Acessibilidade / Reportar erro

Metaplasia óssea endometrial: aspecto ultrassonográfico, radiológico e histopatológico

Sr. Editor,

Paciente feminina, 31 anos, abortamento espontâneo com curetagem uterina há oito anos, em investigação para infertilidade secundária, aumento do fluxo menstrual e dor pélvica.

Ultrassonografia (US) endovaginal (Figuras 1A e1B) mostrou imagem endometrial hiperecogênica, em formato de placa, com sombra acústica posterior, medindo 2,7 × 2,6 cm, de aspecto inespecífico. Foi realizada radiografia pélvica (Figura 1C), que identificou foco de calcificação em sítio endometrial.

Figura 1
A,B: Ultrassonografia transvaginal demonstrando imagem hiperecogênica, com sombra acústica posterior no endométrio, compatível com calcificação. C: Radiografia da bacia, em incidência oblíqua, mostrando imagem com densidade cálcica, correspondendo à encontrada na ultrassonografia, fortalecendo a hipótese aventada.

Com base nos achados de imagem e na história clínica, o diagnóstico presuntivo foi metaplasia óssea endometrial, confirmada com estudo histopatológico, que revelou placa de tecido ósseo trabecular, circundada por tecido fibroso e endométrio proliferativo (Figura 2). Não havia cartilagem, medula óssea, inflamação crônica ou tecido trofoblástico.

Figura 2
Fotomicrografia em pequeno e médio aumentos mostrando trabéculas ósseas de permeio ao tecido endometrial. Notar glândulas endometriais no canto inferior direito. Coloração hematoxilina-eosina.

Metaplasia óssea endometrial é a presença de tecido semelhante a osso dentro da cavidade uterina. Entidade rara, acomete apenas 0,15% das pacientes encaminhadas para clínicas de histeroscopia(11 Parente RCM, Freitas V, Moura Neto RS, et al. Metaplasia óssea endometrial: quadro clínico e seguimento após tratamento. Rev Bras Ginecol Obstet. 2010;32:33-8.,22 Shalev J, Meizner I, Bar-Hava I, et al. Predictive value of transvaginal sonography performed before routine diagnostic hysteroscopy for evaluation of infertility. Fertil Steril. 2000;73:412-7.). Sua patogênese permanece controversa. Os dois mecanismos mais aceitos envolvem ou a presença de endometrite crônica, com células mesenquimais indiferenciadas, induzindo a transformação do estroma endometrial em osteoblastos, ou a presença de abortamento, com ossificação distrófica do tecido ovular residual(33 Shroff CP, Kudterkar NG, Badhwar VR. Endometrial ossification - report of three cases with literature review. Indian J Pathol Microbiol. 1985; 28:71-4.). Reforçando essas hipóteses, cabe ressaltar que mais de 80% dos casos ocorrem após gestações que evoluíram com abortamento, principalmente se seguidas de infecção(44 Pinto AP, Guedes GB, Tuon FFB. Metaplasia óssea do endométrio: relato de caso. J Bras Patol Med Lab. 2005;41:287-9.). Os sintomas incluem dor pélvica e alterações no fluxo menstrual, no entanto, a principal consequência da presença de tecido ósseo na cavidade uterina é a infertilidade(55 Umashankar T, Patted S, Handigund R. Endometrial osseous metaplasia: clinicopathological study of a case and literature review. J Hum Reprod Sci. 2010;3:102-4.). A associação entre metaplasia óssea e infertilidade ocorre porque o tecido ósseo age semelhantemente a um dispositivo intrauterino (DIU)(66 Basu M, Mammen C, Owen E. Bony fragments in the uterus: an association with secondary subfertility. Ultrasound Obstet Gynecol. 2003;22: 402–6.,77 Onderoglu LS, Yarali H, Gultekin M, et al. Endometrial osseous metaplasia; an evolving cause of secondary infertility. Fertil Steril. 2008;90:2013.e9–11.).

O principal achado da metaplasia óssea endometrial no exame ultrassonográfico é a presença de placa endometrial fortemente ecogênica com sombra acústica posterior, assumindo como principal diagnóstico diferencial a presença de DIU. Outros diagnósticos possíveis são: corpos estranhos, síndrome de Asherman, fibrose submucosa calcificada e tumor mülleriano(22 Shalev J, Meizner I, Bar-Hava I, et al. Predictive value of transvaginal sonography performed before routine diagnostic hysteroscopy for evaluation of infertility. Fertil Steril. 2000;73:412-7.,55 Umashankar T, Patted S, Handigund R. Endometrial osseous metaplasia: clinicopathological study of a case and literature review. J Hum Reprod Sci. 2010;3:102-4.,66 Basu M, Mammen C, Owen E. Bony fragments in the uterus: an association with secondary subfertility. Ultrasound Obstet Gynecol. 2003;22: 402–6.). No entanto, a suspeita de ossificação endometrial metaplásica deve ser considerada pelo ultrassonografista quando placas endometriais fortemente ecogênicas forem detectadas em pacientes com relatos de abortamentos e endometrite crônica.

No caso aqui relatado a correlação da US endovaginal com radiografia pélvica permitiu o diagnóstico de calcificação endometrial. O antecedente de abortamento com curetagem corroborou a hipótese de a calcificação corresponder a metaplasia óssea induzida por endometrite crônica, que posteriormente foi confirmada por estudo histopatológico dos fragmentos ósseos retirados por histeroscopia.

A US endovaginal é o melhor método de imagem para esta condição, uma vez que a histerossalpingografia e a ressonância magnética podem não demonstrar os achados. Diante do caso, o examinador deve descrever a localização e as dimensões da placa ecogênica, afastar a presença de DIU e reforçar a história de abortamentos com endometrite crônica, corroborando a hipótese de ossificação endometrial metaplásica. Tais informações são importantes para o histeroscopista que fará a ressecção da placa óssea, com posterior análise histopatológica.

O tratamento da metaplasia óssea endometrial deve ser realizado mediante retirada histeroscópica dos fragmentos ósseos, que serão submetidos à avaliação histopatológica, ou como segunda linha pela curetagem uterina(88 Cayuela E, Perez-Medina T, Vilanova J, et al. True osseous metaplasia of the endometrium: the bone is not from a fetus. Fertil Steril. 2009;91: 1293.e1–4.). No presente caso, a primeira opção foi realizada, restaurando-se a fertilidade e reduzindo o fluxo menstrual da paciente.

REFERENCES

  • 1
    Parente RCM, Freitas V, Moura Neto RS, et al. Metaplasia óssea endometrial: quadro clínico e seguimento após tratamento. Rev Bras Ginecol Obstet. 2010;32:33-8.
  • 2
    Shalev J, Meizner I, Bar-Hava I, et al. Predictive value of transvaginal sonography performed before routine diagnostic hysteroscopy for evaluation of infertility. Fertil Steril. 2000;73:412-7.
  • 3
    Shroff CP, Kudterkar NG, Badhwar VR. Endometrial ossification - report of three cases with literature review. Indian J Pathol Microbiol. 1985; 28:71-4.
  • 4
    Pinto AP, Guedes GB, Tuon FFB. Metaplasia óssea do endométrio: relato de caso. J Bras Patol Med Lab. 2005;41:287-9.
  • 5
    Umashankar T, Patted S, Handigund R. Endometrial osseous metaplasia: clinicopathological study of a case and literature review. J Hum Reprod Sci. 2010;3:102-4.
  • 6
    Basu M, Mammen C, Owen E. Bony fragments in the uterus: an association with secondary subfertility. Ultrasound Obstet Gynecol. 2003;22: 402–6.
  • 7
    Onderoglu LS, Yarali H, Gultekin M, et al. Endometrial osseous metaplasia; an evolving cause of secondary infertility. Fertil Steril. 2008;90:2013.e9–11.
  • 8
    Cayuela E, Perez-Medina T, Vilanova J, et al. True osseous metaplasia of the endometrium: the bone is not from a fetus. Fertil Steril. 2009;91: 1293.e1–4.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Feb 2016
Publicação do Colégio Brasileiro de Radiologia e Diagnóstico por Imagem Av. Paulista, 37 - 7º andar - conjunto 71, 01311-902 - São Paulo - SP, Tel.: +55 11 3372-4541, Fax: 3285-1690, Fax: +55 11 3285-1690 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: radiologiabrasileira@cbr.org.br