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Cisto leptomeníngeo intraósseo pós-traumático

Sr. Editor,

Paciente do sexo feminino, 22 anos de idade, procurou o serviço com queixa de abaulamento progressivo da região retroauricular esquerda associado a dor de leve intensidade, iniciada há três anos, sem necessidade de uso de analgésicos e sem outras queixas. Relatou, ainda, que sofrera traumatismo craniano por acidente automobilístico aos seis meses de idade. A tomografia e a ressonância de crânio diagnosticaram cisto leptomeníngeo intraósseo (Figura 1).

Figura 1
A: Tomografia computadorizada axial (janela óssea) mostrando remodelamento cístico e insuflativo das porções mais posteriores da mastoide do osso temporal esquerdo, com afilamento da tábua externa, sem rotura. B: Ressonância magnética com sequência FIESTA no plano coronal demonstrando comunicação cística leptomeníngea, que se estende do ventrículo lateral esquerdo, através da fossa craniana média, em direção ao osso temporal esquerdo. C: Ressonância magnética com sequência T2 turbo spin eco demonstrando formação cística leptomeníngea, com abaulamento e insuflação do osso temporal esquerdo, bem como pequena insinuação ao clívus. D: Ressonância magnética com sequência T1 pós-contraste mostrando formação cística leptomeníngea, sem evidências de realces anômalos ou de lesões expansivas sólidas associadas.

Cistos leptomeníngeos intradiploicos pós-traumáticos são complicações extremamente raras de fraturas na calota craniana que ocorrem em pacientes pediátricos(11 Scarfò GB, Mariottini A, Tomaccini D, et al. Growing skull fractures: progressive evolution of brain damage and effectiveness of surgical treatment. Childs Nerv Syst. 1989;5:163-7.). O primeiro caso foi relatado por Weinand et al. em 1989(22 Weinand ME, Rengachary SS, McGregor HD, et al. Intradiploic arachnoid cysts. Report of two cases. J Neurosurg. 1989;70:954-8.). Foram também chamados de cistos leptomeníngeos intraósseos(33 Dunkser SB, Mccreary DH. Leptomeningeal cyst of the posterior fossa. Case report. J Neurosurg. 1971;34:687-92.), pseudomeningocele intradiploica pós-traumática(44 Agrawal D, Mishra S. Post-traumatic intradiploic pseudomeningocele. Indian Pediatr. 2010;47:271-3.), entre outros. Esses cistos são caracterizados por fratura da tábua interna e laceração da dura-máter, com acúmulo de líquor em uma "bolsa" revestida por membrana aracnoide e situada dentro do espaço diploico. A região occipital é o local mais comum dos cistos, mas também foram relatados em outras regiões do crânio(55 Tandon PN, Banerji AK, Bhatia R, et al. Cranio-cerebral erosion (growing fracture of the skull in children). Part II. Clinical and radiological observations. Acta Neurochir (Wien). 1987;88:1-9.). A apresentação clínica é totalmente variável, desde pacientes assintomáticos até pacientes com deformidades da calota craniana e queixas neurológicas sobrepostas.

A fisiopatologia mais aceita para a lesão é a de herniação das leptomeninges para o espaço intradiploico através de falhas pós-traumáticas da dura-máter e tábua craniana interna. O cisto leptomeníngeo intradiploico pode levar várias semanas a vários anos para se desenvolver e se manifestar após o incidente traumático(66 Saito A, Sugawara T, Akamatsu Y, et al. Adult traumatic leptomeningeal cyst: case report. Neurol Med Chir (Tokyo). 2009;49:62-5.). Os efeitos de pressão e de válvula devidos ao crescimento do cérebro da criança, associados a pulsações liquóricas contínuas, agem como forças expansivas que facilitam a formação e o crescimento do cisto intradiploico ao longo dos anos, com desgaste e remodelamento da tábua óssea externa(77 Mahapatra AK, Tandon PN. Post-traumatic intradiploic pseudomeningocele in children. Acta Neurochir (Wien). 1989;100:120-6.,88 Seo BR, Lee JK, Jeong IH, et al. Post-traumatic intradiploicleptomeningeal cyst of the posterior fossa in an adult. J Clin Neurosci. 2009;16:1367-9.).

As ferramentas radiológicas para o diagnóstico do cisto leptomeníngeo são úteis para a avaliação de defeitos cranianos e lesões cerebrais associadas. A radiografia simples de crânio mostra expansão do espaço diploico, com a tábua externa preservada. A tomografia computadorizada do crânio avalia a extensão do defeito ósseo e a tábua externa, auxiliando no planejamento cirúrgico. A ressonância magnética do crânio é a modalidade de escolha e é valiosa para a distinção de outras lesões, como o cisto dermoide e o cisto epidermoide(44 Agrawal D, Mishra S. Post-traumatic intradiploic pseudomeningocele. Indian Pediatr. 2010;47:271-3.). Os diagnósticos diferenciais incluem, ainda, lesões ósseas como mieloma, metástases e granuloma eosinofílico, além do cisto aracnoide intradiploico, que geralmente é congênito e se apresenta com cefaleia, edema, convulsões ou déficit neurológico. Radiologicamente, torna-se difícil distinguir entre o cisto aracnoide intradiploico e o cisto leptomeníngeo intradiploico pós-traumático, sendo necessária uma história de trauma, geralmente na região occipital, para favorecer o diagnóstico deste último.

A intervenção cirúrgica é a base do tratamento do cisto leptomeníngeo e as indicações para a cirurgia incluem grandes deformidades craniofaciais e cefaleia persistente(44 Agrawal D, Mishra S. Post-traumatic intradiploic pseudomeningocele. Indian Pediatr. 2010;47:271-3.,77 Mahapatra AK, Tandon PN. Post-traumatic intradiploic pseudomeningocele in children. Acta Neurochir (Wien). 1989;100:120-6.). O procedimento cirúrgico envolve duroplastia seguida por cranioplastia com enxerto de calota craniana.

Concluindo, inferimos que o cisto leptomeníngeo intradiploico pós-traumático é uma consequência rara, de sintomas neurológicos variáveis, ocorrendo secundariamente a traumas da calota craniana na infância. É importante o conhecimento dessa lesão e o diagnóstico precoce, pois a intervenção cirúrgica, quando cabível, pode evitar sequelas neurológicas futuras.

REFERENCES

  • 1
    Scarfò GB, Mariottini A, Tomaccini D, et al. Growing skull fractures: progressive evolution of brain damage and effectiveness of surgical treatment. Childs Nerv Syst. 1989;5:163-7.
  • 2
    Weinand ME, Rengachary SS, McGregor HD, et al. Intradiploic arachnoid cysts. Report of two cases. J Neurosurg. 1989;70:954-8.
  • 3
    Dunkser SB, Mccreary DH. Leptomeningeal cyst of the posterior fossa. Case report. J Neurosurg. 1971;34:687-92.
  • 4
    Agrawal D, Mishra S. Post-traumatic intradiploic pseudomeningocele. Indian Pediatr. 2010;47:271-3.
  • 5
    Tandon PN, Banerji AK, Bhatia R, et al. Cranio-cerebral erosion (growing fracture of the skull in children). Part II. Clinical and radiological observations. Acta Neurochir (Wien). 1987;88:1-9.
  • 6
    Saito A, Sugawara T, Akamatsu Y, et al. Adult traumatic leptomeningeal cyst: case report. Neurol Med Chir (Tokyo). 2009;49:62-5.
  • 7
    Mahapatra AK, Tandon PN. Post-traumatic intradiploic pseudomeningocele in children. Acta Neurochir (Wien). 1989;100:120-6.
  • 8
    Seo BR, Lee JK, Jeong IH, et al. Post-traumatic intradiploicleptomeningeal cyst of the posterior fossa in an adult. J Clin Neurosci. 2009;16:1367-9.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Mar-Apr 2018
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