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Ruptura espontânea de um cistoadenocarcinoma ovariano: avaliação tomográfica prée pós-ruptura* * Trabalho realizado no Departamento de Diagnóstico por Imagem da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (EPM-Unifesp), São Paulo, SP, Brasil.

Resumo

Os tumores epiteliais correspondem à maioria das neoplasias ovarianas, sendo que eventuais rupturas estão mais relacionadas ao ato cirúrgico. Relatamos um caso de cistoadenocarcinoma ovariano em uma paciente de 54 anos com documentação tomográfica pré- e pós-ruptura espontânea. O estadiamento tumoral pós-ruptura tende a ser menos favorável, comprometendo o prognóstico desses pacientes.

Unitermos:
Neoplasias ovarianas; Cistoadenocarcinoma seroso; Ruptura espontânea

Abstract

Epithelial ovarian tumors are the most common malignant ovarian neoplasms and, in most cases, eventual rupture of such tumors is associated with a surgical procedure. The authors report the case of a 54-year-old woman who presented with spontaneous rupture of ovarian cystadenocarcinoma documented by computed tomography, both before and after the event. In such cases, a post-rupture staging tends to be less favorable, compromising the prognosis.

Keywords:
Ovarian neoplasms; Serous cystadenocarcinoma; Spontaneous rupture

INTRODUÇÃO

Os tumores ovarianos de origem epitelial correspondem à neoplasia maligna mais letal do trato genital feminino. Os dois tipos mais comuns de neoplasia epitelial são os tumores mucinosos e os serosos(1Jeong YY, Outwater EK, Kang HK. Imaging evaluation of ovarian masses. Radiographics. 2000;20:1445-70.). As rupturas de cistoadenocarcinoma de ovário estão mais comumente relacionadas a manipulação cirúrgica(2Mizuno M, Kikkawa F, Shibata K, et al. Long-term prognosis of stage I ovarian carcinoma. Prognostic importance of intraoperative rupture. Oncology. 2003;65:29-36.), alterando significativamente o estadiamento e o prognóstico das pacientes.

Existem poucos relatos na literatura de ruptura espontânea de cistoadenocarcinoma ovariano e principalmente descritos em gestantes(3Malhotra N, Sumana G, Singh A, et al. Rupture of a malignant ovarian tumor in pregnancy presenting as acute abdomen. Arch Gynecol Obstet. 2010;281:959-61.

Mladenovic-Segedi L, Mandic A, Segedi D, et al. Spontaneous rupture of malignant ovarian cyst in 8-gestation-week pregnancy - a case report and literature review. Arch Oncol. 2011;19:39-41.
-5Daro A, Carey CM, Zummo BP. Spontaneous rupture of a primary carcinoma of the ovary complicating pregnancy. Am J Obstet Gynecol. 1949;57:1011-3.)ou em pacientes que fazem uso de anticoagulantes(6Casal Rodriguez AX, Sanchez Trigo S, Ferreira Gonzalez L, et al. Hemoperitoneum due to spontaneous rupture of ovarian adenocarcinoma. Emerg Radiol. 2011;18:267-9.). Relatamos o primeiro caso de ruptura espontânea de cistoadenocarcinoma seroso de ovário com documentação tomográfica pré- e pós-ruptura.

RELATO DO CASO

Mulher de 54 anos procurou o pronto-atendimento com dispneia súbita associada a dor e aumento do volume abdominal. Foi constatado tromboembolismo pulmonar (TEP) em exame de tomografia computadorizada (TC) de tórax. Foi realizada também TC de abdome, que demonstrou volumosa formação sólido-cística pélvica, com septações grosseiras e componente sólido, compatível com tumor ovariano de origem epitelial (Figura 1).

Figura 1
Volumosa formação cística complexa com componente sólido (seta). Ausência de ascite neste momento.

A paciente permaneceu internada para tratamento do TEP, em uso de heparina, e no nono dia de internação apresentou quadro súbito de piora da dor abdominal e queda de 3 g/dL de hemoglobina. Foi realizada nova TC de abdome, que caracterizou volumosa ascite e redução das dimensões da formação sólido-cística anexial com descontinuidade de suas paredes, compatível com ruptura espontânea (Figura 2).

Figura 2
Redução das dimensões da formação cística, descontinuidade de suas paredes (seta) e ascite volumosa não identificada no estudo anterior (asteriscos) realizado oito dias antes.

A paciente foi submetida a laparotomia exploradora, sendo observada grande quantidade de ascite hemática, tumor com componente sólido no anexo direito e área cística rota (Figura 3). O estudo anatomopatológico caracterizou um carcinoma seroso de alto grau.

Figura 3
Peça cirúrgica com componente sólido (seta branca) e componente cístico pós-ruptura (seta preta).

DISCUSSÃO

A mais recente estimativa brasileira aponta um risco de câncer de ovário estimado em 6 casos a cada 100.000 mulheres. Os principais fatores de risco para o desenvolvimento do câncer do ovário são a história familiar ou pessoal de câncer da mama ou do ovário, terapia de reposição hormonal pós-menopausa, tabagismo e obesidade(7Brasil. Ministério da Saúde. Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva. Estimativa 2012: incidência de câncer no Brasil. Rio de Janeiro, RJ: INCA; 2011.). Os tumores ovarianos de origem epitelial correspondem a 60% de todas as neoplasias ovarianas e 85% das neoplasias malignas do ovário(1Jeong YY, Outwater EK, Kang HK. Imaging evaluation of ovarian masses. Radiographics. 2000;20:1445-70.).

Alguns desses tumores podem apresentar complicações, tais como ruptura, torção ou hemorragia(3Malhotra N, Sumana G, Singh A, et al. Rupture of a malignant ovarian tumor in pregnancy presenting as acute abdomen. Arch Gynecol Obstet. 2010;281:959-61.) ou metástase(8Moreira BL, Lima ENP, Bitencourt AGV, et al. Breast metastasis from ovarian carcinoma: a case report and literature review. Radiol Bras. 2012;45:123-5.). A ruptura desses tumores é comumente relatada no intraoperatório, quando uma volumosa lesão está aderida aos órgãos adjacentes(2Mizuno M, Kikkawa F, Shibata K, et al. Long-term prognosis of stage I ovarian carcinoma. Prognostic importance of intraoperative rupture. Oncology. 2003;65:29-36.). A ruptura espontânea é uma ocorrência rara, geralmente decorrente de hemorragia interna do tumor ou da alta pressão intralesional e associada a algum fator de risco(3Malhotra N, Sumana G, Singh A, et al. Rupture of a malignant ovarian tumor in pregnancy presenting as acute abdomen. Arch Gynecol Obstet. 2010;281:959-61.,4Mladenovic-Segedi L, Mandic A, Segedi D, et al. Spontaneous rupture of malignant ovarian cyst in 8-gestation-week pregnancy - a case report and literature review. Arch Oncol. 2011;19:39-41.,6Casal Rodriguez AX, Sanchez Trigo S, Ferreira Gonzalez L, et al. Hemoperitoneum due to spontaneous rupture of ovarian adenocarcinoma. Emerg Radiol. 2011;18:267-9.).

Em um estudo na literatura relata-se a ruptura espontânea de um cistoadenocarcinoma ovariano em uma paciente com insuficiência cardíaca congestiva em uso de heparina, que evoluiu com hemoperitônio, caracterizado por líquido hiperdenso (65-70 unidades Hounsfield) na cavidade peritoneal, porém, sem claramente demonstrar a lesão tumoral, provavelmente tendo contribuído para isto o fato de o exame ter sido feito sem o meio de contraste intravenoso(6Casal Rodriguez AX, Sanchez Trigo S, Ferreira Gonzalez L, et al. Hemoperitoneum due to spontaneous rupture of ovarian adenocarcinoma. Emerg Radiol. 2011;18:267-9.). Nos demais casos descritos na literatura não houve documentação por imagem.

No presente caso, a lesão tumoral era claramente identificada no exame inicial e apresentou nítida modificação de configuração e redução das suas dimensões no exame subsequente, acompanhada de ascite, permitindo, dessa forma, estabelecer o diagnóstico de ruptura tumoral, corroborado pela queda da hemoglobina decorrente do uso de heparina pelo quadro prévio de TEP. A heparina inibe o fator Xa e a trombina, bloqueando a cascata de coagulação nestes níveis, com finalidade terapêutica, sendo a hemorragia a principal complicação(9Staico R, Vaz V, Cesar F, et al. Heparina não-fracionada e de baixo peso molecular: equivalência ou superioridade na intervenção coronária percutânea? Rev Bras Cardiol Invas. 2004;12:138-45.). Acreditamos que a anticoagulação com heparina deve ter sido a responsável por uma hemorragia no interior do cisto, promovendo aumento da pressão intralesional e posterior ruptura com hemoperitônio.

Com base no exposto, alertamos que o uso de anticoagulantes em paciente com lesões císticas volumosas deve ser realizado com cautela, pensando no risco-benefício, e é recomendado acompanhamento criterioso (por ultrassonografia, TC ou ressonância magnética) durante o tratamento para avaliação de possíveis complicações graves, como no caso aqui apresentado. Além disso, o extravasamento do conteúdo cístico pode resultar em disseminação intraperitoneal de células malignas, modificando o estadiamento, a conduta e o prognóstico da paciente(1Jeong YY, Outwater EK, Kang HK. Imaging evaluation of ovarian masses. Radiographics. 2000;20:1445-70.).

  • Salvadori PS, Bomfim LN, von Atzingen AC, D'Ippolito G. Ruptura espontânea de um cistoadenocarcinoma ovariano: avaliação tomográfica pré- e pósruptura. Radiol Bras. 2015 Set/Out;48(5):330–332.
  • *
    Trabalho realizado no Departamento de Diagnóstico por Imagem da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (EPM-Unifesp), São Paulo, SP, Brasil.

REFERENCES

  • 1
    Jeong YY, Outwater EK, Kang HK. Imaging evaluation of ovarian masses. Radiographics. 2000;20:1445-70.
  • 2
    Mizuno M, Kikkawa F, Shibata K, et al. Long-term prognosis of stage I ovarian carcinoma. Prognostic importance of intraoperative rupture. Oncology. 2003;65:29-36.
  • 3
    Malhotra N, Sumana G, Singh A, et al. Rupture of a malignant ovarian tumor in pregnancy presenting as acute abdomen. Arch Gynecol Obstet. 2010;281:959-61.
  • 4
    Mladenovic-Segedi L, Mandic A, Segedi D, et al. Spontaneous rupture of malignant ovarian cyst in 8-gestation-week pregnancy - a case report and literature review. Arch Oncol. 2011;19:39-41.
  • 5
    Daro A, Carey CM, Zummo BP. Spontaneous rupture of a primary carcinoma of the ovary complicating pregnancy. Am J Obstet Gynecol. 1949;57:1011-3.
  • 6
    Casal Rodriguez AX, Sanchez Trigo S, Ferreira Gonzalez L, et al. Hemoperitoneum due to spontaneous rupture of ovarian adenocarcinoma. Emerg Radiol. 2011;18:267-9.
  • 7
    Brasil. Ministério da Saúde. Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva. Estimativa 2012: incidência de câncer no Brasil. Rio de Janeiro, RJ: INCA; 2011.
  • 8
    Moreira BL, Lima ENP, Bitencourt AGV, et al. Breast metastasis from ovarian carcinoma: a case report and literature review. Radiol Bras. 2012;45:123-5.
  • 9
    Staico R, Vaz V, Cesar F, et al. Heparina não-fracionada e de baixo peso molecular: equivalência ou superioridade na intervenção coronária percutânea? Rev Bras Cardiol Invas. 2004;12:138-45.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Oct 2015

Histórico

  • Recebido
    28 Jun 2013
  • Aceito
    14 Fev 2014
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