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Sobrepeso: uma nova realidade no estado nutricional de pré-escolares de Natal, RN

Prevalence of excess weight in preschoolers in the Northeast of Brazil

Resumos

OBJETIVO: Determinar a prevalência do excesso de peso em pré-escolares na cidade de Natal e analisar as variáveis envolvidas como: gênero, idade, tipo de escola (pública e privada) e zonas da cidade. MÉTODOS: Estudo transversal, realizado em 20 escolas e creches públicas e 20 escolas privadas, na cidade de Natal, no período de agosto a dezembro de 2004. Foram analisadas 3721 crianças de 2 a 6 anos. Considerou-se como excesso de peso todas as crianças com IMC > percentil 85 e sobrepeso aquelas com IMC > percentil 95. RESULTADOS: A prevalência de excesso de peso encontrada foi 26,5% (IC95%= 24,4-28,9), sendo 14,1% (IC95%=13,0-15,3) risco de sobrepeso e 12,4% (IC95%=11,4-13,6) sobrepeso. Foi observada maior prevalência de sobrepeso no gênero masculino (13,9%, IC95%=12,4-15,6), que no feminino (10,8%, IC95%=9,4-12,4) (p<0,01, Razão de prevalência [RP]=1,29, IC95%=1,08-1,53). O excesso de peso foi encontrado em 19,7% (IC95%=17,1-22,7) dos alunos da rede pública e em 32,5% (IC95%=29,3-35,9) da rede privada (p<0,01, RP=1,64, IC95%=1,47-1,84). Já as prevalências de sobrepeso foram 7,1% (IC95%=6,0-8,4) e 17,1% (IC95%=15,5-18,8), respectivamente (p<0,01, RP=2,41, IC95%=1,98-2,93). As zonas Leste + Sul, áreas com melhor índice de qualidade de vida da cidade, apresentaram maiores percentuais de excesso de peso (p<0,01) e sobrepeso (p<0,01). CONCLUSÃO: A prevalência do excesso de peso e sobrepeso em pré-escolares na cidade de Natal é alta, principalmente nas escolas privadas, demonstrando a necessidade de implantação de programas de prevenção e intervenção, a partir da educação infantil.

Prevalência; Sobrepeso; Pré-escolares; Índice de massa corporal


OBJECTIVE: Determine the prevalence of excess weight in preschoolers in Natal/RN and analyze the variables involved such as: gender, age, type of school (public and private) and city zones. METHODS: Transversal study was performed in 20 public and 20 private schools in Natal, Brazil, between August and December, 2004. A total of 3721 children, from 2 to 6 years of age were analyzed. Children whose BMI was > 85 percentile were considered as excess weight and those with BMI > 95 percentile as overweight . RESULTS: Prevalence of excess weight found was 26.5% (95%CI=24.4-28.9), with 14.1% (95%CI=13.0-15.3) risk of overweight and 12.4% (95%CI=11.4-13.6) overweight. In overweight children there were more males (13.9%, 95%CI=12.4-15.6) than females (10.8%, 95%CI=9.4-12.4) (p<0.01, Prevalence ratio [PR]=1.29, 95%CI=1.08-1.53). Excess weight was found in 19.7% (95%CI=17.1-22.7) of public school students and in 32.5% (95%CI=29.3-35.9) of private school students (p<0.01, [PR]=1.64, 95%CI=1.47-1.84). Overweight prevalence was 7.1% (95%CI=6.0-8.4) and 17.1% (95%CI=15.5-18.8), respectively (p<0.01, [PR]=2.41, 95%CI=1.98-2.93). The East + South zones, areas with a better quality of life index, showed higher percentages of excess weight (p<0.01) and overweight (p<0.01) than the North +West zones. CONCLUSION: Excess weight and overweight prevalence in preschoolers in Natal is high, mainly in private schools, showing the need to implement prevention and intervention programs.

Epidemiology; Obesity; Preschool child; Body mass index


ARTIGO ORIGINAL

Sobrepeso: uma nova realidade no estado nutricional de pré-escolares de Natal, RN

Prevalence of excess weight in preschoolers in the Northeast of Brazil

Anna Christina do Nascimento Granjeiro Barreto* * Correspondência Rua Rio Curuá, 7723 Cidade Satélite, Pitimbu, Natal/RN. Tel: (84) 3218-2265/ 9987-6861 annachristina@natal.digi.com.br ; Lana do Monte Paula Brasil; Hélcio de S. Maranhão

RESUMO

OBJETIVO: Determinar a prevalência do excesso de peso em pré-escolares na cidade de Natal e analisar as variáveis envolvidas como: gênero, idade, tipo de escola (pública e privada) e zonas da cidade.

MÉTODOS: Estudo transversal, realizado em 20 escolas e creches públicas e 20 escolas privadas, na cidade de Natal, no período de agosto a dezembro de 2004. Foram analisadas 3721 crianças de 2 a 6 anos. Considerou-se como excesso de peso todas as crianças com IMC > percentil 85 e sobrepeso aquelas com IMC > percentil 95.

RESULTADOS: A prevalência de excesso de peso encontrada foi 26,5% (IC95%= 24,4-28,9), sendo 14,1% (IC95%=13,0-15,3) risco de sobrepeso e 12,4% (IC95%=11,4-13,6) sobrepeso. Foi observada maior prevalência de sobrepeso no gênero masculino (13,9%, IC95%=12,4-15,6), que no feminino (10,8%, IC95%=9,4-12,4) (p<0,01, Razão de prevalência [RP]=1,29, IC95%=1,08-1,53). O excesso de peso foi encontrado em 19,7% (IC95%=17,1-22,7) dos alunos da rede pública e em 32,5% (IC95%=29,3-35,9) da rede privada (p<0,01, RP=1,64, IC95%=1,47-1,84). Já as prevalências de sobrepeso foram 7,1% (IC95%=6,0-8,4) e 17,1% (IC95%=15,5-18,8), respectivamente (p<0,01, RP=2,41, IC95%=1,98-2,93). As zonas Leste + Sul, áreas com melhor índice de qualidade de vida da cidade, apresentaram maiores percentuais de excesso de peso (p<0,01) e sobrepeso (p<0,01).

CONCLUSÃO: A prevalência do excesso de peso e sobrepeso em pré-escolares na cidade de Natal é alta, principalmente nas escolas privadas, demonstrando a necessidade de implantação de programas de prevenção e intervenção, a partir da educação infantil.

Unitermos: Prevalência. Sobrepeso. Pré-escolares. Índice de massa corporal.

SUMMARY

OBJECTIVE: Determine the prevalence of excess weight in preschoolers in Natal/RN and analyze the variables involved such as: gender, age, type of school (public and private) and city zones.

METHODS: Transversal study was performed in 20 public and 20 private schools in Natal, Brazil, between August and December, 2004. A total of 3721 children, from 2 to 6 years of age were analyzed. Children whose BMI was > 85 percentile were considered as excess weight and those with BMI > 95 percentile as overweight .

RESULTS: Prevalence of excess weight found was 26.5% (95%CI=24.4-28.9), with 14.1% (95%CI=13.0-15.3) risk of overweight and 12.4% (95%CI=11.4-13.6) overweight. In overweight children there were more males (13.9%, 95%CI=12.4-15.6) than females (10.8%, 95%CI=9.4-12.4) (p<0.01, Prevalence ratio [PR]=1.29, 95%CI=1.08-1.53). Excess weight was found in 19.7% (95%CI=17.1-22.7) of public school students and in 32.5% (95%CI=29.3-35.9) of private school students (p<0.01, [PR]=1.64, 95%CI=1.47-1.84). Overweight prevalence was 7.1% (95%CI=6.0-8.4) and 17.1% (95%CI=15.5-18.8), respectively (p<0.01, [PR]=2.41, 95%CI=1.98-2.93). The East + South zones, areas with a better quality of life index, showed higher percentages of excess weight (p<0.01) and overweight (p<0.01) than the North +West zones.

CONCLUSION: Excess weight and overweight prevalence in preschoolers in Natal is high, mainly in private schools, showing the need to implement prevention and intervention programs.

Key words: Epidemiology. Obesity. Preschool child. Body mass index.

INTRODUÇÃO

A prevalência de sobrepeso em crianças vem aumentando gradativamente nos últimos anos, sendo considerado problema atual de saúde pública pela Organização Mundial de Saúde (OMS)1, sobrepondo-se, inclusive, a enfermidades que, tradicionalmente, provocam graves danos à saúde, como a desnutrição e as doenças infecciosas2. Estima-se que existam mais de 17,6 milhões de crianças menores de 5 anos com sobrepeso ou com risco de sobrepeso em todo o mundo2. Segundo dados do National Center for Health Statistics (NCHS), uma em cada cinco crianças norte-americanas está com excesso de peso. Nos Estados Unidos (EUA), em crianças de 2 a 5 anos, segundo National Health and Nutrition Examination Survey (NHANES) 1999-2000, o excesso de peso foi encontrado em 20,6%, sendo 10,4% de sobrepeso propriamente dito3. Martorell et al.4, após analisarem prevalências de sobrepeso em 50 países, evidenciaram que, provavelmente, esta enfermidade ainda não é um problema de saúde pública entre pré-escolares na maioria dos países em desenvolvimento, particularmente, na Ásia e África. Entretanto, há países onde já se encontra prevalência de obesidade tão alta como a encontrada nos EUA. Entres estes países estão o Brasil e o México. A tendência secular do sobrepeso em pré-escolares no Brasil, de acordo com três estudos nacionais desenvolvidos em 19755, 19896 e 1996/977, mostra prevalências de sobrepeso baixas e estáveis (3 a 4%)8. O último desses estudos, desenvolvido pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 1996, e denominado Pesquisa Nacional sobre Demografia e Saúde (PNDS), revelou 4% de crianças pré-escolares com sobrepeso, sendo 2,7% no Nordeste e 5,2% no Sudeste do país7. No Nordeste do Brasil, região historicamente ligada à desnutrição em décadas passadas8-9, não há publicações recentes, após a PNDS, com amostras representativas da população, abordando o sobrepeso em pré-escolares. A Pesquisa de Orçamentos Familiares 20022003 (POF) do IBGE indica que houve uma redução da desnutrição infantil nos últimos 30 anos, principalmente entre aqueles que eram mais afetados pelo problema, ou seja, as crianças das regiões Norte e Nordeste. No entanto, essa pesquisa não avaliou o sobrepeso na faixa etária pré-escolar10.

Portanto, torna-se importante conhecer a prevalência do excesso de peso na faixa etária pré-escolar nesta região, que possui um dos mais baixos padrões de vida do país, podendo refletir condições semelhantes em outras regiões de países em desenvolvimento. A aquisição deste conhecimento é importante para que se possa planejar e implantar medidas de controle e prevenção. Esses programas, quando aplicados em idades mais precoces, têm maiores chances de êxito, uma vez que a vida intra-uterina e a infância, principalmente o período pré-escolar, são momentos críticos, durante os quais a regulação do balanço energético é programada. Existem evidências de que o desenvolvimento do sobrepeso em fase precoce da vida pode se tornar em importante fator de risco para o aparecimento de obesidade posteriormente11-12.

Os objetivos desse estudo foram determinar a prevalência do excesso de peso e sobrepeso em pré-escolares da rede de ensino pública e privada de Natal, capital do Estado do Rio Grande do Norte, no Nordeste brasileiro, e identificar variáveis relacionadas, como: gênero, faixa etária, tipo de escola (pública e privada) e zonas da cidade.

MÉTODOS

Realizou-se estudo transversal, no período de agosto a dezembro de 2004, na cidade de Natal. Foram selecionadas 20 escolas e creches públicas e 20 escolas privadas, a partir de uma listagem contendo a relação de todas as instituições de ensino, obtida na Secretaria Estadual de Educação.

O tamanho da amostra foi determinado levando em consideração uma prevalência de 4% de sobrepeso, encontrado na PNDS - 1996 (último estudo nacional com amostra representativa das regiões Nordeste e Sudeste do Brasil)7, margem de erro de 20%, efeito de desenho de 1,5 e taxa de não-resposta de 20%. O tamanho da amostra calculada foi de 3.627 crianças de um total de 28.835 alunos pré-escolares matriculados nas escolas e creches municipais, no ano de 2004.

A princípio, as escolas foram classificadas em ordem crescente, de acordo com o número de alunos matriculados, na intenção de que cada escola possuísse uma probabilidade associada de participar da amostra na dependência de sua contribuição para o total de alunos pré-escolares da cidade. A partir daí, a seleção de tais estabelecimentos foi realizada através do método de amostragem casual sistemática. A escolha desse método de amostragem ocorreu por ser esta menos sujeita a erros do entrevistador do que a aleatória simples e devido ao fato de as escolas contribuírem de forma diferente para o universo de alunos pré-escolares, de acordo com o número de crianças matriculadas13.

As escolas selecionadas possuíam 4.374 (n) alunos matriculados. Devido à pequena diferença entre o n e o tamanho da amostra calculado (3.627) , optou-se para a análise de todos os pré-escolares presentes na escola nos dias de coleta, exceto os que possuíssem critérios de exclusão. Dessa forma, 3.721 alunos foram incluídos no estudo. Seiscentas e cinqüenta e três crianças (14,9%) não foram analisadas por apresentarem critérios de exclusão ou devido à ausência em sala de aula nos dias de coleta. Verificou-se que as perdas distribuíram-se de forma uniforme entre as escolas públicas e privadas.

Para ser incluída no estudo, a criança deveria estar na faixa etária de 2 a 6 anos de idade e estar regularmente matriculada nas escolas e creches selecionadas. Os critérios de exclusão foram: ser portador de patologias endócrinas ou genéticas, recusa da criança em realizar antropometria, levando à inconsistência dos dados de peso e altura mensurados, e a recusa dos pais ou responsáveis para a criança participar do estudo, após a apresentação do termo de consentimento livre e esclarecido.

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, protocolado sob o número 50/2003. Foram obtidas autorizações por escrito das Secretarias Municipais de Educação e da Ação Social e dos diretores de todas as escolas privadas selecionadas no estudo.

A avaliação antropométrica foi realizada pelos autores e estudantes de medicina após treinamento adequado. As crianças foram avaliadas usando roupas leves, sem calçados. As medidas antropométricas realizadas foram o peso e a estatura, respeitando as normas recomendadas14. Os alunos permaneceram eretos no centro da balança, com os braços estendidos ao lado do corpo, sem se movimentar. A estatura foi verificada com os alunos em posição vertical, eretos, com os pés paralelos e calcanhares, ombros, cabeça e nádegas encostados na parede.

Para a verificação do peso foi utilizada balança digital, tipo plataforma, da marca Plenna Sport (MEA–07400), com capacidade para 150 kg. e resolução de 0,1 kg. Foi conferida a calibração da balança no Instituto de Pesos e Medidas (IPEM/RN). A estatura foi mensurada com o estadiômetro portátil Seca, com fita métrica metálica retrátil, escala de 0 – 220 cm e resolução de 0,1 cm.

O IMC foi calculado pela fórmula: peso (kg) dividido pelo quadrado da altura (cm). As crianças com IMC > percentil 85 e > percentil 95 foram diagnosticadas como tendo risco de sobrepeso e sobrepeso, respectivamente, segundo definição proposta pelo Centers for Disease Control (CDC)/Atlanta15. Os dois grupos associados (risco de sobrepeso + sobrepeso) formaram o grupo de excesso de peso (todas as crianças com IMC > percentil 85).

Foram analisadas as seguintes variáveis: gênero, faixa etária, tipo de escola (pública e privada) e zonas da cidade (Leste + Sul, Norte + Oeste), comparando o grupo de excesso de peso e sobrepeso com o grupo de indivíduos sem tais condições, na amostra total dos alunos.

Com relação à faixa etária, as crianças foram divididas em grupo 1 (com idade compreendida entre 2 anos e 4 anos e 11 meses) e grupo 2 (com idade compreendida entre 5 anos e 6 anos e 11 meses), tendo em vista o maior risco de persistência do sobrepeso até a vida adulta, quando presente antes de 5 anos de idade (adiposidade redundante precoce)11,16-17.

Para avaliar as zonas da cidade, os pré-escolares foram divididos em dois grupos: o primeiro com estudantes que pertenciam às escolas das zonas Norte e Oeste da cidade, e o segundo com os alunos que pertenciam às escolas das zonas Leste e Sul da cidade. Essa separação levou em consideração o melhor índice de qualidade de vida verificado nestas duas últimas regiões, de acordo com estudo "Mapeando a qualidade de vida em Natal", realizado em 2003, pela Secretaria Municipal de Administração e Planejamento de Natal18.

O IMC, em percentil, foi calculado pelo software Nutsat, que utiliza os padrões de referência do CDC/Atlanta 200019.

A análise estatística foi efetuada pelo software Epi-Info, versão 3.3-2004 do CDC/Atlanta, com supervisão técnica do Núcleo de Desenvolvimento do Tirocínio Científico da Faculdade de Odontologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

Foram calculadas as médias e as medianas de idade, prevalências totais de excesso de peso e sobrepeso para amostra total dos alunos analisados, bem como a prevalência estratificada por gênero, faixa etária e tipo de escola, com respectivos intervalos de confiança de 95% (IC 95%). As diferenças foram avaliadas por testes paramétricos para diferenças de proporções (teste Qui-quadrado). Foi considerado significante p < 0.05 e definido a Razão de Prevalência (RP) para um intervalo de confiança de 95% (IC 95%), para verificar a associação entre o excesso de peso e sobrepeso com as variáveis estudadas.

RESULTADOS

Foram avaliadas 3.721 crianças, sendo 1.732 (46,5%) provenientes de escolas e creches públicas e 1989 (53,5%) de instituições privadas. A distribuição dos alunos examinados segue a tendência da distribuição na população total de pré-escolares, sendo representativa deste universo. Do total de alunos, 1.938 (52,1%) eram do sexo masculino, 2.090 (56,2%) da faixa etária 2 (5 anos a 6 anos e 11 meses) e 1.902 (51,1%) das zonas Leste + Sul da cidade. A média de idade foi 5,02 anos (± 1,21DP) e a mediana foi 5,17 anos (p 25: 4,17 e p 75: 6,08).

A Tabela 1 mostra que 525 (14,1%, IC 95% = 13,0 – 15,3) estudantes estão com risco de sobrepeso e 463 (12,4%, IC 95% = 11,4 – 13,6) com sobrepeso, resultando em 988 (26,5%) alunos com excesso de peso.

Não houve diferença estatística na prevalência de excesso de peso, de acordo com o gênero e faixa etária, na amostra geral dos alunos (Tabela 2). No entanto, esta entidade foi mais prevalente nas escolas privadas (p < 0,01, RP = 1,64, IC 95% = 1,47 - 1,84) e nas zonas Leste + Sul da cidade (p < 0,01, RP = 1,19, IC 95% = 1,07 1,32).

Para o sobrepeso (Tabela 3), encontrou-se maior prevalência nas escolas privadas (p < 0,01, RP = 2,41, IC 95% = 1,98 – 2,93), nas zonas Leste + Sul (p < 0,01, RP = 1,44, IC 95% = 1,21 – 1,71) e também no gênero masculino (p < 0,01, RP = 1,29, IC 95% = 1,08 – 1,53).

DISCUSSÃO

A prevalência encontrada neste estudo pode ser considerada alta, comparada àquelas de inquéritos nacionais anteriores (3-4%)5-7, apesar destes utilizarem definições de sobrepeso diferentes (Índice peso/estatura). Outros estudos realizados em municípios isolados do país também mostram prevalências baixas, em torno de 6,5% de sobrepeso20-22. Já em Recife, cidade do Nordeste brasileiro, também foi encontrada prevalência alta de excesso de peso em pré-escolares, com 22,6% de risco de sobrepeso e 11,3% de sobrepeso23. No entanto, esse estudo investigou exclusivamente crianças de duas escolas privadas.

A transição nutricional pela qual passa o país é demonstrada pelo aumento progressivo da obesidade em substituição à desnutrição. Os resultados da Pesquisa de Orçamento Familiar – POF 2002-2003, realizado pelo IBGE, em população brasileira adulta e adolescentes10,24, confirmam que a desnutrição vem sendo substituída pelo excesso de peso nesse estrato populacional. A grande preocupação é que essa transição já vem ocorrendo na faixa etária pediátrica, com prevalências de sobrepeso semelhantes àquelas encontradas nos países desenvolvidos, como Inglaterra25, Estados Unidos3 e Canadá26. No entanto, nestes países, o excesso de peso vem atingindo gradativa e mais freqüentemente o indivíduo de menor poder aquisitivo, onde o aspecto financeiro deixa de ter tanta importância, passando a ser considerados de maior risco os indivíduos com baixo acesso à educação27-31.

Neste estudo, os resultados apresentados revelaram diferença altamente significante entre a prevalência de excesso de peso de escolas públicas e privadas, com maiores percentuais para as últimas, demonstrando um padrão típico e ainda vigente em países em desenvolvimento27-32. O sobrepeso foi 2,4 vezes mais freqüente em alunos de escolas privadas do que em alunos da rede pública de ensino. Tais dados, associados ao achado de maior excesso de peso nas escolas das zonas Leste + Sul da cidade, detentoras de melhor índice de qualidade de vida, indicam que nesta região a obesidade em pré-escolares está relacionada ao nível sócio-econômico mais alto. A POF 2002-2003 confirma a estreita associação existente entre a renda familiar e o estado nutricional das crianças e adolescentes10. Essa relação, provavelmente, se deve ao maior acesso das crianças de maior poder aquisitivo a alimentos hipercalóricos e também ao maior acesso às vantagens da vida moderna, como computadores, videogames, locomoção quase que exclusivamente por meio de carros e outras33. Todos esses fatores levam ao aumento do sedentarismo e do consumo energético, tendo, como conseqüência, o acúmulo de gordura corporal. Como agravante, nas escolas privadas, o lanche disponível e consumido pelos alunos baseia-se, principalmente, em alimentos com alta densidade energética como: salgados industrializados, refrigerantes, bombons, chocolates, sucos artificiais, leite achocolatado, entre outros, contribuindo para a elevada prevalência de excesso de peso nessas escolas. Já nas escolas públicas, existe o programa de merenda escolar, cujo cardápio é orientado por nutricionista, o que favorece a aquisição de hábitos alimentares mais saudáveis.

Apesar de ter sido encontrada maior prevalência de sobrepeso no gênero masculino, há divergências na literatura quanto à maior ocorrência de risco de sobrepeso ou sobrepeso no gênero masculino ou feminino, na faixa etária estudada3,23,26-27. O gênero, portanto, não é um fator de risco comprovado para o desenvolvimento da obesidade em pré-escolares. A OMS sugere que a maior prevalência do sobrepeso no gênero feminino deve-se ao fato de que o excesso de energia é preferencialmente armazenado sob a forma de gordura e não de proteína, como ocorre no gênero masculino. Isso faz com que meninas tenham maior quantidade de tecido adiposo que meninos. No entanto, na faixa etária estudada, essa diferença em relação ao gênero pode não estar ainda nítida, porque nesta fase, os hormônios sexuais ainda não se encontram em níveis de determinar maior acúmulo de tecido adiposo nas meninas e maior incremento de massa magra nos meninos34.

A alta prevalência de sobrepeso em idades tão precoces demonstra o grande papel do pediatra em encorajar programas que estimulem hábito de vida mais saudável em crianças, incluindo dietas apropriadas e oportunidades para estabelecer atividade física regular, segundo recomendação da Academia Americana de Pediatria35. Também reforça a importância da escola nesse processo36, havendo a necessidade de que essas instituições atuem na prevenção do sobrepeso infantil, de acordo com o Consenso sobre Obesidade Infantil, elaborado no ano 2005, segundo o qual as escolas devem atuar por meio da redução de investimentos em doces, oferecer opções saudáveis de lanches, instalar fontes de água, educar os professores, principalmente sobre nutrição básica e sobre os benefícios da atividade física, e as crianças, desde a pré-escola até o nível médio, sobre dietas adequadas e estilo de vida saudável, além de estabelecer um mínimo de 30-45 minutos de educação física, de duas a três vezes por semana37.

CONCLUSÃO

A prevalência de excesso de peso e sobrepeso na cidade de Natal é alta, sendo maior nas escolas privadas do que nas escolas públicas e em escolas de regiões com melhor índice de qualidade de vida. Há a necessidade de implantação de políticas públicas de saúde e programas de prevenção e combate à obesidade em crianças, já a partir da educação infantil.

AGRADECIMENTOS

Aos professores Ângelo Giuseppe Roncalli da Costa Oliveira, Kênio Costa de Lima e Maria Ângela Ferreira, pela orientação estatística. Aos acadêmicos do curso de medicina: Juliana Carvalho Rodrigues, Juliana Costa Reis, Railson Andrielle Silva Brandão, Raissa Anielle S. Brandão e Priscila Vargas Walsh Gonçalves dos Santos, pela indispensável ajuda na coleta dos dados.

Conflito de interesse: não há.

Artigo recebido: 21/09/06

Aceito para publicação: 25/4/07

Trabalho foi realizado no Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal do Rio Grande do Norte / Hospital de Pediatria da UFRN e Departamento de Pediatria

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      21 Set 2007
    • Data do Fascículo
      Ago 2007

    Histórico

    • Recebido
      21 Set 2006
    • Aceito
      25 Abr 2007
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