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Cólon biliar: um caso incomum de obstrução intestinal

Sr. Editor,

Paciente mulher, 80 anos, diabética, hipertensa e obesa, referiu início súbito de intensa dor em cólica no hipogástrio por dois dias. Adicionalmente, acompanhou-se quadro de náuseas, parada da eliminação de gases e fezes, além de distensão abdominal. Ao exame físico constataram-se aumento do volume abdominal, dor à palpação profunda do hipogástrio, timpanismo abdominal à percussão e sinais de leve desidratação. A hipótese clínica levantada foi síndrome obstrutiva.

Foram realizadas, em outro serviço, radiografias e ultrassonografia abdominal, porém inconclusivas quanto à causa. Radiografias abdominais anteroposteriores em ortostase e decúbito dorsal horizontal demonstraram quadro obstrutivo com distensão predominantemente gasosa de alças intestinais delgadas e de parte do intestino grosso, sem sinais de pneumoperitônio. A ultrassonografia exibiu distensão gasosa sem sinais de líquido livre no momento do estudo. Com tais exames apontando para obstrução baixa sem causa definida, optou-se por realizar tomografia computadorizada (TC) do abdome para esclarecimento diagnóstico e definição de conduta terapêutica.

Pela suspeita clínica de obstrução neoplásica, a paciente foi encaminhada ao nosso serviço. Com a realização da TC estabeleceu-se o diagnóstico, e diversas técnicas de reconstrução das imagens empregadas - reconstruções multiplanares, curvas e tridimensionais (3D) - foram utilizadas para apresentar ao médico solicitante os achados de uma maneira de fácil compreensão.

A TC demonstrou amplo trajeto fistuloso comunicando a luz da vesícula biliar com a do cólon transverso e presença de cálculo residual na vesícula biliar (Figura 1A). A reconstrução curva na região do reto e do sigmoide demonstrou cálculo impactado no cólon sigmoide, obstruindo-o e causando distensão intestinal a montante por acúmulo fecal (Figura 1B). Uma reconstrução endoluminal com padrão de colonoscopia virtual mostrou o orifício fistuloso no cólon transverso (Figura 2A). A reconstrução 3D direcionada para materiais gasosos demonstrou a distensão gasosa difusa dos cólons direito, transverso e esquerdo e também o local da fístula biliocólica (Figura 2B). Após firmado o diagnóstico, a paciente foi submetida a cirurgia com êxito.

Figura 1
A: Imagem de TC no plano axial mostrando cálculo na vesícula biliar (seta) e trajeto fistuloso comunicando a vesícula biliar com o intestino grosso (asterisco). B: Imagem de TC em reconstrução curva mostrando cálculo biliar impactado no cólon sigmoide (seta) e distensão intestinal a montante (asterisco).
Figura 2
A: Reconstrução 3D endoluminal com padrão de colonoscopia virtual identificando o orifício fistuloso (asterisco) no intestino grosso. No detalhe, a imagem bidimensional de referência da posição do orifício (seta). B: Reconstrução 3D demonstrando a distensão intestinal gasosa e o orifício fistuloso (seta).

Colecistite aguda obstrutiva pode provocar aproximação das serosas do trato biliar e intestinal devido a dilatação da vesícula e/ou do ducto biliar comum. Com a repetição dos episódios inflamatórios e aderências das serosas, pode haver fistulização colecistointestinal, possibilitando a passagem dos cálculos biliares para a luz do intestino(1Wang JK, Foster SM, Wolff BG. Incidental gallstone. Perm J. 2009;13:50-4.), além de impactação do cálculo em algum ponto no trajeto, ocasionando dor importante, irritação local grave, edema ou gangrena(2Costi R, Randone B, Violi V, et al. Cholecystocolonic fistula: facts and myths. A review of the 231 published cases. J Hepato Biliary Pancreat Surg. 2009;16:8-18.). Dentre as fístulas colecistointestinais, as colecistoduodenais representam mais de 70%, enquanto as colecistocólicas constituem 8% a 26% delas(3Del Gaizo A, Raval B. Cholecystocolonic fistula. Applied Radiology. 2006;35:21-2.). Rigler et al. estabeleceram quatro critérios (presença de ar ou contraste nas vias biliares; identificação direta ou indireta do cálculo no intestino; alteração na posição de um cálculo previamente identificado; sinais radiológicos de oclusão parcial ou total da luz intestinal) que corroboram um diagnóstico de obstrução intestinal por cálculo(4Smyth J, Dasari BV, Hannon R. Biliary-colonic fistula. Clin Gastroenterol Hepatol. 2011;9:A26.). Utilizando esses critérios, constituiu-se a tríade de Rigler: sinais de distensão delgada, pneumobilia e cálculos ectópicos.

Apesar de incomum, é necessário estar atento à possibilidade de cólon biliar em quadros obstrutivos intestinais baixos de início agudo, a fim de estabelecer prontamente o diagnóstico correto e a instituição da terapêutica adequada.

REFERENCES

  • 1
    Wang JK, Foster SM, Wolff BG. Incidental gallstone. Perm J. 2009;13:50-4.
  • 2
    Costi R, Randone B, Violi V, et al. Cholecystocolonic fistula: facts and myths. A review of the 231 published cases. J Hepato Biliary Pancreat Surg. 2009;16:8-18.
  • 3
    Del Gaizo A, Raval B. Cholecystocolonic fistula. Applied Radiology. 2006;35:21-2.
  • 4
    Smyth J, Dasari BV, Hannon R. Biliary-colonic fistula. Clin Gastroenterol Hepatol. 2011;9:A26.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Mar-Apr 2015
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