Acessibilidade / Reportar erro

Estudo comparativo entre indução rápida e lenta de propofol em infusão alvo-controlada: concentração de propofol prevista no local de ação. Ensaio clínico aleatório Estudo desenvolvido no CET/SBA do Instituto Penido Burnier e Centro Médico de Campinas.

Resumos

JUSTIFICATIVA E OBJETIVO:

estudos mostraram que a taxa de infusão de propofol pode influenciar na concentração prevista de propofol no local de ação (Ce). O objetivo deste estudo foi avaliar a Ce prevista pelo modelo farmacocinético de Marsh (ke0 0,26 min-1) na perda da consciência durante indução rápida ou lenta.

MÉTODO:

participaram deste estudo 28 pacientes, divididos aleatoriamente em dois grupos iguais. No grupo indução lenta (L), foram induzidos com propofol em infusão alvo-controlada (IAC) plasmática, modelo farmacocinético de Marsh (ke0 0,26 min-1), com concentração alvo (Ca) em 2,0 µg.ml-1. Quando a concentração de propofol prevista no local de ação (Ce) atingia metade do valor da Ca, aumentava-se a Ca para Ca anterior + 1 µg.ml-1. Assim sucessivamente até o momento da perda da consciência do paciente. No grupo indução rápida (R), os pacientes foram induzidos com propofol em IAC plasmática com Ca em 6,0 µg.ml-1 e aguardava-se a perda da consciência do paciente.

RESULTADOS:

no grupo indução rápida, a Ce na perda da consciência foi significativamente mais baixa em relação ao grupo de indução lenta (1,67 ± 0,76 e 2,50 ± 0,56 µg.ml-1, respectivamente, p = 0,004).

CONCLUSÃO:

a concentração prevista de propofol no local de ação durante a perda da consciência é diferente numa indução rápida e numa indução lenta, até com o mesmo modelo farmacocinético de propofol e a mesma constante de equilíbrio entre o plasma e o local de ação.

Anestésicos; Venoso; Propofol; Farmacologia; Técnicas anestésicas; Geral; Venosa


BACKGROUND AND OBJECTIVE:

Studies have shown that the rate of propofol infusion may influence the predicted propofol concentration at the effect site (Es). The aim of this study was to evaluate the Es predicted by the Marsh pharmacokinetic model (ke0 0.26 min-1) in loss of consciousness during fast or slow induction.

METHOD:

The study included 28 patients randomly divided into two equal groups. In slow induction group (S), target-controlled infusion (TCI) of propofol with plasma, Marsh pharmacokinetic model (ke0 0.26 min-1) with target concentration (Tc) at 2.0-µg mL-1 were administered. When the predicted propofol concentration at the effect site (Es) reached half of Es value, Es was increased to previous Es + 1 µg mL-1, successively, until loss of consciousness. In rapid induction group (R), patients were induced with TCI of propofol with plasma (6.0 µg mL-1) at effect site, and waited until loss of consciousness.

RESULTS:

In rapid induction group, Tc for loss of consciousness was significantly lower compared to slow induction group (1.67 ± 0.76 and 2.50 ± 0.56 µg mL-1, respectively, p = 0.004).

CONCLUSION:

The predicted propofol concentration at the effect site for loss of consciousness is different for rapid induction and slow induction, even with the same pharmacokinetic model of propofol and the same balance constant between plasma and effect site.

Anesthetics; Intravenous; Propofol; Pharmacology; Anesthetic techniques; General; Intravenous


JUSTIFICACIÓN Y OBJETIVO:

Varios estudios han demostrado que la tasa de infusión del propofol puede influir en la concentración prevista de propofol en la región de acción (Ce). El objetivo de este estudio fue evaluar la Ce prevista por el modelo farmacocinético de Marsh (ke0 0,26 min-1) en la pérdida de la consciencia durante inducción rápida o lenta.

MÉTODO:

Participaron en este estudio 28 pacientes, divididos aleatoriamente en 2 grupos iguales. En el grupo de inducción lenta, se administró una inducción de propofol en infusión objetivo-controlada plasmática, modelo farmacocinético de Marsh (ke0 0,26 min-1), con concentración objetivo (Ca) en 2µg/ml-1. Cuando la concentración de propofol prevista en la Ce alcanzaba la mitad del valor de la Ca, esta aumentaba a la Ca anterior +1 µg/ml-1. Así fue sucesivamente hasta el momento de la pérdida de la consciencia del paciente. En el grupo de inducción rápida, los pacientes recibieron inducción con propofol en infusión objetivo-controlada plasmática con Ca en 6 µg/ml-1 y se esperó hasta la pérdida de consciencia del paciente.

RESULTADOS:

En el grupo inducción rápida, la Ce en la pérdida de la consciencia fue significativamente más baja con relación al grupo de inducción lenta (1,67 ± 0,76 y 2,50 ± 0,56 µg/ml-1, respectivamente; p = 0,004).

CONCLUSIÓN:

La concentración prevista de propofol en la Ce durante la pérdida de la consciencia es diferente en una inducción rápida y en una inducción lenta, hasta con el mismo modelo farmacocinético de propofol y la misma constante de equilibrio entre el plasma y la región de acción.

Anestésicos; Venoso; Propofol; Farmacología; Técnicas anestésicas; General; Venosa


Introdução

Recentemente vários estudos têm demonstrado uma boa correlação entre a concentração prevista de propofol no local de ação (Ce) pelo modelo farmacocinético de Marsh (ke0 0,26 min-1) e o grau de sedação, valores do índice bispectral (BIS), entropia, índice do potencial evocado e a perda e recuperação da consciência.11. Gajraj RJ, Doi M, Mantzaridis H. Comparison of bispectral EEG analysis and auditory evoked potentials for monitoring depth of anaesthesia during propofol anaesthesia. Br J Anaesth. 1999;82:672-8., 22. Barakat AR, Sutcliffe N, Schwab M. Effect site concentration during propofol TCI sedation: a comparison of sedation score with two pharmacokinetic models. Anaesthesia. 2007;62:661-6., 33. Iwakiri H, Nishihara N, Nagata O. Individual effect-site concentrations of propofol are similar at loss of consciousness and at awakening. Anesth Analg. 2005;100:107-10.,44. Simoni RF, Esteves LO, Miziara LEPG, et al. Avaliação clínica de duas ke0 no mesmo modelo farmacocinético de propofol: estudo da perda e recuperação da consciência. Rev Bras Anestesiol. 2011;61:397-408.and55. Iannuzzi M, Iannuzzi E, Rossi F, et al. Relationship between bispectral index, electroencephalografic state entropy, and effect-site EC50 for propofol at different clinical endpoints. Br J Anaesth. 2005;94:613-6.

Por causa dessa boa correlação com a farmacodinâmica, alguns autores têm sugerido calibrar a concentração alvo de propofol durante a manutenção da anestesia baseada na Ce alcançada na perda da consciência.33. Iwakiri H, Nishihara N, Nagata O. Individual effect-site concentrations of propofol are similar at loss of consciousness and at awakening. Anesth Analg. 2005;100:107-10.,44. Simoni RF, Esteves LO, Miziara LEPG, et al. Avaliação clínica de duas ke0 no mesmo modelo farmacocinético de propofol: estudo da perda e recuperação da consciência. Rev Bras Anestesiol. 2011;61:397-408.and66. Lysakowsky C, Elia N, Czarnetzki C, et al. Bispectral and spectral entropy indices at propofol-induced loss of consciousness in young and elderly patients. Br J Anaesth. 2009;103:387-93.

Entretanto, outros estudos mostraram que a taxa de infusão de propofol pode influenciar no equilíbrio entre a concentração plasmática e a concentração no local de ação, ou seja, na constante matemática de primeira ordem denominada de ke0.77. Struys MMRF, Coppens MJ, Neve ND, et al. Influence of administration rate on propofol plasma-effect site equilibration. Anesthesiology. 2007;107:386-96.and88. Sepulveda PO, Cortinez LI, Recart A, et al. Predictive ability of propofol effect-site concentrations during fast and slow infusion rates. Acta Anaesthesiol Scand. 2010;54:447-52.

O objetivo principal deste estudo foi avaliar a Ce prevista pelo modelo farmacocinético de Marsh (ke0 0,26 min-1) na perda da consciência durante indução rápida ou lenta de pacientes submetidos à colecistectomia laparoscópica sob anestesia venosa total com propofol e remifentanil. Avaliou-se também a Ce durante a manutenção e recuperação da anestesia.

A hipótese a ser testada é que mesmo com o uso do mesmo modelo farmacocinético e da mesma constante de equilíbrio entre o plasma e o local de ação, a Ce durante a perda da consciência é diferente na indução rápida em relação à indução lenta.

Método

Após aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa e assinatura prévia do termo de consentimento livre e esclarecido, participaram deste estudo clínico aleatório 28 pacientes entre 18 e 65 anos, de ambos os sexos, estado físico ASA 1 e 2, submetidos à colecistectomia laparoscópica sob anestesia venosa total com propofol e remifentanil.

O tamanho da amostra foi baseado em estudo piloto prévio. Considerando que a diferença de proporcionalidade entre a concentração de propofol prevista no local de ação na perda da consciência com a infusão rápida e lenta foi de 67%, a força de análise com alfa de 1% e beta de 5% mostrou que seriam necessários 11 pacientes por grupo. Acrescentaram-se mais três pacientes por grupo para compensar possíveis perdas durante o ensaio clínico.

Nenhum paciente recebeu medicação pré-anestésica e todos foram monitorados com eletrocardiograma (derivação DII e V1), oximetria de pulso, pressão arterial média não invasiva (PAM), índice bispectral (BIS) e fração expirada de CO2 após a intubação traqueal.

Os pacientes foram divididos aleatoriamente, com sequência definida por computador, em dois grupos iguais. No grupo indução lenta (L), foram induzidos com propofol em infusão alvo-controlada (IAC) plasmática, modelo farmacocinético de Marsh (ke0 0,26 min-1), com concentração alvo (Ca) de 2,0 µg.ml-1. Quando a concentração de propofol prevista no local de ação (Ce) atingia metade do valor da Ca, aumentava-se a Ca para Ca anterior + 1 µg.ml-1. Assim sucessivamente até o momento da perda da consciência do paciente (perda da resposta verbal e do reflexo palpebral). No grupo indução rápida (R), os pacientes foram induzidos com propofol em IAC plasmática com Ca em 6 µg.ml-1 e aguardava-se a perda da consciência do paciente.

Nos dois grupos, após a perda da consciência, iniciava-se a IAC efeito de remifentanil a 5 ?g.mL-1 (modelo farmacocinético de Minto), administrava-se rocurônio 0,6 mg.Kg-1 e após dois minutos fazia-se a intubação traqueal.

Durante o intraoperatório, a Ca de propofol era ajustada para manter o BIS entre 35 e 50, enquanto a Ca de remifentanil era ajustada para manter a PAM entre ± 20% da PAM inicial.

Terminada a cirurgia, ambas as infusões eram desligadas.

Foi anotada a Ce de propofol na perda e recuperação da consciência (BIS = 70) e a cada minuto do intraoperatório (IO).

Em todos os pacientes foram administrados dipirona 30 mg.Kg-1 e cetoprofeno 1,5 mg.Kg-1 para analgesia pós-operatória e metadona 0,1 mg.Kg-1 como analgésico de resgate na sala de recuperação pós-anestésica.

Para gerenciamento das infusões e captação dos dados foi usado o software Anestfusor(r) acoplado a duas bombas de seringa Pilot 2 (Fresenius-Kabi) e ao BIS.

Usou-se o teste t de Student para análise estatística dos dados paramétricos e foi considerada diferença significativa quando os valores de p fossem < 0,05.

Resultados

Não houve diferença significativa entre as variáveis demográficas dos dois grupos (p > 0,05) (tabela 1).

Tabela 1
Idade, peso, altura e sexo dos pacientes estudados por grupo

O tempo de indução no grupo indução lenta (L) foi maior em relação ao grupo indução rápida (R), 4,54 e 1,46 minutos, respectivamente (p < 0,001). Não houve diferença significativa no tempo de cirurgia, tempo de despertar e consumo de propofol e remifentanil entre os dois grupos (p > 0,05) (tabela 2).

Tabela 2
Tempo de indução, duração da cirurgia e despertar, consumo de propofol e remifentanil

A concentração prevista de propofol no local de ação (Ce) na perda da consciência foi maior no grupo L em relação ao grupo R, 2,50 e 1,67 µg.mL-1, respectivamente (p = 0,004). Houve diferença significativa entre Ce na perda e recuperação da consciência no grupo L, 2,5 e 1,60 µg.mL-1, respectivamente (p < 0,001). No grupo R, a Ce na perda da consciência foi menor em relação à Ce no intraoperatório, 1,67 e 2,52 µg.mL-1, respectivamente (p = 0,002). Não houve diferença significativa entre os grupos nos valores da Ce no intraoperatório e no despertar da consciência (p > 0,05). Também não houve diferença significativa na Ce durante a perda e recuperação da consciência no grupo R (p > 0,05) (fig. 1).

Figura 1
Concentração de propofol no local de ação (mcg/ml). L, grupo indução lenta; R, grupo indução rápida; PDC, perda da consciência; IO, intraoperatório; RDC, recuperação da consciência; avs• p = 0,004; avs? p < 0,001; •vs? p = 0,002.

Discussão

A principal diferença encontrada neste estudo foi a Ce prevista pelo modelo farmacocinético de Marsh (ke0 0,26 min-1) durante a perda da consciência entre a indução rápida ou lenta.

Apesar de se usarem o mesmo modelo farmacocinético e a mesma constante de equilíbrio plasma/local de ação (ke0), no grupo de indução rápida a Ce na perda da consciência foi significativamente mais baixa em relação ao grupo de indução lenta, 1,67 e 2,50 µg.ml-1, respectivamente. Essa diferença foi encontrada também por outros autores.88. Sepulveda PO, Cortinez LI, Recart A, et al. Predictive ability of propofol effect-site concentrations during fast and slow infusion rates. Acta Anaesthesiol Scand. 2010;54:447-52.

Estudos mostraram que os modelos farmacocinéticos de propofol usados nos sistemas de infusão alvo-controlada são poucos precisos na previsão precoce da real concentração arterial de propofol após uma injeção em bólus ou uma infusão rápida, quando o efeito máximo é observado.77. Struys MMRF, Coppens MJ, Neve ND, et al. Influence of administration rate on propofol plasma-effect site equilibration. Anesthesiology. 2007;107:386-96., 99. Schnider TW, Minto CF, Shafer SL, et al. The influence of age in propofol pharmacodynamics. Anesthesiology. 1999;90:1502-16.,1010. Kasama T, Morita K, Ikeda T, et al. Comparison of predicted induction dose with predetermined physiologic characteristics of patients and with pharmacokinetic models incorporating those characteristics as covariates. Anesthesiology. 2003;98:299-305.and1111. Schuttler J, Ihmsen H. Population pharmacokinetics of propofol: a multicenter study. Anesthesiology. 2000;92:727-38. Esses modelos farmacocinéticos mamilares multicompartimentais convencionais presumem que a mistura do fármaco no compartimento central ocorre imediatamente e que essa mistura logo aparece na circulação arterial. Na verdade existe um atraso entre a administração do fármaco e seu aparecimento no sangue arterial. Isso tem sido relatado em diversos estudos.77. Struys MMRF, Coppens MJ, Neve ND, et al. Influence of administration rate on propofol plasma-effect site equilibration. Anesthesiology. 2007;107:386-96.,1212. Krejcie TC, Henthorn TK, Niemann CU, et al. Recirculatory pharmacokinetics models of makers of blood, extracellular fluid and total body water administered concomitantly. J Pharmacol Exp Ther. 1996;278:1050-7.and1313. Upton RN, Grant C, Martinez AM, et al. Recirculatory model of fentanyl disposition with the brain as the target organ. Br J Anaesth. 2004;93:687-97.

Esse atraso depende, entre outros fatores, da extração pulmonar do propofol na primeira passagem.1414. Avram MJ, Krejcie TC. Using front-end kinetics to optimize target-controlled drug infusion. Anesthesiology. 2003;99: 1078-86.and1515. Henthorn TK, Krejcie TC, Avram MJ. Early drug distribution: a generally neglected aspect of pharmacokinetics of particular relevance to intravenously administered anesthesic agents. Clin Pharmacol Ther. 2008;84:18-22. No modelo farmacocinético de Marsh esse erro inicial é evidente durante os cinco primeiros minutos, o que torna o modelo pouco preciso nesses minutos iniciais.77. Struys MMRF, Coppens MJ, Neve ND, et al. Influence of administration rate on propofol plasma-effect site equilibration. Anesthesiology. 2007;107:386-96.

Ao presumir uma mistura instantânea após uma injeção em bólus, os modelos farmacocinéticos tradicionais superestimam o volume central. Como a dose de bólus depende do tamanho do compartimento central, superestimar esse volume pode resultar num grande bólus, que poderá exceder a concentração alvo toda vez que o alvo é aumentado.1414. Avram MJ, Krejcie TC. Using front-end kinetics to optimize target-controlled drug infusion. Anesthesiology. 2003;99: 1078-86.and1515. Henthorn TK, Krejcie TC, Avram MJ. Early drug distribution: a generally neglected aspect of pharmacokinetics of particular relevance to intravenously administered anesthesic agents. Clin Pharmacol Ther. 2008;84:18-22.

Por causa dessa pouca previsibilidade do modelo farmacocinético nos primeiros minutos após uma injeção em bólus, alguns autores demonstraram que a taxa de infusão de propofol pode influenciar na constante de equilíbrio entre o plasma e o local de ação.77. Struys MMRF, Coppens MJ, Neve ND, et al. Influence of administration rate on propofol plasma-effect site equilibration. Anesthesiology. 2007;107:386-96. Aparentemente, a constante de equilíbrio plasma/local de ação é mais rápida para administração em bólus do que para infusões mais lentas. Isso talvez responda por que diferentes ke0 são encontrados na literatura, mesmo quando se usa o mesmo modelo farmacocinético.77. Struys MMRF, Coppens MJ, Neve ND, et al. Influence of administration rate on propofol plasma-effect site equilibration. Anesthesiology. 2007;107:386-96.

Talvez existam razões fisiológicas para esses diferentes valores de ke0 obtidos por intermédio de bólus e infusões mais lentas. Um estudo demonstrou que o propofol diminui o fluxo sanguíneo cerebral de maneira dose dependente.1616. Ludbrook GL, Visco E, Lam AM. Propofol: relation between brain concentrations, electroencephalogram, middle cerebral artery blood flow velocity, and cerebral oxygen extraction during induction of anesthesia. Anesthesiology. 2002;97:1363-70. Então, quando se usa injeção em bólus para extrair a ke0, a alta concentração atingida de propofol pode diminuir o fluxo sanguíneo cerebral. Por outro lado, quando infusões mais lentas são usadas, esse efeito do propofol sobre o fluxo sanguíneo cerebral deve ser atenuado.

Com o uso de um esquema de infusão contínua convencional, os valores de t 1/2 ke0 de propofol encontrados na literatura variam entre 2,3 e 3,5 min.1717. Schwilden H, Stoeckel H, Schuttler J. Closed-loop feedback control of propofol anaesthesia by quantitative EEG analysis in humans. Br J Anaesth. 1989;62:290-6.,1818. Billard V, Gambus PL, Chamoun N, et al. A comparison of spectral edge, delta power, and bispectral index as EEG measures of alfentanil, propofol, and midazolam drug effect. Clin Pharmacol Ther. 1997;61:45-58.and1919. White M, Schenkels MJ, Engbers FH, et al. Effect-site modelling of propofol using auditory evoked potentials. Br J Anaesth. 1999;82:333-9. O modelo farmacocinético de Marsh, o qual está presente no primeiro sistema de infusão alvo controlada disponível comercialmente (Diprifusor), foi baseado em dados extraídos de uma infusão lenta e está relacionado com uma t 1/2 ke0 de 2,65 minutos.1717. Schwilden H, Stoeckel H, Schuttler J. Closed-loop feedback control of propofol anaesthesia by quantitative EEG analysis in humans. Br J Anaesth. 1989;62:290-6.

Como opção para diminuir esse erro inicial dos modelos farmacocinéticos de propofol, alguns autores têm proposto incorporar ao modelo de Schnider diferentes valores de ke0 para diferentes taxas de infusão.77. Struys MMRF, Coppens MJ, Neve ND, et al. Influence of administration rate on propofol plasma-effect site equilibration. Anesthesiology. 2007;107:386-96. Se a taxa de infusão máxima permanecer entre 300 e 900 mL.h-1, a t 1/2 ke0 deveria ser aproximadamente de 2,2 minutos (ke0 = 0,32 min-1). Entretanto, se a infusão é semelhante a uma injeção em bólus, um t 1/2 ke0 mais curto de 1,2 minuto deveria ser usado.

Para outros modelos farmacocinéticos de propofol, como o de Marsh, por exemplo, se a bomba é capaz de administrar o bólus de indução em um minuto ou menos, deve-se implementar o tempo para efeito máximo de 1,5 minuto.77. Struys MMRF, Coppens MJ, Neve ND, et al. Influence of administration rate on propofol plasma-effect site equilibration. Anesthesiology. 2007;107:386-96. Com essas opções, a concentração efeito prevista pelo modelo será mais precisa ao longo do tempo.

Modelos farmacocinéticos mais adequados para essa fase inicial da cinética e a correlação com possíveis covariáveis, como a idade, o peso e a taxa de infusão, têm sido estudados por alguns autores.2020. Masui K, Kira M, Kasama T, et al. Early phase pharmacokinetics but not pharmacodynamics are influenced by propofol infusuion rate. Anesthesiology. 2009;111:805-17. Nesses modelos mais sofisticados foi demonstrado que o uso de um único valor de ke0 é apropriado e pode ser aplicado em sistemas de infusão alvo controlada, os quais usam bombas de seringa com taxa de infusão entre 10 e 160 mg.Kg-1.h-1. Portanto, para esses estudos a farmacodinâmica não é influenciada pela taxa de infusão de propofol.2020. Masui K, Kira M, Kasama T, et al. Early phase pharmacokinetics but not pharmacodynamics are influenced by propofol infusuion rate. Anesthesiology. 2009;111:805-17.and2121. Doufas AG, Bakhshandeh M, Bjorksten AR, et al. Induction speed is not a determinant of propofol pharmacodynamics. Anesthesiology. 2004;101:1112-21.

Durante o intraoperatório e na recuperação da consciência os valores médios de Ce nos grupos indução rápida e lenta foram semelhantes, 2,52 ± 0,43 e 2,52 ± 0,76 µg.mL-1, respectivamente, e 1,63 ± 0,42 e 1,60 ± 0,58 µg.mL-1, respectivamente.

Como demonstrado em alguns estudos, a Ce de propofol durante a perda e recuperação da consciência são semelhantes quando se usa o modelo farmacocinético de Marsh (ke0 0,26 min-1).33. Iwakiri H, Nishihara N, Nagata O. Individual effect-site concentrations of propofol are similar at loss of consciousness and at awakening. Anesth Analg. 2005;100:107-10.and44. Simoni RF, Esteves LO, Miziara LEPG, et al. Avaliação clínica de duas ke0 no mesmo modelo farmacocinético de propofol: estudo da perda e recuperação da consciência. Rev Bras Anestesiol. 2011;61:397-408. Com isso, alguns autores têm sugerido calibrar a dose alvo de manutenção de propofol baseado na Ce durante a perda da consciência.33. Iwakiri H, Nishihara N, Nagata O. Individual effect-site concentrations of propofol are similar at loss of consciousness and at awakening. Anesth Analg. 2005;100:107-10.,44. Simoni RF, Esteves LO, Miziara LEPG, et al. Avaliação clínica de duas ke0 no mesmo modelo farmacocinético de propofol: estudo da perda e recuperação da consciência. Rev Bras Anestesiol. 2011;61:397-408.and66. Lysakowsky C, Elia N, Czarnetzki C, et al. Bispectral and spectral entropy indices at propofol-induced loss of consciousness in young and elderly patients. Br J Anaesth. 2009;103:387-93. O objetivo principal seria diminuir a possibilidade de o paciente despertar no intraoperatório. Vale a pena salientar que isso é válido apenas quando a analgesia durante todo o procedimento for plena.

Até o presente momento, a literatura sobre o tema não permite afirmar que a real concentração de propofol no local de ação é semelhante na perda e recuperação da consciência ou que ela seja realmente diferente.

Recentemente, um estudo demonstrou que independentemente do modelo farmacocinético de propofol usado (Schnider: ke0 0,45 min-1 e tempo para efeito máximo 1,7 minuto; Marsh: ke0 1,21 min-1 e tempo para efeito máximo 1,7 minuto; ou Marsh: ke0 0,26 min-1 e tempo para efeito máximo de 4,5 minutos), o valor previsto de propofol no local de ação durante a perda da consciência após uma injeção em bólus não deve ser usado como valor referência para titulação da hipnose durante a manutenção de uma anestesia, pois a concentração efeito de propofol prevista por esses modelos durante a perda da consciência é muito diferente (4,40, 3,55 e 1,28 µg.mL-1, respectivamente).88. Sepulveda PO, Cortinez LI, Recart A, et al. Predictive ability of propofol effect-site concentrations during fast and slow infusion rates. Acta Anaesthesiol Scand. 2010;54:447-52.

Neste estudo, na recuperação da consciência, a Ce nos grupos de indução rápida e lenta foi semelhante. Entretanto, a Ce na perda e recuperação foi semelhante somente no grupo de indução rápida (fig. 1).

Com base nos resultados apresentados, pode-se concluir que em casos de uma indução rápida com modelo de Marsh (ke0 0,26 min-1), a Ce na perda e recuperação da consciência é semelhante (1,63 e 1,60 µg.mL-1, respectivamente). Porém, a Ce durante o intraoperatório deve ser em torno de 50% maior.

Já nos casos de indução lenta, a dose alvo de manutenção pode ser semelhante à Ce durante a perda da consciência. Esse resultado era esperado, uma vez que a ke0 empregada neste estudo foi extraída por meio de dados de uma infusão lenta.1717. Schwilden H, Stoeckel H, Schuttler J. Closed-loop feedback control of propofol anaesthesia by quantitative EEG analysis in humans. Br J Anaesth. 1989;62:290-6. Consequentemente, a concentração de propofol prevista no local de ação ao longo do tempo é mais precisa.

Embora o objetivo tenha sido estudar a concentração prevista de propofol no local de ação, a principal limitação deste estudo foi não ter mensurado a concentração plasmática de propofol nos diversos momentos.

Outro aspecto a ser salientado é que o uso de pacientes de ambos os sexos pode ter aumentado o viés do estudo, uma vez que o sexo é uma variável importante na farmacocinética do propofol.2222. White M, Kenny GNC, Schraag S. Use of target controlled infusion to derive age and gender covariates for propofol clearance. Clin J Pharmacokinet. 2008;47:119-27. Entretanto, não houve diferença significativa entre os grupos no número de pacientes dos sexos masculino e feminino.

Conclusão

A concentração prevista de propofol no local de ação durante a perda da consciência é diferente numa indução rápida e numa indução lenta, mesmo com o mesmo modelo farmacocinético de propofol e a mesma constante de equilíbrio entre o plasma e o local de ação. Reconhecer essa diferença é de fundamental importância para conduzir uma anestesia venosa total com infusão alvo-controlada de propofol de maneira segura para o paciente.

References

  • 1
    Gajraj RJ, Doi M, Mantzaridis H. Comparison of bispectral EEG analysis and auditory evoked potentials for monitoring depth of anaesthesia during propofol anaesthesia. Br J Anaesth. 1999;82:672-8.
  • 2
    Barakat AR, Sutcliffe N, Schwab M. Effect site concentration during propofol TCI sedation: a comparison of sedation score with two pharmacokinetic models. Anaesthesia. 2007;62:661-6.
  • 3
    Iwakiri H, Nishihara N, Nagata O. Individual effect-site concentrations of propofol are similar at loss of consciousness and at awakening. Anesth Analg. 2005;100:107-10.
  • 4
    Simoni RF, Esteves LO, Miziara LEPG, et al. Avaliação clínica de duas ke0 no mesmo modelo farmacocinético de propofol: estudo da perda e recuperação da consciência. Rev Bras Anestesiol. 2011;61:397-408.
  • 5
    Iannuzzi M, Iannuzzi E, Rossi F, et al. Relationship between bispectral index, electroencephalografic state entropy, and effect-site EC50 for propofol at different clinical endpoints. Br J Anaesth. 2005;94:613-6.
  • 6
    Lysakowsky C, Elia N, Czarnetzki C, et al. Bispectral and spectral entropy indices at propofol-induced loss of consciousness in young and elderly patients. Br J Anaesth. 2009;103:387-93.
  • 7
    Struys MMRF, Coppens MJ, Neve ND, et al. Influence of administration rate on propofol plasma-effect site equilibration. Anesthesiology. 2007;107:386-96.
  • 8
    Sepulveda PO, Cortinez LI, Recart A, et al. Predictive ability of propofol effect-site concentrations during fast and slow infusion rates. Acta Anaesthesiol Scand. 2010;54:447-52.
  • 9
    Schnider TW, Minto CF, Shafer SL, et al. The influence of age in propofol pharmacodynamics. Anesthesiology. 1999;90:1502-16.
  • 10
    Kasama T, Morita K, Ikeda T, et al. Comparison of predicted induction dose with predetermined physiologic characteristics of patients and with pharmacokinetic models incorporating those characteristics as covariates. Anesthesiology. 2003;98:299-305.
  • 11
    Schuttler J, Ihmsen H. Population pharmacokinetics of propofol: a multicenter study. Anesthesiology. 2000;92:727-38.
  • 12
    Krejcie TC, Henthorn TK, Niemann CU, et al. Recirculatory pharmacokinetics models of makers of blood, extracellular fluid and total body water administered concomitantly. J Pharmacol Exp Ther. 1996;278:1050-7.
  • 13
    Upton RN, Grant C, Martinez AM, et al. Recirculatory model of fentanyl disposition with the brain as the target organ. Br J Anaesth. 2004;93:687-97.
  • 14
    Avram MJ, Krejcie TC. Using front-end kinetics to optimize target-controlled drug infusion. Anesthesiology. 2003;99: 1078-86.
  • 15
    Henthorn TK, Krejcie TC, Avram MJ. Early drug distribution: a generally neglected aspect of pharmacokinetics of particular relevance to intravenously administered anesthesic agents. Clin Pharmacol Ther. 2008;84:18-22.
  • 16
    Ludbrook GL, Visco E, Lam AM. Propofol: relation between brain concentrations, electroencephalogram, middle cerebral artery blood flow velocity, and cerebral oxygen extraction during induction of anesthesia. Anesthesiology. 2002;97:1363-70.
  • 17
    Schwilden H, Stoeckel H, Schuttler J. Closed-loop feedback control of propofol anaesthesia by quantitative EEG analysis in humans. Br J Anaesth. 1989;62:290-6.
  • 18
    Billard V, Gambus PL, Chamoun N, et al. A comparison of spectral edge, delta power, and bispectral index as EEG measures of alfentanil, propofol, and midazolam drug effect. Clin Pharmacol Ther. 1997;61:45-58.
  • 19
    White M, Schenkels MJ, Engbers FH, et al. Effect-site modelling of propofol using auditory evoked potentials. Br J Anaesth. 1999;82:333-9.
  • 20
    Masui K, Kira M, Kasama T, et al. Early phase pharmacokinetics but not pharmacodynamics are influenced by propofol infusuion rate. Anesthesiology. 2009;111:805-17.
  • 21
    Doufas AG, Bakhshandeh M, Bjorksten AR, et al. Induction speed is not a determinant of propofol pharmacodynamics. Anesthesiology. 2004;101:1112-21.
  • 22
    White M, Kenny GNC, Schraag S. Use of target controlled infusion to derive age and gender covariates for propofol clearance. Clin J Pharmacokinet. 2008;47:119-27.
  • Estudo desenvolvido no CET/SBA do Instituto Penido Burnier e Centro Médico de Campinas.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Mar-Apr 2015

Histórico

  • Recebido
    02 Maio 2013
  • Aceito
    15 Jul 2013
Sociedade Brasileira de Anestesiologia R. Professor Alfredo Gomes, 36, 22251-080 Botafogo RJ Brasil, Tel: +55 21 2537-8100, Fax: +55 21 2537-8188 - Campinas - SP - Brazil
E-mail: bjan@sbahq.org