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Considerações práticas da avaliação por imagem das mamas durante a gravidez e lactação

Entender as alterações mamárias que ocorrem durante o ciclo gravídico-puerperal é crucial para o radiologista, uma vez que as alterações fisiológicas que ocorrem neste período representam um desafio diagnóstico por determinar características peculiares(11 Yu JH, Kim MJ, Cho H, et al. Breast diseases during pregnancy and lactation. Obstet Gynecol Sci. 2013;56:143-59.,22 Urban L, Chala L, Mello G. Doenças da mama na gestação e lactação. In: Urban L. Mama. 1ª ed. Rio de Janeiro, RJ: Revinter; 2018. p. 653.). O artigo de revisão publicado na última edição da Radiologia Brasileira(33 Rosas CHS, Góes ACA, Saltão LM, et al. Pregnancy-lactation cycle: how to use imaging methods for breast evaluation. Radiol Bras. 2020;53:405-12.) aborda as alterações fisiológicas, a segurança dos métodos de imagem da mama e os principais achados das doenças mamárias que ocorrem nesta fase.

O exame físico das mamas é comprometido pelo aumento do volume, da firmeza e das nodulações das mamas, decorrentes dos estímulos hormonais(44 Vashi R, Hooley R, Butler R, et al. Breast imaging of the pregnant and lactating patient: physiologic changes and common benign entities. AJR Am J Roentgenol. 2013;200:329-36.), ao passo que o aumento da densidade mamária, particularmente em mulheres jovens, dificulta tecnicamente a avaliação da mama nos exames de imagem(55 Canoy JM, Mitchell GS, Unold D, et al. A radiologic review of common breast disorders in pregnancy and the perinatal period. Semin Ultrasound CT MR. 2012;33;78-85.), podendo simular a presença de algumas doenças, bem como tornar confusa a avaliação de outras preexistentes(66 Holanda AAR, Gonçalves AKS, Medeiros RD, et al. Ultrasound findings of the physiological changes and most common breast diseases during pregnancy and lactation. Radiol Bras. 2016;49:389-96.). Sendo assim, as alterações ocorridas na mama durante esses estados fisiológicos podem retardar o diagnóstico do carcinoma, apesar de o câncer de mama ser menos frequente nesses períodos, quando comparado com mulheres não grávidas na mesma faixa etária.

O câncer de mama relacionado à gestação compreende os casos descobertos durante a gravidez e até um ano após o parto(66 Holanda AAR, Gonçalves AKS, Medeiros RD, et al. Ultrasound findings of the physiological changes and most common breast diseases during pregnancy and lactation. Radiol Bras. 2016;49:389-96.), apresenta comportamento biológico usualmente mais agressivo e tem o diagnóstico comumente retardado em razão das alterações fisiológicas ocorridas durante a gravidez, subvalorização de sinais e sintomas referidos(77 Doyle S, Messiou C, Rutherford JM, et al. Cancer presenting during pregnancy: radiological perspectives. Clin Radiol. 2009;64:857-71.) e dificuldade na interpretação dos exames de imagem.

A ultrassonografia representou o principal método de imagem para a avaliação de lesões palpáveis e na busca por lesões malignas. A mamografia, por sua vez, apresentou menor sensibilidade, principalmente devido à alta densidade do parênquima mamário(88 Sabate JM, Clotet M, Torrubia S, et al. Radiologic evaluation of breast disorders related to pregnancy and lactation. Radiographics. 2007;27 Suppl 1:S101-24.). Entretanto, mostrou-se importante em lesões com suspeita clínica e ultrassonográfica, com risco mínimo da radiação ionizante para o feto. Nas pacientes lactantes, a mamografia deve ser preferencialmente realizada após mamada ou ordenha, visando a diminuir a densidade mamária(99 Joshi S, Dialani V, Marotti J, et al. Breast disease in the pregnant and lactating patient: radiological-pathological correlation. Insights Imaging. 2013;4:527-38.).

Quanto à ressonância magnética, foi evitada no período gestacional, levando-se em consideração a passagem do gadolínio para o líquido amniótico. Já no período de lactação, é útil na avaliação de algumas lesões específicas, porém, em razão do aumento da vascularização mamária, observa-se um prejuízo na real avaliação dessas lesões, podendo ser utilizada como ferramenta adicional. Nos casos de carcinomas detectáveis, os achados de imagem não diferem do câncer não relacionado à gestação(88 Sabate JM, Clotet M, Torrubia S, et al. Radiologic evaluation of breast disorders related to pregnancy and lactation. Radiographics. 2007;27 Suppl 1:S101-24.).

As biópsias percutâneas podem ser realizadas normalmente durante a gestação e lactação, preferencialmente guiadas por ultrassonografia, apesar de o risco de complicações inerentes ao procedimento ser teoricamente aumentado nas mulheres gestantes e lactantes, por conta do aumento da vascularização do parênquima mamário, produção de leite, dilatação ductal e traumas mamários inerentes à amamentação(88 Sabate JM, Clotet M, Torrubia S, et al. Radiologic evaluation of breast disorders related to pregnancy and lactation. Radiographics. 2007;27 Suppl 1:S101-24.), podendo algumas medidas serem tomadas para reduzir o número de complicações.

A maioria das alterações mamárias palpáveis durante a gravidez e lactação terão diagnóstico de doença benigna, sendo algumas específicas do período, como adenoma da lactação e galactocele, esta última representando a massa benigna mais comum da lactante(44 Vashi R, Hooley R, Butler R, et al. Breast imaging of the pregnant and lactating patient: physiologic changes and common benign entities. AJR Am J Roentgenol. 2013;200:329-36.), geralmente vista após a cessação da amamentação(11 Yu JH, Kim MJ, Cho H, et al. Breast diseases during pregnancy and lactation. Obstet Gynecol Sci. 2013;56:143-59.) e cursando geralmente com regressão espontânea.

O adenoma lactacional é um tumor benigno relacionado às alterações fisiológicas do ciclo gravídico-lactacional, notadamente durante o terceiro trimestre da gravidez e a lactação(44 Vashi R, Hooley R, Butler R, et al. Breast imaging of the pregnant and lactating patient: physiologic changes and common benign entities. AJR Am J Roentgenol. 2013;200:329-36.). O principal diagnóstico diferencial do adenoma lactacional é com o fibroadenoma, ressaltando-se que o adenoma regride espontaneamente após a gravidez ou cessação da lactação(66 Holanda AAR, Gonçalves AKS, Medeiros RD, et al. Ultrasound findings of the physiological changes and most common breast diseases during pregnancy and lactation. Radiol Bras. 2016;49:389-96.). Ambos podem ser indistiguíveis nos exames de imagem, com apresentação típica ultrassonográfica de lesão com características BI-RADS 3.

O fibroadenoma é o tumor benigno mais comum no período gravídico-lactacional, sendo a maioria preexistente à gestação, porém, com identificação facilitada pelo aumento dimensional decorrente da elevação dos níveis hormonais, voltando a regredir após a interrupção da amamentação(66 Holanda AAR, Gonçalves AKS, Medeiros RD, et al. Ultrasound findings of the physiological changes and most common breast diseases during pregnancy and lactation. Radiol Bras. 2016;49:389-96.). Os achados típicos de imagem assemelham-se aos de mulheres não grávidas não lactantes, podendo apresentar áreas císticas internas decorrentes de hiperplasia secretória e alterações lactacionais, com acúmulo interno de leite simulando a galactocele.

A mastite é um processo inflamatório da mama, causado ou não por infecção, e o abscesso é geralmente a sua complicação, definida como uma coleção purulenta. A mastite raramente ocorre na gravidez, porém, é relativamente comum durante a lactação, ocorrendo em aproximadamente 10% das lactantes, em geral nas primeiras seis semanas do pós- parto(1010 Spencer JP. Management of mastitis in breastfeeding women. Am Fam Physician. 2008;78:727-31.), devido a ocorrência de fissuras mamárias, estase do leite, obstrução de ductos e ingurgitamento mamário(88 Sabate JM, Clotet M, Torrubia S, et al. Radiologic evaluation of breast disorders related to pregnancy and lactation. Radiographics. 2007;27 Suppl 1:S101-24.). Seu diagnóstico é clínico, reservando-se os exames de imagem, sendo a ultrassonografia o método de eleição, para os casos complicados em que há suspeita de abscesso ou nos casos refratários ao tratamento(44 Vashi R, Hooley R, Butler R, et al. Breast imaging of the pregnant and lactating patient: physiologic changes and common benign entities. AJR Am J Roentgenol. 2013;200:329-36.).

A mastite granulomatosa idiopática é uma rara condição inflamatória e crônica da mama, comumente associada a pacientes no ciclo gravídico-lactacional, geralmente dentro dos primeiros seis anos após a gestação(1111 Han BK, Choe YH, Park JM, et al. Granulomatous mastitis: mammographic and sonographic appearances. AJR Am J Roentgenol. 1999;173:317-20.). A hipótese autoimune tem sido aventada, porém, a causa definitiva permanece incerta. As manifestações clínicas e radiológicas são variáveis e inespecíficas, podendo às vezes sugerir malignidade, determinando um grande desafio diagnóstico para esta entidade(1111 Han BK, Choe YH, Park JM, et al. Granulomatous mastitis: mammographic and sonographic appearances. AJR Am J Roentgenol. 1999;173:317-20.). Assim, a investigação por estudo anatomopatológico é determinante, o qual demonstra granulomas não caseosos lobulares(1111 Han BK, Choe YH, Park JM, et al. Granulomatous mastitis: mammographic and sonographic appearances. AJR Am J Roentgenol. 1999;173:317-20.), fazendo diagnóstico diferencial com outras doenças como tuberculose, infecções fúngicas, sarcoidose e granulomatose de Wegener.

Em suma, por todos os aspectos expostos, é necessária uma compreensão adequada das alterações fisiológicas e das lesões mamárias benignas comuns nesses períodos, para diferenciar do câncer de mama associado à gravidez. Com isso, o atraso diagnóstico é evitado, possibilitando uma abordagem segura e satisfatória, contribuindo para um tratamento mais eficaz.

REFERENCES

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Fev 2021
  • Data do Fascículo
    Jan-Feb 2021
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