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Espectro de Klippel-Feil acompanhada de medula cervical parcialmente fendida: uma associação não incomum?

Sr. Editor,

Apresentamos dois casos dentro do espectro de Klippel-Feil associados a medula parcialmente fendida posteriormente. O primeiro diz respeito a uma mulher jovem que realizou exames de ressonância magnética (RM) cervical e torácica para investigação de hemivértebra e escoliose. As imagens mostraram fusão e redução volumétrica de vértebras estendendo-se de C2 a C5, associadas a fenda liquórica mediana posterior na medula (Figura 1). O segundo caso trata-se de um adolescente masculino internado para troca de cânula de derivação ventricular e correção de hidrocefalia. A RM demonstrou extensa fusão e deformidade de vértebras que se estendia por todo o segmento cervical e porção inicial do segmento torácico, associada a fenda liquórica posterior que se prolongava do bulbo até o início do segmento torácico (Figura 2).

Figura 1
Caso 1. A: Fusão de vértebras cervicais que se estende de C2 a C5. B: Medula fendida posteriormente.

Figura 2
Caso 2. A: Extensa fusão e deformidade de vértebras cervicais e das primeiras vértebras torácicas. B: Medula fendida posteriormente, a qual se estendia do bulbo até as pri- A B meiras vértebras torácicas.

O espectro (ou síndrome) de Klippel-Feil é caracterizado pela fusão congênita de dois ou mais corpos vertebrais, de causa ainda incerta, sendo postuladas as hipóteses de injúria ocorrida por volta de 3 a 8 semanas e de associação com genes que controlam o processo de formação dos somitos embrionários(11 David KM, Copp AJ, Stevens JM, et al. Split cervical spinal cord with Klippel-Feil syndrome: seven cases. Brain. 1996;119(Pt 6):1859-72.). A tríade clínica clássica descrita por Maurice Klippel e André Feil é composta por encurtamento do pescoço, rebaixamento da linha de implantação do cabelo e restrição da amplitude de movimento cervical, estando presente somente em 50% dos casos(22 Klippel M, Feil A. Un cas d'absence des vertèbres cervicales avec cage thoracique remontant jusqu'à la base du crâne. Nouvelle Iconographie de la Salpétrière. 1912;25:223-50.). A literatura mostra ampla gama de malformações encefálicas e medulares associadas, sendo a diastematomielia uma das mais documentadas, a qual é caracterizada por uma divisão completa do tubo neural com formação de duas hemimedulas separadas ou não por septo osteocartilaginoso, e com prevalência pelas regiões mais inferiores (lombar e torácica baixa)(33 Ulmer JL, Elster AD, Ginsberg LE, et al. Klippel-Feil syndrome: CT and MR of acquired and congenital abnormalities of cervical spine and cord. J Comput Assist Tomogr. 1993;17:215-24.). Apesar de poucos casos relatados, as associações com alterações medulares chegam a até 50% dos casos, sendo a fenda posterior da medula um dos possíveis espectros (também conhecida como diastematomielia parcial)(44 Royal S, Tubbs RS, D'Antonio MG, et al. Investigations into the association between cervicomedullary neuroschisis and mirror movements in patients with Klippel-Feil syndrome. AJNR Am J Neuroradiol. 2002;23:724-9.

5 Cochrane DD, Haslam RH, Myles ST. Cervical neuroschisis and meningocoele manque in type I (no neck) Klippel-Feil syndrome. Pediatr Neurosurg. 1990-1991;16:174-8.
-66 Barkovich AJ. Pediatric neuroimaging. 4th ed. Philadelphia, PA: Lippincott Williams & Wilkins; 2005.).

A relação entre a fusão de vértebras (espectro de Klippel-Feil) e medula parcialmente fendida posteriormente é pouco documentada e não tem origem tão plausível quanto os defeitos envolvendo as alterações relacionadas à duplicação da notocorda, a qual explica de maneira mais adequada a formação de diastematomielia e a produção de hemivértebras ou vértebras em borboleta(11 David KM, Copp AJ, Stevens JM, et al. Split cervical spinal cord with Klippel-Feil syndrome: seven cases. Brain. 1996;119(Pt 6):1859-72.). Um dos mecanismos propostos para a fusão de vértebras é a extensão do processo de formação condral para o material interdiscal após a conclusão da segmentação primária (já que não há alteração do número de raízes nervosas), culminando em sua união(11 David KM, Copp AJ, Stevens JM, et al. Split cervical spinal cord with Klippel-Feil syndrome: seven cases. Brain. 1996;119(Pt 6):1859-72.). A fenda medular tem origem ainda mais obscura, tendo sido sugerida a possibilidade de injúria focal com processo de reparação tecidual superficial, porém, sem a repopulação com células dos somitos(11 David KM, Copp AJ, Stevens JM, et al. Split cervical spinal cord with Klippel-Feil syndrome: seven cases. Brain. 1996;119(Pt 6):1859-72.).

As alterações medulares são consideradas o segundo fator mais importante na deterioração neurológica desses pacientes, atrás somente de comprometimento nervoso por alterações degenerativas espondilodiscais(44 Royal S, Tubbs RS, D'Antonio MG, et al. Investigations into the association between cervicomedullary neuroschisis and mirror movements in patients with Klippel-Feil syndrome. AJNR Am J Neuroradiol. 2002;23:724-9.

5 Cochrane DD, Haslam RH, Myles ST. Cervical neuroschisis and meningocoele manque in type I (no neck) Klippel-Feil syndrome. Pediatr Neurosurg. 1990-1991;16:174-8.
-66 Barkovich AJ. Pediatric neuroimaging. 4th ed. Philadelphia, PA: Lippincott Williams & Wilkins; 2005.). Devido ao pequeno número de casos relatados, levantamos o questionamento sobre a real prevalência dessa combinação e reiteramos a necessidade da busca ativa de tais casos, já que o espectro de Klippel-Feil isolado parece ser muito mais comum na prática clínica do que associado a alterações medulares, principalmente nesses tempos em que a RM se tornou muito mais acessível.

REFERENCES

  • 1
    David KM, Copp AJ, Stevens JM, et al. Split cervical spinal cord with Klippel-Feil syndrome: seven cases. Brain. 1996;119(Pt 6):1859-72.
  • 2
    Klippel M, Feil A. Un cas d'absence des vertèbres cervicales avec cage thoracique remontant jusqu'à la base du crâne. Nouvelle Iconographie de la Salpétrière. 1912;25:223-50.
  • 3
    Ulmer JL, Elster AD, Ginsberg LE, et al. Klippel-Feil syndrome: CT and MR of acquired and congenital abnormalities of cervical spine and cord. J Comput Assist Tomogr. 1993;17:215-24.
  • 4
    Royal S, Tubbs RS, D'Antonio MG, et al. Investigations into the association between cervicomedullary neuroschisis and mirror movements in patients with Klippel-Feil syndrome. AJNR Am J Neuroradiol. 2002;23:724-9.
  • 5
    Cochrane DD, Haslam RH, Myles ST. Cervical neuroschisis and meningocoele manque in type I (no neck) Klippel-Feil syndrome. Pediatr Neurosurg. 1990-1991;16:174-8.
  • 6
    Barkovich AJ. Pediatric neuroimaging. 4th ed. Philadelphia, PA: Lippincott Williams & Wilkins; 2005.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Feb 2019

Histórico

  • Recebido
    23 Jul 2017
  • Aceito
    19 Out 2017
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