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A requisição de fichas e boletins médicos por delegados de polícia tem base ética ou legal?

À beira do leito

Bioética

A REQUISIÇÃO DE FICHAS E BOLETINS MÉDICOS POR DELEGADOS DE POLÍCIA TEM BASE ÉTICA OU LEGAL?

Quando intimados ou solicitados por delegados de polícia para entregar prontuários de pacientes, qual deve ser a conduta de diretores e outros funcionários de clínicas e hospitais? O Conselho Federal de Medicina, em parecer elaborado pelo seu Assessor Jurídico, Antonio Carlos Mendes, esclarece:

O segredo médico, enquanto instituto jurídico, acolhe no seu bojo as papeletas, boletins médicos, folhas de observações clínicas e fichários respectivos que, assim, submetem-se ao regime penal e ético próprio que resguarda e tutela o sigilo do profissional.

Desta forma, além dos médicos, os funcionários e dirigentes de hospitais, clínicas e casas de saúde, estão sujeitos às penas do art. 154, do Colégio Penal, se, eventualmente, revelarem o segredo médico através da entrega a terceiros ou exposição das anotações clínicas atinentes aos pacientes.

Com efeito, a lei não permite, sequer, que o profissional da medicina preste depoimento em Juízo acerca de fatos conhecidos em razão de sua profissão. Esta regra permeia toda a ordem jurídica e não admite que, por vias transversas, as confidências necessárias sejam levadas ao conhecimento do Judiciário ou da Polícia mediante a requisição de fichas e boletins médicos.

Assim, não há nenhum dever legal que obrigue o médico, o funcionário ou dirigente de hospital e clínicas em geral a entregar as papeletas, as folhas de observação clínica e os boletins médicos. Não havendo disposição legal respaldando a ordem da autoridade judiciária ou policial, ocorre constrangimento ilegal, porque "ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei "(art. 153, § 2º, da Constituição Federal).

Este entendimento foi sufragado pelo Colendo Supremo Tribunal Federal ao julgar o "Habeas Corpus" n.º 39.308, de São Paulo e cuja emenda é a seguinte:

"Segredo profissional. Constitui constrangimento ilegal a exigência da revelação do sigilo e participação de anotações constantes das clínicas e hospitais".

A inteligência acima foi acolhida, também, pelo eminente Desembargador Azevedo Franceschini, do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, em voto vencido nos autos do mandado de segurança no. 135.681, a saber:

a) "À divulgação de conteúdo de ficha médica se aplica toda a disciplina que garante o sigilo oral, pois a ficha clínica não passa de memorização das observações médicas sobre o caso".

b) "Também não importa que o episódio clínico haja saído da alçada médica e a ficha recolhida ao arquivo morto do nosocômio, ao qual só tem normalmente acesso o pessoal burocrático. O segredo subsiste. Aliás, adverte Perraud Charmantier ("Le Secret Professionel", fls.79), que muito embora a função de Diretor de um nosocômio (e outro tanto se diga de seus subordinados) seja meramente administrativa, também ela se encontra jungida ao segredo profissional".

Evidentemente, esse constrangimento ilegal decorrente da requisição judicial ou pedido de informações da autoridade policial instaura, talvez, coação irresistível, apresentando-se como causa justificativa ou excludente de criminalidade, pois o art. 18, do Código Penal, define: "Se o crime é cometido sob coação irresistível ou estrita obediência à ordem não manifestamente ilegal, de superior hierárquico, só é punível o autor da ordem".

Essas causas justificativas ou excludentes de criminalidade podem evitar a punição daquele que, atendendo as requisições judiciais ou solicitações policiais, viola o segredo profissional. Porém, o profissional submetido à disciplina do sigilo médico deve preservar esse direito individual, resistindo a esses atos manifestamente ilegais e utilizando-se do "habeas corpus", garantia constitucional eficaz para impedir constrangimento das autoridades judiciárias e policiais.

A essa disciplina jurídico-penal sujeitam-se, além dos médicos, os funcionários e dirigentes de hospitais mantidos ou subvencionados pelo Poder Público, inclusive aqueles credenciados pela Previdência Social.

Em conclusão, o segredo médico é espécie do segredo profissional abrangendo as anotações, boletins médicos, papeletas, folhas de observação clínica, etc., obrigando não só o médico como também os enfermeiros, funcionários e dirigentes de hospitais públicos e particulares.

Sendo instituto jurídico, tem a conformação que lhe empresta o direito positivo e, assim, não é absoluto. As confidências recebidas podem ser reveladas nas hipóteses de justa causa, de legítima defesa, do estrito cumprimento do dever legal, do exercício regular de direito ou estado de necessidade.

Todavia, o requerimento do paciente ou responsável e na defesa de direito de seu cliente, o médico está obrigado a depor como testemunha e a exibir as suas anotações e fichas clínicas.

Gabriel Oselka

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Jan 2001
  • Data do Fascículo
    Out 2000
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