Acessibilidade / Reportar erro

A anestesia peridural torácica realizada com segurança no paciente anestesiado: estudo de uma série de casos

Anestesia peridural torácica realizada con seguridad en el paciente anestesiado: estudio de una serie de casos

Resumos

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: O surgimento de casos de paraplegia seguindo a inserção de cateter peridural em pacientes anestesiados levou a questionamento por parte de alguns autores, mesmo que não se confirme que a lesão tenha ocorrido porque o paciente estava anestesiado. Por esse motivo, idealizamos este estudo, que teve como objetivo avaliar a freqüência de complicações neurológicas e de surgimento de seqüelas após anestesia peridural torácica realizada com os pacientes sob anestesia geral. MÉTODO: Participaram do estudo pacientes submetidos à intervenção cirúrgica torácica no período de 16/02/2004 a 30/05/2006. Após monitoração dos sinais vitais e realização da anestesia geral, os pacientes foram colocados em decúbito lateral e realizada anestesia peridural torácica simples ou contínua. Numa ficha especial foram registradas as intercorrências, complicações e dificuldades na realização da técnica. No pós-operatório os pacientes foram acompanhados em busca de sinais e sintomas de disfunção neurológica. RESULTADOS: Foram avaliados 113 pacientes e em 108 foi inserido cateter peridural torácico. Em 45 pacientes a punção foi considerada traumática, ou seja, sangramento no local da punção e punções múltiplas. Em dois pacientes houve perfuração acidental de dura-máter. No pós-operatório imediato um paciente relatou sensação de formigamento em membros inferiores, outro paciente apresentou dormência em membro superior, desaparecendo com a retirada e tração do cateter. A punção foi única nos dois casos. Nenhum outro paciente apresentou sinais ou sintomas de alterações neurológicas. CONCLUSÕES: Nos casos estudados não houve complicação neurológica. Quando executado com bom senso e cuidados específicos o bloqueio peridural torácico pode ser realizado com segurança no paciente anestesiado.

ANESTESIA, Geral; COMPLICAÇÕES; TÉCNICAS ANESTÉSICAS, Regional


JUSTIFICATIVA Y OBJETIVOS: El surgimiento de casos de paraplejia continuando la inserción de catéter peridural en pacientes anestesiados, hizo con que algunos autores se cuestionasen el hecho incluso cuando no se confirmase que la lesión haya ocurrido porque el paciente estaba anestesiado. Por ese motivo, idealizamos este estudio, que tuvo como objetivo evaluar la frecuencia de complicaciones neurológicas y el aparecimiento de secuelas después de la anestesia peridural torácica realizada con los pacientes bajo anestesia general. MÉTODO: Participaron en el estudio pacientes sometidos a la intervención quirúrgica torácica en el período de 16/02/2004 a 30/05/2006. Después de la monitorización de las señales vitales y de la anestesia general, los pacientes fueron puestos en decúbito lateral y fue realizada la anestesia peridural torácica simple o continua. En una ficha especial se registraron las intercurrencias, complicaciones y dificultades en la realización de la técnica. En el postoperatorio los pacientes tuvieron acompañamiento en busca de señales y de síntomas de disfunción neurológica. RESULTADOS: Se evaluaron 113 pacientes y a 108 de ellos se les insertó catéter peridural torácico. En 45 pacientes la punción fue considerada traumática, o sea, hubo sangramiento en el local de la punción y punciones múltiples. En dos pacientes hubo perforación accidental de duramadre. En el postoperatorio inmediato, un paciente relató una sensación de hormigueo en los miembros inferiores, otro paciente presentó adormecimiento en miembro superior, desapareciendo con la retirada y la tracción del catéter. La punción fue única en los dos casos. En ningún otro paciente hubo señales o síntomas de alteraciones neurológicas. CONCLUSIONES: En los casos estudiados no hubo complicación neurológica. Cuando se efectúa con sentido común y con los cuidados específicos, el bloqueo peridural torácico puede ser realizado con seguridad en el paciente anestesiado.


BACKGROUND AND OBJECTIVES: The development of paraplegia following the insertion of epidural catheter in anesthetized patients raised questions by some authors about the procedure, even without the confirmation that the lesion occurred because the patient was anesthetized. For this reason, we designed this study, with the objective to evaluate the frequency of neurological complications and development of sequelae after thoracic epidural block in patients under general anesthesia. METHODS: Patients undergoing thoracic surgeries from 02/16/2004 to 05/30/2006 participated in the study. After monitoring vital signs and the installation of general anesthesia, patients were placed in lateral decubitus for simple or continuous thoracic epidural block. Intercurrences, complications, and technical difficulties were recorded on a special form. Patients were followed postoperatively to detect the development of any signs and symptoms of neurological dysfunction. RESULTS: One hundred and thirteen patients were evaluated and the thoracic epidural catheter was placed in 108 patients. The puncture was considered traumatic, i.e., bleeding at the puncture site and multiple punctures, in 45 patients. Accidental perforation of the dura-mater occurred in two patients. In the immediate postoperative period, a patient complained of tingling in the lower limbs, another patient developed numbness in an upper limb, which resolved after the catheter was removed. Both patients had a single puncture. The other patients did not develop any signs or symptoms of neurologic changes. CONCLUSIONS: The cases studied here did not develop any neurologic complications. When performed judiciously and with specific care, thoracic epidural block can be safely done in the anesthetized patient.

ANESTHESIA, General; ANESTHETIC TECHNIQUES; ANESTHETIC TECHNIQUES; COMPLICATIONS


ARTIGO CIENTÍFICO

A anestesia peridural torácica realizada com segurança no paciente anestesiado. Estudo de uma série de casos* * Recebido do Hospital SARAH, Brasília, DF

Anestesia peridural torácica realizada con seguridad en el paciente anestesiado. Estudio de una serie de casos

Paulo Roberto Nunes de Bessa, TSAI; Verônica Vieira da CostaI; Érika Carvalho Pires ArciII; Maria do Carmo Barretto de C. FernandesIII; Renato Ângelo Saraiva, TSAIV

IAnestesiologista do Hospital SARAH

IIEstatística do Hospital SARAH

IIIEnfermeira do Hospital SARAH

IVCoordenador de Anestesiologia da Rede SARAH de Hospitais

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Dr. Paulo Roberto Nunes de Bessa Hospital Sarah Brasília - Centro SHMS Quadra 501 Conj. A 70335-901 Brasília, DF E-mail: prbessa@terra.com.br

RESUMO

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: O surgimento de casos de paraplegia seguindo a inserção de cateter peridural em pacientes anestesiados levou a questionamento por parte de alguns autores, mesmo que não se confirme que a lesão tenha ocorrido porque o paciente estava anestesiado. Por esse motivo, idealizamos este estudo, que teve como objetivo avaliar a freqüência de complicações neurológicas e de surgimento de seqüelas após anestesia peridural torácica realizada com os pacientes sob anestesia geral.

MÉTODO: Participaram do estudo pacientes submetidos à intervenção cirúrgica torácica no período de 16/02/2004 a 30/05/2006. Após monitoração dos sinais vitais e realização da anestesia geral, os pacientes foram colocados em decúbito lateral e realizada anestesia peridural torácica simples ou contínua. Numa ficha especial foram registradas as intercorrências, complicações e dificuldades na realização da técnica. No pós-operatório os pacientes foram acompanhados em busca de sinais e sintomas de disfunção neurológica.

RESULTADOS: Foram avaliados 113 pacientes e em 108 foi inserido cateter peridural torácico. Em 45 pacientes a punção foi considerada traumática, ou seja, sangramento no local da punção e punções múltiplas. Em dois pacientes houve perfuração acidental de dura-máter. No pós-operatório imediato um paciente relatou sensação de formigamento em membros inferiores, outro paciente apresentou dormência em membro superior, desaparecendo com a retirada e tração do cateter. A punção foi única nos dois casos. Nenhum outro paciente apresentou sinais ou sintomas de alterações neurológicas.

CONCLUSÕES: Nos casos estudados não houve complicação neurológica. Quando executado com bom senso e cuidados específicos o bloqueio peridural torácico pode ser realizado com segurança no paciente anestesiado.

Unitermos: ANESTESIA, Geral; COMPLICAÇÕES: neurológica; TÉCNICAS ANESTÉSICAS, Regional: peridural.

RESUMEN

JUSTIFICATIVA Y OBJETIVOS: El surgimiento de casos de paraplejia continuando la inserción de catéter peridural en pacientes anestesiados, hizo con que algunos autores se cuestionasen el hecho incluso cuando no se confirmase que la lesión haya ocurrido porque el paciente estaba anestesiado. Por ese motivo, idealizamos este estudio, que tuvo como objetivo evaluar la frecuencia de complicaciones neurológicas y el aparecimiento de secuelas después de la anestesia peridural torácica realizada con los pacientes bajo anestesia general.

MÉTODO: Participaron en el estudio pacientes sometidos a la intervención quirúrgica torácica en el período de 16/02/2004 a 30/05/2006. Después de la monitorización de las señales vitales y de la anestesia general, los pacientes fueron puestos en decúbito lateral y fue realizada la anestesia peridural torácica simple o continua. En una ficha especial se registraron las intercurrencias, complicaciones y dificultades en la realización de la técnica. En el postoperatorio los pacientes tuvieron acompañamiento en busca de señales y de síntomas de disfunción neurológica.

RESULTADOS: Se evaluaron 113 pacientes y a 108 de ellos se les insertó catéter peridural torácico. En 45 pacientes la punción fue considerada traumática, o sea, hubo sangramiento en el local de la punción y punciones múltiples. En dos pacientes hubo perforación accidental de duramadre. En el postoperatorio inmediato, un paciente relató una sensación de hormigueo en los miembros inferiores, otro paciente presentó adormecimiento en miembro superior, desapareciendo con la retirada y la tracción del catéter. La punción fue única en los dos casos. En ningún otro paciente hubo señales o síntomas de alteraciones neurológicas.

CONCLUSIONES: En los casos estudiados no hubo complicación neurológica. Cuando se efectúa con sentido común y con los cuidados específicos, el bloqueo peridural torácico puede ser realizado con seguridad en el paciente anestesiado.

INTRODUÇÃO

A realização de bloqueio peridural, simples ou contínuo, sob anestesia geral tem gerado muita controvérsia1.

O relato de casos de paraplegia que se seguiu à inserção de cateter peridural2,3 levou a questionamento por parte dos autores, mesmo que em nenhum dos casos descritos tenha sido confirmada a relação de causa e efeito entre a lesão e a realização do bloqueio sob anestesia geral. Na maioria das vezes, outros fatores estão associados, como presença de doenças prévias, hipotensão arterial no intra-operatório, dificuldade técnica e inexperiência do anestesista4.

A anestesia peridural torácica realizada sob anestesia geral faz parte de rotina de dez anos, no hospital onde o estudo foi realizado, que tem como objetivo proporcionar conforto aos pacientes, considerando que na sua maioria são pacientes oncológicos.

O objetivo deste estudo foi avaliar a freqüência de complicações, existência de dificuldade técnica e de seqüelas neurológicas da anestesia peridural torácica realizada com os pacientes sob anestesia geral.

MÉTODO

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa do Hospital SARAH Brasília - Centro.

Realizou-se estudo de série de casos, nos quais participaram os pacientes que foram submetidos à intervenção cirúrgica torácica no período de 16/02/2004 a 30/05/2006.

Os pacientes adultos receberam diazepam (10 mg por via oral) na noite de véspera da cirurgia e midazolam (15 mg por via oral) 40 minutos antes da operação como medicação pré-anestésica. As crianças receberam apenas o midazolam na dose de 0,6 mg.kg-1, 40 minutos antes da cirurgia. Ao chegarem à sala de indução anestésica foram monitorados com ECG contínuo, pressão arterial não-invasiva e SpO2 (saturação periférica da hemoglobina pelo oxigênio). Em seguida, foi realizada anestesia geral (balanceada) e acrescentados na monitoração pressão arterial invasiva, temperatura esofagiana, analisador de gases anestésicos e capnografia.

Os pacientes eram então colocados em decúbito lateral e realizada a anestesia peridural torácica simples ou contínua. Nos casos em que foram realizados peridural contínua, o cateter foi fixado no local da punção com curativo semipermeável estéril e ao longo do cateter na região dorsal do paciente, com curativo semipermeável não-estéril. Os curativos eram trocados em caso de sangramento visível ou descolamento do filme. Na troca do curativo utilizou-se técnica asséptica, e solução fisiológica e gaze estéreis para limpeza do local da inserção do cateter.

O anestesiologista responsável pelo caso anotava numa ficha especial padronizada os seguintes dados: local da punção, número de punções, números de espaços da coluna que foram puncionados, se a punção foi traumática, qual o motivo do trauma, se houve dificuldades técnicas, agulha utilizada, anestésico utilizado e analgesia pós-operatória empregada.

A solução analgésica peridural foi composta de bupivacaína 1 mg.kg-1 com adrenalina e fentanil sem conservante na dose de 3 a 5 µg.mL-1.

A analgesia constava de uma dose de infusão peridural contínua, associada à dose de solicitação feita pelo paciente, com intervalo fixo de 60 minutos entre cada solicitação.

No pós-operatório os pacientes foram acompanhados por uma enfermeira e por um anestesiologista, que avaliaram e anotaram a presença de sinais e sintomas de disfunção neurológica no pós-operatório imediato e tardio (30 dias após), assim como as condições do cateter peridural no momento de sua remoção, o dia da retirada do cateter peridural e o motivo pelo qual o cateter foi retirado.

Na avaliação estatística foi realizada uma análise descritiva dos dados.

RESULTADOS

Fizeram parte da amostra 113 pacientes, de ambos os sexos, sendo 40 (F) e 73 (M), na faixa etária de 2 a 78 anos (Tabela I).

O peso médio dos pacientes foi 60,2 kg. Em relação ao estado físico (ASA), a maioria pertencia ao estado físico ASA II (98 pacientes) (Tabela I).

Cento e sete pacientes foram submetidos à toracotomia, quatro a videotoracoscopia, um a minitoracotomia e um a timectomia.

Todos receberam midazolam como medicação pré-anestésica, cerca de 40 minutos antes da operação.

A anestesia peridural torácica foi realizada sempre com o paciente sob anestesia geral e em 108 pacientes foi realizada inserção de cateter peridural.

Em 97 pacientes (85,8%) a abordagem para realização da anestesia peridural foi mediana, em 15 pacientes (13,3%) a abordagem foi paramediana e um paciente (0,9%) recebeu ambas as abordagens.

Em 38 pacientes (33,6%) foi realizada apenas uma punção, em 30 pacientes (26,5%) foram realizadas duas punções, em 15 pacientes (13,3%) foram realizadas três punções e em 30 pacientes (26,5%) foram realizadas mais de três punções (Tabela II). Todas as punções foram realizadas com agulha Tuohy 18G. Sem êxito na primeira tentativa de punção levou o anestesiologista a realizar mais de uma punção.

Em 67 pacientes (59,3%) foi puncionado apenas um espaço intervertebral, em 34 (30,1%) foram puncionados dois espaços intervertebrais, em nove pacientes (8%) foram puncionados três espaços intervertebrais e em três pacientes (2,7%) foram puncionados mais de três espaços intervertebrais (Tabela II).

Em 45 pacientes (39,8%) a punção foi considerada traumática pelo anestesiologista responsável pelo caso. Em 21 (46,7%) desses pacientes o motivo do trauma foi sangramento no local de punção, em 21 pacientes (46,7%) foram punções múltiplas, em dois pacientes (4,4%) houve perfuração acidental de dura-máter e em um paciente (2,2%) houve dificuldade técnica para realização da punção (Tabela II).

Os espaços intervertebrais puncionados foram de T3-T4 a L1-L2, sendo com mais freqüência puncionado o espaço T6-T7, que foi puncionado em 35 pacientes (31%), seguido pelo espaço T5-T6, que foi puncionado em 34 pacientes (30,1%) (Tabela II).

Ao término da intervenção cirúrgica foi instituído esquema de analgesia pós-operatória, via cateter peridural. Na maioria dos casos, o controle de dor foi feito pelo próprio paciente. Em 108 pacientes foi utilizada bupivacaína associada a fentanil via cateter peridural. A dose média da infusão peridural contínua de anestésico local foi de 4,0 ± 0,7 mL.hora-1, e a dose de solicitação feita pelo paciente foi em média de 4,1 ± 0,7 mL.hora-1.

Todos os pacientes da amostra foram avaliados na enfermaria e os que permaneciam com o cateter eram avaliados até a retirada do mesmo. A velocidade de infusão da solução peridural era aumentada ou diminuída pelo anestesiologista em função do escore de dor do paciente, em doses não previamente estabelecidas. Na avaliação realizada na enfermaria um paciente relatou sensação de formigamento em membros inferiores no pós-operatório imediato e a conduta foi a retirada do cateter com desaparecimento dos sintomas. Um paciente apresentou dormência em membro superior com diminuição da força motora no primeiro dia pós-operatório. Foi tracionado o cateter e diminuída a velocidade de infusão dos fármacos analgésicos de 5 mL para 3 mL, com desaparecimento do quadro clínico. Nesses pacientes, a punção não foi traumática, sendo realizada punção única nos dois casos.

Nenhum paciente apresentou hematoma ou sinais de inflamação ou infecção no local de punção ou de inserção do cateter peridural nos primeiros três dias de pós-operatório.

Não houve nenhum caso de complicação neurológica permanente no pós-operatório imediato.

A média de tempo para retirada do cateter peridural foi 4,4 dias.

Os motivos para retirada do cateter peridural foram: retirada do dreno torácico que coincidia com a resolução do quadro de dor do paciente (50 casos), início de processo de inflamação no local de inserção do cateter (21 casos), desconexão acidental do cateter (13 casos), exteriorização do cateter (dez casos), cateter fora do espaço peridural (seis casos), paciente sem necessitar da infusão de anestésico local (quatro casos), início da anticoagulação (dois casos), parestesia (um caso), dor no local da inserção do cateter (um caso). Em cinco pacientes não foi colocado cateter peridural.

Os pacientes foram avaliados pelo médico assistente com 30 dias de pós-operatório e não foi encontrado nenhum sinal ou sintoma de seqüela neurológica tardia.

DISCUSSÃO

Este estudo reflete a prática clínica rotineira do Serviço de Anestesiologia de um hospital de reabilitação, visando, sobretudo, melhorar a qualidade de analgesia pós-operatória dos pacientes que são submetidos a intervenção cirúrgica torácica. Embora a analgesia peridural promova bom alívio da dor pós-operatória, assim como melhora na função respiratória no pós-operatório, as controvérsias ainda existem quando ela é comparada com a administração de analgésicos por via venosa ou intramuscular5.

Os resultados do presente estudo mostraram uma série de pacientes que receberam anestesia peridural torácica após a realização da anestesia geral e que não apresentaram seqüelas neurológicas no pós-operatório. Os debates a respeito do momento da realização da anestesia regional, se antes ou depois da anestesia geral, continuam gerando controvérsias, com diferentes opiniões sobre o assunto4,6,7. Muitos autores consideram que a realização de peridural em pacientes anestesiados não só transmite segurança e facilidade na sua realização, como também aceitação por parte do paciente para realização da técnica. Contudo, outros insistem que sem o contato verbal com o paciente no momento da realização da peridural, o anestesista está sob o risco de perder os sinais e sintomas que refletem um comprometimento neural. No entanto, há poucas evidências para confirmar ambos os argumentos5. Há, inclusive, relato de um caso de um paciente que foi submetido à, anestesia peridural, estava acordado durante a realização da mesma e ocorreu lesão medular. Esse paciente não referiu nenhum sintoma no momento da realização do bloqueio8. Outros autores ainda argumentam que a prática da anestesia regional em pediatria tem sido cada vez mais constante e que nessa população, por diversos fatores, incluindo a segurança do paciente, ela tem sido realizada sob anestesia geral ou sedação9.

Num estudo semelhante ao atual, um autor avaliou um número grande de pacientes submetidos a procedimentos cirúrgicos abdominais e torácicos, nos quais a anestesia regional contínua foi realizada com o paciente sob anestesia geral. A incidência de complicações neurológicas encontrada foi zero, mas apesar disso ele discute a dificuldade que existe em avaliar os riscos relativos e os benefícios da prática10. Os resultados do presente trabalho são os mesmos, sendo oportuno ressaltar a importância do bom senso e treinamento da equipe de anestesia no momento de realização de cada caso, sempre levando em consideração os benefícios para o paciente no momento da realização da técnica.

A lesão da medula espinal pode resultar de trauma provocado pela agulha ou cateter, toxicidade dos anestésicos locais, hematoma peridural, isquemia arterial ou hipotensão arterial grave8. Neste estudo, em 39,8% dos pacientes a punção foi considerada traumática pelo anestesista. Os dois fatores mais apontados como causadores do trauma foram: múltiplas punções (48,9%) e sangramento no local da punção (46,7%), fatores que na verdade estão inter-relacionados. Apesar de a complicação ter ocorrido em pequena parcela dos pacientes incluídos no estudo, tornar-se-ia importante se tivesse havido comprometimento medular. Há relato de que a incidência de complicações da anestesia regional é maior quando punções múltiplas são realizadas9,10. No presente estudo os dois pacientes que apresentaram queixa de formigamento e dormência no pós-operatório tiveram punção única, atraumática.

É descrito que a realização do bloqueio regional nos pacientes anestesiados teoricamente aumenta o risco de complicação neurológica no perioperatório porque esses pacientes não podem relatar parestesia no momento da colocação da agulha ou cateter ou dor em caso de injeção intraneural11. Há, inclusive, o relato de um caso de paraplegia em que os autores concluem que se o paciente estivesse apto a verbalizar durante a realização do bloqueio, a lesão medular que ocorreu seria evitada2. Por outro lado, há relato de um caso que ocorreu com o paciente acordado e que não relatou parestesia nem dor no momento do bloqueio espinal8. Embora a dor ou parestesia não possa ser verbalizada pelo paciente anestesiado, outros sinais podem prevenir o contato com o nervo: movimento muscular reflexo, aumento da resistência do êmbolo da agulha e alguma resistência a injeção do anestésico local4. Foi descrito em trabalhos publicados que a parestesia com lesão da medula espinal não ocorre somente no momento da punção com agulha, mas também pode acontecer no momento da injeção do anestésico local ou secundariamente por irritação, edema ou hematoma12,13. No presente estudo houve dificuldade técnica na realização do bloqueio em 48,9% dos casos porque todos os casos nos quais foram feitas múltiplas punções foram assim caracterizados. Apesar da considerável experiência do grupo de Anestesiologia, em que a maioria tem mais de dez anos de prática clínica. Mesmo assim todos os casos foram bem assistidos. As avaliações freqüentes realizadas no pós-operatório contribuíram para o sucesso da técnica anestésica e são de grande importância na detecção de possíveis déficits neurológicos, parestesias e, em conseqüência, do seu diagnóstico. Essa conduta faz parte da rotina do serviço onde o estudo foi realizado, tendo início na sala de recuperação pós-anestésica até a retirada do cateter peridural, alguns dias após. O paciente é examinado todos os dias, em dois momentos distintos, por uma enfermeira e por um anestesiologista, o que permite a detecção precoce de qualquer sinal ou sintoma de comprometimento ou isquemia medular.

Já foi descrito na literatura que as complicações após a anestesia regional são incomuns14, assim como foi descrito que a incidência de lesão neurológica após bloqueios espinais, apesar de existir, é rara, e varia na gravidade e complexidade das complicações ou seqüelas. Moen e col.15 determinaram que a freqüência de complicações neurológicas graves seja em torno de 1,6:10.000, enquanto Auroy e col. relataram que a incidência de complicações neurológicas graves ou extensas foi de 3,9:10.000 num estudo em 199411 e de 0,3:10.000 num estudo realizado posteriormente entre 1998 e 199916. Outro autor, após um estudo de revisão, concluiu que a incidência de radiculopatia ou neuropatia periférica após anestesia peridural é 2,19:10.000 (95% CI: 0,88-5,44:10.000). A freqüência de lesão neurológica permanente encontrada por esse autor após anestesia peridural foi de 0 a 7,6:10.00014. Há, ainda, um estudo sobre a baixa prevalência de complicações neurológicas após realização da anestesia regional nos pacientes pediátricos, no qual os autores realizaram um estudo prospectivo e não encontraram nenhum caso de seqüela neurológica permanente17.

Os fatores mais importantes na prevenção de seqüelas neurológicas são a experiência e a destreza do anestesiologista, o treinamento supervisionado, o conhecimento das doenças vasculares e neurológicas preexistentes, evitar as repetidas tentativas de punção quando há dificuldade técnica e reconhecer e tratar as complicações para evitar lesões permanentes4. É importante ressaltar esses cuidados na prevenção porque, apesar de rara, a seqüela de uma lesão neurológica, quando ocorre, é muito preocupante para toda a equipe médica, desgastante para o paciente e também onerosa.

Há algumas limitações no estudo. É conceitualmente uma série de casos, com uma amostra relativamente pequena, mas documentou a ausência de complicações neurológicas permanentes em pacientes submetidos à anestesia peridural torácica sob anestesia geral, que reflete a prática clínica diária do serviço.

Foi possível concluir que há baixa freqüência de complicações leves, como sangramento no local da punção e perfuração de dura-máter, e que apesar da existência de punções múltiplas e dificuldade técnica não houve nenhuma seqüela neurológica grave ou permanente. Quando são tomadas as devidas precauções e são seguidos os padrões de técnica, a anestesia regional realizada com o paciente sob anestesia geral é segura e pode ser indicada.

Apresentado em 13 de junho de 2007

Aceito para publicação em 14 de abril de 2008

  • 01. Drasner K - Thoracic epidural anesthesia: asleep at the wheal? Anesth Analg, 2004;99:578-579.
  • 02. Bromage PR, Benumof JL - Paraplegia following intracord injection during attempted epidural anesthesia under general anaesthesia. Reg Anesth Pain Med, 1998;23:104-107.
  • 03. Mayall MF, Calder I - Spinal cord injury following an attempted thoracic epidural. Anaesthesia, 1999;54:990-994.
  • 04. O´Higgins F, Tuckey JP - Thoracic epidural anaesthesia and analgesia: United Kingdom practice. Acta Anaesthesiol Scand 2000;44:1087-1092.
  • 05. Fischer HBJ - Regional anaesthesia before or after general anaesthesia? Anaesthesia, 1998;53:727-729.
  • 06. Bromage P - The control of post thoracotomy pain. Anaesthesia, 1989;44:445.
  • 07. Vaughan RS, Gough JD - The control of post thoracotomy pain: a reply. Anaesthesia, 1989;44:445-446.
  • 08. Tsui BCH, Armstrong K - Can direct cord injury occur without paresthesia? A report of delayed spinal cord injury after epidural placement in an awake patient. Anesth Analg, 2005;101:1212-1214.
  • 09. Krane EJ, Dalens BJ, Murat I et al. - The safety of epidurals placed during general anesthesia. Reg Anesth Pain Med 1998;23: 433-438.
  • 10. Horlocker TT, Abel MD, Messick JM et al. - Small risk of serious neurologic complications related to lumbar epidural catheter placement in anesthetized patients. Anesth Analg, 2003;96: 1547-1552.
  • 11. Auroy Y, Narchi P, Messiah A, et al. - Serious complications related to regional anesthesia: results of a prospective survey in France. Anesthesiology, 1997;87:479-486.
  • 12. Simon SL, Abrahams JM, Sean GM et al. - Intramedullary injection of contrast into the cervical spinal cord during cervical myelography: a case report. Spine, 2002;27:E274-277.
  • 13. Hamandi K, Mottershead J, Lewis T et al. - Irreversible damage to the spinal cord following spinal anesthesia. Neurology, 2002;59:624-626.
  • 14. Brull R, McCartney CJL, Chan VWS et al. - Disclosure of risks associated with regional anesthesia: a survey of academic regional anesthesiologists. Reg Anesth Pain Med, 2007;32:7-11.
  • 15. Moen V, Dahlgren N, Irestedt L - Severe neurological complications after central neuraxial blockades in Sweden 1990-1999. Anesthesiology, 2004;101:950-959.
  • 16. Auroy Y, Benhamou D, Barques L et al. - Major complications of regional anesthesia in France: the SOS regional anesthesia hotline service. Anesthesiology, 2002;97:1274-1280.
  • 17. Costa VV, Rodrigues MR, Saraiva RA et al. - Complicações e seqüelas neurológicas da anestesia regional realizada em crianças sob anestesia geral: um problema real ou casos esporádicos? Rev Bras Anestesiol, 2006;56:583-590.
  • Endereço para correspondência:
    Dr. Paulo Roberto Nunes de Bessa
    Hospital Sarah Brasília - Centro
    SHMS Quadra 501 Conj. A
    70335-901 Brasília, DF
    E-mail:
  • *
    Recebido do Hospital SARAH, Brasília, DF
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      14 Out 2011
    • Data do Fascículo
      Ago 2008

    Histórico

    • Recebido
      13 Jun 2007
    • Aceito
      14 Abr 2008
    Sociedade Brasileira de Anestesiologia R. Professor Alfredo Gomes, 36, 22251-080 Botafogo RJ Brasil, Tel: +55 21 2537-8100, Fax: +55 21 2537-8188 - Campinas - SP - Brazil
    E-mail: bjan@sbahq.org