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Avaliação clínica comparativa entre a cetamina e a clonidina por via peridural no tratamento da dor crônica neuropática

Evaluación clínica comparativa entre la cetamina y la clonidina por vía peridural en el tratamiento del dolor crónico neuropático

Resumos

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: A dor crônica resulta em resposta aumentada dos neurônios do corno dorsal da medula espinhal, devido à ação de diferentes mediadores liberados pelas terminações neuronais, incluindo agonistas para os receptores N-metil-D-aspartato. Além das vias ascendentes sensitivas, vias descendentes inibitórias modulam a sensação de dor, incluindo a participação de a2-agonistas localizados nos aferentes primários e na medula espinal. Este estudo visou avaliar o efeito antinociceptivo da cetamina (antagonista do receptor N-metil-D-aspartato) e da clonidina (a2-agonista) administrada por via peridural, no tratamento da dor crônica neuropática. MÉTODO: Vinte e seis pacientes adultos com queixa de dor tipo neuropática, não-responsiva aos tratamentos convencionais, foram de forma prospectiva, aleatória e duplamente encoberta, divididos em dois grupos. Todos os pacientes fizeram uso de 50-75 mg de amitriptilina por via oral diariamente. A dor foi avaliada utilizando-se a escala analógica visual (EAV) de 10 cm, em que “zero” correspondeu à “ausência de dor” e “dez” à “pior dor imaginável”. Um cateter peridural foi inserido na região lombar, e as medicações por via peridural foram administradas em intervalos de 8 horas, durante três semanas. O Grupo Cetamina recebeu 0,1 mg.kg-1 de cetamina sem conservante, seguida da administração de 30 mg de lidocaína a 1%, em cada aplicação. O Grupo Clonidina recebeu 30 µg de clonidina sem conservante, seguida da administração de 30 mg de lidocaína a 1%, em cada aplicação. RESULTADOS: Vinte e três pacientes fizeram parte da avaliação final. A administração de cetamina ou clonidina por via peridural, nas doses propostas, resultou em analgesia durante todo o período da manutenção do cateter peridural (EAV inicial 8-10 cm versus EAV final 0-3 cm) (p < 0,002). Após a retirada do cateter peridural, os valores numéricos da EAV mantiveram-se entre 0-3 cm durante 2 a 5 semanas. CONCLUSÕES: A administração de cetamina ou clonidina por via peridural resultou em ação antinociceptiva em pacientes com dor crônica neuropática, não-responsiva aos tratamentos convencionais, representando alternativas eficazes, quando o tratamento convencional não obteve sucesso.

ANALGÉSICOS; DOR, Crônica; HIPNÓTICOS; TÉCNICAS ANESTÉSICAS, Regional


JUSTIFICATIVA Y OBJETIVOS: El dolor crónico resulta en respuesta aumentada de los neuronios del cuerno dorsal de la médula espinal, debido a la acción de diferentes mediadores liberados por las terminaciones neuronales, incluyendo agonistas para los receptores N-metil-D-aspartato. Además de las vías ascendentes sensitivas, vías descendentes inhibitorias modulan la sensación de dolor, incluyendo la participación de a2-agonistas localizados en los aferentes primarios y en la médula espinal. Este estudio visó evaluar el efecto antinociceptivo de la cetamina (antagonista del receptor N-metil-D-aspartato) y de la clonidina (a2-agonista) administrada por vía peridural, en el tratamiento de dolor crónico neuropático. MÉTODO: Veintiséis pacientes adultos con queja de dolor tipo neuropático, no-responsivo a los tratamientos convencionales, fueron de forma prospectiva, aleatoria y duplamente encubierta, divididos en dos grupos. Todos los pacientes hicieron uso de 50-75 mg de amitriptilina por vía oral diariamente. El dolor fue evaluado utilizándose la escala analógica visual (EAV) de 10 cm, en que “cero” correspondió a “ausencia de dolor” y “diez” a “peor dolor imaginable”. Un catéter peridural fue introducido en la región lumbar, y las medicaciones por vía peridural fueron administradas en intervalos de 8 horas, durante tres semanas. El Grupo Cetamina recibió 0,1 mg.kg-1 de cetamina sin conservante, seguida de la administración de 30 mg de lidocaína a 1%, en cada aplicación. El Grupo Clonidina recibió 30 µg de clonidina sin conservante, seguida de la administración de 30 mg de lidocaína a 1%, en cada aplicación. RESULTADOS: Veintitrés pacientes hicieron parte de la evaluación final. La administración de cetamina o clonidina por vía peridural, en las dosis propuestas, resultó en analgesia durante todo el período de la manutención del catéter peridural (EAV inicial 8-10 cm versus EAV final 0-3 cm) (p < 0,002). Después de la retirada del catéter peridural, los valores numéricos de la EAV se mantuvieron entre 0-3 cm durante 2 a 5 semanas. CONCLUSIONES: La administración de cetamina o clonidina por vía peridural resultó en acción antinociceptiva en pacientes con dolor crónico neuropático, no-responsivo a los tratamientos convencionales, representando alternativas eficaces, cuando el tratamiento convencional no obtuvo suceso.


BACKGROUND AND OBJECTIVES: Chronic pain results in an increased response of spinal cord dorsal horn neurons due to the action of several mediators released by neuronal terminals, including the agonists of N-methyl-D-aspartate receptors. In addition to sensory ascending pathways, inhibitory descending pathways modulate pain, including a2-adrenoceptors located on primary afferent terminals and on the spinal cord. This study was designed to investigate the anti-noxious effects of epidural ketamine (N-methyl-D-aspartate antagonist) or epidural clonidine (a2-adrenergic agonist) in the treatment of neuropathic chronic pain. METHODS: Twenty-six adult patients, with neuropathic chronic pain not responsive to conservative therapy, were randomly divided into two groups in this prospective double-blind study. All patients were regularly taking 50-75 mg oral amitriptyline at bedtime. Pain was evaluated through a 10 cm visual analog scale (VAS), with “zero” corresponding to “no pain” and 10 to “the worst possible pain”. A lumbar epidural catheter was inserted and test drugs were administered at 8 hour-intervals during 3 weeks. The ketamine group (KG) was given each time 1 mg.kg-1 preservative-free ketamine followed by 30 mg of 1% lidocaine. The clonidine group (Clo G) was given 30 µg preservative-free clonidine followed by 30 mg of 1% lidocaine (3 ml). RESULTS: Twenty-three patients were evaluated (KG-n=10; Clo G-n=13). Epidural administration of ketamine or clonidine in the proposed doses resulted in analgesia during epidural catheter maintenance (initial VAS 8-10 cm versus final VAS 0-3 cm) (p < 0.002). VAS scores remained maintained between 0 and 3 cm from 2 to 5 weeks following epidural catheter removal. CONCLUSIONS: Epidural ketamine or clonidine resulted in analgesia for neuropathic chronic pain refractory to conservative treatment and are effective alternatives when conventional treatment fails.

ANALGESICS; ANESTHETIC TECHNIQUES, Regional; HYPNOTICS; PAIN, Chronic


ARTIGO CIENTÍFICO

Avaliação clínica comparativa entre a cetamina e a clonidina por via peridural no tratamento da dor crônica neuropática* * Recebido da Clínica para o Tratamento da Dor, Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo (HC FMRP USP)

Evaluación clínica comparativa entre la cetamina y la clonidina por vía peridural en el tratamiento del dolor crónico neuropático

Gabriela Rocha LaurettiI; Alexandre de Menezes RodriguesII; Josenília Maria Alves GomesIII; Marlene Paulino dos Reis, TSAIV

IProfessora Doutora do Departamento de Biomecânica, Medicina e Reabilitação do Aparelho Locomotor, FMRP USP

IIME em dor Dor no HC da FMRP USP

IIIPós-graduanda do HC da FMRP USP

IVProfessora Associada do Departamento de Biomecânica, Medicina e Reabilitação do Aparelho Locomotor, FMRP USP

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Apresentado em 25 de maio de 2001 Aceito para publicação em 26 de julho de 2001

RESUMO

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: A dor crônica resulta em resposta aumentada dos neurônios do corno dorsal da medula espinhal, devido à ação de diferentes mediadores liberados pelas terminações neuronais, incluindo agonistas para os receptores N-metil-D-aspartato. Além das vias ascendentes sensitivas, vias descendentes inibitórias modulam a sensação de dor, incluindo a participação de a2-agonistas localizados nos aferentes primários e na medula espinal. Este estudo visou avaliar o efeito antinociceptivo da cetamina (antagonista do receptor N-metil-D-aspartato) e da clonidina (a2-agonista) administrada por via peridural, no tratamento da dor crônica neuropática.

MÉTODO: Vinte e seis pacientes adultos com queixa de dor tipo neuropática, não-responsiva aos tratamentos convencionais, foram de forma prospectiva, aleatória e duplamente encoberta, divididos em dois grupos. Todos os pacientes fizeram uso de 50-75 mg de amitriptilina por via oral diariamente. A dor foi avaliada utilizando-se a escala analógica visual (EAV) de 10 cm, em que “zero” correspondeu à “ausência de dor” e “dez” à “pior dor imaginável”. Um cateter peridural foi inserido na região lombar, e as medicações por via peridural foram administradas em intervalos de 8 horas, durante três semanas. O Grupo Cetamina recebeu 0,1 mg.kg-1 de cetamina sem conservante, seguida da administração de 30 mg de lidocaína a 1%, em cada aplicação. O Grupo Clonidina recebeu 30 µg de clonidina sem conservante, seguida da administração de 30 mg de lidocaína a 1%, em cada aplicação.

RESULTADOS: Vinte e três pacientes fizeram parte da avaliação final. A administração de cetamina ou clonidina por via peridural, nas doses propostas, resultou em analgesia durante todo o período da manutenção do cateter peridural (EAV inicial 8-10 cm versus EAV final 0-3 cm) (p < 0,002). Após a retirada do cateter peridural, os valores numéricos da EAV mantiveram-se entre 0-3 cm durante 2 a 5 semanas.

CONCLUSÕES: A administração de cetamina ou clonidina por via peridural resultou em ação antinociceptiva em pacientes com dor crônica neuropática, não-responsiva aos tratamentos convencionais, representando alternativas eficazes, quando o tratamento convencional não obteve sucesso.

Unitermos: ANALGÉSICOS: clonidina; DOR, Crônica: neuropática; HIPNÓTICOS: cetamina; TÉCNICAS ANESTÉSICAS, Regional: peridural contínua

RESUMEN

JUSTIFICATIVA Y OBJETIVOS: El dolor crónico resulta en respuesta aumentada de los neuronios del cuerno dorsal de la médula espinal, debido a la acción de diferentes mediadores liberados por las terminaciones neuronales, incluyendo agonistas para los receptores N-metil-D-aspartato. Además de las vías ascendentes sensitivas, vías descendentes inhibitorias modulan la sensación de dolor, incluyendo la participación de a2-agonistas localizados en los aferentes primarios y en la médula espinal. Este estudio visó evaluar el efecto antinociceptivo de la cetamina (antagonista del receptor N-metil-D-aspartato) y de la clonidina (a2-agonista) administrada por vía peridural, en el tratamiento de dolor crónico neuropático.

MÉTODO: Veintiséis pacientes adultos con queja de dolor tipo neuropático, no-responsivo a los tratamientos convencionales, fueron de forma prospectiva, aleatoria y duplamente encubierta, divididos en dos grupos. Todos los pacientes hicieron uso de 50-75 mg de amitriptilina por vía oral diariamente. El dolor fue evaluado utilizándose la escala analógica visual (EAV) de 10 cm, en que “cero” correspondió a “ausencia de dolor” y “diez” a “peor dolor imaginable”. Un catéter peridural fue introducido en la región lumbar, y las medicaciones por vía peridural fueron administradas en intervalos de 8 horas, durante tres semanas. El Grupo Cetamina recibió 0,1 mg.kg-1 de cetamina sin conservante, seguida de la administración de 30 mg de lidocaína a 1%, en cada aplicación. El Grupo Clonidina recibió 30 µg de clonidina sin conservante, seguida de la administración de 30 mg de lidocaína a 1%, en cada aplicación.

RESULTADOS: Veintitrés pacientes hicieron parte de la evaluación final. La administración de cetamina o clonidina por vía peridural, en las dosis propuestas, resultó en analgesia durante todo el período de la manutención del catéter peridural (EAV inicial 8-10 cm versus EAV final 0-3 cm) (p < 0,002). Después de la retirada del catéter peridural, los valores numéricos de la EAV se mantuvieron entre 0-3 cm durante 2 a 5 semanas.

CONCLUSIONES: La administración de cetamina o clonidina por vía peridural resultó en acción antinociceptiva en pacientes con dolor crónico neuropático, no-responsivo a los tratamientos convencionales, representando alternativas eficaces, cuando el tratamiento convencional no obtuvo suceso.

INTRODUÇÃO

A causa clínica mais provável de dor neuropática é a lesão axonal aguda, associada a um processo de degeneração Walleriana, que por sua vez depende do recrutamento de macrófagos e da atividade das citocinas. A dor neuropática é transmitida através de fibras não-mielinizadas do tipo C e do tipo Ab, que transmitem a informação a partir de mecanorreceptores de baixo limiar. As fibras Ab que normalmente fazem sinapse na lâmina III do corno posterior da medula espinhal, na dor neuropática interagem com as vias nociceptivas da lâmina II, com os neurônios de amplo padrão de resposta da lâmina V e com as projeções tálamo-corticais 1, desencadeando um processo de sensibilização central e alterações anatômicas na medula espinhal, correspondentes à doença dor crônica 2.

Pacientes portadores da doença dor crônica neuropática freqüentemente não respondem aos tratamentos convencionais com antiinflamatórios não-esteroidais, antidepressivos, fisioterapia ou o opióide tramadol. A simpatectomia, na distribuição do dermátomo afetado, é algumas vezes efetiva em reduzir ou eliminar a dor, mas o resultado é apenas transitório, na maioria dos casos. Para os casos refratários aos tratamentos convencionais, há a possibilidade da administração de medicações por via invasiva, sendo que os a2-agonistas 3 e os antagonistas do complexo receptor N-metil-D-aspartato 4 representam fármacos potencialmente úteis no controle da plasticidade da dor neuropática.

Este estudo visou avaliar a eficácia da cetamina (antagonista do receptor N-metil-D-aspartato) e da clonidina (a2-agonista), administradas por via peridural, no controle da dor neuropática crônica, refratária aos tratamentos convencionais.

MÉTODO

O estudo foi aprovado pela Comissão de Normas Éticas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto - USP, e o consentimento para participação foi obtido. Participaram do estudo 26 pacientes adultos, com idades entre 21 e 65 anos, portadores de dor crônica do tipo neuropática, com história de dor por tempo superior a seis meses de duração, não-responsiva ao tratamento com antiinflamatórios não-esteroidais, fisioterapia, antidepressivos, tramadol ou meperidina por via venosa. O estudo foi prospectivo, aleatório, duplamente encoberto e realizado ambulatorialmente. A intensidade da dor foi avaliada utilizando-se a Escala Analógica Visual de 10 cm (EAV), sendo o extremo “zero cm” correspondente à “ausência de dor”, variando até “dez cm”, correspondente à “pior dor imaginável”. Todos os pacientes fizeram uso de 50 a 75 mg de amitriptilina por via oral, diariamente durante todo o período do tratamento.

Vinte e seis pacientes foram designados a um de dois grupos. Estando em uso de 50 a 75 mg de amitriptilina diariamente por pelo menos 7 dias, foi instalado um cateter peridural na região lombar, utilizando-se técnica asséptica e filtro antibacteriano. O correto posicionamento do cateter foi verificado com a administração de 3 ml de lidocaína a 1%, após a realização da dose teste com 3 ml de lidocaína a 1%, com vasoconstritor (volume total 6 ml). O Grupo Cetamina recebeu 0,1 mg.kg-1 de cetamina racêmica sem conservante (2 ml), diluída em solução de lidocaína a 1% sem vasoconstritor, seguida da administração de 30 mg de lidocaína a 1% sem vasoconstritor (3 ml). Esta aplicação foi realizada diariamente, a intervalos de 8 horas, pelo próprio paciente, sendo a dose total diária de cetamina 0,3 mg.kg-1.dia. O Grupo Clonidina recebeu 30 µg de clonidina sem conservante (2 ml), diluída em solução de lidocaína a 1% sem vasoconstritor, seguida da administração de 30 mg de lidocaína a 1% sem vasoconstritor (3 ml). Esta aplicação foi realizada diariamente a intervalos de 8 horas, pelo próprio paciente, sendo a dose total diária de clonidina 90 µg. O cateter foi mantido por 3 semanas consecutivas, sendo que os pacientes tinham retornos semanais para troca de curativo, avaliação da dor, avaliação dos efeitos adversos, e fornecimento dos fármacos testes e de lidocaína a 1%. Os pacientes receberam semanalmente os frascos de lidocaína a 1% com as drogas testes preparadas por um observador independente, sendo 2 ml o volume a ser administrado, seguido da administração de 3 ml de lidocaína a 1%.

Após 3 semanas consecutivas de avaliação, o cateter peridural foi retirado, sendo mantida a dose de amitriptilina por via oral. Foram prescritos para os pacientes 50 mg de cetoprofeno por via oral, a intervalos mínimos diários de 8 horas, se necessário. O consumo de cetoprofeno foi avaliado após a retirada do cateter peridural, durante o tempo em que o paciente apresentava valor numérico menor que 4 cm pela EAV (0-10 cm).

O número mínimo de pacientes determinado pelo teste do poder estatístico é 8, e foi baseado em estudo preliminar realizado em nosso serviço, em que diferentes doses foram testadas previamente, considerando alfa = 5% e beta = 0,1. Os grupos foram comparados para análise demográfica pelo teste de Mann Whitney. A incidência dos efeitos adversos e o sexo dos pacientes foram comparados entre os grupos, utilizando-se o teste Qui-quadrado. Os valores numéricos da EAV-10 cm semanais de um mesmo grupo foram avaliados pelo teste Friedman ANOVA, seguido pelo teste Wilcoxon matched pareado. Os valores numéricos da EAV-10 cm entre os grupos foram comparados pelo teste MANOVA, seguido do teste “Tukey Honest significance”. Os dados são expressos como média ± desvio padrão, sendo que p < 0,05 foi considerado significante.

RESULTADOS

Vinte e três pacientes fizeram parte da análise final (grupo Cetamina- n=10; grupo Clonidina- n=13). Um dos pacientes do grupo Cetamina foi excluído porque queixou-se de tontura e recusou-se a continuar o estudo. Outro paciente foi excluído porque procurou o serviço com queixa de parestesia em um dos membros inferiores no segundo dia de avaliação, sendo constatado mal posicionamento do cateter peridural, sendo o mesmo retirado. Outro paciente foi excluído devido à obtenção de dados de forma incompleta.

Os grupos foram demograficamente semelhantes. Todos os pacientes eram portadores de dor crônica, do tipo neuropática, e foram classificados como estado físico ASA II. No grupo cetamina, 6 pacientes eram do sexo masculino, e 4 do sexo feminino. No grupo clonidina, 8 pacientes eram do sexo masculino, e 5 eram do sexo feminino (p = 0,999). Os grupos foram semelhantes quanto à idade (anos) (grupo cetamina versus grupo clonidina - 46 ± 12; 47 ± 10; p = 0,2414); quanto ao peso corporal (kg) (grupo cetamina versus grupo clonidina - 63 ± 13; 63 ± 8; p = 0,8947) e quanto à estatura (cm) (grupo cetamina versus grupo clonidina- 165 ± 8; 162 ± 6; p = 0,9322).

O valor numérico classificado pela EAV (0-10 cm) está descrito na figura 1. Os valores iniciais, antes de se iniciar o tratamento com o cateter peridural foram semelhantes entre os dois grupos e variaram entre 7 e 10 cm (p = 0,5708). Os valores da EAV (0-10 cm) 7, 14 e 21 dias após a instalação do cateter peridural variaram entre 0 e 3 cm e foram semelhantes quando comparados entre os dois grupos em um mesmo tempo (com 7 dias: p = 0,4611; 14 dias: p = 0,2414; e 21 dias: p = 0,8947). Entretanto, os valores numéricos em um mesmo grupo foram estatisticamente diferentes quando comparados ao valor de EAV inicial, com o obtido com 7 dias (p = 0,0014), 14 dias (p = 0,0014) e 21 dias (p = 0,0014). Um paciente de cada grupo referiu dor na pele e tecido subcutâneo, na área ao redor da inserção do cateter peridural, porém não havia sinal aparente de infecção local, e os curativos foram realizados semanalmente, seguindo o protocolo. Dois pacientes do grupo Clonidina (que eram hipertensos, porém controlados), apresentaram hipotensão leve após a administração da clonidina por via peridural, sendo observados e tendo-lhes sido recomendado ficarem em repouso após cada administração da medicação peridural por 30 a 40 minutos. Não foram observados outros efeitos adversos.


Um paciente do grupo cetamina queixou-se de parestesia no 14º dia de avaliação, e o cateter peridural foi retirado com regressão espontânea do quadro. Dois pacientes do grupo clonidina queixaram-se de dor à injeção da droga teste peridural no 14º dia de avaliação, e o cateter peridural foi removido. Em dois dos pacientes que utilizaram cetamina por via peridural, e um dos pacientes que utilizou clonidina por via peridural, foi posteriormente diagnosticada neoplasia (fígado, intestino e linfoma; respectivamente). Posteriormente ao diagnóstico, o cateter peridural foi recolocado nestes pacientes, e iniciada morfina (4 a 8 mg.dia) por via peridural, diariamente. Dois dos pacientes foram a óbito no período de 8 meses após o diagnóstico.

Todos os pacientes mantiveram valores numéricos classificados pela EAV (0-10 cm) entre 0 e 3 cm, durante 2 a 5 semanas após a retirada do cateter peridural. O consumo de cetoprofeno durante este período de observação foi esporádico entre os pacientes (variando de 1 comprimido a cada três dias a 2 comprimidos diários), e semelhante entre os grupos (p = 0,4929).

DISCUSSÃO

Os resultados obtidos demonstraram que a administração diária de baixas doses de clonidina (90 µg.dia) ou cetamina (0,3 mg.kg-1.dia) associadas à lidocaína, por via peridural, resultou em controle da dor neuropática crônica, refratária aos tratamentos convencionais. Nas doses utilizadas, os pacientes tiveram condições de realizar o tratamento de forma ambulatorial, sendo o tratamento proposto bem tolerado, eficiente quanto à ação analgésica, e sem efeitos adversos limitantes.

A cetamina, um dos fármacos utilizados, apresenta um potencial terapêutico no tratamento da alodinia e hiperalgesia, componentes da dor neuropática 5. As doses de cetamina descritas na literatura, administradas por via peridural, variam de 0,2 a 1 mg.kg-1 6,7. A dose utilizada no estudo proposto foi de 0,3 mg.kg-1.dia, dividido em três doses diárias, o que provavelmente contribuiu para a pequena incidência de efeitos adversos.

A ação analgésica da cetamina administrada por via espinhal é secundária ao bloqueio da condução axonal 8 e da modulação da plasticidade central, inibindo a sensibilização central 9. A cetamina interage com o local de ligação fenciclidina, associado ao complexo receptor N-metil-D-aspartato através de dois mecanismos distintos: 1) parece exercer seu efeito analgésico com o canal acoplado ao complexo receptor N-methil-D-aspartato aberto 10, reduzindo o tempo de abertura do mesmo através de ligação em local de ação localizado dentro do canal 11; 2) diminui a freqüência de abertura do canal acoplado ao receptor N-metil-D-aspartato através de um mecanismo de ação alostérico, o qual envolve um local de ação localizado na região hidrofóbica da membrana, externamente ao canal, não necessitando necessariamente que o canal acoplado esteja em sua forma aberta 11. Além da atividade relacionada ao complexo N-metil-D-aspartato, possui atividade em receptores opióides, quisqualato, muscarínicos, monoaminérgicos e em canais de Ca++ voltagem-dependente 12-16.

O outro fármaco analgésico utilizado neste estudo, e que demonstrou potencial analgésico quando administrado em baixas doses (90 µg.dia), foi a clonidina. As doses de clonidina administradas por via peridural descritas na literatura variam de 1 a 8 µg.kg-1 administradas em bolus somente, ou seguidas de infusões contínuas (0,5 a 2 µg.kg-1.h-1) 7,17,18. Quando administrada por via espinhal, a clonidina foi eficaz para a alodinia 19 e para a dor crônica neoplásica refratária à morfina, particularmente do tipo neuropático, em que os pacientes receberam infusão contínua de clonidina, 30 µg.h-13. O alívio da hiperalgesia seria devido à ação em receptores a2-adrenérgicos pré-sinápticos através da inibição da liberação de noradrenalina de neurônios simpáticos pós-ganglionares 20. Em pacientes com história de distrofia simpática reflexa, 300 µg ou 700 µg de clonidina administrada por via peridural foi eficaz para o controle da mesma 21.

A clonidina, um agonista a2-adrenérgico parcial, age não somente em receptores a2-adrenérgicos mas em receptores a1-adrenérgicos e em receptores imidazolina, sendo a seletividade para receptores a2A/a1 igual a 39 22. A seletividade para receptores a2A/imidazolina é 16. Sua ação analgésica espinhal é mediada em parte pela ativação colinérgica e estimulação da liberação de norepinefrina na medula 23. No homem, a distribuição de receptores adrenérgicos localizados na medula espinhal varia, dependendo do nível. São mais abundantes na região sacral e cervical, comparados às regiões lombar e torácica 24. Os subtipos a2A e a2B predominam na medula espinhal do homem, comparados ao subtipo a2C25, enquanto os subtipos de receptores a2B e a2C predominam no gânglio da raiz dorsal e também parecem participar da ação analgésica final da clonidina 26.

No trabalho realizado, tanto a cetamina quanto a clonidina foram associadas ao anestésico local lidocaína, administrados por via peridural. A ação analgésica de baixas doses de lidocaína, na medula espinhal, difere de sua ação analgésica periférica. A lidocaína é mais potente no nível espinhal do que no periférico. Na periferia, interage com canais de Na+ dependentes de voltagem, no lado intracelular da membrana, apresentando maior afinidade para o estado iônico aberto, gerado durante a despolarização. Além do mecanismo de ação descrito na medula espinhal, reduz direta ou indiretamente a despolarização pós-sináptica, mediada por receptores N-metil-D-aspartato, e receptores para a neuroquinina e age, possivelmente, em canais de Na+, resistentes à tetrodotoxina. Possui ação colinomimética, nos receptores muscarínicos, e ativa os receptores sensitivos à glicina 27-29.

Em conclusão, a administração peridural de 0,3 mg.kg-1.dia de cetamina ou de 90 µg.dia de clonidina associadas à lidocaína, resultou em ação antinociceptiva em pacientes com dor crônica neuropática, não-responsiva aos tratamentos convencionais, por provável ação antinociceptiva central, representando alternativas eficazes, quando o tratamento convencional não obteve sucesso.

Dra. Gabriela Rocha Lauretti

Rua Campos Sales, 330/44

14015-110 Ribeirão Preto, SP

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  • Endereço para correspondência

    Apresentado em 25 de maio de 2001
    Aceito para publicação em 26 de julho de 2001
  • *
    Recebido da Clínica para o Tratamento da Dor, Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo (HC FMRP USP)
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      14 Jan 2011
    • Data do Fascículo
      Fev 2002

    Histórico

    • Recebido
      25 Maio 2001
    • Aceito
      26 Jul 2001
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