Acessibilidade / Reportar erro

Qual o seu diagnóstico?

Paciente de 62 anos de idade, sexo masculino, com queixa de astenia, hiporexia, náuseas e vômitos há dois meses. Referiu perda de 20 kg neste período. Trouxe endoscopia digestiva alta de outro serviço, com relato de lesão ulcerada gástrica. Ao exame mostrava-se emagrecido e hipocorado. Negou doenças e cirurgias prévias. Foi realizada tomografia computadorizada (TC) (Figuras 1 e 2) e em seguida o paciente foi submetido a laparotomia com gastroenteroanastomose e jejunostomia com biópsia.

Figura 1
TC de abdome total com contraste, cortes axiais.
Figura 2
TC de abdome total com contraste, reformatações coronal (A) e sagital (B).

Descrição das imagens

Figura 1. TC de abdome total com contraste, cortes axiais. Volumosa lesão envolvendo a região antropilórica gástrica e primeira porção duodenal caracterizada por acentuado espessamento parietal concêntrico irregular, com áreas centrais hipoatenuantes (necrose/liquefação).

Figura 2. TC de abdome total com contraste, reformatações coronal (A) e sagital (B). Volumosa lesão envolvendo a região antropilórica gástrica e primeira porção duodenal caracterizada por acentuado espessamento parietal concêntrico irregular, com áreas centrais hipoatenuantes (necrose/ liquefação). Há sinais de invasão dos segmentos III e IV hepáticos.

Diagnóstico: Tumor neuroendócrino gástrico tipo III.

COMENTÁRIOS

A avaliação do aparelho digestivo por métodos de imagem tem sido motivo de uma série de publicações recentes na literatura radiológica nacional( 1Fernandes DA, Chagas ACP, Jesus AR, et al. Aspectos ultrassonográficos associados à morbidade de formas clínicas crônicas de esquistossomose mansônica, utilizando-se protocolo proposto pela Organização Mundial da Saúde. Radiol Bras. 2013;46:1-6.

Monjardin RF, Costa DMC, Romano RFT, et al. Diagnóstico da esteatose hepática pela tomografia computadorizada de abdome com meio de contraste intravenoso. Radiol Bras. 2013;46:134-8.

Salvadori PS, Costa DMC, Romano RFT, et al. Quando a fase de equilíbrio pode ser suprimida nos exames de tomografia computadorizada de abdome? Radiol Bras. 2013;46:65-70.

Eifler RV. O papel da ultrassonografia na medida da gordura subcutânea e visceral e sua correlação com a esteatose hepática. Radiol Bras. 2013;46:273-8.

Teixeira ACV, Torres US, Westin CEG, et al. Tomografia computadorizada com multidetectores no diagnóstico pré-operatório das complicações intestinais causadas pela ingestão de corpos estranhos da dieta sem suspeita clínica: série de casos enfatizando o uso de técnicas de renderização volumétrica. Radiol Bras. 2013;46:346-50.

Costa DMC, Salvadori PS, Monjardim RF, et al. Quando a fase sem contraste intravenoso é desnecessária nos exames de tomografia computadorizada do abdome? Análise retrospectiva de 244 casos. Radiol Bras. 2013;46:197-202.

Hollanda ES, Torres US, Gual F, et al. Perfuração espontânea da vesícula biliar com formação de biloma intra-hepático: sinais ultrassonográficos e correlação com tomografia computadorizada. Radiol Bras. 2013;46:320-2.
- 8Galvão BVT, Torres LR, Cardia PP, et al. Prevalência de cistos simples e hemangiomas hepáticos em pacientes cirróticos e não cirróticos submetidos a exames de ressonância magnética. Radiol Bras. 2013;46:203-8. ).

Os tumores neuroendócrinos originam-se em diversos órgãos, sendo os sítios mais comuns o trato gastrintestinal (TGI) e, em segundo lugar, o broncopulmonar( 9Levy AD, Sobin LH. From the archives of the AFIP: Gastrointestinal carcinoids: imaging features with clinicopathologic comparison. Radiographics. 2007;27:237-57. , 1010 Scarsbrook AF, Ganeshan A, Statham J, et al. Anatomic and functional imaging of metastatic carcinoid tumors. Radiographics. 2007;27:455-77. ). Mais raramente acometem o fígado, vesícula biliar, ovário, testículo e timo, locais onde também há células que fazem parte do sistema neuroendócrino( 9Levy AD, Sobin LH. From the archives of the AFIP: Gastrointestinal carcinoids: imaging features with clinicopathologic comparison. Radiographics. 2007;27:237-57. ).

O tumor neuroendócrino gástrico (carcinoide) é uma neoplasia rara proveniente das células enterocromafins gástricas e corresponde a 1,2-1,5% dos tumores do estômago, com incidência de 1,6-2,0 casos por 100.000 pacientes ao ano( 1111 Chang S, Choi D, Lee SJ, et al. Neuroendocrine neoplasms of the gastrointestinal tract: classification, pathologic basis, and imaging features. Radiographics. 2007;27:1667-79. ). É o local menos comum de acometimento de tumores neuroendócrinos no TGI, perdendo em frequência para o intestino delgado, reto, cólon, ceco e apêndice( 1212 Dal Pizzol AC, Linhares E, Gonçalves R, et al. Tumores neuroendócrinos do estômago: série de casos. Rev Bras Cancerol. 2010;56:453-61. ). A idade média dos pacientes diagnosticados é de 60 anos, com predominância no sexo feminino (2:1)( 1212 Dal Pizzol AC, Linhares E, Gonçalves R, et al. Tumores neuroendócrinos do estômago: série de casos. Rev Bras Cancerol. 2010;56:453-61. ).

Os carcinoides gástricos são habitualmente classificados em três tipos. O tipo I (70-85% dos casos) cursa com hipergastrinemia e está relacionado com gastrite atrófica e anemia perniciosa. Ocorre em mulheres de meia idade, apresentando-se como múltiplas pequenas lesões polipoides e raramente produzem metástases. O tipo II (5-10%) cursa com hipergastrinemia relacionada à síndrome de Zollinger-Ellison, quase sempre num contexto de neoplasia endócrina múltipla do tipo I (NEM I). O tipo III (15-25%), no qual se enquadra a lesão apresentada, tem prognóstico ruim. Não há relação com hipergastrinemia e é esporádico. Incide principalmente em homens durante a sexta década de vida, com metástases ao diagnóstico, frequentemente nodal e hepática. Tal lesão apresenta-se solitária, maiores que 2 cm, com comportamento agressivo e disseminação por contiguidade para o fígado, por vezes com tendência à necrose( 1111 Chang S, Choi D, Lee SJ, et al. Neuroendocrine neoplasms of the gastrointestinal tract: classification, pathologic basis, and imaging features. Radiographics. 2007;27:1667-79.

12 Dal Pizzol AC, Linhares E, Gonçalves R, et al. Tumores neuroendócrinos do estômago: série de casos. Rev Bras Cancerol. 2010;56:453-61.
- 1313 Ganeshan D, Bhosale P, Yang T, et al. Imaging features of carcinoid tumors of the gastrointestinal tract. AJR Am J Roentgenol. 2013;201:773-86. ).

O diagnóstico diferencial para as lesões dos tipos I e II inclui pólipos adenomatosos ou hamartomatosos( 1313 Ganeshan D, Bhosale P, Yang T, et al. Imaging features of carcinoid tumors of the gastrointestinal tract. AJR Am J Roentgenol. 2013;201:773-86. ). Sarcoma de Kaposi e metástases podem também se manifestar como pequenas lesões parietais gástricas. Adenocarcinoma, linfoma e tumor estromal gastrintestinal são considerados diferenciais para as lesões do tipo III( 1313 Ganeshan D, Bhosale P, Yang T, et al. Imaging features of carcinoid tumors of the gastrointestinal tract. AJR Am J Roentgenol. 2013;201:773-86. ), substancialmente mais frequentes, o que ressalta a relevância deste relato.

O diagnóstico do tumor neuroendócrino gástrico envolve endoscopia digestiva alta, ultrassonografia endoscópica, tomografia ou ressonância magnética, além de biópsia com estudo imuno-histoquímico.

O tratamento cirúrgico depende do tipo e extensão das lesões e corresponde a ressecção local, antrectomia ou gastrectomia total, associadas ou não a linfadenectomia. O tratamento clínico envolve uso de análogos da somatostatina para controle sintomático, além de tratamento complementar quimioterápico e/ou radioterápico quando necessário.

  • Santana Júnior PJ, Aurione ACV, Dangoni R, Gama RRM, Noleto TMA, Teixeira KISS. Qual o seu diagnóstico? Radiol Bras. 2014 Jul/Ago;47(4):XI–XII.
  • Trabalho realizado no Departamento de Radiologia e Diagnóstico por Imagem do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Goiás (UFG), Goiânia, GO, Brasil.

REFERÊNCIAS

  • 1
    Fernandes DA, Chagas ACP, Jesus AR, et al. Aspectos ultrassonográficos associados à morbidade de formas clínicas crônicas de esquistossomose mansônica, utilizando-se protocolo proposto pela Organização Mundial da Saúde. Radiol Bras. 2013;46:1-6.
  • 2
    Monjardin RF, Costa DMC, Romano RFT, et al. Diagnóstico da esteatose hepática pela tomografia computadorizada de abdome com meio de contraste intravenoso. Radiol Bras. 2013;46:134-8.
  • 3
    Salvadori PS, Costa DMC, Romano RFT, et al. Quando a fase de equilíbrio pode ser suprimida nos exames de tomografia computadorizada de abdome? Radiol Bras. 2013;46:65-70.
  • 4
    Eifler RV. O papel da ultrassonografia na medida da gordura subcutânea e visceral e sua correlação com a esteatose hepática. Radiol Bras. 2013;46:273-8.
  • 5
    Teixeira ACV, Torres US, Westin CEG, et al. Tomografia computadorizada com multidetectores no diagnóstico pré-operatório das complicações intestinais causadas pela ingestão de corpos estranhos da dieta sem suspeita clínica: série de casos enfatizando o uso de técnicas de renderização volumétrica. Radiol Bras. 2013;46:346-50.
  • 6
    Costa DMC, Salvadori PS, Monjardim RF, et al. Quando a fase sem contraste intravenoso é desnecessária nos exames de tomografia computadorizada do abdome? Análise retrospectiva de 244 casos. Radiol Bras. 2013;46:197-202.
  • 7
    Hollanda ES, Torres US, Gual F, et al. Perfuração espontânea da vesícula biliar com formação de biloma intra-hepático: sinais ultrassonográficos e correlação com tomografia computadorizada. Radiol Bras. 2013;46:320-2.
  • 8
    Galvão BVT, Torres LR, Cardia PP, et al. Prevalência de cistos simples e hemangiomas hepáticos em pacientes cirróticos e não cirróticos submetidos a exames de ressonância magnética. Radiol Bras. 2013;46:203-8.
  • 9
    Levy AD, Sobin LH. From the archives of the AFIP: Gastrointestinal carcinoids: imaging features with clinicopathologic comparison. Radiographics. 2007;27:237-57.
  • 10
    Scarsbrook AF, Ganeshan A, Statham J, et al. Anatomic and functional imaging of metastatic carcinoid tumors. Radiographics. 2007;27:455-77.
  • 11
    Chang S, Choi D, Lee SJ, et al. Neuroendocrine neoplasms of the gastrointestinal tract: classification, pathologic basis, and imaging features. Radiographics. 2007;27:1667-79.
  • 12
    Dal Pizzol AC, Linhares E, Gonçalves R, et al. Tumores neuroendócrinos do estômago: série de casos. Rev Bras Cancerol. 2010;56:453-61.
  • 13
    Ganeshan D, Bhosale P, Yang T, et al. Imaging features of carcinoid tumors of the gastrointestinal tract. AJR Am J Roentgenol. 2013;201:773-86.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Aug 2014
Publicação do Colégio Brasileiro de Radiologia e Diagnóstico por Imagem Av. Paulista, 37 - 7º andar - conjunto 71, 01311-902 - São Paulo - SP, Tel.: +55 11 3372-4541, Fax: 3285-1690, Fax: +55 11 3285-1690 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: radiologiabrasileira@cbr.org.br