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Os conflitos do diagnóstico pré-natal: até quando a decisão judicial?

Editorial

Obstetrícia

OS CONFLITOS DO DIAGNÓSTICO PRÉ-NATAL: ATÉ QUANDO A DECISÃO JUDICIAL?

A Obstetrícia, nas últimas décadas, apresentou evolução gigantesca, evidenciando-se cada vez mais a magnitude de sua complexidade, pois envolve campos diversos, seja na investigação de intercorrências que acometem a gestante com possíveis repercussões sobre o feto ou no seu conhecimento íntimo como um ser completo, analisando-se todos os seus órgãos. Assim, tornou-se possível praticar uma medicina interna voltada para o ser humano, desde antes do seu nascimento. Estes avanços se traduzem em melhores conhecimentos dos processos fisiopatológicos que envolvem a gestante e o produto da concepção, aliados a tecnologias modernas nas áreas de diagnóstico e tratamento, invasivos ou não.

Diante desta nova perspectiva, a conduta obstétrica diversificou-se muito, surgindo um novo leque de alternativas terapêuticas pré-natais avançadas, e, às vezes ousadas, com possibilidades de se reverter quadros de comprometimentos fetais dramáticos. Entretanto, é inegável que a capacidade do diagnóstico médico, precedendo a terapêutica, acaba por gerar problemas importantes, muito verdadeiro em medicina fetal, onde o diagnóstico de determinadas condições fetais graves e irreversíveis, caracterizando a inviabilidade da vida extra-uterina, conduz a questionamentos éticos e focos de conflitos.

Doenças determinadas por desarranjos numéricos e estruturais dos cromossomos são precocemente diagnosticadas através de técnicas muito precisas. Outras, que não têm este envolvimento cromossômico, mas que se manifestam por múltiplas mal formações (gênicas ou não) exigem um período mais avançado de gravidez para o diagnóstico correto. Do mesmo modo, doenças infecciosas têm as repercussões fetais aquilatadas também tardiamente. Assim, nas diversas fases da gravidez, obedecendo às exigências metodológicas que se aplicam em distintas idades gestacionais, seja cariotipicamente ou fenotipicamente, os subsídios são obtidos para o estabelecimento do prognóstico com muita clareza e solidez.

A moderna medicina, em face aos progressos sociais, particularmente na esfera dos direitos do cliente, aconselha o estrito cumprimento das normas éticas vigentes que introduz enfaticamente a figura da autonomia dos sujeitos. Para a sua concretização, todas as informações devem ser transferidas aos interessados, assim como as alternativas de tratamento também devem ser discutidas para que eles se habilitem e, em parceria, compartilhem das decisões a serem tomadas com respeito à sua doença. Na questão em foco, o diagnóstico de malformações letais ou de péssimo prognóstico de vida extra-uterina desmorona todo o sonho do filho perfeito construído ao longo de anos pelos casais que, de pronto, angustiam-se e se desesperam por soluções imediatas.

O que fazer ? O que fazer diante da morosidade de uma reforma do judiciário que a muitos interessa (sociedade) mas, poucos (legisladores, deputados e senadores) se movimentam e nada conseguem ? Como sensibilizá-los ?

Reféns de um Código Penal de 60 anos (de 1940), há quase uma década o Serviço de Medicina Fetal da Clínica Obstétrica do HCFMUSP e outros Serviços testemunham o pesado fardo de sofrimentos que vivenciam estes casais, já que a solução, quando existe, se consegue após grande martírio emocional e muitas humilhações. A sensação de absoluta impotência prevalece neste ambiente de luto, de difícil elaboração.

Não é possível simplificar ?

Evidentemente, não ! O caminho é o das pedras ! Há que se conseguir um pronunciamento judicial e de posse de alvará submeter-se a um novo calvário, pois o processo de perda, ainda que o feto seja malformado, é irreparável.

Aguardemos, pois, a reforma do judiciário nutrindo as melhores expectativas com a aprovação de novas leis, mais compatíveis com a modernidade. Até quando ?

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Jan 2001
  • Data do Fascículo
    Out 2000
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