Acessibilidade / Reportar erro

Como investigar assimetria renal?

À BEIRA DO LEITO

CLÍNICA MÉDICA

Como investigar assimetria renal?

Rafael Siqueira Athayde Lima; Geraldo Bezerra Silva Júnior; Elizabeth De Francesco Daher

Caso clínico

Paciente do sexo feminino, 24 anos, previamente hígida, admitida com história de dois dias de febre alta com calafrios, comprometimento do estado geral, dor lombar à esquerda, com irradiação para hipogástrio e disúria. Após início do tratamento antimicrobiano, foi submetida à ultra-sonografia, que evidenciou rim direito de tamanho reduzido, medindo 8,5cm no maior diâmetro, com relação córtico-medular preservada; rim esquerdo de aspecto normal, com maior diâmetro de 12,3cm.

Definição do problema

Assimetria renal é encontrada, na maioria das vezes, em pacientes assintomáticos durante avaliação radiológica, a princípio sem importância clínica ou indício de doença renal ou sistêmica. O rim de um adulto tem diâmetro longitudinal de 10-12 cm. Define-se assimetria renal pela diferença superior a 1,5 cm entre as medidas longitudinais dos rins. Todos os pacientes diagnosticados devem ser investigados, sob risco de possível deterioração da função renal em virtude da própria assimetria ou condição subjacente.

Causas de assimetria renal

A diferenciação entre assimetria renal por aumento e por diminuição de um dos rins é, a princípio, fácil. Entretanto, é importante considerar os casos de hipertrofia contra-lateral compensatória no dano renal unilateral. As principais causas de assimetria renal são descritas na Tabela 1.

Assimetria por aumento renal

O refluxo vesico-ureteral, na maioria das vezes, é congênito, mas pode ocorrer por infecções do trato urinário de repetição ou obstruções, podendo em longo prazo evoluir com pielonefrite crônica, hipertensão arterial e glomeruloesclerose focal e segmentar.

A trombose de veia renal ocorre em estados de hipercoagulabilidade (síndrome nefrótica, amiloidose, trombofilias, uso de anticoncepcionais orais, etc) e pode se manifestar por dor lombar e/ou em flanco, hematúria, diminuição do débito urinário e varicocele à esquerda.

Pacientes com pielonefrite aguda apresentam sinais de infecção alta do trato urinário, sendo o abscesso perinefrético uma complicação temida, especialmente em diabéticos e casos de pielonefrite xantogranulomatosa.

As uropatias obstrutivas afetam 1% das gestações, das quais 20% têm significado clínico. Outras causas são: intrínsecas (cálculos renais, coágulos, tumores, estenoses) ou extrínsecas ao rim (aneurisma de aorta abdominal, tumores, abscessos). Quadros de cólica nefrética devem ser investigados quanto à possibilidade de uropatia obstrutiva associada.

Os cistos raramente se apresentam como massas abdominais palpáveis e costumam ser facilmente diagnosticados com exames de imagem. Quando múltiplos e bilaterais são sugestivos de doença policística. A doença policística do adulto é causa de aumento bilateral dos rins e acomete vários membros de uma família devido ao caráter autossômico dominante. Os sintomas iniciam em torno da 3ª década, tendo curso progressivo. A doença policística da criança (autossômica recessiva) é mais grave nos casos mais precoces, com risco de óbito neonatal relacionado a oligoâmnio e hipoplasia pulmonar fetal. O diagnóstico de doença policística deve ser complementado com a investigação de outros possíveis sítios acometidos (cistos hepáticos e aneurismas cerebrais).

O carcinoma de células renais, duas vezes mais freqüente no sexo masculino, é responsável por 85% das neoplasias primárias do rim. A idade do diagnóstico gira entre 50 e 65 anos. A doença cística adquirida aumenta em 20 vezes o risco da neoplasia. Deve-se atentar para as variadas formas clínicas que o carcinoma de células renais pode ter além da apresentação clássica (em 10% dos casos) de dor lombar, massa abdominal palpável e hematúria.

Assimetria por redução renal com hipertrofia contra-lateral

Malformações renais têm incidência de 1:3.000, sendo responsáveis por cerca de um terço das malformações congênitas. As causas congênitas de assimetria renal são menos freqüentes que as adquiridas.

O rim compensatório contra-lateral pode ocorrer em qualquer condição em que há redução renal, sendo, entretanto, mais evidente nas patologias congênitas (agenesia ou hipoplasia do rim) e casos de nefrectomia unilateral. Devido ao fluxo urinário aumentado, o rim vicariante ou hipertrófico caracteristicamente pode apresentar leve ectasia do sistema pielocalicial.

Assimetria por redução renal sem hipertrofia contra-lateral

A estenose de artéria renal é causa de hipertensão arterial secundária. Caracteristicamente, há queda da função renal com o uso de inibidores da enzima conversora da angiotensina. A presença de sopro abdominal torna a investigação obrigatória.

Os diversos processos que cursam com fibrose renal unilateral originam assimetria renal. O infarto renal ocorre no contexto de eventos tromboembólicos, dissecções arteriais proximais, vasculites ou trauma. A pielonefrite crônica origina lesão prolongada, com inflamação pielocalicial, fibrose e deformidades anatômicas, constituindo lesões de caráter irreversível.

Avaliação clínica

A avaliação dos pacientes com assimetria renal deve iniciar pela história clínica e exame físico sistemático em busca de indícios de alguma condição clínica estabelecida.

A história clínica deve buscar sintomas constitucionais, hipertensão arterial sistêmica, pielonefrite aguda ou crônica, vasculopatia, diabetes mellitus, trauma renal, sintomas prostáticos, cálculo renal e/ou hidronefrose, história familiar de assimetria renal e de neoplasias.

O exame físico deve atentar para malformações associadas, sopros cardíacos e/ou carotídeo, assimetria de pulsos e sinais de vasculopatia periférica, massas ou sopros abdominais e dor a punho-percussão lombar.

Avaliação complementar

Os pacientes devem ser avaliados com hemograma, eletrólitos, uréia e creatinina plasmáticas, clearance de creatinina, urina tipo I, urinocultura, proteinúria de 24 horas e exames de imagem.

A ultra-sonografia de vias urinárias é, muitas vezes, o exame inicial, devido ao baixo custo, não ser invasiva e não necessitar de contraste. É bom método para detectar obstrução urinária, principalmente em crianças, apesar de não realizar análise funcional do rim. As dimensões renais, alterações estruturais (deformidades pielocaliciais, cistos, massas e coleções) também são diagnosticadas.

A uretrocistografia miccional é indicada nos casos de refluxo vesico-ureteral.

A tomografia computadorizada associa a vantagem de cortes anatômicos sem sobreposição com alta resolução de contraste. É possível maior detalhamento da morfologia das lesões, especialmente nos casos de neoplasias e coleções renais adjacentes. A tomografia computadorizada helicoidal sem contraste é exame padrão-ouro para avaliar pacientes com cálculos ou trauma renal.

A ressonância nuclear magnética tem a vantagem de não utilizar contraste iodado e permitir melhor análise de imagens não bem caracterizadas pela tomografia. É o exame de escolha para o estadiamento de neoplasias.

A cintilografia renal é o método que melhor quantifica a função renal, auxiliando a avaliação de alterações vasculares, uropatias obstrutivas, pielonefrite e suas repercussões funcionais.

A arteriografia renal é o exame padrão-ouro para o diagnóstico de estenose de artéria renal. Tem a desvantagem de ser invasiva e utilizar contraste iodado.

Desfecho do caso clínico

Após o tratamento da pielonefrite aguda (à esquerda), a avaliação clínico-laboratorial da paciente não demonstrou indícios de causas adquiridas de redução renal direita. A TC de abdome evidenciou ectasia do sistema pielocalicial esquerdo, que ocorre em virtude do fluxo urinário aumentado no rim hipertrófico contra-lateral. Foi estabelecido o diagnóstico de hipoplasia renal congênita. A paciente evoluiu estável, assintomática, com função renal normal.

  • 1. Parada G, Salgado Filho N. Assimetria renal. In: Barros E, Gonçalves LF, editores. Nefrologia no consultório. São Paulo: Artmed; 2007. p.191-203.
  • 2. Gonçalves LF, Jeanty P, Piper JM. The accuracy of prenatal ultrasonography in detecting congenital anomalies. Am J Obstet Gynecol. 1994;171:1606-12.
  • 3. Bendhack A, Damião R, editors. Guia prático de urologia. São Paulo: BG Cultural; 1999.
  • 4. Vogelzang NJ, Stadler WM. Kidney cancer. Lancet. 1998;352:1691-6.
  • 5. Arant BS Jr. Vesicoureteric reflux and renal injury. Am J Kidney Dis. 1991;17:491-511.
  • 6. Klahr S. Uropatia obstrutiva. In: Goldman L, Ausiello D, editores. Cecil tratado de medicina interna. 22Ş ed. Rio de Janeiro: Elsevier; 2005, p.855-60.
  • 7. Gabow PA. Autosomal dominant polycystic kidney disease. N Engl J Med. 1993;329:332-42.
  • 8. Heilberg IP, Schor N. Diagnosis and clinical management of urinary tract infection. Rev Assoc Med Bras. 2003;49:109-16.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Jun 2008
  • Data do Fascículo
    Jun 2008
Associação Médica Brasileira R. São Carlos do Pinhal, 324, 01333-903 São Paulo SP - Brazil, Tel: +55 11 3178-6800, Fax: +55 11 3178-6816 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: ramb@amb.org.br