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Desenvolvimento local versus projeto de globalização neoliberal: refletindo sobre cidades orientadas ao mercado

Resumo

O objetivo deste artigo é discutir o que vem sendo propagado e reproduzido como desenvolvimento local, procurando aproximar e compreender os problemas decorrentes desse fenômeno, sobretudo ao destacar o fomento à formação de cidades orientadas ao mercado. Busca-se questionar os processos de desenvolvimento e políticas públicas, avançando no debate com base na tese de duplo movimento de Karl Polanyi, devidamente revisitada e atualizada histórica e geograficamente. Como contribuição, destaca-se o engajamento na decolonialidade para tratar lacunas temporais e geoepistêmicas da tese polanyiana. Ademais, pode-se identificar que o contramovimento polanyiano de mercado depende da ação de diversos atores sociais, com destaque para sociedades e governos, por meio de políticas públicas.

Palavras-chave:
local; cidades orientadas ao mercado; políticas públicas; neoliberalismo; duplo movimento polanyiano

Abstract

The purpose of this article is to discuss what has being disseminated and reproduced as local development, seeking to understand the problems arising from this phenomenon, particularly highlighting the promotion of market-oriented cities. We question the processes of development and public policies, advancing in the debate based on Karl Polanyi’s double-movement thesis duly revisited and updated historically and geographically. As contributions, we highlight the engagement with de-coloniality to treat temporal and geo-epistemic gaps of the Polanyian thesis. In addition, it is possible to identify that the Polanyian counter-movement depends on the actions of several social actors, with emphasis on societies and governments, through public policies.

Keywords:
Local Development; Market-oriented Cities; Public Policy; Neoliberalism; Polanyi’s Double-Movement

Resumen

El propósito de este ensayo es discutir lo que ha sido propagado y reproducido como desarrollo local, con el objetivo de aproximar y comprender los problemas resultantes de este fenómeno, al destacar especialmente la promoción de la formación de ciudades orientadas al mercado. Se busca cuestionar los procesos de desarrollo y las políticas públicas, promover el debate con base en la tesis de doble movimiento de Karl Polanyi, debidamente revisada y actualizada histórica y geográficamente. Como contribuciones, se destacan el compromiso con la decolonialidad para el tratamiento de las lagunas temporales y geoepistémicas de la tesis de Polanyi. Además, es posible identificar que el contramovimiento polanyiano de mercado depende de la acción de distintos actores sociales, con énfasis en las sociedades y gobiernos, a través de políticas públicas.

Palabras clave:
desarrollo local; ciudades orientadas al mercado; políticas públicas; neoliberalismo; doble movimiento polanyiano

1. INTRODUÇÃO

O avanço do processo de industrialização e de mercadificação social, especialmente sob a égide do projeto neoliberal de globalização, concebeu socialmente uma ilusória imagem do conceito de desenvolvimento, associada em um primeiro momento, à forte reputação de melhoria social, por meio da geração de renda e do pleno e digno emprego. Nesse trabalho, como em Harvey (2007Harvey, D. (2007). A brief history of neoliberalism. Oxford, England: Oxford University Press.) e Litonjua (2010Litonjua, M. D. (2010). Third World/Global South: from development to globalization to imperial project.Journal of Third World Studies,27(1), 107-132.), a concepção do projeto neoliberal de globalização é compreendida a partir da ideologia neoliberal, seu alcance e suas implicações globais. Essa lógica promove transformações políticas, econômicas e sociais, especialmente em países periféricos e semiperiféricos, a partir dos processos neocoloniais que se sobrepõem à soberania desses governos.

A abertura e ampliação do mercado de trabalho, por meio dos processos de industrialização, promoveu a migração de diversos trabalhadores para esses centros de oportunidades, não somente sob a lógica de manutenção da subsistência, mas pela forte expectativa de melhoria de vida, por meio do trabalho. Todo esse processo de atração social e consequente migração de mão de obra em direção aos centros de oportunidades, sobretudo àqueles ancorados às grandes organizações, reproduziu os pressupostos da modernidade eurocêntrica e, por conseguinte, estimulou fortemente processos de corporatização das cidades em escala global, contrapondo-se à possibilidade de politicização social (Abdalla, 2014Abdalla, M. M., & Faria, A. A. (2014, August). Repensando desenvolvimento local e o problema das cidades orientadas ao mercado. In Proceedings of the Society for Social Studies of Science (4S). Buenos Aires, Argentina.; Abdalla & Faria, 2014Faria, A. A., & Abdalla, M. M. (2014, setembro). Engajando com o lado mais sombrio do mercado e da gestão. In Anais do 38o Encontro da Anpad. Rio de Janeiro, RJ.; Akçali & Korkut, 2015Akçali, E., & Korkut, U. (2015). Urban transformation in Istanbul and Budapest: neoliberal governmentality in the EU’s semi-periphery and its limits. Political Geography, 2015(46), 76-88.; Springer, 2011Springer, S. (2011). Violence sits in places? Cultural practice, neoliberal rationalism, and virulent imaginative geographies. Political Geography, 30(2), 90-98.).

Essa dinâmica de forte ampliação e criação de espaços urbanos, por meio dos processos de mercadificação do trabalho — uma das mercadorias fictícias de Karl Polanyi (2001Polanyi, K. (2001). The great transformation. Boston, MA: Beacon Press.) — e de corporatização das cidades, demandou pela concepção de campos de estudo que se destinassem à compreensão desses fenômenos. O campo da economia, sobretudo seu mainstream, sob uma tradicional (e colonialista) perspectiva global, negligenciou historicamente as características de regionalização e localização do que vêm sendo tratadas como desenvolvimento (Ferreira, 2012Ferreira, A. (2012). Desenvolvimento regional: limites e possibilidades institucionais: um estudo de caso da região do Vale do Paraíba - RJ (Doctoral thesis). Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ.; Fujita, Krugman, & Venables, 1999Fujita, M., Krugman, P., & Venables, A. J. (1999). The spatial economy: cities, regions and international trade. Cambridge, MA: The MIT Press.; Hall, 2012Hall, H. M. (2012). Stuck between a rock and a hard place: the politics of regional development initiatives in Northern Ontario (Ph.D. Thesis). Queen’s University, Kingston, Canada.). Essa diversidade de estudos, especialmente quando direcionados a uma localidade e orientados pela lógica neoliberal, por meio da ideia de desenvolvimento local, vem sendo norteada especificamente a responder e analisar questões do tipo: “Como a instalação da empresa ‘x’ proporcionou crescimento e desenvolvimento da cidade ‘y’?”; “Que benefícios, a instalação da empresa ‘x’ trouxe à cidade ‘y’?” (ver, p. ex., Alvarenga, Matos, Machado, Sobreira, & Matos, 2013Alvarenga, R. A. M., Matos, F. R. N., Machado, D. Q., Sobreira, M. C., & Matos, L. B. S. (2013). Arranjo produtivo local e desenvolvimento sustentável: uma relação sinérgica no município de marco - Ceará. Revista de Administração Mackenzie, 14(5), 15-43.; Bagautdinova, Gafurov, Kalenskaya, & Novenkova, 2012Bagautdinova, N., Gafurov, I., Kalenskaya, N., & Novenkova, A. (2012). The regional development strategy based on territorial marketing (the case of Russia) [Special Issue]. World Applied Sciences Journal, 18, 179-184.; Chatterji, Glaeser, & Kerr, 2014Chatterji, A., Glaeser, E., & Kerr, W. (2014). Clusters of entrepreneurship and innovation. Innovation Policy and the Economy, 14, 129-166.; Dias, 2013Dias, R. (2013). Instituições e desenvolvimento territorial: um estudo a partir do caso do arranjo produtivo de petróleo e gás natural localizado em Macaé-Brasil. EURE, 39(116), 141-171.; Paparounas, 2017Paparounas, D. (2017). Empowering cities: assessing municipal capabilities for business attraction(Ph.D. Thesis). Northeastern University, Boston, MA.; Silva, 2012Silva, M. V. (2012). Relacionamento da MMC Automotores do Brasil S.A. com empresas de capital local: adaptação ou desenvolvimento? Revista Opsis, 12(2), 345-362.). Isso sugere que parte significativa dos interesses de pesquisa se orienta à análise e compreensão do que se trata na economia por externalidades positivas produzidas pelo sedutor processo de corporatização das cidades, ao passo que menor importância vem sendo atribuída às questões sociais e geopolíticas decorrentes desse processo e de sua gênese.

Com isso em vista, pode-se argumentar que a sedutora falácia da geração de empregos e de renda, além da própria ideia de incremento de infraestrutura urbana, por meio de políticas públicas que favoreçam a atração de empresas às regiões mais pobres, ofuscou a assimetria de benefícios propiciada por esse modelo de expansão territorial imperialista, que invariavelmente privilegia grandes corporações, especialmente as oriundas de nações hegemônicas, em detrimento das sociedades que as sustentam (Austine, Sunday, & Raymond, 2014Austine, E., Sunday, E., & Raymond, A. O. (2014). Globalization and environmental degradation of the Niger Delta Region of Nigeria. Research on Humanities and Social Sciences, 4(13), 142-152.; Balasubramanyam, 2015Balasubramanyam, V. N. (2015). China and India’s economic relations with African Countries: neo-colonialism Eastern style? Journal of Chinese Economic and Business Studies, 13(1), 17-31.; Gilmartin, 2009Gilmartin, M. (2009). Border thinking: Rossport, Shell and the political geographies of a gas pipeline. Political Geography, 28(5), 274-282.; Jegede, Joshua, & Olorunyomi, 2012Jegede, A., Joshua, S., & Olorunyomi, B. (2012). Local elite and corruption: revisiting marginalization of the Niger Delta. International Journal of Research in Social Science and Human Development, 4(2), 64-74.; M. Santos, 2000Santos, M. (2000). Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. São Paulo, SP: Record.). Esse panorama desvela a ocorrência de uma realidade, posta marginalmente ao fenômeno de desenvolvimento (local e regional), de amplo, concentrado e desordenado crescimento populacional no entorno desses centros de oportunidades. Tal realidade, segundo Harvey (2007Harvey, D. (2007). A brief history of neoliberalism. Oxford, England: Oxford University Press., p. 171), desencadeia a formação de localidades onde tudo prolifera, “de gangues e cartéis criminosos a redes de narcotráfico, minimáfias, chefes de favelas, cultos seculares e seitas religiosas, passando por organizações comunitárias, organizações de defesa das tradições e organizações não governamentais [ONGs]”. Segundo o autor, essas conformações sociais alternativas se encarregam de preencher as lacunas deixadas pelo Estado e outras instituições.

Ao dirigir esforços de teorização, especificamente aos problemas sociais decorrentes desse panorama, pode-se vislumbrar preliminarmente que esse quadro de marginalização social, produzido pela corporatização das cidades, seja um fenômeno recente e exclusivamente pertencente às nações periféricas e semiperiféricas. No entanto, Bresciani (1984Bresciani, M. S. M. (1984). Londres e Paris no século XIX: o espetáculo da pobreza. São Paulo, SP: Brasiliense.) relata situação similar, de forte degradação social, nos arredores dos “centros de oportunidades” criados nas cidades de Londres e Paris no século XIX, fruto da modernidade e do desenvolvimentismo acrítico que, ao longo dos anos, vem privilegiando exclusivamente as elites e o mercado. Alinhado à identificação e crítica às mazelas produzidas pela mercadificação de tudo, Karl Polanyi (2001Polanyi, K. (2001). The great transformation. Boston, MA: Beacon Press., p. 39, tradução nossa), em sua obra seminal, The great transformation (A grande transformação), descreve com atualidade os problemas sociais vivenciados na Inglaterra no período da Revolução Industrial como “um verdadeiro abismo de degradação humana”:

Antes que o processo tivesse ido suficientemente longe, os trabalhadores já se amontoavam em novos locais de desolação, as assim chamadas cidades industriais da Inglaterra; a gente do campo se desumanizava em habitantes de favelas; a família estava no caminho da perdição e grandes áreas do país desapareciam rapidamente sob montes da escória e refugos vomitados pelos “moinhos satânicos”.

A promessa de desenvolvimento local e regional, sustentada não apenas por empresas que almejavam obter benefícios ao se instalar em determinada região (p. ex., benefícios tributários e políticos), mas também mercadificada pelo Poder Executivo e pelo Poder Legislativo, como alternativa de crescimento e geração de renda, vem ofuscando os históricos problemas sociais apontados por Polanyi (2001Polanyi, K. (2001). The great transformation. Boston, MA: Beacon Press.), decorrentes da ordem econômica orientada ao mercado. Essa combinação de políticas públicas equivocadas, fomentada pelo projeto neoliberal de globalização, produziu um fenômeno denominado cidades orientadas para o mercado. Em outras palavras, pode-se compreendê-lo como a formação de grandes estruturas e conglomerados sociais, delimitados (mas não circunscritos) a determinado espaço geográfico, concebidos para (e com base em) processos de mercadificação, sobretudo norteados pela perspectiva neoliberal. A partir disso, tal como preconizou Karl Polanyi, defende-se neste estudo que o reconhecimento do mercado como principal eixo direcionador da sociedade é um equívoco, implicando a configuração de inúmeros problemas sociais, como o adensamento populacional desordenado e suas respectivas consequências, a exemplo dos processos de gentrificação. Nesse sentido, o principal objetivo deste artigo é discutir o que vem sendo propagado e reproduzido como desenvolvimento local, buscando compreender os problemas decorrentes desse fenômeno, destacando particularmente a promoção de cidades orientadas ao mercado, a partir de políticas públicas equivocadas.

Para melhor organizar os argumentos e reflexões, este artigo se divide em cinco seções, incluindo esta introdução. No tópico seguinte, discute-se o modo como o desenvolvimento local vem sendo abordado por uma corrente de pesquisadores, por poderosos grupos de empresas, por políticos e por instituições internacionais, como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI), como forma de justificar a expansão do projeto neoliberal de globalização. A partir disso, questiona-se o conceito de “desenvolvimento”, tal qual vem sendo teorizado, sugerindo que esse processo se encarrega de desenvolver e ampliar especificamente as assimetrias sociais. No terceiro tópico, reivindica-se o resgate e o emprego refletido e decolonizado da tese de duplo movimento de Karl Polanyi, como forma de lidar com a problemática identificada. No quarto tópico, sob uma perspectiva decolonial e transmoderna de conhecimento, destaca-se a possibilidade de enfrentamento dos problemas inerentes às cidades orientadas ao mercado, consequência do desenvolvimento local irrefletido, por meio da contramovimentação de diversos atores sociais. Por fim, o quinto tópico desenvolve as considerações finais e reforça as contribuições trazidas pelo estudo.

2. DESENVOLVIMENTO LOCAL: UMA MÁSCARA PARA A EXPANSÃO DO PROJETO NEOLIBERAL DE GLOBALIZAÇÃO

Essencialmente, o conceito de desenvolvimento local apresenta uma proposta que, aparentemente, está engajada em melhorias sociais, por meio do crescimento endógeno. Esse assunto é esclarecido por Coffey e Polèse (1984Coffey, W. J., & Polèse, M. (1984). The concept of local development: a stages model of endogenous regional growth. Papers in Regional Science, 12(1), 1-12.). Os autores apontam que a ideia de desenvolvimento local é suportada por uma forma de desenvolvimento delimitado, em que elementos endógenos são centrais. S. K. Cunha e J. C. Cunha (2005Cunha, S. K., & Cunha, J. C. (2005). Tourism cluster competitiveness and sustainability: proposal for a systemic model to measure the impact of tourism on local development. Brazilian Administration Review, 2(2), 47-62.), na mesma linha, sugerem que o desenvolvimento local é guiado por uma combinação de conceitos que se reforçam mutuamente, associados a evolução, inclusão, participação, solidariedade e produção, opondo-se diretamente a concentração, competição, exclusão, pobreza, desigualdades e outros problemas. Além disso, Fischer (2012Fischer, T. (2012). Gestão social do desenvolvimento de territórios. Revista Psicologia Organizações e Trabalho, 12(1), 113-119.) sistematiza essas ideias argumentando que os processos de desenvolvimento local são mobilizados por interorganizações, ou seja, pela conexão de diferentes organizações que operam para o mesmo propósito.

A ideia de crescimento regional endógeno, proposta por Coffey e Polèse (1984Coffey, W. J., & Polèse, M. (1984). The concept of local development: a stages model of endogenous regional growth. Papers in Regional Science, 12(1), 1-12.) e seguida por outros autores (p. ex., Mello, Dorion, & Herédia, 2018Mello, C. B. C., Dorion, E. C. H., & Herédia, V. B. M. (2018). Entrepreneurship and regional economic development: the actions of the industrial entrepreneurs of Caxias do Sul, Brazil. Academy of Entrepreneurship Journal, 24(1), 1-16.; Sedita, De Noni, & Pilotti, 2017Sedita, S. R., De Noni, I., & Pilotti, L. (2017). Out of the crisis: an empirical investigation of place-specific determinants of economic resilience. European Planning Studies, 25(2), 155-180.), sugeria que o empreendedorismo local pudesse agir como uma mola propulsora do desenvolvimento de regiões, a partir delas próprias. No entanto, essa lógica aparentemente menos mercadificada, menos neoliberal, menos colonialista e mais orientada às comunidades vem sendo suplantada pela adição da ideia de desenvolvimento local, por meio da atração de grandes empresas transnacionais e pelo investimento externo (Bastos, 2006Bastos, S. Q. A. (2006). A implantação da indústria automobilística alemã Mercedes-Benz em Juiz de Fora (MG). História Econômica e História de Empresas, 9(1), 141-172.; Campans, 2000Campans, R. (2000). Cidades sustentáveis, cidades globais: antagonismo ou complementaridade. In H. Ascelrad(Org.), A duração das cidades (pp. 105-137). Rio de Janeiro, RJ: DP&A.; Chatterji et al., 2014Chatterji, A., Glaeser, E., & Kerr, W. (2014). Clusters of entrepreneurship and innovation. Innovation Policy and the Economy, 14, 129-166.), camuflando o avanço do projeto neoliberal, por meio do estímulo à globalização e os subsequentes processos de dominação e colonialidade (Abreu, 2014Abreu, J. C. (2014a). O simulacro do progresso: reflexões sobre democracia, tecnologia e desenvolvimento local. Revista Brasileira de Gestão e Desenvolvimento Regional, 10(1), 375-394.; Escobar, 2001Escobar, A. (2001). Culture sits in places: reflections on globalism and subaltern strategies of localization. Political Geography, 20(2), 139-174.; Giddens, 1994Giddens, A. (1994). Beyond left and right: the future of radical politics. Palo Alto, CA: Stanford University Press.; Oliveira, 2002Oliveira, F. (2002). Aproximações ao enigma: que quer dizer desenvolvimento local? In P. Spink, S. C. B., & V. Paulics (Orgs.), Novos contornos da gestão local: conceitos em construção (321 p.). São Paulo, SP: Instituto Polis.; B. S. Santos, 2006Santos, B. S. (2006). Globalizations. Theory, Culture e Society, 23(2/3), 393-399.; M. Santos, 2000Santos, M. (2000). Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. São Paulo, SP: Record.).

É importante esclarecer, antes de iniciar o debate propriamente dito, que as observações e a consequente posição que tomamos não representam a adoção de uma postura antidesenvolvimentista e anti-industrialização. Em vez disso, nossa posição reconhece os problemas causados pelo neoliberalismo e pelo desenvolvimento social baseado no mercado e opõe-se fortemente a essa lógica assimétrica e colonialista. Como defendido por Alberto Guerreiro Ramos (1981Guerreiro Ramos, A. (1981). A nova ciência das organizações: uma reconceituação da riqueza das nações. Rio de Janeiro, RJ: Ed. FGV.), a manutenção de uma perspectiva baseada no mercado levará à perpetuação dos problemas das sociedades industriais ocidentais. É necessário e urgente que os esforços de industrialização e desenvolvimento sejam precedidos e monitorados por meio de intensa reflexão, para que a sociedade e os governos, e não o livre mercado, operem como espinha dorsal. Com base nessa alternativa, a sociedade como um todo pode realmente se beneficiar do desenvolvimento, ao contrário do atual estado de coisas, em que a hegemonia neoliberal acentua as diferenças sociais a cada dia. Nunca na história econômica a humanidade testemunhou tal assimetria entre os mais ricos e os mais pobres, e, pior ainda, os prognósticos apontam a acentuação dessas diferenças (Giffin, 2007Giffin, K. M. (2007). Financeirização do Estado, erosão da democracia e empobrecimento da cidadania: tendências globais? Ciência e Saúde Coletiva, 12(6), 1491-1504.; Piketty, 2014Piketty, T. (2014). Capital in the twentieth first century. Cambridge, MA: Belknap Press.). Portanto, é importante examinar a ocorrência de assimetrias entre nações e dentro delas.

O processo de assimetria entre as nações foi cuidadosamente estudado e descrito pelo economista brasileiro Celso Furtado, que confrontou e desconstruiu a ideia de que o subdesenvolvimento era um estágio de pré-desenvolvimento. De fato, ambos fazem parte do mesmo fenômeno estrutural cíclico, baseado no sistema capitalista, no qual as nações subdesenvolvidas permanecem em permanente desvantagem em relação às nações desenvolvidas, especialmente por meio do processo de industrialização indireta (Furtado, 1961; Tenório & Wanderley, 2018Tenório, F., & Wanderley, S. (2018). Celso Furtado: um economista a serviço da gestão pública (1943-1964). Revista de Administração Pública, 52(3), 507-526.). O processo de assimetria entre nações também foi amplamente discutido por Harvey (2006Harvey, D. (2006). Neo-liberalism as creative destruction. Geografiska Annaler, 88(2), 145-158., 2007Harvey, D. (2007). A brief history of neoliberalism. Oxford, England: Oxford University Press., 2012Harvey, D. (2012). Rebel cities: from the right to the city to the urban revolution. London, England: Verso., 2013Harvey, D. (2013). O novo imperialismo (7a ed.). São Paulo, SP: Loyola.), ao apontar que, ao longo da história, nações hegemônicas sistematicamente enriqueceram e sustentaram-se pela exploração direta de nações colonizadas, seja pelo processo de pilhagem de recursos naturais ou explorando diretamente o trabalho de países subordinados, por meio do neocolonialismo.

O segundo caso interessa particularmente a este artigo, à medida que se relaciona diretamente à criação dos supostos centros de oportunidades, cada vez que uma grande multinacional, sobretudo oriunda de nações hegemônicas, decide instalar-se em nações do Sul Global e do Oriente, sob a razão neocolonial. O franco processo de exploração, sob a máscara de desenvolvimento e renda, amplifica intensamente o enriquecimento de uma mínima elite, às custas de uma massa de excluídos, que são ilusoriamente inseridos nesse mercado de trabalho. Tal multidão de invisibilizados sociais tem o sofrimento ampliado, à medida que avança o adensamento populacional desordenado, fruto do modelo de cidade orientada ao mercado. Toda essa dinâmica, específica da modernidade, é imposta pelo imperialista modelo hegemônico neoliberal e intensamente fomentada por instituições como o Banco Mundial, a Organização Mundial do Comércio (OMC) e o FMI, com o objetivo de manter o status quo. Agravando esse quadro de dominação e assimetria entre nações, com o crescimento econômico da China, presenciamos a reprodução do neocolonialismo, por meio da exploração de mão de obra barata na África por indústrias chinesas e indianas (Balasubramanyam, 2015Balasubramanyam, V. N. (2015). China and India’s economic relations with African Countries: neo-colonialism Eastern style? Journal of Chinese Economic and Business Studies, 13(1), 17-31.), em uma espécie de neocolonialismo “interno” entre os países do grupo BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul).

Dentro das nações, pode-se notar assimetrias entre organizações (e também entre regiões) e entre indivíduos. Em todos os casos, a competição parece situar-se no cerne da problemática. O primeiro caso decorre dos processos darwinianos de competição entre empresas, que costumam resultar na geração de monopólios e oligopólios, já que empresas (politicamente) mais fortes tendem a expurgar (ou a absorver) do mercado livre as empresas mais fracas e supostamente menos preparadas (Guerreiro Ramos, 1981Guerreiro Ramos, A. (1981). A nova ciência das organizações: uma reconceituação da riqueza das nações. Rio de Janeiro, RJ: Ed. FGV.; Harvey, 2007Harvey, D. (2007). A brief history of neoliberalism. Oxford, England: Oxford University Press.). Também há que se destacar o processo competitivo mobilizado por regiões semiperiféricas em busca da atração de empresas, sobretudo por meio de ações e políticas públicas que beneficiam majoritariamente as grandes corporações, em detrimento da arrecadação pública — p. ex., guerras fiscais e isenções tributárias entre territórios (M. Santos, 2000Santos, M. (2000). Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. São Paulo, SP: Record.).

A monopolização de negócios amplifica o processo de exploração e, também, de adensamento populacional, à medida que empresas, organizações e populações, por questões econômicas e geopolíticas, tendam a se concentrar geograficamente próximas. Essa concentração de negócios e pessoas, além da natural atração de trabalhadores locais, proporciona amplo processo migratório de mão de obra, acarretando uma forte dinâmica de gentrificação (Akçali & Korkut, 2015Akçali, E., & Korkut, U. (2015). Urban transformation in Istanbul and Budapest: neoliberal governmentality in the EU’s semi-periphery and its limits. Political Geography, 2015(46), 76-88.; Janoschka, Sequera, & Salinas, 2014Janoschka, M., Sequera, J., & Salinas, L. (2014). Gentrification in Spain and Latin America: a critical dialogue. International Journal of Urban and Regional Research, 38(4), 1234-1265.), que propicia, dentre outras mazelas, a ampliação da especulação imobiliária, afetando diretamente as camadas mais pobres da população. Mediante situações como essas, é inconcebível que o discurso hegemônico ainda continue a propagar a ideias como as propostas por Hayek, von Mises e Friedman, de que todos podem ganhar com a liberdade decorrente do mercado livre (p. ex., Porter, 2008Porter, M. (2008). The five competitive forces that shape strategy [Special Issue]. Harvard Business Review, 86(1), 78-93.; Porter & Kramer, 2006Porter, M., & Kramer, M. R. (2006). Strategy and society: the link between competitive advantage and corporate social responsibility. Harvard Business Review, 84(12), 78-92.). Esse tipo de competição pelo monopólio acentua, ainda, o desemprego e, por conseguinte, a miséria e os problemas sociais dela decorrentes, à medida que organizações tendam a racionalizar seus processos de trabalho em prol da maximização da lucratividade e da minimização dos custos.

No nível de assimetrias entre indivíduos, a competição e suas resultantes parecem ser ainda mais problemáticas. Sem dúvida, há indivíduos que se beneficiam do projeto neoliberal e do modelo darwiniano de competição — uma ínfima parcela da sociedade —, no entanto, é crescente a enorme população exposta ao empobrecimento e à miséria. Para se ter uma ideia da dimensão dessas discrepâncias sociais, em especial nos Estados Unidos da América (EUA), “no que diz respeito aos CEOs das principais empresas, em 2005 seus rendimentos representaram 262 vezes o salário do trabalhador médio, comparado com 1965, quando eram 24 vezes maiores” (Giffin, 2007Giffin, K. M. (2007). Financeirização do Estado, erosão da democracia e empobrecimento da cidadania: tendências globais? Ciência e Saúde Coletiva, 12(6), 1491-1504., p. 1494). O pior lado dessa crescente assimetria é que os fracassos pessoais são invariavelmente atribuídos às falhas individuais e, recorrentemente, os vitimados pelo projeto neoliberal é que são responsabilizados por tais insucessos (Fligstein, 2014Fligstein, N., & Habinek, J. (2014). Sucker punched by the invisible hand: the world financial markets and the globalization of the US mortgage crisis. Socio-Economic Review, 12(4), 637-665.; Harvey, 2007Harvey, D. (2007). A brief history of neoliberalism. Oxford, England: Oxford University Press.; Piketty, 2014Piketty, T. (2014). Capital in the twentieth first century. Cambridge, MA: Belknap Press.), sendo taxados de incompetentes, inaptos, desinteressados ou preguiçosos.

À vista do exposto, pode-se sugerir que o projeto neoliberal, que se propõe a fomentar um processo infinito de acumulação, especificamente por uma minoria, tem propiciado o crescimento desordenado de regiões, em torno da mercadificação do trabalho. Segundo Davis (2004Davis, M. (2004). The urbanization of empire: megacities and the laws of chaos. Social Text 81, 22 (4), 9-15.), a incapacidade do Estado criar postos de trabalho favorece os fluxos migratórios e, por conseguinte, a aglomeração de pessoas em torno de localidades, cidades ou regiões orientadas ao mercado. Para o autor, o resultado desse processo de urbanização da pobreza, iniciada com a dinâmica neoliberal de privatizações habitacionais proposta por Margaret Thatcher, é a extraordinária proliferação de favelas no mundo. O aludido modelo britânico de privatização da habitação popular possibilitou, em um primeiro momento, que as classes baixas pudessem conquistar “o sonho” das casas próprias, livrando-se do aluguel. No entanto, a especulação imobiliária, fruto do processo de gentrificação, foi implacável, tornando proibitivos os preços das moradias localizadas próximo ao centro de Londres, o que levou os pobres a serem sumariamente expulsos para as regiões periféricas, dando lugar aos centros de urbanização (Harvey, 2006Harvey, D. (2006). Neo-liberalism as creative destruction. Geografiska Annaler, 88(2), 145-158., 2012Harvey, D. (2007). A brief history of neoliberalism. Oxford, England: Oxford University Press.), pautados por uma lógica de cidade orientada ao mercado. Esse contexto de marginalização social, imposto pela lógica neoliberal (Harvey, 2007Harvey, D. (2007). A brief history of neoliberalism. Oxford, England: Oxford University Press.) e pelo modelo de expansão imperialista, reflete parte dos problemas de desenvolvimento local, tal qual vem sendo defendido por diversos pesquisadores, por poderosos grupos de empresas, por políticos (especialmente pelo caráter eleitoreiro e oportunista, evidente em regiões periféricas e semiperiféricas) e por instituições internacionais fortemente orientadas à manutenção do atual estado das coisas, a exemplo do Banco Mundial, da OMC e do FMI. Tal realidade se aproxima muito mais de uma máscara para ocultar a expansão do projeto neoliberal de globalização do que de desenvolvimento local propriamente dito, sob a acepção (relativamente ingênua e romântica) de Coffey e Polèse (1984Coffey, W. J., & Polèse, M. (1984). The concept of local development: a stages model of endogenous regional growth. Papers in Regional Science, 12(1), 1-12.).

O geógrafo brasileiro Milton Santos (2000Santos, M. (2000). Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. São Paulo, SP: Record.) chamava a atenção para o problema de empresas que são apresentadas como entidades altruístas, salvadoras de lugares, destacadas por sua enorme capacidade de resolver problemas sociais de localidades, por meio de sua inserção e consequente desenvolvimento local. A situação sugere reforço ao que Harvey (2007Harvey, D. (2007). A brief history of neoliberalism. Oxford, England: Oxford University Press.) apontou como assimetrias entre nações, à medida que países hegemônicos se estabelecem e exploram intensamente nações periféricas e semiperiféricas, sob a alegação de altruísmo, a exemplo da exploração americana e europeia da América Latina, Ásia e África, além da recente reprodução do colonialismo eurocêntrico, por meio da exploração de mão de obra africana por empresas chinesas e indianas (Balasubramanyam, 2015Balasubramanyam, V. N. (2015). China and India’s economic relations with African Countries: neo-colonialism Eastern style? Journal of Chinese Economic and Business Studies, 13(1), 17-31.). Milton Santos (2000Santos, M. (2000). Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. São Paulo, SP: Record., p. 34) apontava, ainda, que a aura de benevolência estabelecida pelas empresas produz a crença em sua indispensabilidade, promovendo, como consequência, guerras entre governos locais para atrair investimentos corporativos, deixando tais governos abertos a chantagens, quando empresas “frente ao poder público, ameaçam ir embora quando não atendidas em seus reclamos”. Esse quadro é amplamente favorável ao fortalecimento do projeto neoliberal de globalização, mediante o enfraquecimento e a subordinação do Estado à lógica mercadocêntrica, estimulando a expansão do laissez-faire. A situação é contrária àquela engajada por Celso Furtado, quando defendeu a relevância do Estado (e não do mercado) como principal indutor dos processos de desenvolvimento, desconstruindo a capacidade de autoindução e autorregulação do mercado (Furtado, 1961Furtado, C. (1961). Desenvolvimento e subdesenvolvimento. Rio de Janeiro, RJ: Fundo de Cultura.; Wanderley, 2015Wanderley, S. (2015). Estudos organizacionais, (des)colonialidade e estudos da dependência: as contribuições da Cepal. Cadernos EBAPE.BR, 13(2), 237-255.).

Por outro lado, esse cenário é imensamente prejudicial aos habitantes dessas cidades orientadas ao mercado, à medida que o Estado abandona gradativamente seu papel assistencialista, transferindo-o às empresas, por meio de seus programas de responsabilidade social corporativa (RSC). Sob essa lógica, tomando novamente emprestadas as atualíssimas palavras do geógrafo Milton Santos (2000Santos, M. (2000). Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. São Paulo, SP: Record., p. 33), “se o Estado não pode ser solidário e a empresa não pode ser altruísta, a sociedade como um todo não tem quem a valha”. Especialmente em períodos de instabilidade econômica, tanto empregados dessas empresas quanto a sociedade de modo geral são penalizados pelo projeto neoliberal. Enquanto trabalhadores sofrem com toda sorte de problemas, como demissões em massa, ampliação da pressão por produtividade, adoção de regimes de redução de carga horária de trabalho (e consequente redução salarial), além de outras estratégias que põem em xeque a estabilidade e a dignidade do trabalhador médio, a sociedade como um todo sofre com os cortes de gastos que seriam direcionados às ações de responsabilidade social corporativa em períodos de crise. Inúmeros exemplos desse problemático quadro puderam ser vistos a partir da crise econômica de 2008 nos EUA, em Portugal, na Espanha, na Grécia, em toda a América Latina e em diversos outros cantos do mundo. Em vista disso, a próxima seção confronta o projeto neoliberal de globalização, apoiada pelo uso refletido e decolonizado da tese do duplo movimento de Karl Polanyi.

3. REIVINDICANDO O CONTRAMOVIMENTO POLANYIANO REFLETIDO

A imposição do projeto neoliberal de globalização, sobretudo por meio da concepção de cidades orientadas ao mercado, encorajou-nos a recorrer aos trabalhos de Karl Polanyi como forma de enfrentamento a esse quadro de dominação. Desde a década de 1940, o autor alertava sobre os problemas decorrentes de uma sociedade mercadocêntrica. Dentre as diversas proposições de Polanyi, cabe especial destaque à tese de duplo movimento. Nessa teorização, Polanyi (2001)Fligstein, N. (2001). The architecture of markets: an economic sociology of twenty-first-century capitalist societies. Princeton, NJ: Princeton University Press. propunha que a busca pela autonomia e desregulamentação do mercado sugere uma movimentação prejudicial à sociedade, tratada por ele como o movimento de mercado. Tal movimento, análogo a um vetor em sentido contrário à sociedade, provoca proporcionalmente um processo de tensões que, em demasia, levaria à desintegração social. O movimento contrário (ou contramovimento), pode ser posto como análogo a um vetor oposto e sugere um mecanismo de reação em prol da autoproteção social.

A obra de Karl Polanyi se apresenta como alternativa ao projeto neoliberal, desafiando-o frontalmente. Ao desenvolver a crítica e as proposições teóricas, pode-se notar que Polanyi se apoiou intensamente em dois grandes e fortes paradigmas — o histórico e o econômico. Ele desenvolveu uma crítica contundente ao liberalismo, empregando como força de argumentação relatos históricos de sociedades que, embora praticassem comércio (ou permuta), não se aprisionaram às forças do mercado livre. Ainda que criticando o conceito de mercado, nota-se que sua teorização está diretamente alinhada ao discurso central econômico, quando menciona que “dois elementos do mercado devem ser considerados específicos, a saber, os grupos ofertantes e os grupos demandantes” (Polanyi, 2012aPolanyi, K. (2012a). A economia como processo instituído. In K. P. Levitt (Org.), A subsistência do homem e ensaios correlatos. Rio de Janeiro, RJ: Contraponto., p. 325).

Furtado (1961Furtado, C. (1961). Desenvolvimento e subdesenvolvimento. Rio de Janeiro, RJ: Fundo de Cultura.) evoluiu o debate a partir do confronto da dicotomia entre desenvolvimento e subdesenvolvimento, argumentando que o livre mercado foi um grande equívoco e, talvez, um dos grandes responsáveis pela condição de subdesenvolvimento de algumas nações, como o Brasil. Para o autor, o Estado precisa atuar em favor da sociedade e não em favor do mercado (Furtado, 1974Furtado, C. (1974). O mito do desenvolvimento econômico. Rio de Janeiro, RJ: Paz e Terra.; Wanderley, 2015Wanderley, S. (2015). Estudos organizacionais, (des)colonialidade e estudos da dependência: as contribuições da Cepal. Cadernos EBAPE.BR, 13(2), 237-255.).

Avançando nas ideias de Karl Polanyi, o sociólogo brasileiro Alberto Guerreiro Ramos criticou veementemente a condição de uma sociedade centrada no mercado, classificando o fenômeno como uma síndrome comportamentalista. Segundo o autor, a “patologia” faz com que o paradigma econômico e, consequentemente, as leis do “livre mercado” dominem o modus operandi dos indivíduos e das sociedades, levando-os a adotarem esses conceitos para as mais variadas situações da vida. Alternativamente, Guerreiro Ramos (1981)Guerreiro Ramos, A. (1981). A nova ciência das organizações: uma reconceituação da riqueza das nações. Rio de Janeiro, RJ: Ed. FGV. propõe que o paradigma paraeconômico seja importante saída para o mercadocentrismo, uma vez que a sociedade é composta por vários enclaves, dentre os quais o mercado é apenas mais um. Dessa forma, Alberto Guerreiro Ramos reitera que a lógica centrada no mercado é um grande equívoco.

Posteriormente, embora também ligado aos pressupostos econômicos hegemônicos, Neil Fligstein descreve o mercado como um fenômeno incorporado na sociedade e, como Furtado (1961Furtado, C. (1961). Desenvolvimento e subdesenvolvimento. Rio de Janeiro, RJ: Fundo de Cultura., 1974Furtado, C. (1974). O mito do desenvolvimento econômico. Rio de Janeiro, RJ: Paz e Terra.) e Guerreiro Ramos (1981Guerreiro Ramos, A. (1981). A nova ciência das organizações: uma reconceituação da riqueza das nações. Rio de Janeiro, RJ: Ed. FGV.), indica a existência e a relação de inúmeros outros atores e forças operando no mercado (Fligstein, 1996Fligstein, N. (1996, August). Markets as politics: a political-cultural approach to market institutions. American Sociological Review, 61(4), p. 656-673., 2001Fligstein, N. (2001). The architecture of markets: an economic sociology of twenty-first-century capitalist societies. Princeton, NJ: Princeton University Press.; Fligstein & Dauter, 2007Fligstein, N. (2001). The architecture of markets: an economic sociology of twenty-first-century capitalist societies. Princeton, NJ: Princeton University Press.; Fligstein & Freeland, 1995Fligstein, N., & Freeland, R. (1995, August). Theoretical and comparative perspectives on corporate organization. Annual Review of Sociology, 1995(21), 21-43.; Fligstein & Habinek, 2014Fligstein, N., & Habinek, J. (2014). Sucker punched by the invisible hand: the world financial markets and the globalization of the US mortgage crisis. Socio-Economic Review, 12(4), 637-665.; Fligstein & Sweet, 2002Fligstein, N., & Dauter, L. (2007). The sociology of markets. The Annual Review of Sociology, 33(1), 105-128.). Em seu forte desejo de opor-se ao modelo “mercadocêntrico” da sociedade, Polanyi apresenta conceitos e exemplos de sociedades desconectadas da configuração de mercado contemporânea e, além disso, não promove a proposição de elementos como política, sociologia e geografia dos mercados, apesar de reconhecer e propor que há mais a ser explorado nessas questões, deixando, assim, importantes lacunas a desenvolver (p. ex., Polanyi, 2012aPolanyi, K. (2012a). A economia como processo instituído. In K. P. Levitt (Org.), A subsistência do homem e ensaios correlatos. Rio de Janeiro, RJ: Contraponto.).

Como forma de avançar no enfrentamento da problemática proposta e ampliar as contribuições deste estudo, vimo-nos compelidos a tratar de duas lacunas identificadas na tese polanyiana. Na primeira lacuna, vale recuperar a tese de duplo movimento. Nela, Polanyi (2001Polanyi, K. (2001). The great transformation. Boston, MA: Beacon Press.) desenvolve um importante argumento, ao propor a busca pela sustentação social, no entanto, como questionam Munck (2004Munck, R. (2004). Globalisation, labour and the Polanyi problem. Labor History, 45(3), 251-269.) e Dale (2013Dale, G. (2013). Duplos movimentos e forças pendulares: perspectivas polanyianas sobre a era neoliberal. Otra Economía, 7(12), 26-44., p. 31), há falta de mediação e de clareza sobre o contramovimento, já que o autor não define “quem exatamente iria agir espontaneamente contra o sistema de mercado não regulamentado e desenraizado e por quê?”. De modo subjacente, Polanyi (2001)Polanyi, K. (2001). The great transformation. Boston, MA: Beacon Press. sugere que a própria sociedade cumpriria esse papel, já que se refere ao processo de autoproteção, em uma espécie de virada social, no entanto, não há clareza na proposta. Possivelmente essa sugestão ocorreu pelo foco na crítica ao mercado liberal, visto como única alternativa de mercado (em contraposição à sua defesa de cooperativismo e outras modalidades de relação não necessariamente econômicas e financeiras).

Embora concordemos com a ideia de que o mercado neoliberal seja problemático para a sociedade (ver, p. ex., Harvey, 2007Harvey, D. (2007). A brief history of neoliberalism. Oxford, England: Oxford University Press., 2013Harvey, D. (2012). Rebel cities: from the right to the city to the urban revolution. London, England: Verso.), uma modelagem de sociedade de mercado pode parecer incompleta, na medida em que se assume que o mercado seja apenas um dos muitos enclaves (Guerreiro Ramos, 1981Guerreiro Ramos, A. (1981). A nova ciência das organizações: uma reconceituação da riqueza das nações. Rio de Janeiro, RJ: Ed. FGV.). Em outras palavras, pode-se assumir que o mercado é permeado pela sociedade e vice-versa (p. ex., Fligstein, 2001Fligstein, N. (2001). The architecture of markets: an economic sociology of twenty-first-century capitalist societies. Princeton, NJ: Princeton University Press.; Fligstein & Dauter, 2007Fligstein, N., & Freeland, R. (1995, August). Theoretical and comparative perspectives on corporate organization. Annual Review of Sociology, 1995(21), 21-43.; Fligstein & Habinek, 2014Fligstein, N., & Habinek, J. (2014). Sucker punched by the invisible hand: the world financial markets and the globalization of the US mortgage crisis. Socio-Economic Review, 12(4), 637-665.), tornando impossível operacionalizar esses elementos puramente como forças opostas. Vadell e Carvalho (2014Vadell, J. A., & Carvalho, P. H. N. (2014). Neoliberalismo na América do Sul: a reinvenção por meio do Estado. Contexto Internacional, 36(1), 75-111., p. 87) reforçam o argumento ao reunir as teorizações de Polanyi e Gramsci, afirmando que “no campo da sociedade civil, restauram-se as relações entre sociedade e mercado na busca por uma nova forma de capitalismo, sendo esse, agora, incorporado à sociedade”. Portanto, propomos que a dinâmica do contramovimento não ocorra de forma binária e simplificada, mas de forma complexa, multifacetada e multipolarizada por meio de vários atores e relações geopolíticas.

Um segundo ponto a considerar na teorização de Polanyi não seria necessariamente uma lacuna, mas um problema de origem geopolítica e respectivo posicionamento. A questão diz respeito à geografia do conhecimento pela qual Polanyi produz esse saber e à temporalidade desse conhecimento produzido, já que vale “lembrar que Karl Polanyi observou uma sociedade passando por transformações que diferem das enfrentadas hoje” (Vadell & Carvalho, 2014Vadell, J. A., & Carvalho, P. H. N. (2014). Neoliberalismo na América do Sul: a reinvenção por meio do Estado. Contexto Internacional, 36(1), 75-111.:85). Aparentemente, a perspectiva eurocêntrica do autor dificultou a adoção de visadas mais cosmopolitas e pluriversais, possibilitando relações dialógicas com outros contextos (Abdalla, 2014Abdalla, M. M., & Faria, A. A. (2014, August). Repensando desenvolvimento local e o problema das cidades orientadas ao mercado. In Proceedings of the Society for Social Studies of Science (4S). Buenos Aires, Argentina.). Um bom exemplo disso pode ser retratado na passagem em que Polanyi (2012bPolanyi, K. (2012b). Aristóteles descobre a economia. In K. P. Levitt (Org.), A subsistência do homem e ensaios correlatos. Rio de Janeiro, RJ: Contraponto., p. 253), calçado em uma perspectiva histórica ocidental, argumenta que “um dos primeiros mercados ou feiras urbanas, senão o primeiro de todos, não foi outro senão a ágora de Atenas”. Ora, onde estariam os chineses, os árabes, os mouros e todo o Oriente nesse olhar (a-geo-)histórico? Haesbaert e Porto-Gonçalves (2006Haesbaert, R., & Porto-Gonçalves, C. W. (2006). A nova des-ordem mundial (Paradidáticos Collection - Série Poder). São Paulo, SP: Ed. Unesp., p. 18) criticam a máxima de que a Europa seja o berço do conhecimento. Para eles “todo o legado que os europeus vão considerar próprio, como a tradição da filosofia grega, chegou-lhes pelas mãos dos árabes, sobretudo através da Península Ibérica, com a presença moura”.

É importante ressaltar a relevância da obra de Polanyi para as ciências sociais como um todo, no entanto, também é cabível contribuir com aprimoramentos nessa linha de pensamento, de modo a adequar e a respeitar a geografização desse conhecimento a partir do fenômeno estudado. Sob essa lógica, abraçamos a opção decolonial (Abdalla & Faria, 2017Abdalla, M. M., & Faria, A. A. (2017). Em defesa da opção decolonial em administração/gestão. Cadernos EBAPE.BR, 15(4), 914-929.; Escobar, 2004Escobar, A. (2004). Beyond the Third World: imperial globality, global coloniality and anti-globalisation social movements. Third World Quarterly, 25(1), 207-230.; Grosfoguel, 2008Grosfoguel, R. (2008, julio/diciembre). Hacia un pluri-versalismo transmoderno decolonial. Tabula Rasa, 9, 199-215., 2012Grosfoguel, R. (2012). Descolonizar as esquerdas ocidentalizadas: para além das esquerdas eurocêntricas rumo a uma esquerda transmoderna descolonial [Dossier Saberes Subalternos]. Contemporânea, 2(2), 337-362.; Lander, 2000Lander, E. (Org.). (2000). La colonialidad del saber: eurocentrismo y ciencias sociales - perspectivas latinoamericanas. Buenos Aires, Argentina: CLACSO.; Mignolo, 2009Mignolo, W. D. (2009). Epistemic disobedience, independent thought and decolonial freedom. Theory, Culture e Society, 26(7/8), 159-181., 2010Mignolo, W. D. (2010). Desobediencia epistémica: retórica de la modernidad, lógica de la colonialidad y gramática de la descolonialidad. Buenos Aires, Argentina: Del Signo., 2011Mignolo, W. D. (2011). The darker side of Western modernity: global futures, decolonial options. London, England: Duke University Press., 2014Mignolo, W. D. (2014). Spirit out of bounds returns to the East: the closing of the social sciences and the opening of independent thoughts. Current Sociology, 62(4), 584-602.; Wanderley & Faria, 2012Wanderley, S., & Faria, A. (2012). The Chandler-Furtado case: a de-colonial re-framing of a North/South (dis)encounter. Management e Organizational History, 7(3), 219-236.) e a perspectiva transmoderna (Bragato & Castilho, 2012Bragato, F. F., & Castilho, N. M. (2012). O pensamento descolonial em Enrique Dussel e a crítica do paradigma eurocêntrico dos direitos humanos. Revista Direitos Culturais, 7(13), 1-13.; Dussel, 2005Dussel, E. (2005). Filosofia da libertação: crítica à ideologia da exclusão(3a ed.). São Paulo, SP: Paulos., 2013Dussel, E. (2013). Ethics of liberation: in the age of globalization and exclusion. Durham, NC: Duke University Press.), como forma de lidar com o caráter multipolar, sobretudo dos diversos locais sujeitos ao desenvolvimento irrefletido e à consequente emergência de cidades orientadas ao mercado. Essa perspectiva previne que os equívocos da colonialidade do conhecimento sejam reproduzidos, à medida que fenômenos do Sul são analisados a partir do próprio Sul, no entanto, sob uma lógica de teorização fronteiriça e cosmopolita, que não segrega, tampouco menospreza conhecimentos vindos do Norte, mas os abraça, sob uma ótica pluriversal de conhecimento.

4. DESAFIANDO CIDADES ORIENTADAS AO MERCADO: ALTERNATIVAS E POSSIBILIDADES

Para o geógrafo brasileiro Milton Santos, o conflito social se imprime nas relações espaciais das cidades, denunciadas pelas desigualdades econômicas e sociais, especialmente nos países subdesenvolvidos. As cidades permitem a interseção do que ele denominou verticalidades e horizontalidades. Para o autor, “verticalidades são vetores de uma racionalidade superior e do discurso pragmático dos setores hegemônicos, criando um cotidiano obediente e disciplinado”; enquanto “horizontalidades são tanto o lugar da finalidade imposta de fora, de longe e de cima, como a contrafinalidade gerada localmente” (M. Santos, 1996Santos, M. (2000). Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. São Paulo, SP: Record., p. 193). Sob a linha de pensamento proposta por Milton Santos, Harvey (2012Harvey, D. (2012). Rebel cities: from the right to the city to the urban revolution. London, England: Verso.) destaca a polarização e a assimetria presentes na distribuição de riqueza e poder, sugerindo que o fenômeno está presente nas formas espaciais assumidas pelas cidades (especialmente aquelas voltadas ao mercado), por meio do crescimento de favelas em oposição aos condomínios fechados e de espaços públicos privatizados mantidos sob constante vigilância. Segundo o autor, “a proteção neoliberal dos direitos e valores de propriedade privada torna-se uma forma hegemônica de política, mesmo para a classe média baixa” (Harvey, 2012Harvey, D. (2012). Rebel cities: from the right to the city to the urban revolution. London, England: Verso., p. 15).

A alta densidade populacional, como resultado de ações impensadas de “desenvolvimento local”, e o consequente processo de ocupação irregular, além da marginalidade já destacada neste estudo, provocam vários outros problemas sociais, como a precarização da infraestrutura educacional, viária e de saúde pública, sobretudo em cidades situadas em países subdesenvolvidos. Essa fragilidade de infraestrutura causada pelo abandono social e pela falta de políticas públicas coerentes favorece um círculo vicioso: o surgimento de uma geração socialmente despreparada que tende a trabalhar em subempregos e sem qualificação, ampliando os bolsões de miséria, ou acentuando os problemas de criminalidade, à medida que jovens são entregues ao narcotráfico (Abdalla, 2014Abdalla, M. M. (2014). Repensando o duplo movimento polanyiano a partir do desenvolvimento de estratégias sociais: um olhar sobre o setor de energia nucleoelétrica à luz da opção decolonial (Doctoral thesis). Fundação Getulio Vargas, Rio de Janeiro, RJ.).

Defendemos que, dentre as principais causas do processo de formação de localidades orientadas ao mercado e de cidades orientadas ao mercado, destaca-se a dinâmica irrefletida e digressiva de desenvolvimento local, sobretudo com base no projeto neoliberal de globalização e nos processos de mercadificação do trabalho, acarretando ampla migração de trabalhadores em busca de centros de oportunidades. Essa intensa migração de trabalhadores concebe uma dinâmica de ocupações irregulares, gerando bolsões de adensamento populacional e consequente caos urbano. Todo esse quadro é ampliado, à primeira vista, pela minimização da atuação do Estado e a consequente inoperância do poder público, que negligencia o planejamento e o controle dos processos de urbanização. Atitudes populistas e eleitoreiras ajudam a explicar esse cenário no qual governos, mediante vista grossa, concedem infraestrutura mínima às localidades com ocupação irregular, legitimando a ilegalidade.

Contudo, sob um olhar mais detido, pode-se desvelar o problema e compreender que talvez seja mais complexo do que o apontado. Não se trata, necessariamente, apenas da legitimidade da ocupação irregular, mas de refletir as razões que levaram cidadãos e suas respectivas famílias a buscarem alternativas aparentemente extremas. Segundo Milton Santos (2000Santos, M. (2000). Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. São Paulo, SP: Record., p. 59), o modelo de racionalidade capitalista totalitária demonstra suas limitações quando uma parcela significativa da humanidade, seja por desinteresse ou incapacidade, não é capaz de obedecer a leis e normas inerentes a esse modelo, proporcionando “a proliferação do ilegal, do irregular e do informal”. Infelizmente, o projeto neoliberal de globalização confunde percepções sociais, tornando nebulosa a percepção das mazelas causadas às mais diversas populações, quando acentua as assimetrias sociais e impõe quadros de pobreza extrema. Processos de gentrificação, por meio de especulação, tornam proibitivos os valores de imóveis; além de outros problemas, que impedem o cidadão médio de obter moradia digna. Como resultado, os estratos mais pobres da sociedade são frequentemente forçados a buscar alternativas marginais, sujeitas aos mais diversos problemas sociais, como a evidente criminalidade; além de enfrentarem problemas e riscos climáticos (inundações, deslizamentos de terra etc., devido à precária infraestrutura), causando perdas materiais e morais, por vezes irreparáveis, além das muitas vidas ceifadas (Abdalla, 2014Abdalla, M. M., & Faria, A. A. (2014, August). Repensando desenvolvimento local e o problema das cidades orientadas ao mercado. In Proceedings of the Society for Social Studies of Science (4S). Buenos Aires, Argentina.).

É necessário refletir sobre os problemas causados pelo fenômeno das cidades orientadas para o mercado e as respectivas fragilidades das políticas públicas, especialmente originadas na dinâmica irrefletida do “desenvolvimento local”. Como o mercado não tem senso de lugar, enquanto a maioria dos benefícios derivados dos processos de exploração é exportada para países hegemônicos, as cidades orientadas ao mercado permanecem com os impactos socioambientais (Escobar, 2001Escobar, A. (2001). Culture sits in places: reflections on globalism and subaltern strategies of localization. Political Geography, 20(2), 139-174.). Sem a intenção de sermos prescritivos, argumentamos que o desenvolvimento das cidades poderia ocorrer por meio da centralidade e do protagonismo social, assistido pelo Estado e, em última instância, com auxílio do mercado, invertendo a atual ordem dominante em que o mercadocentrismo predomina, seguido imediatamente pela atuação (por vezes tímida) do Estado, deixando em último lugar a oprimida sociedade. Nesse sentido, políticas públicas que assegurassem melhores posturas urbanas municipais seriam muito bem-vindas, assim como a promoção de melhores condições sociais, estimuladas por incrementos nas oportunidades de trabalho, que confrontassem os correntes mecanismos de acumulação infinita, fomentados pelo projeto neoliberal de globalização. As proposições de Tânia Fischer (1992Fischer, T. (1992). Poder local: um tema em análise. Revista de Administração Pública, 26(4), 105-113., 2012Fischer, T. (2012). Gestão social do desenvolvimento de territórios. Revista Psicologia Organizações e Trabalho, 12(1), 113-119.) ajudam a desconstruir o modelo de cidades orientadas para o mercado, com foco no empoderamento local, por meio do desenvolvimento territorial e do protagonismo social, com o apoio do Estado. Não há dúvida de que os efeitos dessa mudança de perspectiva ocorrerão lentamente, especialmente para o estrato mais pobre da população. No entanto, tal mudança salvará vidas e preservará bens materiais, já que a ocupação irregular e a urbanização equivocada são frequentemente acompanhadas por tragédias resultantes de fenômenos como enchentes e outros desastres. Além disso, o planejamento urbano e o controle da densidade populacional em certas regiões ajudariam a minimizar o caos urbano causado, em parte, pela assimetria entre oferta e demanda de infraestrutura. É lamentável que apenas o lado positivo do desenvolvimento local seja propagado.

Mediante o exposto, sugere-se que a lacuna polanyiana apontada por Munck (2004Munck, R. (2004). Globalisation, labour and the Polanyi problem. Labor History, 45(3), 251-269.) e Dale (2013Dale, G. (2013). Duplos movimentos e forças pendulares: perspectivas polanyianas sobre a era neoliberal. Otra Economía, 7(12), 26-44.) possa ser parcialmente respondida, à medida que governos, especialmente municipais, operem em nome e em prol da sociedade, contramovimentando-se em relação ao fenômeno das cidades orientadas ao mercado, por meio de políticas públicas mais favoráveis às múltiplas populações. Para tanto, é de suma importância que esses governos, norteados pela sociedade (como defendido por Celso Furtado), enfrentem o avanço do projeto neoliberal de globalização, por meio de políticas de Estado (e não tipicamente de governo). As autoridades precisam abandonar a postura de laissez-faire e, em vez disso, promover resolutamente o bem-estar da sociedade e supervisionar o mercado, materializado pelas empresas, exigindo que busquem resultados mais plurais (e não apenas aqueles definidos pelo binômio econômico-financeiro).

É preciso cautela ao tratar processos de mercadificação dos impactos gerados por empresas nas cidades, tal qual vem-se fazendo no mercado de carbono, produzindo, à luz de Polanyi, novas mercadorias fictícias. Por outro lado, seria ingênuo simplesmente dar as costas ao mercado. Portanto, é de central importância que medidas compensatórias sejam cobradas de empresas, em virtude de seus respectivos impactos ambientais e sociais causados às cidades e suas respectivas populações. É preciso que esses recursos sejam diretamente revertidos em benefícios sociais para aqueles que mais são afetados pelas atividades empresariais. À medida que governos assumem o papel de fiscalizador dessas obrigações, mas não as revertem em reais benefícios à sociedade, em função de corrupção e de negligência, pode-se converter degradação em uma nova mercadoria fictícia, tal como alude Polanyi. Em infelizes casos como esse, vale recordar Milton Santos (2000Santos, M. (2000). Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. São Paulo, SP: Record., p. 33), ao apontar que “não é que o Estado se ausente ou se torne menor. Ele apenas se omite quanto ao interesse das populações e se torna mais forte, mais ágil, mais presente, ao serviço da economia dominante”, especialmente no que tange às negociações de verbas compensatórias.

É notório que o poder público de vários países (principalmente os subdesenvolvidos), dada sua multiplicidade institucional e a diversidade de posições políticas e ideológicas assumidas por seus membros, presta serviços contrários aos interesses sociais. Esse descaso pode ser explicado pela ampliação dos interesses de atores mais poderosos, como as empresas, em detrimento dos anseios e das demandas da sociedade. Essa assimetria é normalmente “justificada” pelas concessões realizadas pelas empresas, especialmente sob a forma de poder, influência, doações aos partidos políticos, além de outras moedas, frequentemente negociadas em ações de lobby (Barley, 2010Barley, S. R. (2010). Building an institutional field to corral a government: a case to set an agenda for organization studies. Organization Studies, 31(6), 777-805.; Fleming & Spicer, 2014Fleming, P, & Spicer, A. (2014). Power in management and organization science. The Academy of Management Annals, 8(1), 237-298.). O quadro ilustra e ajuda a explicar o esmagamento de parcela da sociedade em prol de “interesses maiores” (sic), fazendo com que uma multidão de invisibilizados seja exposta a forte vulnerabilidade social (Faria & Abdalla, 2014Faria, A. A., & Abdalla, M. M. (2014, setembro). Engajando com o lado mais sombrio do mercado e da gestão. In Anais do 38o Encontro da Anpad. Rio de Janeiro, RJ.).

O confronto à inoperância e à má atuação do poder público e das empresas pode emergir de outro ator do contramovimento — a sociedade. A contramovimentação pela própria sociedade talvez tenha sido a grande expectativa de Karl Polanyi, por meio de uma grande virada social. Baseado em ampla pesquisa, Abdalla (2014Abdalla, M. M., & Faria, A. A. (2014, August). Repensando desenvolvimento local e o problema das cidades orientadas ao mercado. In Proceedings of the Society for Social Studies of Science (4S). Buenos Aires, Argentina.) identifica que, em função dos processos de opressão e subsocialização, sobretudo impostos pelos mais de cinco séculos de colonialidade às nações periféricas e semiperiféricas, as (sub)sociedades oriundas dessas regiões não foram capazes de exercer essa suposta virada social. Atualmente, a sociedade, o governo, o mercado e seus diversos atores coexistem em uma complexa estrutura multipolar, em regra assimétrica, como destacou Guerreiro Ramos, por meio dos chamados “enclaves” (Guerreiro Ramos, 1981Guerreiro Ramos, A. (1981). A nova ciência das organizações: uma reconceituação da riqueza das nações. Rio de Janeiro, RJ: Ed. FGV.). Parte da sociedade vem desempenhando papel importante, à medida que organizada, opera questionando e fiscalizando constantemente os atores empresa e poder público. É extremamente salutar que existam membros, de fato representantes da sociedade, engajados espontaneamente no processo de proteção social, sobretudo defendendo a parcela que não exerce voz, seja por sua natural inoperância intelectual, fruto da subalternidade (Spivak, 2010Spivak, G. C. (2010). Pode o subalterno falar? Belo Horizonte, MG: Ed. UFMG.) e das precárias condições na estrutura educacional; ou pelo próprio processo de invisibilização social, decorrente do abandono pelo Estado, e pela ampliação de assimetrias desencadeadas pelo projeto neoliberal de globalização. Nesse sentido, vale lembrar Celso Furtado (1961Furtado, C. (1961). Desenvolvimento e subdesenvolvimento. Rio de Janeiro, RJ: Fundo de Cultura.), ao argumentar que o Estado deve atuar em favor da sociedade, não do mercado.

Nessa discussão preliminar, percebe-se que, diferentemente da tese de Polanyi, diversos atores podem operar o contramovimento de mercado, desafiando frontalmente os problemas decorrentes do projeto neoliberal de globalização sob a máscara de desenvolvimento local, confrontando as adversidades provocadas pelas cidades orientadas ao mercado. Dado o caráter essencialmente decolonial e transmoderno perseguido por este estudo, pode-se apontar que ele contribui com o campo, à medida que inaugura um debate invisibilizado pelo conhecimento hegemônico. É possível, ainda, sugerir que investigações empíricas pautadas nesta discussão considerem a existência de diversos outros atores componentes do contramovimento, dependendo especificamente das particularidades do lócus de conhecimento selecionado.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Procuramos, sob uma perspectiva decolonial e transmoderna de conhecimento, repensar os processos irrefletidos e digressivos de desenvolvimento local, à medida que identificamos, a partir desses fenômenos, o lado obscuro da agenda de globalização neoliberal, por meio da formação de localidades e de cidades orientadas ao mercado. A partir disso, defendemos que a identificação do fenômeno seja uma primeira contribuição deste artigo. A partir da identificação do projeto neoliberal de globalização e da mercadificação do trabalho como principais causas desse problema, buscamos compreender as decorrências dessas formações. Identificamos que a intensa migração de trabalhadores em busca de emprego e renda concebe uma dinâmica de ocupações irregulares, gerando bolsões de adensamento populacional irrefletido, crescimento urbano desordenado e consequente caos urbano. Todo esse processo é agravado pelo fracasso dos serviços públicos e da infraestrutura no sentido de acompanhar a crescente demanda da também crescente população, em especial pela inoperância do poder público (principalmente em nações subdesenvolvidas), pela escassez de recursos financeiros, pelo laissez-faire e pela dominância do “livre mercado” e do projeto neoliberal de globalização.

Procuramos contribuir não apenas com a academia, mas sobretudo com a realidade social, à medida que confrontamos esse complexo e assimétrico quadro, no qual grandes corporações, principalmente originárias de países ricos e hegemônicos, sob um modelo de expansão imperialista, são plenamente privilegiadas às custas da exploração de regiões menos desenvolvidas e de mão de obra barata. Elegemos a tese do duplo movimento de Karl Polanyi, por meio da contramovimentação de mercado, como forma de desafiar o atual estado de coisas. Associados a essa teorização e engajados na opção decolonial e com a transmodernidade pluriversal, procuramos estabelecer dois tipos de adequação à tese polanyiana — geopolítica e temporal, já que ela data da década de 1940.

Adicionalmente, este artigo traz uma relevante contribuição ao suprimir notável lacuna na tese de Polanyi identificada por Munck (2004Munck, R. (2004). Globalisation, labour and the Polanyi problem. Labor History, 45(3), 251-269.) e Dale (2013Dale, G. (2013). Duplos movimentos e forças pendulares: perspectivas polanyianas sobre a era neoliberal. Otra Economía, 7(12), 26-44., p. 31), ao sinalizarem que Polanyi não indica “quem exatamente iria agir espontaneamente contra o sistema de mercado não regulamentado e desenraizado e por quê?”. Argumentamos que vários atores podem (e devem) agir contra o livre mercado e em favor da sociedade, mas acreditamos que esse processo se encontra em fase incipiente, já que carece de amplo amadurecimento social, demandando que prioritariamente a histórica colonialidade do conhecimento, imposta secularmente aos países subalternos, seja categoricamente desafiada. Enquanto a “virada social” de Polanyi caminha lentamente, o projeto neoliberal de globalização avança a passos largos, projetando perspectivas pouco animadoras para aqueles que desejam e acreditam em um mundo pluriversal, com menos diferenças sociais.

Defendemos que diversos atores sociais sejam potenciais elementos do contramovimento, à medida que exerçam, de fato, seus respectivos papéis na sociedade. A centralidade da sociedade como ator de contramovimento é fundamental para esse processo, à medida que primeiramente promove o enfrentamento ao mercadocentrismo e, por conseguinte, desafia o projeto neoliberal de globalização; e, em segundo lugar, por seu próprio protagonismo, no papel fiscalizador da atuação dos demais atores, em especial do poder público. Ao desenvolver e promover a participação da sociedade, do poder público e das empresas (como parte e não como centro) no processo de governança social, ao invés de deixarmos que essa questão seja exclusivamente desenvolvida pelas grandes corporações e pelas elites de nações hegemônicas, temos a possibilidade de contribuir com a construção de um mundo mais inclusivo, pluriversal e transmoderno, tal como defende Dussel (2005Dussel, E. (2005). Filosofia da libertação: crítica à ideologia da exclusão(3a ed.). São Paulo, SP: Paulos., 2013Dussel, E. (2013). Ethics of liberation: in the age of globalization and exclusion. Durham, NC: Duke University Press.), confrontando, assim, o problema das cidades orientadas ao mercado. Essa também é uma importante via para enfrentarmos processos de dominação (imperialistas e colonialistas) impostos e fomentados pelo neoliberalismo e por atores como o Banco Mundial, com o intuito de democratizar, civilizar e desenvolver localmente países “atrasados”, pela imposição de uma sociedade civil pretensamente globalizada. Esse parece ser o verdadeiro sentido do tão propagado desenvolvimento local, que se propõe verdadeiramente a ampliar a riqueza das elites às custas da exploração de regiões mais pobres, alargando os abismos sociais e estabelecendo forte dependência das cidades em relação às empresas e ao mercado.

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  • [Versão traduzida]

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Feb 2019

Histórico

  • Recebido
    11 Abr 2017
  • Aceito
    05 Jun 2018
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