Acessibilidade / Reportar erro

Síndrome do crânio em folha de trevo: relato de caso* * Trabalho realizado no Hospital Santa Casa de Montes Claros, Montes Claros, MG, Brasil.

Resumos

O objetivo deste relato é apresentar um caso raro de malformação craniana - a síndrome do crânio em folha de trevo -, cuja característica foi percebida após o nascimento de uma criança com os sinais da anomalia. Métodos de diagnóstico por imagem, como tomografia computadorizada e radiografia convencional, foram utilizados para a caracterização da síndrome.

Síndrome; Malformação; Tomografia computadorizada


The present report is aimed at describing a rare case of cranial malformation - cloverleaf skull syndrome -, whose presence was noticed after the birth of a child with signs of abnormality. Imaging diagnosis methods such as computed tomography and conventional radiography were used to characterize the syndrome.

Syndrome; Malformation; Computed tomography


INTRODUÇÃO

A síndrome do "crânio em folha de trevo" é uma configuração anormal da calvária classificada como uma craniossinostose, em que ocorre ossificação prematura das suturas cranianas. Trata-se de deformidade caracterizada por acentuado alargamento da cabeça, com configuração trilobulada da visão frontal, lembrando um trevo de três folhas(11. Iannaccone G, Gerlini G. The so-called "cloverleaf skull syndrome". A report of three cases with a discussion of its relationships with thanatophoric dwarfism and the craniostenoses. Pediat Radiol. 1974;2:175-84.). Devese a uma alteração severa do desenvolvimento do crânio, com sinostose prematura de algumas suturas cranianas(11. Iannaccone G, Gerlini G. The so-called "cloverleaf skull syndrome". A report of three cases with a discussion of its relationships with thanatophoric dwarfism and the craniostenoses. Pediat Radiol. 1974;2:175-84.) - mais comumente a coronal e a lambdóide(22. Manjila S, Chim H, Eisele S, et al. History of the Kleeblattschädel deformity: origin of concepts and evolution of management in the past 50 years. Neurosurg Focus. 2010;29:E7.) - associada a hidrocefalia, resultando em acentuado abaulamento superior da cabeça na região da fontanela anterior e lateralmente nos polos temporais, configurando o aspecto típico em "folha de trevo"(11. Iannaccone G, Gerlini G. The so-called "cloverleaf skull syndrome". A report of three cases with a discussion of its relationships with thanatophoric dwarfism and the craniostenoses. Pediat Radiol. 1974;2:175-84.). Tem sido reportada nas formas sindrômica e não sindrômica. Por apresentar anomalias tanto na calvária quanto na base do crânio e na face, trata-se de uma das craniossinostoses de tratamento mais complexo atualmente(11. Iannaccone G, Gerlini G. The so-called "cloverleaf skull syndrome". A report of three cases with a discussion of its relationships with thanatophoric dwarfism and the craniostenoses. Pediat Radiol. 1974;2:175-84.).

O primeiro relato na literatura se deu em 1973, e desde então apenas algumas dezenas de casos foram documentados no mundo(33. Ghose S, Mehta U. The Kleeblattschadel (cloverleaf skull) syndrome. Indian J Ophthalmol. 1986;34:61-6.). O presente caso descreve uma doença craniofacial grave, conhecida como "crânio em folha de trevo".

RELATO DO CASO

Paciente do sexo feminino, nascida de parto cesariano no dia 4/1/2011, pesando 3.815 g e com Apgar 7 e 8 no primeiro e quinto minutos de vida, respectivamente. Ao exame físico notou-se a presença de múltiplas malformações, com alteração da configuração craniofacial, implantação baixa das orelhas, hipertelorismo, exoftalmia, onfalocele e polidactilia (Figura 1). Foram realizadas radiografia de tórax, que mostrou dextrocardia (Figura 2), e tomografia computadorizada, que revelou alteração da configuração da calota craniana, com aspecto lobulado típico em "folha de trevo", abaulamento das fossas cranianas médias e dilatação do sistema ventricular. Sinais de fechamento das suturas sagitais, coronais e lambdoides também foram observados (Figura 3). A paciente apresentou paradas cardiorrespiratórias, evoluindo para o óbito no dia 7/1/2011.

Figura 1.
A: Demonstração das alterações craniofaciais típicas. B: Sindactilia (seta).
Figura 2
Radiografia do tórax mostrando dextrocardia.
Figura 3
A: Aspecto trilobulado do crânio, com hidrocefalia e abaulamento das fossas médias (seta). B: Scout do crânio demonstrando o acentuado crescimento superior da cabeça na região da fontanela anterior.

DISCUSSÃO

A síndrome do crânio em formato de "folha de trevo" é uma forma rara de craniossinostose com características clínicas que consistem em crânio trilobulado, exoftalmia, implantação baixa das orelhas e obstrução das vias aéreas superiores. Hidrocefalia é também comum, embora seu mecanismo patogênico seja multifatorial(44. Ito S, Matsui K, Ohsaki E, et al. A cloverleaf skull syndrome probably of Beare-Stevenson type associated with Chiari malformation. Brain Dev. 1996;18:307-11.).

Trata-se de uma anomalia congênita que pode estar presente como um defeito isolado, mas que geralmente classifica-se em síndromes disostóticas como acondroplasia, disostose craniofacial de Crouzon, síndromes de Apert ou de Pfeiffer(22. Manjila S, Chim H, Eisele S, et al. History of the Kleeblattschädel deformity: origin of concepts and evolution of management in the past 50 years. Neurosurg Focus. 2010;29:E7.). Até 1981, apenas 30 casos haviam sido publicados na literatura mundial, sendo o primeiro em 1973 na literatura oftálmica(33. Ghose S, Mehta U. The Kleeblattschadel (cloverleaf skull) syndrome. Indian J Ophthalmol. 1986;34:61-6.).

A etiopatogenia exata da síndrome não é muito clara(33. Ghose S, Mehta U. The Kleeblattschadel (cloverleaf skull) syndrome. Indian J Ophthalmol. 1986;34:61-6.), com teorias que envolvem ossificação óssea membranosa e/ou endocondral alterada, processo condrodisplásico generalizado(22. Manjila S, Chim H, Eisele S, et al. History of the Kleeblattschädel deformity: origin of concepts and evolution of management in the past 50 years. Neurosurg Focus. 2010;29:E7.) e uma possível origem vascular relacionada a reabsorção osteoclástica anormal(55. Dambrain R, Freund M, Verellen G, et al. Considerations about the cloverleaf skull. J Craniofac Genet Dev Biol. 1987;7:387-401.). Recentemente, investigações genéticas têm contribuído para avançar na compreensão da base molecular de algumas síndromes de craniossinostose, destacando-se mutações nos genes FGFR1, FGFR2, FGFR3, TWIST e MSX2(66. Arduino-Meirelles AP, Lacerda CBF, Gil-da-Silva-Lopes VL. Aspectos sobre desenvolvimento de linguagem oral em craniossinostoses sindrômicas. Pró-Fono. 2006;18:213-20.).

Seu diagnóstico pode ser realizado no período pré-natal por ultrassonografia, que detecta a morfologia alterada do crânio e a hidrocefalia. Tradicionalmente, o diagnóstico ocorre no segundo trimestre, em exames de rotina. No entanto, com o crescente emprego da ultrassonografia obstétrica no primeiro trimestre, essas alterações podem ser detectadas cada vez mais precocemente na gestação(77. Chitty LS, Khalil A, Barrett AN, et al. Safe, accurate, prenatal diagnosis of thanatophoric dysplasia using ultrasound and free fetal DNA. Prenatal Diagn. 2013;33:416-23.).

Após o nascimento, quando uma configuração anormal da calvária é detectada, a avaliação radiológica é necessária para caracterizar a deformidade e guiar o procedimento cirúrgico corretivo. Há melhora significativa no prognóstico das crianças afetadas quando o diagnóstico e a intervenção cirúrgica ocorrem o mais cedo possível. A tomografia computadorizada com reconstruções tridimensionais contribui para a avaliação das deformidades ósseas craniofaciais e das alterações intracranianas associadas, demonstrando ser ferramenta valiosa para o prognóstico e planejamento cirúrgico do paciente(88. Trad CS, Rosique RG. Craniossinostoses primárias: ensaio iconográfico. Radiol Bras. 2005;38:377-80.).

O caso descrito no presente artigo não foi classificado em nenhuma síndrome específica, e a instabilidade cardiorrespiratória da paciente impediu tentativas de intervenção cirúrgica. Seu óbito precoce ilustra como a associação de malformações pode piorar o prognóstico dessa condição.

Apesar do desfecho desfavorável de muitos casos, avanços nas técnicas cirúrgica, anestésica e de terapia intensiva tornaram esta condição, antes encarada como não tratável, em potencialmente tratável, com resultados estéticos e neurológicos aceitáveis(22. Manjila S, Chim H, Eisele S, et al. History of the Kleeblattschädel deformity: origin of concepts and evolution of management in the past 50 years. Neurosurg Focus. 2010;29:E7.).

Destaca-se a importância do diagnóstico e da caracterização por imagem dessa síndrome, sobretudo no período prénatal, para que o tratamento seja planejado e instituído o mais precocemente possível.

  • *
    Trabalho realizado no Hospital Santa Casa de Montes Claros, Montes Claros, MG, Brasil.

REFERÊNCIAS

  • 1
    Iannaccone G, Gerlini G. The so-called "cloverleaf skull syndrome". A report of three cases with a discussion of its relationships with thanatophoric dwarfism and the craniostenoses. Pediat Radiol. 1974;2:175-84.
  • 2
    Manjila S, Chim H, Eisele S, et al. History of the Kleeblattschädel deformity: origin of concepts and evolution of management in the past 50 years. Neurosurg Focus. 2010;29:E7.
  • 3
    Ghose S, Mehta U. The Kleeblattschadel (cloverleaf skull) syndrome. Indian J Ophthalmol. 1986;34:61-6.
  • 4
    Ito S, Matsui K, Ohsaki E, et al. A cloverleaf skull syndrome probably of Beare-Stevenson type associated with Chiari malformation. Brain Dev. 1996;18:307-11.
  • 5
    Dambrain R, Freund M, Verellen G, et al. Considerations about the cloverleaf skull. J Craniofac Genet Dev Biol. 1987;7:387-401.
  • 6
    Arduino-Meirelles AP, Lacerda CBF, Gil-da-Silva-Lopes VL. Aspectos sobre desenvolvimento de linguagem oral em craniossinostoses sindrômicas. Pró-Fono. 2006;18:213-20.
  • 7
    Chitty LS, Khalil A, Barrett AN, et al. Safe, accurate, prenatal diagnosis of thanatophoric dysplasia using ultrasound and free fetal DNA. Prenatal Diagn. 2013;33:416-23.
  • 8
    Trad CS, Rosique RG. Craniossinostoses primárias: ensaio iconográfico. Radiol Bras. 2005;38:377-80.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    May-Jun 2014

Histórico

  • Recebido
    28 Jan 2013
  • Aceito
    12 Ago 2013
Publicação do Colégio Brasileiro de Radiologia e Diagnóstico por Imagem Av. Paulista, 37 - 7º andar - conjunto 71, 01311-902 - São Paulo - SP, Tel.: +55 11 3372-4541, Fax: 3285-1690, Fax: +55 11 3285-1690 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: radiologiabrasileira@cbr.org.br