umbilical, realizou-se ooforectomia bilateral, com cuidado para preservar a integridade das tubas uterinas. Em seguida, os ovários foram reimplantados ortotopicamente sem anastomose vascular e fixados com um ponto de fio de náilon 5-0, de acordo com os subgrupos seguintes: subgrupo 2A – submetido a reimplante bilateral ortotópico dos ovários íntegros; subgrupo 2B – os ovários foram cortados longitudinalmente em três fatias de 2 mm de espessura com bisturi e, em seguida, foram reimplantados ortotopicamente; subgrupo 2C – reimplantaram-se os ovários ortotopicamente, de um lado, na forma íntegra, e, do outro, na fatiada.

No Grupo 3, além da antibioticoprofilaxia, uma hora antes do procedimento cirúrgico, as coelhas foram pesadas e receberam ciclosporina em solução na dose de 10 mg/kg. Ambas as drogas foram dissolvidas em 10 ml de leite e administradas por meio de cateter orogástrico de 12 Fr. Um par de coelhas – uma Califórnia e outra Nova Zelândia Branca – foram operadas simultaneamente. Através de laparotomia mediana infra-umbilical, realizou-se ooforectomia total bilateral, preservando a integridade tubária. Ambos os ovários de cada coelha foram retirados. Em seguida, os ovários de uma coelha foram transplantados ortotopicamente na outra coelha e vice-versa, de forma que cada animal foi doador e, ao mesmo tempo, receptor. Todos os implantes ovarianos foram feitos sem reconstituição vascular e fixados com apenas um ponto de náilon 5-0, de acordo com os subgrupos seguintes: subgrupo 3A – transplante bilateral dos ovários íntegros; subgrupo 3B – os ovários foram cortados longitudinalmente em três fatias de 2 mm de espessura com bisturi e, em seguida, foram transplantados; subgrupo 3C – transplantou-se aleatoriamente de um lado o ovário íntegro e do outro o fatiado.

Os abdômens foram fechados em dois planos com suturas contínuas, aponeurose, com fio de poliglactina 2-0 e pele, com náilon 3-0.

Após o ato cirúrgico e durante todo o período de acompanhamento, as coelhas receberam ração e água previamente filtrada em recipientes próprios, ad libitum, e foram mantidas em gaiolas individuais em condições adequadas de higiene, ventilação e iluminação.

Nos três primeiros dias pós-operatórios, os animais receberam antibioticoprofilaxia com cefadroxila, na dose de 50 mg/kg, dissolvida em 10 ml de leite, através de cateter orogástrico.

As coelhas do Grupo 3 receberam diariamente, durante nove meses, 10 mg/kg de ciclosporina dissolvidos em 10 ml de leite, através de cateter orogástrico com calibre de 12 Fr. Os animais foram semanalmente pesados para ajuste das doses de ciclosporina. Esse procedimento foi facilitado pelo uso de caixa de contenção para coelhos.

Decorridos três meses da cirurgia, as fêmeas de todos os grupos foram colocadas diariamente com um macho diferente sabidamente fértil para cópula, durante outros seis meses. Nessa situação, a fêmea era mantida sem companhia em sua gaiola até o término da gestação. Registraram-se o número de gestações e o número de filhotes em cada grupo, bem como qualquer complicação gestacional que pudesse ser observada.

No nono mês após o procedimento cirúrgico, foram colhidas amostras sangüíneas para dosagens de estradiol, progesterona, hormônio folículo-estimulante e hormônio luteinizante. As amostras sangüíneas foram processadas rotineiramente em aparelhagem específica. A quantificação hormonal seguiu o método de imunofluorimetria para os hormônios gonadais e hipofisários.

Ao final do período de acompanhamento, todas as coelhas foram mortas com dose inalatória letal de éter, após anestesia profunda com quetamina (50 mg/kg). Através de toracolaparotomia mediana, as cavidades torácica e abdominal, bem como seus órgãos, foram cuidadosamente estudados. Retiraram-se o útero, os ovários e as tubas uterinas de todas as coelhas, que foram processados para estudo histológico.

Foram utilizados os testes Qui-quadrado com correção de Yates para pequenas amostras a fim de comparar o número de gestações bem sucedidas e o número de filhotes, e o one-way Anova, seguido pelo teste de Tukey-Kramer, para comparar as dosagens hormonais (estradiol, progesterona, hormônio folículo-estimulante e hormônio luteinizante). As diferenças foram consideradas significativas para valores correspondentes a p < 0,05.

RESULTADOS

Todos os animais recuperaram-se espontaneamente das cirurgias e sobreviveram durante os nove meses do experimento, sem intercorrências. O peso dos animais aumentou uniformemente.

A Tabela 1 mostra os valores hormonais de ambos os grupos, obtidos ao final do experimento. Observou-se a presença de hormônios ovarianos em todas as coelhas reimplantadas ou transplantadas. Os valores dos hormônios folículo-estimulante, luteinizante e progesterona de ambos os subgrupos não foram diferentes. O estradiol foi mais elevado no Grupo 3C em relação aos demais subgrupos (p < 0,05). Não houve diferença quanto aos níveis hormonais entre as duas raças de coelhas estudadas. Percebe-se ainda que mesmo as coelhas reimplantadas ou transplantadas que não engravidaram tiveram produção hormonal preservada.

À segunda laparotomia, a cavidade abdominal do Grupo 1 manteve-se com aspecto normal. Houve aderências entre a tuba e o ovário em duas coelhas. O útero e as tubas não mostraram outras alterações anatômicas.

Ao exame macroscópico, verificou-se que os ovários das coelhas do Grupo 2 (reimplante) e Grupo 3 (transplante) que engravidaram preservaram sua parte externa, sem fibrose ou reação inflamatória. Todavia, nas coelhas que não engravidaram no Grupo 2, encontrou-se hidrossalpinge em dois animais, além de múltiplas aderências entre ovário, tuba e intestino nas outras duas coelhas. Em duas coelhas do Grupo 3 (uma da raça Nova Zelândia Branca e outra da raça Califórnia), houve aderências entre a tuba e o ovário, assim como entre o ovário e alças intestinais adjacentes. O útero de todos os animais tinha aspecto normal. O restante da cavidade abdominal permaneceu sem alterações. Não houve alterações macroscópicas nos demais órgãos abdominais.

Ao estudo histológico, verificou-se que os ovários, tanto dos animais controle quanto dos reimplantados ou transplantados, estiveram preservados, não havendo diferenças entre eles. Também não foram encontradas diferenças entre os ovários transplantados íntegros ou fatiados. A viabilidade ovariana foi confirmada pela presença de angiogênese satisfatória, vários folículos em diferentes estádios de maturação, bem como corpos lúteos e cistos foliculares em proporções variáveis. Não foram identificados sinais de isquemia ou necrose. Em uma coelha Nova Zelândia Branca do Grupo 3, identificou-se hemorragia multifocal junto à cápsula e calcificação subcapsular em um dos ovários.

A histologia tubária das coelhas do Grupo 1 foi normal, com microvilosidades bem desenvolvidas, trofismo preservado e ausência de sinais inflamatórios ou degenerativos. No Grupo 2, em quatro coelhas que não engravidaram foram encontradas alterações histológicas, com hidrossalpinge. No Grupo 3, encontrou-se em uma coelha que não engravidou foco de infiltrado mononuclear na mesossalpinge e hipotrofia tubária. Uma outra coelha também sem registro de gravidez apresentou reação do tipo corpo estranho na mesossalpinge, além de salpingite crônica discreta e hidrossalpinge. Os demais animais apresentaram histoarquitetura tubária conservada.

A histoarquitetura uterina de todas as coelhas foi mantida. O endométrio evidenciou diversas fases de proliferação, compatíveis com as fases do ciclo estral, indicando adequada produção hormonal.

Quanto à fertilidade, a Tabela 2 mostra o número de gestações ocorridas, o número médio de filhotes e o início dos partos nos três grupos estudados. Não houve diferença no tempo entre o início da cópula e o nascimento dos filhotes em relação às duas raças estudadas (p > 0,05) (Tabela 2).

Não houve diferenças entre o Grupos 1 (controle) e os demais subgrupos em relação ao número de gestações: 2A (p=0,121), 2B (p=0,28), 2C (p=0,28) e 3A (p=0,121), 3B (p=0.28) e 3C (p=0,563).

DISCUSSÃO

O transplante ovariano em pacientes com falência ovariana é análogo ao transplante de ilhotas de Langerhans nos casos de diabete melito ou de neurônios dopaminérgicos na doença de Parkinson. Todas essas entidades patológicas podem ser tratadas com suplementação farmacológica. Entretanto, a terapia tecidual tem a vantagem de manter a atividade fisiológica da secreção hormonal e neuronal17. As possibilidades e vantagens da terapia tecidual estão sendo gradualmente conhecidas.

Optou-se pelo emprego de coelha como animal de experimentação a partir da observação de sua boa capacidade reprodutiva e da simplicidade do procedimento cirúrgico sem a necessidade de material especial.

O presente estudo mostra que os ovários transplantados sem anastomose vascular em coelhos são viáveis e preservam sua função endócrina em todos os casos. Não foram detectadas adversidades decorrentes da falta de vascularização inicial, pois nenhum dos animais apresentou sinais de isquemia ovariana. Esses achados contradizem alguns autores que consideram fundamental a revascularização cirúrgica dos enxertos ovarianos17,18. Entretanto, os resultados deste trabalho estão em acordo com alguns estudos que também verificaram ser a anastomose do pedículo vascular desnecessária para a manutenção da viabilidade e função ovariana. A intensa neovascularização que se forma em torno do ovário parece ser suficiente para conservar sua vitalidade19,20. De acordo com a literatura, o tecido ovariano é uma rica fonte de fatores angiogênicos que estimulam a rápida migração de células endoteliais nos casos de transplantes, o que leva ao restabelecimento da circulação sangüínea19,21,22,23,24. Dissen et al.25 implantaram córtex ovariano adjacente à veia jugular e verificaram revascularização do enxerto 48 horas após o procedimento. Esse fenômeno acompanhou-se de aumento na expressão de agentes angiogênicos específicos, principalmente do fator de crescimento derivado do endotélio. Esses autores também sugeriram que a secreção de gonadotropinas desempenha um papel marcante na resposta vascular. Dentre as gonadotropinas hipofisárias, o FSH parece ser o mais importante, devido ao estímulo à mitose celular da granulosa e à inibição de sua apoptose17.

A vitalidade dos ovários transplantados também pode ser confirmada pela manutenção de sua função endócrina mediante a presença de estradiol e progesterona circulantes, bem como suas interações com os hormônios hipofisários (FSH e LH). Embora as concentrações dos demais hormônios fossem semelhantes em ambos os grupos, os animais transplantados apresentaram maiores concentrações de estradiol. Uma possível explicação seria uma coincidência de todas as coelhas do Grupo 1 estarem na fase pré-ovulatória no momento da coleta de sangue, período em que a concentração de estradiol seria normalmente mais baixa. Contudo, não encontramos nos dados do presente trabalho nem na literatura outras informações que pudessem esclarecer melhor esse achado.

A administração diária de ciclosporina foi efetiva para prevenir rejeição ao ovário transplantado. Tal fato foi sugerido pela ausência de sinais indicativos de rejeição, tanto no ovário quanto na trama vascular periovariana. Além disso, não houve evidências histológica ou funcional de que a ciclosporina tivesse levado a alterações de formação folicular ou nos fenômenos ovulatórios. Apesar de alguns autores terem indicado doses maiores de ciclosporina (15 mg/kg/dia)26,27, a dose de 10 mg/kg/dia, utilizada no presente estudo, segundo nossa linha de pesquisa 28,29,30,31, manteve a vitalidade e a função ovarianas, sem os possíveis inconvenientes decorrentes da imunossupressão em altas doses. Também não foi constatado o efeito inibitório da ciclosporina na ovulação, embora outros autores afirmem que esse fármaco tem propriedades anovulatórias, provavelmente devido à interação entre esse fármaco e a prolactina sobre o mesmo receptor linfocítico, além de diminuição da fertilidade e alterações no desenvolvimento fetal 22. A dosagem de FSH nas coelhas estudadas não mostrou diferença com significância estatística entre os grupos 1, 2 e 3. Esse fato mostra que os ovários reimplantados ou transplantados mantinham produção hormonal de estradiol dentro da normalidade, já que por mecanismo de retroalimentação qualquer diminuição da produção de estradiol estimularia a liberação do FSH.

A secreção basal de LH é suprimida pela combinação da progesterona secretada pelo corpo lúteo e do estradiol derivado dos folículos antrais6. Como a concentração de LH manteve-se dentro dos limites da normalidade nos grupos de reimplante e de transplante, tal fato comprova adequada produção hormonal nos ovários estudados.

As dosagens hormonais nos animais submetidos ao transplante de ovário estiveram dentro da variação normal para progesterona, FSH e LH. Entretanto, foi surpreendente a elevada concentração de estradiol nesse grupo. Segundo Gore-Langton33, a ciclosporina atua aumentando os níveis plasmáticos de estradiol e diminuindo a concentração desse mesmo hormônio no ovário. Esse aumento dos níveis plasmáticos de estradiol pode ser explicado pelos efeitos diretos da ciclosporina nas células da granulosa, modificando a atividade da aromatase. Um outro fator que pode potencializar essa influência é o efeito direto de estimulação da ciclosporina nos mediadores supra-renais33.

As avaliações macroscópica e microscópica não mostraram diferenças quanto à preservação ovariana quando se implantava na forma íntegra ou fatiada. Por outro lado, em estudo prévio com ratas30,31,32, os resultados hormonais foram melhores no grupo de reimplante ovariano fatiado. Contudo, essa diferença não foi verificada na coelha. Cabe, portanto, considerar que o implante ovariano fatiado possa ser mais eficaz do que o íntegro. Diante da falta da uniformidade entre os resultados das duas espécies estudadas por nós e aparente ausência de subsídios na literatura para essa questão, é fundamental prosseguir nesta linha de pesquisa, em busca da resposta a esse problema.

A falta de registro de gestação em algumas coelhas pode ser atribuída à presença de aderências tubo-ovarianas a órgãos adjacentes, como omento, intestino e peritônio. Embora não tenha sido evidenciada gravidez, a função endócrina ovariana dessas coelhas também se manteve preservada. É pertinente supor a ocorrência de gestação não identificada ao longo do período de acompanhamento, interrompida com abortamento. Os abortamentos ocorrem naturalmente em animais e a literatura mostra uma grande variedade de etiologias para esses abortamentos, incluindo alterações genéticas, anatômicas, hormonais e infecciosas, além de influência ambiental ou quando ocorre agressão ao organismo, como, no caso, pela ciclosporina. Entretanto, o presente trabalho mostra que a ciclosporina não interferiu na fertilidade dos animais utilizados.

CONCLUSÃO

Concluindo, foi registrada, com sucesso, fertilização natural em coelha submetida a reimplante ou transplante ortotópico de ovários autógenos e homógenos sem a realização de anastomose vascular. Esses ovários preservaram sua função endócrina e morfológica. A ciclosporina foi eficaz em manter a vitalidade e função dos ovários durante todo o período de estudo.

Conflito de interesse: não há.

Artigo recebido: 05/06/2006

Aceito para publicação: 09/07/2006

Trabalho realizado no Departamento de Cirurgia, Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      17 Jan 2007
    • Data do Fascículo
      Dez 2006

    Histórico

    • Recebido
      05 Jun 2006
    • Aceito
      09 Jul 2006
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