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Associação entre COVID-19 e tuberculose pulmonar: aspectos tomográficos

RESUMO

Objetivo:

Descrever a associação entre COVID-19 e tuberculose pulmonar durante a pandemia atual e descrever os principais achados tomográficos.

Materiais e Métodos:

Estudo retrospectivo transversal e observacional de tomografias computadorizadas de tórax realizadas em 360 pacientes com COVID-19 confirmada por RT-PCR.

Resultados:

Em quatro pacientes (1,1%) foram encontradas alterações tomográficas sugestivas de associação entre COVID-19 e tuberculose. Em dois pacientes observaram-se escavações com disseminação broncogênica e em outros dois, alterações compatíveis com progressão de lesões fibrocicatriciais relacionadas a tuberculose prévia, em exames de controle para COVID-19. O diagnóstico foi confirmado pelo isolamento do Mycobacterium tuberculosis.

Conclusão:

Apesar de incomum, a associação entre COVID-19 e tuberculose pode ser sugerida com base em aspectos tomográficos, devendo os radiologistas estar atentos a esta possibilidade, pois estudos iniciais indicam aumento da mortalidade nesses pacientes.

Unitermos:
COVID-19; Tuberculose; Tomografia computadorizada

Abstract

Objective:

To describe the relationship between coronavirus disease 2019 (COVID-19) and pulmonary tuberculosis during the current pandemic, as well as to describe the main computed tomography (CT) findings in patients suffering from both diseases simultaneously.

Materials and Methods:

This was a retrospective, cross-sectional observational study of the chest CT scans of 360 patients with COVID-19, as confirmed by RT-PCR.

Results:

In four (1.1%) of the patients, changes suggestive of COVID-19 and tuberculosis were observed on the initial CT scan of the chest. On chest CT scans performed for the follow-up of COVID-19, cavitary lesions with bronchogenic spread were observed in two of the four patients, whereas alterations consistent with the progression of fibrous scarring related to previous tuberculosis were observed in the two other patients. The diagnosis of tuberculosis was confirmed by the isolation of Mycobacterium tuberculosis.

Conclusion:

Albeit rare, concomitant COVID-19 and tuberculosis can be suggested on the basis of the CT aspects. Radiologists should be aware of this possibility, because initial studies indicate that mortality rates are higher in patients suffering from both diseases simultaneously.

Keywords:
COVID-19; Tuberculosis; Tomography, X-ray computed

INTRODUÇÃO

Após a Organização Mundial da Saúde ter declarado a COVID-19 uma emergência de saúde pública, em 30 de janeiro de 202011 Visca D, Ong CWM, Tiberi S, et al. Tuberculosis and COVID-19 interaction: a review of biological, clinical and public health effects. Pulmonology. 2021;27:151–65., a literatura médica mundial foi inundada por centenas de artigos sobre o assunto. A tuberculose (TB) pulmonar continua sendo grave problema de saúde pública22 World Health Organization. Global tuberculosis report 2020. Geneva, Switzerland: World Health Organization; 2020., e publicações recentes abordando vários aspectos da associação entre COVID-19 e TB têm aparecido, mostrando que, por exemplo, a reativação da TB em pacientes previamente tratados ou a infecção pelo SARS-CoV-2 em pacientes em tratamento para TB podem eventualmente ocorrer(11 Visca D, Ong CWM, Tiberi S, et al. Tuberculosis and COVID-19 interaction: a review of biological, clinical and public health effects. Pulmonology. 2021;27:151–65.,33 Guerra MH, Matos ACG, Santos JB, et al. COVID-19 e tuberculose: coinfecção e riscos. Reserch Society and Development. 2021;10:1–13.,44 Tadolini M, Codecasa LR, Garcia-Garcia JM, et al. Active tuberculosis, sequelae and COVID-19 co-infection: first cohort of 49 cases. Eur Respir J. 2020;56:2001398.,55 He G, Wu J, Shi J, et al. COVID-19 in tuberculosis patients: a report of three cases. J Med Virol. 2020;92:1802–6.).

Algumas infecções virais, como o sarampo, podem agravar ou reativar a TB, pela depleção da imunidade celular55 He G, Wu J, Shi J, et al. COVID-19 in tuberculosis patients: a report of three cases. J Med Virol. 2020;92:1802–6., o que também poderia ocorrer na COVID-19. Além disso, o uso de corticoides no tratamento da COVID-19 poderia também contribuir para a reativação da doença.

Existe uma importante sobreposição nos sinais e sintomas iniciais da TB e da COVID-19, tornando o desafio ainda maior no diagnóstico da eventual associação(11 Visca D, Ong CWM, Tiberi S, et al. Tuberculosis and COVID-19 interaction: a review of biological, clinical and public health effects. Pulmonology. 2021;27:151–65.,33 Guerra MH, Matos ACG, Santos JB, et al. COVID-19 e tuberculose: coinfecção e riscos. Reserch Society and Development. 2021;10:1–13.). A radiologia, sobretudo a tomografia computadorizada (TC) de tórax, pode ter papel fundamental nessa investigação, já que estão bem estabelecidos os padrões morfológicos tomográficos nas duas condições.

O objetivo deste trabalho foi avaliar a associação entre COVID-19 e TB e descrever os principais achados na TC de tórax desses pacientes.

MATERIAIS E MÉTODOS

Este foi um estudo retrospectivo transversal e observacional das TCs de tórax, realizadas consecutivamente em 360 pacientes com COVID-19 confirmada por RT-PCR em uma clínica privada de Taguatinga, DF, estudados no período de 15 de agosto de 2020 a 13 de abril de 2021. Foram selecionadas as TCs com imagens suspeitas de associação com TB. O diagnóstico foi posteriormente confirmado pelo isolamento do Mycobacterium tuberculosis em material oriundo de lavado broncoalveolar ou escarro.

Os exames foram realizados utilizando-se dois tomógrafos multidetectores Aquilion Prime de 80 e 160 canais (Canon, Tóquio, Japão), sem infusão intravenosa de meio de contraste iodado. As imagens foram obtidas e reconstruídas em matriz de 512 × 512 pixels, com espessura de 1 mm e incremento de 1 mm. Para a avaliação dos pulmões foram utilizadas janelas variando de 1200 a 2000 unidades Hounsfield (UH) e níveis de centro variando entre –300 e –700 UH. Para o estudo do mediastino, a variação das janelas foi de 350 a 500 UH e níveis de centro entre 10 e 50 UH. Foram realizadas, ainda, reformatações multiplanares coronais e sagitais.

Os exames foram reavaliados de forma independente por dois radiologistas torácicos e os casos discordantes foram resolvidos por consenso. Os critérios utilizados para definir os achados tomográficos foram os relatados no “Consenso brasileiro ilustrado sobre a terminologia dos descritores e padrões fundamentais da TC de tórax”66 Silva CIS, Marchiori E, Souza Jr AS, et al. Illustrated Brazilian consensus of terms and fundamental patterns in chest CT scans. J Bras Pneumol. 2010;36:99–123..

As alterações tomográficas pulmonares relacionadas à COVID-19 foram definidas de acordo com os critérios estabelecidos pela Radiology Society of North America(7)7 Simpson S, Kay FU, Abbara S, et al. Radiological Society of North America Expert Consensus Document on Reporting Chest CT Findings Related to COVID-19: Endorsed by the Society of Thoracic Radiology, the American College of Radiology, and RSNA. Radiol Cardiothorac Imaging. 2020;2:e200152.e pelo Colégio Brasileiro de Radiologia e Diagnóstico por Imagem88 Colégio Brasileiro de Radiologia e Diagnóstico por Imagem. Recomendações de uso de métodos de imagem para pacientes suspeitos de infecção pelo COVID-19 versão 3 – 09/06/2020. [cited 2021 April 15]. Available from: https://cbr.org.br/wp-content/uploads/2020/06/Recomendacoes-de-uso-de-metodos-de-imagem-para-pacientes-suspeitos-de-infeccao-pelo-COVID19_v3.pdf.
https://cbr.org.br/wp-content/uploads/20...
. A suspeita de associação com TB em atividade nas tomografias foi feita pelos achados de escavações, consolidações, imagens de árvore em brotamento, nódulos do espaço aéreo, nódulos com distribuição miliar e linfonodomegalias(99 Campos CA, Marchiori E, Rodrigues R. Pulmonary tuberculosis: findings on high resolution computerized tomography of active disease on patients with bacteriological confirmation. J Pneumol. 2002;28: 23–9.,1010 Leung AN. Pulmonary tuberculosis: the essentials. Radiology. 1999; 210:307–22.).

RESULTADOS

Em quatro (1,1%) dos 360 pacientes com COVID-19 confirmada, a suspeita de associação com TB foi estabelecida pela TC. O intervalo de tempo entre o diagnóstico de COVID-19 e a suspeita de TB em atividade feita pela TC variou de 16 dias a 9 meses (um dos pacientes persistiu com tosse durante todo o período pós-COVID-19, somente procurando assistência médica nove meses após).

Três pacientes eram do sexo feminino e um era do sexo masculino, com idades variando de 22 a 50 anos. Dois deles relatavam passado de tratamento para TB. Em relação aos sintomas, todos os pacientes relatavam dispneia moderada aos esforços, persistência de tosse, em dois deles produtiva, e apenas um informava o reaparecimento da febre.

Nas TCs de tórax, em dois pacientes foram observadas lesões escavadas com paredes espessas, associadas a imagens de árvore em brotamento (Figura 1), compatíveis com disseminação broncogênica. Esses pacientes não tinham alterações tomográficas que pudessem estar relacionadas à COVID-19 (pacientes 1 e 2). Nos outros dois pacientes, a TC inicial mostrava alterações tomográficas relacionadas a TB prévia – no paciente 3, caracterizada pela presença de nódulo sólido com calcificação central no lobo superior direto, e no paciente 4, por alterações tomográficas com características fibrocicatriciais nos lobos superiores. Em ambos eram observadas opacidades multifocais em vidro fosco na periferia dos lobos inferiores, compatíveis com pneumonia viral (Figura 2). No paciente 3, a TC de acompanhamento para COVID-19, realizada três meses após a inicial, demonstrou crescimento do componente de partes moles do referido nódulo no lobo superior direito, associado ao aparecimento de milimétricos nódulos satélites e imagens de árvore em brotamento, sugerindo reativação da TB. No paciente 4, a TC de controle, realizada também cerca de três meses após a inicial, mostrou alterações morfológicas nas lesões, com aspecto fibrocicatricial nos lobos superiores, caracterizadas pela progressão dessas lesões, notando-se ainda o aparecimento de milimétricos nódulos irregulares no pulmão direito (Figura 3), também sugerindo reativação da TB. Resumo do quadro clínico e das alterações tomográficas encontrase descrito na Tabela 1.

Figura 1 (A,B).
Paciente masculino, 22 anos, com COVID-19 e tuberculose. TC de tórax mostra várias escavações no lobo superior direito, com espessamento de paredes brônquicas e imagens de árvore em brotamento em ambos os lobos superiores.

Figura 2.
Paciente feminina, 50 anos, com COVID-19 e tuberculose. Observa-se, em A, alterações fibrocicatriciais no lobo superior direito, relacionadas ao passado de TB relatado pela paciente, e em B–D, opacidades em vidro fosco multifocais periféricas nos lobos inferiores, relacionadas à COVID-19.

Figura 3.
Exame de controle da paciente da Figura 2, realizado três meses após, com cortes axial (A) e coronal (B) mostrando sinais de aumento das opacidades reticulares, com distorção arquitetural nos lobos superiores, com aparecimento de opacidades e alguns pequenos nódulos irregulares no pulmão direito, indicativos de reativação da TB.

Tabela 1
Resumo do quadro clínico e dos achados tomográficos.

A confirmação bacteriológica da TB foi feita por meio de pesquisa direta em material oriundo de lavado broncoalveolar ou escarro em todos os pacientes. Todos os pacientes encontram-se em acompanhamento ambulatorial, evoluindo bem com a terapêutica instituída.

DISCUSSÃO

A pandemia da COVID-19 sobrecarregou os serviços de saúde em todo o mundo(11 Visca D, Ong CWM, Tiberi S, et al. Tuberculosis and COVID-19 interaction: a review of biological, clinical and public health effects. Pulmonology. 2021;27:151–65.,33 Guerra MH, Matos ACG, Santos JB, et al. COVID-19 e tuberculose: coinfecção e riscos. Reserch Society and Development. 2021;10:1–13.,44 Tadolini M, Codecasa LR, Garcia-Garcia JM, et al. Active tuberculosis, sequelae and COVID-19 co-infection: first cohort of 49 cases. Eur Respir J. 2020;56:2001398.), sendo a TC do tórax uma ferramenta extremamente útil em pacientes com pneumonia por COVID-19(77 Simpson S, Kay FU, Abbara S, et al. Radiological Society of North America Expert Consensus Document on Reporting Chest CT Findings Related to COVID-19: Endorsed by the Society of Thoracic Radiology, the American College of Radiology, and RSNA. Radiol Cardiothorac Imaging. 2020;2:e200152.,88 Colégio Brasileiro de Radiologia e Diagnóstico por Imagem. Recomendações de uso de métodos de imagem para pacientes suspeitos de infecção pelo COVID-19 versão 3 – 09/06/2020. [cited 2021 April 15]. Available from: https://cbr.org.br/wp-content/uploads/2020/06/Recomendacoes-de-uso-de-metodos-de-imagem-para-pacientes-suspeitos-de-infeccao-pelo-COVID19_v3.pdf.
https://cbr.org.br/wp-content/uploads/20...
,1111 Barbosa PNVP, Bitencourt AGV, Miranda GD, et al. Chest CT accuracy in the diagnosis of SARS-CoV-2 infection: initial experience in a cancer center. Radiol Bras. 2020;53:211–5.,1212 Müller CIS, Müller NL. Chest CT target sign in a couple with COVID-19 pneumonia. Radiol Bras. 2020;53:252–4.,1313 Farias LPG, Strabelli DG, Fonseca EKUN, et al. Thoracic tomographic manifestations in symptomatic respiratory patients with COVID-19. Radiol Bras. 2020;53:255–61.,1414 Mogami R, Lopes AJ, Araújo Filho RC, et al. Chest computed tomography in COVID-19 pneumonia: a retrospective study of 155 patients at a university hospital in Rio de Janeiro, Brazil. Radiol Bras. 2021;54:1–8.,1515 Berti C, Hochhegger B. The challenges imposed by COVID-19 on the management of diagnostic centers. Radiol Bras. 2021;54:318–20.,1616 Meirelles GSP. COVID-19: a brief update for radiologists. Radiol Bras. 2020;53:320–8.), especialmente para a avaliação de progressão da doença ou de possíveis complicações.

A COVID-19 tem quadro clínico inicial semelhante a várias outras infecções respiratórias, tanto de etiologia viral quanto bacteriana, inclusive TB(11 Visca D, Ong CWM, Tiberi S, et al. Tuberculosis and COVID-19 interaction: a review of biological, clinical and public health effects. Pulmonology. 2021;27:151–65.,33 Guerra MH, Matos ACG, Santos JB, et al. COVID-19 e tuberculose: coinfecção e riscos. Reserch Society and Development. 2021;10:1–13.,44 Tadolini M, Codecasa LR, Garcia-Garcia JM, et al. Active tuberculosis, sequelae and COVID-19 co-infection: first cohort of 49 cases. Eur Respir J. 2020;56:2001398.), embora na evolução da doença as complicações e o prognóstico sejam bastante diferentes(33 Guerra MH, Matos ACG, Santos JB, et al. COVID-19 e tuberculose: coinfecção e riscos. Reserch Society and Development. 2021;10:1–13.,44 Tadolini M, Codecasa LR, Garcia-Garcia JM, et al. Active tuberculosis, sequelae and COVID-19 co-infection: first cohort of 49 cases. Eur Respir J. 2020;56:2001398.). Ambas as doenças têm a capacidade de estressar o sistema imune, são transmitidas pelas vias aéreas e, quando suspeitadas, podem ser rapidamente diagnosticadas11 Visca D, Ong CWM, Tiberi S, et al. Tuberculosis and COVID-19 interaction: a review of biological, clinical and public health effects. Pulmonology. 2021;27:151–65., sendo esta última etapa fundamental para o isolamento dos doentes. Em algumas situações, como no aguardo dos resultados laboratoriais, a TC, pela rapidez e disponibilidade, pode ter papel fundamental na triagem para isolamento rápido, ressaltando-se que a TC normal não exclui o diagnóstico de COVID-19(77 Simpson S, Kay FU, Abbara S, et al. Radiological Society of North America Expert Consensus Document on Reporting Chest CT Findings Related to COVID-19: Endorsed by the Society of Thoracic Radiology, the American College of Radiology, and RSNA. Radiol Cardiothorac Imaging. 2020;2:e200152.,88 Colégio Brasileiro de Radiologia e Diagnóstico por Imagem. Recomendações de uso de métodos de imagem para pacientes suspeitos de infecção pelo COVID-19 versão 3 – 09/06/2020. [cited 2021 April 15]. Available from: https://cbr.org.br/wp-content/uploads/2020/06/Recomendacoes-de-uso-de-metodos-de-imagem-para-pacientes-suspeitos-de-infeccao-pelo-COVID19_v3.pdf.
https://cbr.org.br/wp-content/uploads/20...
).

A experiência atual na associação entre COVID-19 e TB é limitada(11 Visca D, Ong CWM, Tiberi S, et al. Tuberculosis and COVID-19 interaction: a review of biological, clinical and public health effects. Pulmonology. 2021;27:151–65.,33 Guerra MH, Matos ACG, Santos JB, et al. COVID-19 e tuberculose: coinfecção e riscos. Reserch Society and Development. 2021;10:1–13.,44 Tadolini M, Codecasa LR, Garcia-Garcia JM, et al. Active tuberculosis, sequelae and COVID-19 co-infection: first cohort of 49 cases. Eur Respir J. 2020;56:2001398.). O maior estudo publicado, de nosso conhecimento, foi multicêntrico, com a participação de oito países, incluindo o Brasil, com 49 casos diagnosticados de associação entre COVID-19 e TB44 Tadolini M, Codecasa LR, Garcia-Garcia JM, et al. Active tuberculosis, sequelae and COVID-19 co-infection: first cohort of 49 cases. Eur Respir J. 2020;56:2001398.. Nesse trabalho, dos 49 pacientes, 26 (53%) tiveram TB antes da COVID-19, 14 (28,5%) tiveram a COVID-19 diagnosticada primeiro e em nove (18,3%) o diagnóstico foi concomitante, dentro de sete dias. Em nosso trabalho, dois pacientes tinham passado de tratamento para TB com alterações morfológicas sugestivas na TC, em um não havia relato ou alterações tomográficas relacionadas a TB prévia e em um deles o diagnóstico de TB foi feito 16 dias após o de COVID-19, podendo ser considerado concomitante. Outro dado extremamente relevante encontrado por Tadolini et al.44 Tadolini M, Codecasa LR, Garcia-Garcia JM, et al. Active tuberculosis, sequelae and COVID-19 co-infection: first cohort of 49 cases. Eur Respir J. 2020;56:2001398. foi que 85,7% dos seus pacientes tinham TB em atividade, e em nossa amostra todos os pacientes tinham sinais pela TC de atividade, confirmados posteriormente pela pesquisa bacteriológica.

Em relação aos sintomas, na nossa amostra apenas um paciente relatou febre e todos se queixavam de dispneia e tosse persistente, sendo produtiva em dois e seca nos outros dois. Em nenhum dos pacientes havia suspeita prévia de coinfecção por TB. Segundo Guerra et al.33 Guerra MH, Matos ACG, Santos JB, et al. COVID-19 e tuberculose: coinfecção e riscos. Reserch Society and Development. 2021;10:1–13., febre (75%), tosse (62,5%), dispneia (37,5%) e cefaleia (37,5%) são os sintomas mais frequentemente relatados pelos pacientes coinfectados. No trabalho de Tham et al.1717 Tham SM, Lim WY, Lee CK, et al. Four patients with COVID-19 and tuberculosis, Singapore, April-May 2020. Emerg Infect Dis. 2020; 26:2764–6., com quatro pacientes, todos apresentavam febre e tosse, esta sendo produtiva em dois e seca nos outros dois.

Em relação às manifestações tomográficas, Tadolini et al.44 Tadolini M, Codecasa LR, Garcia-Garcia JM, et al. Active tuberculosis, sequelae and COVID-19 co-infection: first cohort of 49 cases. Eur Respir J. 2020;56:2001398. encontraram, em 42,8% dos pacientes, somente alterações com o padrão tomográfico de COVID-19 típico, ou seja, opacidades em vidro fosco multifocais, com distribuição preferencialmente periférica, e em 46,9% dos pacientes, padrões tomográficos reportados essencialmente como relacionados a TB, tais como cavidades, micronódulos ramificados e consolidações. Já no estudo de Tham et al.1717 Tham SM, Lim WY, Lee CK, et al. Four patients with COVID-19 and tuberculosis, Singapore, April-May 2020. Emerg Infect Dis. 2020; 26:2764–6., a TC mostrou opacificações pulmonares irregulares e escavações (25%), derrame pleural com atelectasia/consolidação (50%) e opacidades em vidro fosco com espessamento dos septos interlobulares (25%), sugerindo uma associação de padrões tomográficos que podem ser encontrados nas duas doenças. Em nossa amostra, dois pacientes apresentavam opacidades subpleurais em vidro fosco nos lobos inferiores, padrão típico para COVID-19, coexistindo com alterações morfológicas relacionadas a TB prévia, que evoluíram nos exames de controle para sinais de reativação, caracterizadas por crescimento das lesões e aparecimento de imagens micronodulares, algumas com padrão de árvore em brotamento, inferindo preenchimento de pequenas vias aéreas/disseminação broncogênica. Já os outros dois pacientes apresentavam escavações, única em um e múltiplas no outro, com sinais de disseminação broncogênica, sem alterações tomográficas sugestivas de COVID-19, ressaltando-se que um deles já tinha nove meses do diagnóstico de COVID-19 e o outro, apenas 16 dias. Não foram observados derrame pleural ou linfonodomegalias mediastinais em nenhum dos pacientes.

Segundo Tham et al.1717 Tham SM, Lim WY, Lee CK, et al. Four patients with COVID-19 and tuberculosis, Singapore, April-May 2020. Emerg Infect Dis. 2020; 26:2764–6., a mortalidade na associação da COVID-19 com a TB pode variar de 11,6% a 33,3%, que no trabalho de Tadolini et al.44 Tadolini M, Codecasa LR, Garcia-Garcia JM, et al. Active tuberculosis, sequelae and COVID-19 co-infection: first cohort of 49 cases. Eur Respir J. 2020;56:2001398. foi de 12,3%, especialmente em pacientes com mais de 60 anos e com pelo menos uma comorbidade, sendo a mortalidade em ambos os trabalhos bem maior que em pacientes com COVID-19 isoladamente. Em nossa amostra, todos os pacientes encontram-se em regime ambulatorial de tratamento e com boa evolução.

Este trabalho apresentou algumas limitações, por exemplo, ser retrospectivo, observacional, com pacientes oriundos exclusivamente de uma única instituição. Em conclusão, nosso estudo mostrou associação de 1,1% de TB em pacientes com COVID-19. Essa associação, apesar de incomum, aumenta a taxa de mortalidade dos doentes, sendo o diagnóstico precoce fundamental para a instituição da terapêutica adequada. A TC tem papel importante na suspeição diagnóstica, devendo os radiologistas estar atentos a essa possibilidade. Devido ao avanço da pandemia e utilização cada vez mais frequente de corticoides nos pacientes com COVID-19, mais estudos serão necessários para se avaliar o real impacto dessa associação.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Fev 2022
  • Data do Fascículo
    Jan-Feb 2022

Histórico

  • Recebido
    21 Abr 2021
  • Aceito
    05 Ago 2021
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