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Quando transfundir hemácias em pacientes sob ventilação mecânica?

À beira do leito

Medicina Baseada em Evidências

QUANDO TRANSFUNDIR HEMÁCIAS EM PACIENTES SOB VENTILAÇÃO MECÂNICA?

Freqüentemente, pacientes em unidades de terapia intensiva apresentam-se, na admissão ou no decorrer de sua internação, níveis diminuídos de hemoglobina. Os motivos são vários e incluem perdas associadas a hemorragias, diminuição da eritropoiese, fenômenos hemolíticos das mais variadas etiologias, doenças crônicas (como neoplasias e insuficiência renal) e múltiplas coletas de exames, colaborando para instalação da anemia.

A principal intenção do intensivista, ao transfundir hemácias, é de assegurar o transporte de oxigênio aos tecidos, função inerente à hemoglobina. Isto fica mais evidente quando estes pacientes sofrem de insuficiência respiratória grave, necessitando de ventilação mecânica. No entanto, transfusão de sangue ou de derivados não é desprovida de riscos. Além da possibilidade de transmitir doenças infecciosas, pode diminuir a imunidade do paciente, gerar reações anafiláticas e, quando o sangue está estocado por muito tempo, a própria capacidade de carrear oxigênio está diminuída.

Recentes estudos têm questionado a validade de se manter níveis de hemoglobina superiores a 10 g/dl (número geralmente perseguido em muitas UTIs). O estudo com maior poder conclusivo, especificamente em pacientes sob ventilação mecânica, foi conduzido por Herbert et al. Os autores compararam dois grupos de pacientes, de forma randômica, com diferentes metas terapêuticas. Para o primeiro grupo (n=357), a meta era manter níveis de hemoglobina entre 7 e 9 g/dl; para o segundo grupo (n=356), esses níveis ficariam entre 10 e 12 g/dl. Não houve diferença significativa entre os grupos quanto ao tempo de ventilação mecânica, número de dias livres de prótese ventilatória ou no tempo necessário para um desmame adequado. Ainda, muitos pacientes que receberam maior número de transfusões apresentaram incidência maior de edema pulmonar (hipervolemia). Este estudo mostra que manter níveis mais elevados de hemoglobina não interfere positivamente em nenhum parâmetro relacionado à evolução destes pacientes. No entanto, este estudo não pesquisou ativamente fenômenos cardíacos isquêmicos e não poder-se-ia extrapolar esses dados a pacientes coronarianos.

Em suma, não existe na literatura nível de evidência I que sustente estratégia liberal de transfusão de hemoglobina em níveis superiores a 10 g/dl. Se considerarmos escassez destes derivados nos bancos de sangue, bem como os possíveis riscos associados à transfusão, devemos repensar o enfoque terapêutico dos pacientes gravemente enfermos, ventilados artificialmente e anêmicos.

ELIÉZER SILVA

Referência

Hebert PC, Blajchman MA, Cook DJ, Yetisir E, Wells G, Marshall J, Schweitzer I. The Transfusion Requirements in Critical Care Investigators for the Canadian Critical Care Trials Group. Do blood transfusions improve outcomes related to mechanical ventilation? Chest 2001;119:1850-7.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Ago 2002
  • Data do Fascículo
    Mar 2002
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