Acessibilidade / Reportar erro

Fatores de risco associados a delírio no despertar da anestesia em crianças submetidas à cirurgia ambulatorial

Resumo

Introdução

Delírio ao despertar anestésico é um fenômeno clínico autolimitado muito comum em crianças. Apesar de fisiopatologia ainda incerta, alguns fatores parecem estar envolvidos, como despertar rápido em um ambiente desconhecido, agitação durante a indução anestésica, ansiedade pré-operatória, perturbações ambientais, uso de medicação pré-anestésica, uso de anestésicos inalatórios e dor pós-operatória.

Objetivo

Determinar a prevalência e os fatores de risco associados ao delírio ao despertar anestésico em crianças submetidas à cirurgia ambulatorial.

Métodos

Estudo observacional prospectivo, envolveu 100 crianças entre dois e 10 anos, submetidos à cirurgia em caráter ambulatorial. As variáveis de estudo foram: delírio ao despertar anestésico e os fatores de risco associados (ansiedade pré-operatória, comportamento impulsivo da criança, uso de medicação pré-anestésica, indução traumática, tipo de anestesia e dor pós-operatória). Foi feita a regressão multivariada de Poisson para análise das possíveis variáveis explanatórias, na qual foram estimadas as razões de prevalência com os respectivos intervalos de confiança de 95%, considerou-se o nível de significância de 5%.

Resultados

Delírio e dor foram observados em 27% e 20% das crianças respectivamente. Apenas a dor no pós-operatório, após a regressão de Poisson, mostrou ter uma associação com o delírio ao despertar anestésico, cuja razão de prevalência foi 3,91 (p < 0,000).

Conclusão

O presente estudo evidenciou uma prevalência de delírio ao despertar anestésico de 27% na população estudada. A incidência de delírio ao despertar anestésico foi maior em crianças que apresentaram dor no pós-operatório.

PALAVRAS-CHAVE
Dor; Criança; Delírio

Abstract

Introduction:

Anesthesia emergence delirium is a self-limiting clinical phenomenon very common in children. Although pathophysiology is still uncertain, some factors seem to be involved, such as rapid awakening in an unknown environment, agitation during anesthetic induction, preoperative anxiety, environmental disorders, use of preanesthetic medication, use of inhalational anesthetics, and postoperative pain.

Objective:

To determine the prevalence and risk factors associated with anesthesia emergence delirium in children undergoing outpatient surgery.

Methods:

A prospective observational study was carried out with 100 children aged 2–10 years, who underwent surgery on an outpatient basis. The study variables were: anesthesia emergence delirium and the associated risk factors (preoperative anxiety, child impulsive behavior, use of pre-anesthetic medication, traumatic induction, type of anesthesia, and postoperative pain). Multivariate Poisson's logistic regression was used to analyze the possible explanatory variables, where the prevalence ratios were estimated with the respective 95% confidence intervals, considering a significance level of 5%.

Results:

Delirium and pain were observed in 27% and 20% of children, respectively. Only postoperative pain after Poisson's regression, was shown to be associated with anesthesia emergence delirium, with a prevalence ratio of 3.91 (p < 0.000).

Conclusion:

The present study showed 27% prevalence of anesthesia emergence delirium in the study population. The incidence of anesthesia emergence delirium was higher in children who had postoperative pain.

KEYWORDS
Pain; Child; Delirium

Introdução

O delírio ao despertar anestésico (DDA) é um estado transitório de irritação e dissociação que ocorre após a descontinuação da anestesia em alguns pacientes e que não responde às medidas de consolo. Também conhecido como delírio pós-anestésico, caracteriza-se por confusão mental, irritabilidade, desorientação, choro inconsolável e prolongamento do tempo de recuperação pós-anestésica.11 Rahimzadeh P, Faiz SH, Alebouyeh MR, et al. Appropriate anesthesia regimen to control sevoflurane-induced emergence agitation in children; propofol-lidocaine and thiopental sodium-lidocaine: a randomized controlled trial. Iran Red Crescent Med J. 2014;16:e16388.33 Eckenhoff JE, Kneale DH, Dripps RD. The incidence and etiology of postanesthetic excitement. A clinical survey. Anesthesiology. 1961;22:667-73.

A incidência do DDA varia amplamente de acordo com sua definição, idade do paciente, técnica anestésica usada, procedimento cirúrgico e uso de medicação adjunta. Geralmente as taxas alcançam valores entre 10% a 50%, pode acometer até 80% dos pacientes.11 Rahimzadeh P, Faiz SH, Alebouyeh MR, et al. Appropriate anesthesia regimen to control sevoflurane-induced emergence agitation in children; propofol-lidocaine and thiopental sodium-lidocaine: a randomized controlled trial. Iran Red Crescent Med J. 2014;16:e16388.55 Moore JK, Moore EW, Elliott RA, et al. Propofol and halothane versus sevoflurane in paediatric daycase surgery: induction and recovery characteristics. Br J Anaesth. 2003;90:461-6.

Acredita-se que esse fenômeno ocorre mais comumente em crianças de dois a cinco anos, submetidas a procedimentos cirúrgicos relativamente dolorosos sob anestesia geral inalatória.66 Cravero J, Surgenor S, Whalen K. Emergence agitation in paediatric patients after sevoflurane anaesthesia and no surgery: a comparison with halothane. Paediatr Anaesth. 2000;10:419-24. Quanto aos fatores associados, muitos foram sugeridos como possíveis desencadeantes do DDA: rápido despertar em ambiente desconhecido, agitação durante a indução anestésica, ansiedade pré-operatória, obstrução das vias aéreas, perturbações ambientais, uso de medicação pré-anestésica, técnica anestésica, tipo de anestésico usado (inalatório, venoso) e dor pós-operatória.55 Moore JK, Moore EW, Elliott RA, et al. Propofol and halothane versus sevoflurane in paediatric daycase surgery: induction and recovery characteristics. Br J Anaesth. 2003;90:461-6.,77 Aono J, Ueda W, Mamiya K, et al. Greater incidence of delirium during recovery from sevoflurane in preschool boys. Anesthesiology. 1997;87:1298-1300.,88 Przybylo HJ, Martini DR, Mazurek AJ, et al. Assessing behaviour in children emerging from anaesthesia: can we apply psychiatric diagnostic techniques? Paediatr Anaesth. 2003;13:609-16.

Embora autolimitada e de curta duração, a ocorrência de DDA predispõe a criança a lesões traumáticas no pós-operatório imediato e produz ansiedade intensa nos parentes e, portanto, é um motivo de preocupação para anestesiologista e cirurgiões pediátricos.66 Cravero J, Surgenor S, Whalen K. Emergence agitation in paediatric patients after sevoflurane anaesthesia and no surgery: a comparison with halothane. Paediatr Anaesth. 2000;10:419-24.1010 Reduqye LR, Verghese ST. Paediatric emergence delirium. Contin Educ Anaesth Crit Care Pain. 2012;13:39-41.

Diante do exposto, o objetivo desse estudo foi determinar a prevalência e os fatores de risco associados à DDA em crianças submetidas à cirurgia ambulatorial.

Métodos

Estudo tipo coorte observacional prospectivo, envolveu 100 pacientes entre dois e 10 anos, submetidos a cirurgia no bloco ambulatorial do Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira (IMIP), Recife, Pernambuco, Brasil, de 2013 a 2015. O estudo foi previamente aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Instituição e os pacientes só foram incluídos após assinatura do Termo de Consentimento Livre Esclarecido pelos responsáveis e o Termo de Assentimento pelas crianças.

Foram incluídas crianças que se submeteram a anestesia ambulatorial. Excluíram-se crianças portadoras de doença neurológica, de doença musculoesquelética e em uso de neurolépticos no pré-operatório. Todas as crianças receberam anestesia inalatória com sevoflurano e óxido nitroso e foram mantidas sob máscara facial ou máscara laríngea, a critério do anestesista.

O cálculo do tamanho da amostra foi feito no programa Statcalc do Epi-Info 3.5.1, baseado em dados de literatura pertinentes, consideraram-se uma prevalência de DPO de 18,18% com variação de ± 8/10% e um intervalo de confiança de 95%, encontramos um tamanho amostral de 100 crianças.1111 Nasr VG, Hannallah RS. Emergence agitation in children: a review. Middle East J Anesthesiol. 2011;21:175-82.

Além das variáveis demográficas (gênero e idade), foram coletados dados referentes ao comportamento impulsivo da criança, uso de medicação pré-anestésica, ansiedade pré-operatória, indução traumática, tipo de indução e manutenção da anestesia, tipo de cirurgia, duração da anestesia, uso de propofol, opiodes e analgésicos, ocorrência do DDA e dor pós-operatória.

A ansiedade foi definida com a Escala de Ansiedade Pré-Operatória de Yale modificada (EAPY-m),1212 Guaratini AA, Marcolino JAM, Teixeira AB, et al. Estudo transversal de ansiedade préo-peratória em crianças: a utilização da escala de Yale modificada. Rev Bras Anestesiol. 2006;56:591-601. que consiste em cinco domínios que contemplam as relações da criança com o meio em que se encontra (atividade e estado de despertar aparente), vocalização, expressividade emocional e interação com os parentes.1313 Beskow A, Westrin P. Sevoflurane causes more postoperative agitation in children than does halothane. Acta Anaesthesiol Scand. 1999;43:536-41. No cálculo do escore total EAPY-m atribui-se para cada domínio um escore parcial com base na pontuação observada, dividida pelo número de categorias daquele domínio. O escore de cada domínio é somado aos demais e multiplicado por 20 e considerado positivo se os valores obtidos resultam maiores do que 30.

Quanto ao DDA, foi usada a Pediatric Anesthesia Emergence Delirium (PAED),1414 Hollister GR, Burn JM. Side effects of ketamine in pediatric anesthesia. Anesth Analg. 1974;53:264-7. escala válida para a língua portuguesa e confiável para medir esse fenômeno. Essa escala consta de cinco itens e considera se a criança faz contato com os olhos do cuidador, se tem ações propositais e decididas, se está consciente do ambiente que a circunda, se está desassossegada e se está inconsolável. Foi considerada DDA a obtenção de valores maiores do que 10 na PAED.

A dor foi mensurada com a escala de Hanallah, que quantifica as alterações da pressão arterial sistólica antes e após o procedimento, o choro, a movimentação, a agitação e a verbalização das crianças. Foram considerados dor pós-operatória valores maiores do que 6 na escala de Hanallah.1515 Shahmohammadi S, Baradari AF, Habibi MR, et al. Factors contributing to postanesthetic emergence agitation in pediatric anaesthesia. J Pediatr Rev. 2013;1:69-79.

Comportamento impulsivo foi definido a partir da observação dos parentes, que definiu as crianças como agressivas ou não. Separação traumática foi definida como a ocorrência de choro inconsolável por parte da criança, necessitou-se do uso da força para sua retirada do colo dos responsáveis, e indução traumática como a necessidade do uso da força para aposição da máscara para indução anestésica.

Análise estatística

A análise dos dados foi feita com o programa Stata versão 12.1. Para a maioria das variáveis numéricas foram usados a média e seus respectivos desvios-padrão. Para a variável idade, como não havia distribuição normal (teste de Shapiro-Wilk), foram usadas a mediana e a variação (min-max) como medida de tendência central. Para fins de análise, a variável idade foi categorizada em lactentes (abaixo de dois anos completos), pré-escolar (de dois anos a cinco anos completos) e escolar (acima de cinco anos a 10 anos completos). Para essa variável foi usado o teste exato de Fisher (um dos valores esperados foi menor do que 5). Foi calculada a razão de prevalência (RP) para os diversos desfechos, bem como o seu intervalo de confiança a 95%.

Foi feita a regressão de Poisson, primeiramente todas as variáveis consideradas importantes (ansiedade pré-operatória, comportamento agressivo, separação traumática, indução traumática, dor e idade categorizada) foram colocadas no modelo e retiradas em sequência e posteriormente apenas as variáveis com nível de significância de 20% foram mantidas. Foram selecionadas no fim apenas aquelas que persistiram significativamente associadas ao desfecho e considerou-se o nível de 5%.

Resultados

Foram convidados a participar da pesquisa 100 pacientes entre dois e 10 anos. Desses nenhum se recusou e após início da coleta de dados não houve perda.

A caracterização clínica e sociodemográfica das pacientes encontra-se na tabela 1. A amostra estudada apresenta uma média de idade (± DP) de 4,1 anos, 66% pertencentes ao gênero masculino. Quanto ao tipo de cirurgia predominaram as para a correção de hérnia, seguidas das genitourinárias. Cerca de metade das crianças foi classificada pelos pais como tendo um comportamento agressivo e 41% apresentavam-se ansiosas.

Tabela 1
Características demográficas de crianças submetidas a cirurgia ambulatorial no IMIP

A indução e a manutenção anestésica ocorreram pela via inalatória valvular, através do acoplamento adequado da máscara facial com aumento gradual do sevoflurano até a obtenção de valores de concentração anestésica mínima (CAM) do gás entre 2%-3%, com o uso de tais níveis para manutenção anestésica. Associou-se óxido nitroso (N2O) a 50% durante a indução e manutenção anestésica.

Apenas 3% das crianças receberam medicação pré-anestésica. Foi feito bloqueio periférico para controle da dor pós-operatória em 82% das crianças e em apenas 4% delas foi usado opioide complementar. Em 97% da amostra foi feita analgesia precoce com dipirona, os 3% restantes foram excluídos por contraindicações alérgicas. Em 53% dos casos os acompanhantes estavam presentes na sala de recuperação anestésica no despertar.

Na tabela 2 pode-se observar que a frequência de dor e delírio foi de 20% e 27%, respectivamente, e a média da escala de Hanallah e PAED foi de 2,3 (2,53 DP) e 6,17 (4,3) respectivamente.

Tabela 2
Dados descritivos dos resultados pós-operatórios

Na análise bivariada (tabela 3) não houve associação de DDA com quaisquer das variáveis clinicas e sociodemográficas estudadas na tabela 1. Da mesma forma, não observamos associação entre DDA com ansiedade pré-operatória (p = 0,781); separação traumática (p = 0,135); uso de força na indução (p = 0,259) e idade pré-escolar (p = 0,921). No entanto, constatou-se a associação significativa entre DDA e comportamento impulsivo (p = 0,043) e dor pós-operatória (p = 0,001). Todavia, após a análise multivariada dos fatores de risco a partir do modelo de Poisson identificamos apenas uma variável explicativa: dor no pós-operatório, cuja razão de prevalência foi 3,91 (2,15-7,11; p < 0,001).

Tabela 3
Distribuição das pacientes segundo variáveis de interesse e ocorrência da DDA

Discussão

DDA e dor foram observados em 27% e 20% das crianças, respectivamente. Não houve associação de delírio com ansiedade pré-operatória, separação traumática, uso de força na indução e idade pré-escolar. Na análise bivariada, comportamento impulsivo e dor estiveram associados à DDA, todavia na análise multivariada a partir do modelo de regressão de Poisson apenas uma variável permaneceu estatisticamente significante: dor no pós-operatório.

O DDA, também denominado na literatura mundial como emergence delirium, é um fenômeno clínico bem documentado, principalmente em crianças, pesquisado desde a década de 1960.1616 Dahmani S, Delivet H, Hilly J. Emergence delirium in children: an update. Curr Opin Anaesthesiol. 2014;27:309-15.,1717 Sikich N, Lerman J. Development and psychometric evaluation of the pediatric anesthesia emergence delirium scale. Anesthesiology. 2004;100:1138-45. Ainda é considerado como uma complicação misteriosa que ocorre após a anestesia pediátrica e embora a farmacologia dos agentes voláteis de ação rápida, como sevoflurano e desflurano, seja altamente suspeita na gênese dessa complicação, nenhuma evidência forte foi publicada para apoiar essa hipótese. De fato, acredita-se na multicausalidade da DDA e, portanto, inúmeros fatores estão relacionados a esse evento, tais como rápido retorno à consciência em ambiente não familiar, agitação durante a indução anestésica, ansiedade pré-operatória, perturbações ambientais, uso de medicação pré-anestésica, uso de anestésicos inalatórios, dor pós-operatória e idade pré-escolar.1414 Hollister GR, Burn JM. Side effects of ketamine in pediatric anesthesia. Anesth Analg. 1974;53:264-7.,1818 Silva LM, Braz LG, Módelo NS. Emergence agitation in pediatric anesthesia: current features. J Pediatr. 2008;84:107-13.2020 Eckenhoff JE, Kneale DH, Dripps RD. The incidence and etiology of postanesthetic excitement. Anesthesiology. 1961;22:667-73.

Os dados obtidos nesse estudo sugerem que a dor pós-operatória favorece o surgimento de DDA. De fato, a maioria das evidências existentes na literatura aponta em direção a uma forte associação entre esses dois fatores.2121 Veyckemans F. Excitation phenomena during sevoflurane anaesthesia in children. Curr Opin Anesthesiol. 2001;14:339-43.2323 Cho EJ, Yoon SZ, Cho JE, et al. Comparison of the effects of 0.03 and 0.05 mg/kg midazolam with placebo on prevention of emergence agitation in children having strabismus surgery. Anesthesiology. 2014;120:1354-61. O motivo dessa associação, bem como a própria fisiopatologia do DDA, permanece por ser elucidado. Uma possível explicação seria que qualquer condição capaz de interferir na condução cerebral tornaria o cérebro vulnerável, implicaria o mau funcionamento da atividade cerebral, favoreceria o surgimento de manifestações neurológicas pós-operatórias. Uma revisão sistemática recente sugere que futuros estudos bem conduzidos devam ser feitos para assegurar se a dor é um fator contributivo ou de confusão no diagnóstico da DDA.2424 Pieters BJ, Penn E, Nicklaus P, et al. Emergence delirium and postoperative pain in children undergoing adenotonsillectomy: a comparison of propofol vs sevoflurane anesthesia. Pediatr Anesth. 2010;20:944-50. Em nosso estudo, especificamente, foram usadas duas escalas validadas na tentativa de fazer um diagnóstico diferencial adequado entre essas duas condições, além da análise multivariada, com a finalidade de controlar os fatores de confundimento.

Nessa direção, um estudo recente observou menor ocorrência de agitação com o uso de cetorolaco intravenoso no intraoperatório em procedimentos cirúrgicos otorrinolaringológicos de curta duração, nos quais o pico do efeito analgésico do fármaco ocorreu após o despertar.2525 Costi D, Cyna AM, Ahmed S, et al. Effects of sevoflurane versus other general anaesthesia on emergence agitation in children. Cochrane Database Syst Rev. 2014;9:CD007084. Da mesma forma, um estudo com dois grupos de pacientes submetidos a anestesia inalatória com sevoflurano para procedimentos não cirúrgicos mostrou que o uso de dexmedetomidina no intraoperatório diminui a incidência de DDA em mais de 40%.2626 Davis PJ, Greeberg JA, Genldeman M, et al. Recovery characteristics of sevoflurane and halothane in preschool-aged children undergoing bilateral myringotomy and pressure equalization tube insertion. Anesth Analg. 1999;88:34-8. Contudo, em contrapartida, outro estudo observou uma elevada incidência de agitação ao despertar em pacientes submetidos a anestesia geral que receberam bloqueio caudal que determinou analgesia efetiva, o que levantou a teoria de que mesmo quando a dor pós-operatória é eficientemente tratada ou está ausente, a agitação pós-operatória pode ocorrer.2727 Isik B, Arslan M, Tunga AD, et al. Dexmedetomidine decreases emergence agitation in pediatric patients after sevoflurane anesthesia without surgery. Pediatr Anesth. 2006;16:748-53.

Em relação aos agentes voláteis de rápido despertar, acredita-se que desde a sua introdução distúrbios como DDA se tornaram mais frequente, com percentuais que podem alcançar 18% a 20%.2424 Pieters BJ, Penn E, Nicklaus P, et al. Emergence delirium and postoperative pain in children undergoing adenotonsillectomy: a comparison of propofol vs sevoflurane anesthesia. Pediatr Anesth. 2010;20:944-50.,2828 Vlajkovic GP, Sindjelic RP. Emergence delirium in children: many questions, few answers. Anesth Analg. 2007;104:84-91.3030 Picard V, Dumont L, Pellgrini M. Quality of recovery in children: sevoflurane versus propofol. Acta Anaesthesiol Scand. 2000;44:307-31. Em nosso estudo não pudemos avaliar a associação entre sevoflurano e DDA, desde que todos os pacientes receberam esse anestésico volátil para indução e manutenção da anestesia.

Adicionalmente, não encontramos associação entre DDA, ansiedade pré-operatória e idade pré-escolar, o que contradiz os dados da literatura, que acreditam que esse fenômeno é mais frequente em crianças altamente ansiosas e mais novas (entre dois e cinco anos).44 Voepel-Lewis T, Malviya S, Tait AR. A prospective cohort study of emergence agitation in the pediatric postanesthesia care unit. Anesth Analg. 2003;96:1625-30.,2828 Vlajkovic GP, Sindjelic RP. Emergence delirium in children: many questions, few answers. Anesth Analg. 2007;104:84-91.,3131 Sethi S, Ghai B, Ram J, et al. Postoperative emergence delirium in pediatric patients undergoing cataract surgery: a comparison of desflurane and sevoflurane. Pediatr Anesth. 2013;23:1131-37. A explicação para o DDA ser mais frequente em pré-escolares seria que esse grupo em particular apresenta labilidade emocional exacerbada diante de uma situação de estresse em ambiente estranho. Além disso, áreas do hipocampo encontram-se ainda fisiologicamente imaturas e favorecem uma instabilidade cerebral.2727 Isik B, Arslan M, Tunga AD, et al. Dexmedetomidine decreases emergence agitation in pediatric patients after sevoflurane anesthesia without surgery. Pediatr Anesth. 2006;16:748-53.

Em relação à ansiedade pré-operatória, acredita-se que elevadas pontuações são preditivos para desenvolver eventos neurológicos adversos após a anestesia, como agitação ao despertar e mudanças comportamentais. Pesquisa com 791 crianças mostrou que o risco para agitação ao despertar aumenta em 10% para cada aumento de 10 pontos no escore de avaliação da ansiedade pré-operatória das crianças.3232 Weldon BC, Bell M, Craddock T. The effect of caudal analgesia on emergence agitation in children after sevoflurane versus halothane anesthesia. Anesth Analg. 2004;98:321-6. Da mesma forma, acredita-se que crianças com comportamento impulsivo, menos sociáveis e cujos pais são mais ansiosos fazem parte de outro grupo de risco e estão mais propensas a desenvolver DDA.3333 Martini DR. Commentary: the diagnosis of delirium in pediatric patients. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 2005;44:395-8. Todavia, em nosso estudo, especificamente, essas duas associações não foram comprovadas.

De fato, na análise bivariada observamos uma associação positiva entre comportamento impulsivo e DDA, mas após análise multivariada isso não pode ser comprovado, o que sugere que esse fenômeno necessita ser mais bem investigado.3434 Kain ZN, Caldwell-Andrews AA, Maranets I, et al. Preoperative anxiety and emergence delirium and postoperative maladaptive behaviors. Anesth Analg. 2004;99:1648-54.

DDA é uma complicação frequente e que necessita de novos e bem conduzidos estudos para estabelecer mais precisamente os fatores de risco relacionados. Todavia, em nosso estudo especificamente, a dor pós-operatória surge com um fenômeno relacionado à DDA e, portanto, parece razoável acreditar que estratégias de prevenção e terapia do DDA devem incluir particularmente o controle da dor.

  • Financiamento
    Este estudo (número de entrada: 3.576) foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos do Instituto de Medicina Integral Prof. Fernando Figueira (IMIP) em 14 de novembro de 2012, sob o número 3130-12.

References

  • 1
    Rahimzadeh P, Faiz SH, Alebouyeh MR, et al. Appropriate anesthesia regimen to control sevoflurane-induced emergence agitation in children; propofol-lidocaine and thiopental sodium-lidocaine: a randomized controlled trial. Iran Red Crescent Med J. 2014;16:e16388.
  • 2
    Moore AD, Anghelescu DL. Emergence delirium in pediatric anesthesia. Pediatric Drugs. 2017;19:11-20.
  • 3
    Eckenhoff JE, Kneale DH, Dripps RD. The incidence and etiology of postanesthetic excitement. A clinical survey. Anesthesiology. 1961;22:667-73.
  • 4
    Voepel-Lewis T, Malviya S, Tait AR. A prospective cohort study of emergence agitation in the pediatric postanesthesia care unit. Anesth Analg. 2003;96:1625-30.
  • 5
    Moore JK, Moore EW, Elliott RA, et al. Propofol and halothane versus sevoflurane in paediatric daycase surgery: induction and recovery characteristics. Br J Anaesth. 2003;90:461-6.
  • 6
    Cravero J, Surgenor S, Whalen K. Emergence agitation in paediatric patients after sevoflurane anaesthesia and no surgery: a comparison with halothane. Paediatr Anaesth. 2000;10:419-24.
  • 7
    Aono J, Ueda W, Mamiya K, et al. Greater incidence of delirium during recovery from sevoflurane in preschool boys. Anesthesiology. 1997;87:1298-1300.
  • 8
    Przybylo HJ, Martini DR, Mazurek AJ, et al. Assessing behaviour in children emerging from anaesthesia: can we apply psychiatric diagnostic techniques? Paediatr Anaesth. 2003;13:609-16.
  • 9
    Kulka PJ, Bressem M, Tryba M. Clonidine prevents sevoflurane-induced agitation in children. Anesth Analg. 2001;93:335-8.
  • 10
    Reduqye LR, Verghese ST. Paediatric emergence delirium. Contin Educ Anaesth Crit Care Pain. 2012;13:39-41.
  • 11
    Nasr VG, Hannallah RS. Emergence agitation in children: a review. Middle East J Anesthesiol. 2011;21:175-82.
  • 12
    Guaratini AA, Marcolino JAM, Teixeira AB, et al. Estudo transversal de ansiedade préo-peratória em crianças: a utilização da escala de Yale modificada. Rev Bras Anestesiol. 2006;56:591-601.
  • 13
    Beskow A, Westrin P. Sevoflurane causes more postoperative agitation in children than does halothane. Acta Anaesthesiol Scand. 1999;43:536-41.
  • 14
    Hollister GR, Burn JM. Side effects of ketamine in pediatric anesthesia. Anesth Analg. 1974;53:264-7.
  • 15
    Shahmohammadi S, Baradari AF, Habibi MR, et al. Factors contributing to postanesthetic emergence agitation in pediatric anaesthesia. J Pediatr Rev. 2013;1:69-79.
  • 16
    Dahmani S, Delivet H, Hilly J. Emergence delirium in children: an update. Curr Opin Anaesthesiol. 2014;27:309-15.
  • 17
    Sikich N, Lerman J. Development and psychometric evaluation of the pediatric anesthesia emergence delirium scale. Anesthesiology. 2004;100:1138-45.
  • 18
    Silva LM, Braz LG, Módelo NS. Emergence agitation in pediatric anesthesia: current features. J Pediatr. 2008;84:107-13.
  • 19
    Broadman LM, Rice LJ, Hannallah RS. Comparison of physiological and a visual analogue pain scale in children. Can J Anaesth. 1988;35:S137-S8.
  • 20
    Eckenhoff JE, Kneale DH, Dripps RD. The incidence and etiology of postanesthetic excitement. Anesthesiology. 1961;22:667-73.
  • 21
    Veyckemans F. Excitation phenomena during sevoflurane anaesthesia in children. Curr Opin Anesthesiol. 2001;14:339-43.
  • 22
    Bong CL, Ng ASB. Evaluation of emergence delirium in Asian children using the pediatric anesthesia emergence delirium scale. Pediatr Anesth. 2009;19:593-600.
  • 23
    Cho EJ, Yoon SZ, Cho JE, et al. Comparison of the effects of 0.03 and 0.05 mg/kg midazolam with placebo on prevention of emergence agitation in children having strabismus surgery. Anesthesiology. 2014;120:1354-61.
  • 24
    Pieters BJ, Penn E, Nicklaus P, et al. Emergence delirium and postoperative pain in children undergoing adenotonsillectomy: a comparison of propofol vs sevoflurane anesthesia. Pediatr Anesth. 2010;20:944-50.
  • 25
    Costi D, Cyna AM, Ahmed S, et al. Effects of sevoflurane versus other general anaesthesia on emergence agitation in children. Cochrane Database Syst Rev. 2014;9:CD007084.
  • 26
    Davis PJ, Greeberg JA, Genldeman M, et al. Recovery characteristics of sevoflurane and halothane in preschool-aged children undergoing bilateral myringotomy and pressure equalization tube insertion. Anesth Analg. 1999;88:34-8.
  • 27
    Isik B, Arslan M, Tunga AD, et al. Dexmedetomidine decreases emergence agitation in pediatric patients after sevoflurane anesthesia without surgery. Pediatr Anesth. 2006;16:748-53.
  • 28
    Vlajkovic GP, Sindjelic RP. Emergence delirium in children: many questions, few answers. Anesth Analg. 2007;104:84-91.
  • 29
    Aouad MT, Nasr VG. Emergence agitation in children: an update. Curr Opin Anaesthesiol. 2005;18:614-19.
  • 30
    Picard V, Dumont L, Pellgrini M. Quality of recovery in children: sevoflurane versus propofol. Acta Anaesthesiol Scand. 2000;44:307-31.
  • 31
    Sethi S, Ghai B, Ram J, et al. Postoperative emergence delirium in pediatric patients undergoing cataract surgery: a comparison of desflurane and sevoflurane. Pediatr Anesth. 2013;23:1131-37.
  • 32
    Weldon BC, Bell M, Craddock T. The effect of caudal analgesia on emergence agitation in children after sevoflurane versus halothane anesthesia. Anesth Analg. 2004;98:321-6.
  • 33
    Martini DR. Commentary: the diagnosis of delirium in pediatric patients. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 2005;44:395-8.
  • 34
    Kain ZN, Caldwell-Andrews AA, Maranets I, et al. Preoperative anxiety and emergence delirium and postoperative maladaptive behaviors. Anesth Analg. 2004;99:1648-54.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Mar-Apr 2018

Histórico

  • Recebido
    27 Maio 2016
  • Aceito
    8 Nov 2017
Sociedade Brasileira de Anestesiologia R. Professor Alfredo Gomes, 36, 22251-080 Botafogo RJ Brasil, Tel: +55 21 2537-8100, Fax: +55 21 2537-8188 - Campinas - SP - Brazil
E-mail: bjan@sbahq.org