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A informação no pré-operatório reduz a ansiedade pré-operatória em pacientes com câncer submetidos à cirurgia: utilidade do Inventário Beck de Ansiedade

Resumo:

Justificativa e objetivos:

A informação transmitida no pré-operatório é conhecida por reduzir de modo significativo a ansiedade do paciente antes da cirurgia. O presente estudo teve como objetivo investigar os efeitos da orientação pré-operatória sobre o nível de ansiedade de pacientes com câncer submetidos à cirurgia, utilizando o inventário Beck de ansiedade.

Métodos:

Estudo observacional de curto prazo, incluindo 72 pacientes do sexo feminino com diagnóstico de câncer endometrial, programadas para receber tratamento cirúrgico sob anestesia geral. Durante a consulta pré-anestésica, 15 dias antes da cirurgia, um grupo de pacientes (Grupo A, n = 36) recebeu informações abrangentes sobre seus procedimentos anestésicos e cirúrgicos, enquanto o outro grupo de pacientes (Grupo B, n = 36) não recebeu qualquer informação referente a essas variáveis. O inventário Beck de ansiedade, a pressão arterial e a frequência cardíaca foram avaliados antes e após a transmissão de informações ao Grupo A. No Grupo B, esses parâmetros foram avaliados no início e no final da consulta.

Resultados:

Os valores hemodinâmicos foram menores no grupo que recebeu informação pré-operatória, em comparação com o grupo que não recebeu informação pré-operatória. Informar os pacientes sobre o procedimento resultou em uma redução dos níveis de ansiedade de leve a mínimo, enquanto não houve mudança no grupo que não recebeu informação pré-operatória. Esse último grupo manteve o mesmo nível de ansiedade até o final da consulta pré-anestésica.

Conclusões:

A orientação do paciente no período pré-operatório deve ser o atendimento padrão para minimizar a ansiedade dos pacientes antes da cirurgia, especialmente os pacientes com câncer.

PALAVRAS-CHAVE
Avaliação pré-anestésica; Ansiedade; Inventário Beck de ansiedade; Câncer

Abstract

Background and objectives:

Preoperative instruction is known to significantly reduce patient anxiety before surgery. The present study aimed to investigate the effects of preoperative education on the level of anxiety of cancer patients undergoing surgery using the self-reported Beck anxiety inventory.

Methods:

This study is a short-term observational study, including 72 female patients with a diagnosis of endometrial cancer who were scheduled to undergo surgical treatment under general anesthesia. During the pre-anesthetic consultation 15 days before surgery, one group of patients (Group A, n = 36) was given comprehensive information about their scheduled anesthetic and surgical procedures, while the other group of patients (Group B, n = 36) did not receive any information pertaining to these variables. The Beck anxiety inventory, blood pressure and heart rate were evaluated before and after the preoperative education in Group A. In Group B, these parameters were evaluated at the beginning and at the end of the consultation.

Results:

The hemodynamic values were lower in the group that received preoperative education, in comparison with the group that did not receive preoperative education. Educating the patients about the procedure resulted in a reduction in the levels of anxiety from mild to minimum, whereas there was no change in the group that did not receive the preoperative education. This latter group kept the same level of anxiety up to the end of pre-anesthetic consultation.

Conclusions:

Patient orientation in the preoperative setting should be the standard of care to minimize patient anxiety prior to surgery, especially for patients with cancer.

KEYWORDS
Pre-anesthetic evaluation; Anxiety; Beck anxiety inventory; Cancer

Introdução

Alguns estudos mostraram que a avaliação pré-anestésica antes de cirurgias de grande porte aprimora o manejo perioperatório e os desfechos cirúrgicos.11 Halaszynski TM, Juda R, Silverman DG. Optimizing postoperative outcomes with efficient preoperative assessment and management. Crit Care Med. 2004;32:S76-86.,22 Wijeysundera DN. Preoperative consultations by anesthesiologists. Curr Opin Anaesthesiol. 2011;24:326-30. No contexto específico de pacientes submetidos a procedimentos cirúrgicos muito estressantes, inclusive cirurgia oncológica, relatou-se que a redução da ansiedade pré-operatória com o uso de benzodiazepínicos resultou em melhor controle da dor pós-operatória.33 Ciccozzi A, Marinangeli F, Colangeli A, et al. Anxiolysis and postoperative pain in patients undergoing spinal anesthesia for abdominal hysterectomy. Minerva Anestesiol. 2007;73:387-93.

A ansiedade pré-operatória também é conhecida por aumentar a liberação de catecolaminas pelo paciente, resulta em aumento da pressão arterial, frequência cardíaca e arritmia.44 Weissman C. The metabolic response to stress: an overview and update. Anesthesiology. 1990;73:308-27.,55 Fell D, Derbyshire DR, Maile CJ, et al. Measurement of plasma catecholamine concentrations: an assessment of anxiety. Br J Anaesth. 1985;57:770-4. A avaliação da ansiedade é de suma importância, pois os sintomas e as queixas causados pela ansiedade podem interferir na qualidade de vida do paciente.66 Badner NH, Nielson WR, Munk S, et al. Preoperative anxiety: detection contributing factors. Can J Anaesth. 1990;37:444-7.,77 Capuzzo M, Alvisi R. Is it possible to measure and improve patient satisfaction with anesthesia?. Anesthesiol Clin. 2008;26:613-26. Além disso, a ansiedade é uma condição comum em populações de pacientes com câncer e merece identificação e manejo precoces por parte dos profissionais de saúde.88 Waller A, Forshaw K, Bryant J, et al. Preparatory education for cancer patients undergoing surgery: a systematic review of volume and quality of research output over time. Patient Educ Couns. 2015;98:1540-9. Os pacientes com câncer apresentam desafios adicionais relacionados à natureza ameaçadora da doença,99 Mills ME, Sullivan K. The importance of information giving for patients newly diagnosed with cancer: a review of the literature. J Clin Nurs. 1999;8:631-42. ao potencial impacto da cirurgia em sua imagem corporal1010 Hoon LS, Chi Sally CW, Hong-Gu H. Effect of psychosocial interventions on outcomes of patients with colorectal cancer: a review of the literature. Eur J Oncol Nurs. 2013;17:883-91. e ao impacto adicional dos tratamentos não cirúrgicos, como quimioterapia ou radioterapia, em seu bem-estar.1111 Guo Z, Tang HY, Li H, et al. The benefits of psychosocial interventions for cancer patients undergoing radiotherapy. Health Qual Life Outcomes. 2013;11:121.

Várias escalas classificadas como de alta qualidade foram desenvolvidas para avaliar o grau de ansiedade e depressão do paciente,1212 Wakefield CE, Butow PN, Aaronson NA, et al. Patient-reported depression measures in cancer: a meta-review. Lancet Psychiatry. 2015;2:635-47. inclusive o Inventário de Ansiedade Traço-Estado (State-Trait Anxiety Inventory - STAI), a Escala de Ansiedade de Hamilton (Hamilton Anxiety Scale - HAS) e a Escala de Ansiedade e Informação Pré-Operatória de Amsterdã.1212 Wakefield CE, Butow PN, Aaronson NA, et al. Patient-reported depression measures in cancer: a meta-review. Lancet Psychiatry. 2015;2:635-47.

13 Sugarman MA, Loree AM, Baltes BB, et al. The efficacy of paroxetine and placebo in treating anxiety and depression: a meta-analysis of change on the Hamilton Rating Scales. PLOS One. 2014;9:e106337.
-1414 Donzuso G, Cerasa A, Gioia MC, et al. The neuroanatomical correlates of anxiety in a healthy population: differences between the State-Trait Anxiety Inventory and the Hamilton Anxiety Rating Scale. Brain Behav. 2014;4:504-14. A Escala Hospitalar de Depressão da Ansiedade (Hospital Anxiety Depression Scale - HADS) é uma das medidas de ansiedade mais sistematicamente avaliadas, mas é limitada pela variabilidade do ponto de corte.1212 Wakefield CE, Butow PN, Aaronson NA, et al. Patient-reported depression measures in cancer: a meta-review. Lancet Psychiatry. 2015;2:635-47. Além disso, a HADS é menos recomendada em pacientes com câncer.1212 Wakefield CE, Butow PN, Aaronson NA, et al. Patient-reported depression measures in cancer: a meta-review. Lancet Psychiatry. 2015;2:635-47. Em contraste, o Inventário de Ansiedade de Beck (Beck Anxiety Inventory - BAI) é considerado o padrão-ouro de mensuração da ansiedade, principalmente por sua brevidade, simplicidade e capacidade presumida de medir a ansiedade geral.1515 Muntingh AD, van der Feltz-Cornelis CM, van Marwijk HW, et al. Is the Beck anxiety inventory a good tool to assess the severity of anxiety?. A primary care study in the Netherlands Study of Depression and Anxiety (NESDA). BMC Fam Pract. 2011;12:66. Além disso, sugeriu-se que o BAI consegue medir a ansiedade enquanto minimiza sua sobreposição com a depressão.1616 Beck AT, Epstein N, Brown G, et al. An inventory for measuring clinical anxiety: psychometric properties. J Consult Clin Psychol. 1988;56:893-7. De fato, o BAI é um instrumento que mede a ansiedade em curto prazo com foco nos sintomas somáticos da ansiedade e foi desenvolvido para discriminar entre ansiedade e depressão.1616 Beck AT, Epstein N, Brown G, et al. An inventory for measuring clinical anxiety: psychometric properties. J Consult Clin Psychol. 1988;56:893-7.

O presente estudo teve como objetivo investigar os efeitos da informação no pré-operatório sobre o nível de ansiedade de pacientes com câncer submetidas à histerectomia total e anexectomia bilateral. Usamos o BAI em dois grupos de pacientes: um grupo recebeu informações completas sobre a programação de sua anestesiologia e cirurgia 15 dias antes do procedimento cirúrgico agendado, enquanto o outro grupo não recebeu informações sobre esses fatores.

Material e métodos

Pacientes

Após aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto Nacional do Câncer, Rio de Janeiro, Brasil, um estudo clínico observacional, prospectivo e de curto prazo foi feito com 72 pacientes do sexo feminino, com idade superior a 18 anos e classificação do estado físico ASA II ou III (de acordo com a American Society of Anesthesiologists - ASA). Após assinar os termos de consentimento informado, as pacientes foram observadas em um ambulatório pré-anestésico do Instituto Nacional do Câncer, no Rio de Janeiro, Brasil. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Revisão Institucional local (Instituto Nacional do Câncer, protocolo número: 117/09).

Após a admissão, os parâmetros antropométricos e cardiovasculares (pressão arterial e frequência cardíaca) foram medidos. Todas as pacientes tinham diagnóstico de câncer endometrial e foram submetidas à histerectomia abdominal total e anexectomia bilateral sob anestesia geral. Todas as pacientes incluídas no estudo foram previamente avaliadas pelo serviço de psicologia do hospital. Apenas as pacientes que não apresentaram sintomas definidos de depressão no momento da inclusão foram selecionadas para o estudo.

Critérios de inclusão/exclusão e descrição do questionário

Pacientes entre 18 e 80 anos foram incluídas no estudo. Com base em instrumentos de autorrelato, o departamento de psicologia de nossa instituição avaliou as pacientes para determinar se eram capazes de responder o questionário BAI. Pacientes com transtornos psiquiátricos, com sintomas definidos de depressão e em tratamento ansiolítico ou antidepressivo foram excluídas do estudo.

O anestesiologista (MFL) responsável pela consulta pré-anestésica forneceu as instruções sobre o questionário BAI (traduzido e validado para o português brasileiro)1717 Gomes-Oliveira MH, Gorenstein C, Lotufo Neto F, et al. Validation of the Brazilian Portuguese version of the Beck Depression Inventory-II in a community sample. Rev Bras Psiquiatr. 2012;34:389-94.,1818 Gorenstein C, Andrade L. Validation of a Portuguese version of the Beck Depression Inventory and the State-Trait Anxiety Inventory in Brazilian subjects. Braz J Med Biol Res. 1996;29:453-7. às pacientes antes que respondessem as perguntas. O questionário BAI incluiu 21 declarações descritivas em forma de perguntas sobre os sintomas de ansiedade dos pacientes. Para cada item da avaliação, a paciente selecionou uma resposta dentre quatro escores (0 = absolutamente não; 1 = um pouco, não me incomoda muito; 2 = moderadamente, foi muito desagradável, mas suportável; 3 = insuportável). A soma dos 21 escores individuais para cada paciente representou seu escore total, que poderia variar de 0 a 63. Beck definiu o grau de ansiedade do paciente em quatro níveis: mínimo (de 0 a 10), leve (de 11 a 19), moderado (de 20 a 30) e grave (de 31 a 63).99 Mills ME, Sullivan K. The importance of information giving for patients newly diagnosed with cancer: a review of the literature. J Clin Nurs. 1999;8:631-42.

Avaliação da ansiedade do paciente

Quinze dias antes da cirurgia programada, as pacientes foram agendadas para uma consulta ambulatorial na qual o questionário BAI foi respondido para determinar seus escores basais. Após a admissão no cenário pré-anestésico, as pacientes foram distribuídas aleatoriamente em dois grupos. As pacientes foram alocadas em um dos dois grupos com o uso de blocos aleatoriamente permutados (randomização de 1:1), em blocos de quatro e com base em uma tabela de números aleatórios. O Grupo A recebeu informações completas sobre os procedimentos anestésicos e cirúrgicos agendados, cuidados perioperatórios e controle da dor durante a avaliação pré-anestésica, inclusive explicações através de computador.1919 Klafta JM, Roizen MF. Current understanding of patients' attitudes toward and preparation for anesthesia: a review. Anesth Analg. 1996;83:1314-21. Para tal, usamos fotografias reais, inclusive diferentes características da anestesia e cirurgia: (1) código de vestimenta em sala de cirurgia, inclusive máscara cirúrgica, gorro, propés, avental e luvas estéreis; (2) entradas principais para o centro cirúrgico, salas de cirurgia e unidades de tratamento pós-anestésico; (3) fotos e explicações breves sobre o equipamento de monitoração da anestesia, inclusive analisadores da pressão arterial, oxímetro de pulso, eletrocardiograma, oxigênio e dióxido de carbono; (4) anestesiologista ao fazer procedimentos anestésicos; (5) principais procedimentos para alívio da dor pós-operatória. Essas informações através do computador foram padronizadas para as consultas pré-anestésicas em nosso hospital. O Grupo B não recebeu informação referente a essas variáveis. Duas horas após a avaliação basal do BAI, uma segunda avaliação foi feita para excluir fatores externos, como psicoterapia ou medicações ansiolíticas, que poderiam interferir no nível de ansiedade das pacientes. Em respeito aos princípios da ética médica, as pacientes do Grupo B foram desclassificadas e receberam as mesmas informações descritas acima para o Grupo A no fim da consulta pré-operatória. Todas as pacientes permaneceram na zona de recreação do hospital entre as duas avaliações do BAI, ouviram música ou assistiram à televisão. Presumimos que não houve fatores estressantes externos significativos que interferissem no humor das pacientes. Pressão arterial e frequência cardíaca também foram medidas imediatamente antes das duas avaliações do BAI, para testar indiretamente os efeitos da informação recebida no pré-operatório sobre a liberação sistêmica de catecolaminas e a subsequente redução dos parâmetros cardiovasculares.

Análise estatística

Os valores antropométricos e hemodinâmicos foram expressos em média ± DP e apresentaram normalidade segundo o teste de Shapiro-Wilk. Após a análise de variância unidirecional, o teste t bicaudal de Student pareado intragrupo ou não pareado intergrupos foi aplicado, conforme apropriado. Para os valores que não seguiram uma distribuição gaussiana, as medianas (percentis 25-75) foram apresentadas.

A consistência interna do questionário BAI foi avaliada por meio de testes de confiabilidade. O teste de psicometria alfa de Cronbach variou de 0,90 a 0,94, bem como os coeficientes teste-reteste, indicaram que o intervalo de 0,62 (intervalo de sete semanas) a 0,93 (intervalo de uma semana) era razoável. O tamanho da amostra do Grupo A foi calculado com um nível de confiança de 0,95 e uma potência de 0,8 entre duas proporções formadas pelo primeiro e segundo testes BAI. O Grupo B foi analisado da mesma forma que o Grupo A para descobrir possíveis vieses. O teste pareado de Wilcoxon ou o teste de Mann-Whitney, conforme apropriado, foi usado para descobrir a significância entre os escores BAI do grupo. Valores de p < 0,05 foram considerados estatisticamente significativos. O programa estatístico Prism versão 7.0 (GraphPad Software Inc. La Jolla, CA, EUA) foi usado para a análise dos dados.

Resultados

Os grupos foram pareados segundo idade, peso e estatura, como mostra a tabela 1. Os parâmetros hemodinâmicos, inclusive pressão arterial e frequência cardíaca, estavam significativamente reduzidos na segunda avaliação do BAI no grupo de pacientes que recebeu informação pré-operatória (tabela 1). Em contrapartida, o grupo de pacientes que não recebeu informação pré-operatória não apresentou reduções nos parâmetros hemodinâmicos (tabela 1). Consequentemente, os valores hemodinâmicos antes da segunda avaliação do BAI foram menores no grupo que recebeu informação, em comparação com o grupo que não recebeu informação (tabela 1).

Tabela 1
Dados antropométricos e hemodinâmicos das pacientes imediatamente antes da primeira e segunda avaliação do BAI

Em relação à segunda avaliação do BAI, o grupo de pacientes que recebeu informação pré-operatória apresentou um número bem maior de escores 0 e significativamente menor de escores 2 e 3, em comparação com o grupo de pacientes que não recebeu informações pré-operatória (tabela 2). Além disso, houve um aumento significativo de escores 0 e uma redução de escores 2 e 3 na segunda avaliação do BAI no grupo de pacientes que recebeu informação pré-operatória. Por outro lado, no grupo de pacientes que não recebeu informação pré-operatória, não houve alterações nos escores do BAI, na comparação com a primeira avaliação. Não houve alterações nos escores de ambos os grupos de pacientes. Logo, o nível de ansiedade mostrou ser significativamente menor após a informação pré-operatória.

Tabela 2
Contagem dos níveis dos escores de ansiedade dos pacientes e escores totais de ansiedade obtidos com a avaliação BAI

Em geral, fornecer informação aos pacientes resultou em níveis mais baixos de ansiedade (de leve a mínimo), enquanto não houve mudança no grupo que não recebeu informação pré-operatória, que apresentou um nível constante de ansiedade leve (tabela 2).

Discussão

Este estudo mostrou que os níveis de ansiedade pré-operatória de pacientes com câncer podem ser significativamente reduzidos ao se informar aos pacientes os procedimentos cirúrgicos e anestésicos planejados em um ambiente anestésico pré-operatório. Ambos os grupos de pacientes em nosso estudo tinham parâmetros antropométricos, estado físico ASA, procedimentos cirúrgicos planejados e tipos de anestesia semelhantes; portanto, é improvável que essas variáveis tenham afetado a avaliação dos escores BAI. No presente estudo, o questionário BAI levou aproximadamente 10 minutos para ser concluído. O BAI demonstrou ser sensível à mudança ao longo do tempo, em populações tanto psiquiátricas quanto médicas.2020 Brown GK, Beck AT, Newman CF, et al. A comparison of focused and standard cognitive therapy for panic disorder. J Anxiety Disord. 1997;11:329-45.,2121 Lee YW, Park EJ, Kwon IH, et al. Impact of psoriasis on quality of life: relationship between clinical response to therapy and change in health-related quality of life. Ann Dermatol. 2010;22:389-96.

A ansiedade pré-operatória foi classicamente relacionada às preocupações do paciente sobre doença, hospitalização, anestesia e cirurgia. Além disso, o medo do desconhecido é uma das mais importantes fontes de ansiedade entre os pacientes cirúrgicos que se apresentam para a consulta pré-anestésica, especialmente antes de uma cirurgia invasiva.2222 Maranets I, Kain ZN. Preoperative anxiety and intraoperative anesthetic requirements. Anesth Analg. 1999;89:1346-51.,2323 Johnston M. Anxiety in surgical patients. Psychol Med. 1980;10:145-52. Reconhecemos que a ansiedade e o medo no período pré-operatório podem levar ao aumento dos níveis de hormônios do estresse, resultar em respostas metabólicas indesejáveis antes da anestesia, inclusive a elevação dos níveis de catecolaminas sistêmicas que resulta em aumento da pressão arterial e da frequência cardíaca.2424 Maze M, Tranquilli W. Alpha-2 adrenoceptor agonists: defining the role in clinical anesthesia. Anesthesiology. 1991;74:581-605.,2525 Eren G, Cukurova Z, Demir G, et al. Comparison of dexmedetomidine and three different doses of midazolam in preoperative sedation. J Anaesthesiol Clin Pharmacol. 2011;27:367-72.

No entanto, uma avaliação detalhada da ansiedade pré-operatória é incomum na consulta pré-anestésica.2626 Bottomley A. Psychosocial problems in cancer care: a brief review of common problems. J Psychiatr Ment Health Nurs. 1997;4:323-31. Nesse contexto, nosso estudo confirma que mesmo intervenções psicológicas de curto prazo podem prevenir a ansiedade pré-operatória em pacientes com câncer. 2727 Pitceathly C, Maguire P, Fletcher I, et al. Can a brief psychological intervention prevent anxiety or depressive disorders in cancer patients?. A randomised controlled trial. Ann Oncol. 2009;20:928-34.,2828 Galway K, Black A, Cantwell M, et al. Psychosocial interventions to improve quality of life and emotional wellbeing for recently diagnosed cancer patients. Cochrane Database Syst Rev. 2012;11:CD007064. Vale ressaltar que mulheres com câncer em estado avançado são mais propensas a atender os critérios de transtornos de ansiedade, o que tem efeitos desfavoráveis na relação médico-paciente e, por extensão, pode levar a resultados mais desfavoráveis para essas pacientes.2929 Spencer R, Nilsson M, Wright A, et al. Anxiety disorders in advanced cancer patients: correlates and predictors of end-of-life outcomes. Cancer. 2010;116:1810-9.

No entanto, os relatos na literatura apresentam resultados conflitantes. Embora alguns estudos relatem que a informação pré-operatória reduz significativamente a ansiedade pré-operatória, 2727 Pitceathly C, Maguire P, Fletcher I, et al. Can a brief psychological intervention prevent anxiety or depressive disorders in cancer patients?. A randomised controlled trial. Ann Oncol. 2009;20:928-34.,2929 Spencer R, Nilsson M, Wright A, et al. Anxiety disorders in advanced cancer patients: correlates and predictors of end-of-life outcomes. Cancer. 2010;116:1810-9. outros não. Por exemplo, Ortiz et al. relataram que a educação pré-operatória com folhetos melhorou a satisfação do paciente em relação ao conhecimento do processo perioperatório, mas não reduziu a ansiedade relacionada à cirurgia.3030 Ortiz J, Wang S, Elayda MA, et al. Preoperative patient education: can we improve satisfaction and reduce anxiety?. Rev Bras Anestesiol. 2015;65:7-13. Ao contrário, sugeriu-se que o uso de folhetos informativos de apenas uma página reduz significativamente a ansiedade antes da cirurgia.3131 Fitzgerald BM, Elder J. Will a 1-page informational handout decrease patients' most common fears of anesthesia and surgery?. J Surg Educ. 2008;65:359-63. Além disso, mostrou-se que a ansiedade pré-operatória foi reduzida quando informações anestésicas adicionais em formato impresso e em vídeo foram fornecidas antes da cirurgia.3232 Bondy LR, Sims N, Schroeder DR, et al. The effect of anesthetic patient education on preoperative patient anxiety. Reg Anesth Pain Med. 1999;24:158-64.

O momento oportuno parece ser um fator importante, porque alguns relatos mostraram que uma consulta pré-anestésica na noite anterior ou no dia da internação foi insuficiente para reduzir a ansiedade. 1919 Klafta JM, Roizen MF. Current understanding of patients' attitudes toward and preparation for anesthesia: a review. Anesth Analg. 1996;83:1314-21.,3333 Katz RI, Cimino L, Vitkun SA. Preoperative medical consultations: impact on perioperative management: surgical outcome. Can J Anaesth. 2005;52:697-702. A presente descoberta de que uma avaliação pré-anestésica feita duas semanas antes da cirurgia pode reduzir a ansiedade é consistente com estudos anteriores. Por exemplo, Klopfenstein et al. mostraram que a avaliação pré-anestésica feita em uma clínica de consulta ambulatorial, uma a duas semanas antes da hospitalização, mas não uma avaliação na noite anterior à cirurgia, reduz de modo significativo a ansiedade pré-operatória.3434 Klopfenstein CE, Forster A, Van Gessel E. Anesthetic assessment in an outpatient consultation clinic reduces preoperative anxiety. Can J Anaesth. 2000;47:511-5.

No presente estudo, as medidas de pressão arterial sistólica e diastólica e de frequência cardíaca foram significativamente reduzidas com a segunda avaliação do BAI no grupo de pacientes que recebeu informação pré-operatória, mas esses parâmetros não sofreram alteração no grupo controle que não recebeu informação pré-operatória. Essas respostas hemodinâmicas são consistentes com as mudanças psicológicas documentadas que usaram o sistema de pontuação do BAI. Além disso, é improvável que as reduções nos parâmetros hemodinâmicos do grupo que recebeu informação pré-operatória fossem decorrentes da aclimatação ao cenário anestésico pré-operatório, pois as pacientes que não receberam informação pré-operatória não apresentaram redução da pressão arterial ou da frequência cardíaca.

Limitações e pontos fortes do estudo

A maioria das pacientes que recorre a hospitais pertencentes ao sistema público de saúde em nosso país é predominantemente de nível socioeconômico baixo. Além disso, o nível de escolaridade das pacientes não foi avaliado no presente estudo. Como resultado, um viés pode ter sido introduzido devido ao mau entendimento das perguntas autorrelatadas do BAI. No entanto, o questionário foi claramente explicado às pacientes pelo anestesiologista responsável pela consulta pré-anestésica.

A principal força de nosso estudo foi o uso dos critérios do BAI, que é um instrumento confiável para reduzir a confusão entre a ansiedade pré-operatória e a depressão reativa ou endógena.3535 Therrien Z, Hunsley J. Assessment of anxiety in older adults: a systematic review of commonly used measures. Aging Ment Health. 2012;16:1-16. Nossos resultados demonstram claramente que uma consulta pré-anestésica abrangente deve ser incluída na avaliação pré-operatória da ansiedade pelo anestesiologista mediante o uso de uma metodologia padronizada e sistematicamente validada.

Em conclusão, nosso estudo contribui para um crescente corpo de evidências que sugere que a orientação do paciente no ambiente pré-operatório deve ser um padrão de cuidado para minimizar a ansiedade dos pacientes antes da cirurgia, especialmente pacientes com câncer.

Observações relevantes

  • Os níveis de ansiedade pré-cirúrgica dos pacientes com câncer podem ser significativamente reduzidos pela informação dos pacientes sobre os procedimentos cirúrgicos e anestésicos planejados em um ambiente anestésico pré-operatório.

  • A pressão arterial e a frequência cardíaca diminuem significativamente quando os pacientes recebem informação pré-operatória.

  • A orientação do paciente em cenário pré-operatório deve ser um padrão de cuidado para minimizar a ansiedade antes da cirurgia em pacientes com câncer.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Feb 2019

Histórico

  • Recebido
    17 Nov 2017
  • Aceito
    17 Jul 2018
  • Publicado
    11 Ago 2018
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