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Pacientes com câncer de pulmão em estadio inicial se beneficiam de quimioterapia neo-adjuvante?

À BEIRA DO LEITO

MEDICINA BASEADA EM EVIDÊNCIAS

Pacientes com câncer de pulmão em estadio inicial se beneficiam de quimioterapia neo-adjuvante?

Wanderley Marques Bernardo; Adriana Paula de Castro Barrichello; Luiza Barros Cecilio

Pacientes com câncer de pulmão, não pequena células, em estadio inicial (IA a IIIA), são candidatos à ressecção completa com intenção de cura. Independente da ressecção cirúrgica, grande número de pacientes apresenta recorrência da doença. A sobrevida de cinco anos depende do estadio, variando no estadio I, II e IIIA, em 55%-67%, 25%-55% e 20%-25%, respectivamente. A mortalidade é devida principalmente às metástases a distância, provavelmente micrometástases não detectadas no estadiamento pré-operatório. O tratamento dessas metástases com quimioterapia, antes (neo-adjuvante), ou depois (adjuvante) da cirurgia, objetiva reduzir a recorrência, aumentando a sobrevida1.

Muitos ensaios randomizados e meta-análises têm procurado demonstrar redução na mortalidade desses pacientes com a associação da quimioterapia adjuvante à cirurgia, produzindo resultados controversos, que de maneira irregular têm sido considerados na adoção dessa modalidade terapêutica.

Atualmente, a utilização de regimes neo-adjuvantes tem recebido também atenção das pesquisas, sustentada por dois objetivos principais: a regressão do câncer primário pode facilitar a ressecção cirúrgica, e micrometástases não detectadas podem ser tratadas desde o início do tratamento2.

De maneira semelhante à quimioterapia adjuvante, mas particularmente com relação à neo-adjuvância, dois elementos são fundamentais na adequada tradução dos resultados da pesquisa para a prática clínica: o método e o efeito.

Os ensaios randomizados, e conseqüentemente as meta-análises, avaliando o uso da quimioterapia neo-adjuvante, têm problemas metodológicos que podem comprometer a validade de seus resultados:

1. Ser ensaio pragmático incluindo pacientes em diversos estadios iniciais (I, II e IIIA), com prognósticos distintos, bem como diversos regimes de quimioterapia, com índices de resposta também distintos; 2. Utilizar-se de maneira distorcida do conceito da meta-análise cumulativa, em um cenário que alterna benefício e dano da quimioterapia, a cada acréscimo de pacientes na análise; 3. Expor os dados através das medidas hazard ratio e risco relativo, na tentativa de maximizar pequenos benefícios obtidos com a associação da quimioterapia no pré-operatório; 4. Disponibilizar os resultados do estudo apenas em resumos, que nunca são publicados na íntegra; 5. Alguns ensaios incluídos na meta-análise estão disponíveis apenas na forma de resumos, impedindo a sua adequada avaliação crítica.

Quanto ao efeito, resultado de meta-análise3 estimava benefício da associação QT pré-operatória + cirurgia, expresso em hazard ratio (HR), de 0,82 (IC95% 0,69-0,97) – redução no risco de morte de 18%. Entretanto, o acréscimo à análise dos resultados do ensaio randomizado recém-publicado2 determina HR, não significativo, de 0,88 (IC95% 0,76 – 1,01) – redução de 12%, com perda do benefício estimado anteriormente.

Quando consideramos os dados absolutos de mortalidade de cada estudo incluído na meta-análise3, o efeito recalculado e expresso em redução de risco absoluto de morte é na verdade, não significativo, de 5% (IC95% -0,01 a 0,11).

Além disso, isoladamente, o ensaio clínico randomizado pragmático2 demonstrou que o uso da quimioterapia neo-adjuvante produz aumento não significativo do risco de morte de 1% (IC95% -0,07 a 0,09). Esse último dado, ao ser acrescido à meta-análise, determina redução não significativa no risco de morte de 3% (IC95% -0,02 a 0,08). E a análise exclusiva do estadio IIIA também revela benefício não significativo de 7% (IC95% -0,03 a 0,17).

Método e efeito traduzem claramente os resultados da pesquisa para a prática clínica. Frente ao que lemos, frente à nossa experiência clínica e sempre considerando as expectativas de nosso paciente (sobrevida esperada, qualidade de vida desejada, efeitos adversos tolerados), qual a resposta para a pergunta acima? Qual a decisão compartilhada com nosso paciente? Sim? Ou não?

Referências

1. De Pauw R, Van Meerbeeck JP. Neoadjuvant chemotherapy in the treatment of nonsmall-cell lung cancer. Curr Opini Oncol. 2007;19:92-7.

2. Gilligan D, Nicolson M, Smith I, Groen H, Dalesio O, Goldstraw P, et al. Preoperative chemotherapy in patients with resectable non-small cell lung cancer: results of the MRC LU22/NVALT 2/EORTC 08012 multicentre randomised trial and update of systematic review. Lancet. 2007;369:1929-37.

3. Burdett S, Stewart LA, Rydzewska L. A systematic review and meta-analysis of the literature: chemotherapy and surgery versus surgery alone in nonsmall cell lung cancer. J Thorac Oncol. 2006;1:611-21.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Set 2007
  • Data do Fascículo
    Ago 2007
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