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Videolaringoscópio King Vision para contratura grave do pescoço após queimadura: uma experiência encorajadora Instituição: Jawaharlal Nehru Medical College (AMU), Aligarh, UP, Índia.

Resumo

Justificativa e objetivos

O manejo de vias aéreas em contratura de pescoço após queimadura sempre foi um desafio para os anestesiologistas, pois a contratura limita o alinhamento do eixo orofaringolaríngeo devido às deformidades funcionais e anatômicas que ocorrem como resultado de contraturas de longa duração.

Relato de caso

Paciente do sexo masculino, 35 anos de idade, com contratura do pescoço após queimadura foi programado para liberação da contratura. Como estava com deformidade fixa em flexão no pescoço, não tentamos a laringoscopia convencional e optamos por usar o videolaringoscópio King Vision.

Conclusão

O videolaringoscópio King Vision pode ser usado em situações de via aérea difícil como a contratura de pescoço após queimadura.

Palavras-chave
King Vision; Contratura do pescoço; Intubação

Abstract

Background and objectives

Managing the airway of post burn contracture of the neck has always been challenging to anesthesiologists as it limits the alignment of oro-pharyngo-laryngeal axes because of functional and anatomical deformities that occur as a result of long standing contractures. Here the role of the King Vision video laryngoscope which is the latest in the series of video laryngoscope has been evaluated for such patients.

Case report

A 35 year old male patient with post burn contracture of neck was scheduled for release of the contracture. As the patient had had fixed flexion deformity of the neck we did not attempt the conventional laryngoscopy. Instead we opted for King Vision video laryngoscope.

Conclusion

We therefore conclude that King Vision videolaryngoscope can be used for difficult airway situations like post burn contracture of neck.

Keywords
King Vision; Contracture neck; Intubation

Introdução

A contratura de face e pescoço pós-queimadura é uma das sequelas mais comuns após queimadura grave da face e pescoço. Tais pacientes se apresentam para a liberação das contraturas. O manejo das vias aéreas desses pacientes sempre foi um desafio para os anestesiologistas por causa das deformidades anatômicas e funcionais resultantes de contraturas de longa data. As deformidades que limitam a abertura da boca e aquelas de flexão fixa que causam restrição séria dos movimentos do pescoço são de particular relevância.

O uso de fibra óptica em paciente acordado é considerado o padrão-ouro para o manejo das vias aéreas de tais pacientes.11 Messeter KH, Pettersson KI. Endotracheal intubation with the fibreoptic bronchoscope. Anaesthesia. 1980;35:294-8. Porém, essa técnica é demorada e exige especialização. Um grande número de equipamentos e dispositivos de vias aéreas é adicionado todos os anos ao arsenal de via aérea difícil. Os videolaringoscópios são um desses avanços para o manejo de via aérea difícil.

Relatamos um caso de contratura de face e pescoço após queimadura grave com restrição dos movimentos do pescoço, no qual a intubação endotraqueal foi feita com o videolaringoscópio King Vision™ (King Systems, Noblesville, IN, EUA).

Relato de caso

Paciente do sexo masculino, 35 anos, 45 kg, estado físico ASA I (de acordo com a classificação da Sociedade Americana de Anestesiologistas [ASA]), apresentou-se com história de queimadura havia três meses que resultara em contraturas de pescoço, espaço submandibular, tórax e membro superior.

Ao exame, seus sinais vitais estavam estáveis. As contraturas envolviam o pescoço, espaço submandibular, tórax e membro superior bilateralmente. A abertura da boca era limitada, com a distância interincisivos inferior a 3 cm. Havia uma deformidade fixa em flexão do pescoço. As distâncias tireomentoniana e mentoesternal não puderam ser avaliadas devido a contraturas na região anterior do pescoço. A parte anterior do pescoço não era visível. A flexão e a extensão do pescoço eram restritas.

No dia da cirurgia, o paciente foi pré-medicado com glicopirrolato (0,01 mg.kg-1), midazolam injetável (0,025 mg.kg-1), ondansetrona (0,15 mg.kg-1). Um carrinho para via aérea difícil foi mantido à disposição. Todos os medicamentos foram administrados por via intravenosa (IV) 15 min antes da transferência do paciente para o centro cirúrgico. Uma técnica anestésica padrão foi usada, consiste em pré-oxigenação com 100% de O2 por 3 min, indução com propofol (2 mg.kg-1 IV) e fentanil (2 mg.kg-1). Após a confirmação de ventilação via bolsa e máscara, o paciente recebeu succinilcolina (1,5 mg.kg-1 IV) para relaxamento muscular. Em seguida, destacamos o videomonitor do vídeolaringoscópio King Vision™ (fig. 1) e introduzimos a lâmina canalizada do King Vision do lado esquerdo do ângulo da boca do paciente com a ajuda da elevação da mandíbula por um assistente e passamos a lâmina sobre o centro da língua. O videomonitor foi então conectado à lâmina do laringoscópio. O dispositivo foi então avançado até chegar à valécula e depois ultrapassar a epiglote. A ponta foi posicionada um pouco além da epiglote e uma força ascendente foi aplicada para obter uma visão adequada da abertura da glote. A sonda foi então avançada para baixo no canal, sustentou-se a força de elevação que mantinha a exposição das pregas vocais e podia-se observar a sonda passando pelas pregas vocais. Um tubo endotraqueal (TET) de 7,5 mm foi então colocado sobre a sonda e avançado sobre o manguito do TET, pôde ser observado ao passar pelas pregas vocais. Quando o manguito passou pelas pregas vocais, a sonda foi puxada para fora, o circuito foi conectado e a posição foi confirmada com capnografia e ausculta. O King Vision foi então removido, manteve-se o TET no lugar. Subsequentemente, a anestesia foi mantida com oxigênio e óxido nitroso, isoflurano e doses incrementais de brometo de vecurônio. Os pulmões foram ventilados mecanicamente para obter normocapnia. O período intraoperatório transcorreu sem intercorrências e a traqueia do paciente foi extubada com o paciente acordado e respirando espontaneamente.

Figura 1
Videolaringoscópio King Vision com sonda.

Discussão

A falha na intubação em situação de via aérea difícil é uma das principais causas de morbidade e mortalidade relacionadas à anestesia.22 Apfelbaum JL, Hagberg CA, Caplan RA, et al. Practice guidelines for management of the difficult airway: an updated report by the American Society of Anesthesiologists Task Force on Management of the Difficult Airway. Anesthesiology. 2013;118:251-70.,33 Peterson GN, Domino KB, Caplan RA, et al. Management of the difficult airway: a closed claims analysis. Anesthesiology. 2005;103:33-9. Os pacientes com contratura de face e pescoço após queimadura fazem parte de um grupo singular e geralmente apresentam via aérea difícil.

As contraturas crônicas faciais e do pescoço levam a distorções anatômicas que causam a redução da abertura da boca. A presença de deformidade fixa em flexão resulta em restrição séria dos movimentos do pescoço, o que causa um posicionamento inadequado e leva ao não alinhamento dos eixos oral, faríngeo e laríngeo. Além disso, há uma disponibilidade limitada de espaço no interior da cavidade oral e o espaço submandibular também não fica compatível.44 Kreulen M, Mackie DP, Kreis RW, et al. Surgical release for intubation purposes in postburn contractures of the neck. Burns. 1996;22:310-2.

Como resultado dessas condições, as opções para o manejo das vias aéreas em pacientes com contratura pós-queimadura são limitadas. A intubação por fibra óptica em paciente acordado sempre foi considerada a abordagem mais prudente e padrão-ouro em tais casos, que se apresentam com previsão de via aérea difícil.11 Messeter KH, Pettersson KI. Endotracheal intubation with the fibreoptic bronchoscope. Anaesthesia. 1980;35:294-8. No entanto, a intubação em paciente acordado é um procedimento muito estimulante e doloroso que requer a cooperação do paciente. Obter anestesia local nesses pacientes é uma tarefa difícil por causa das anormalidades anatômicas.55 Kandasamy R, Sivalingam P. Use of sevoflurane in difficult airways. Acta Anaesthesiol Scand. 2000;44:627-9. Além disso, o uso de fibra óptica em condições desfavoráveis requer conhecimentos técnicos e uma curva de aprendizado mais longa.

Os videolaringoscópios são uma nova classe de dispositivos recentemente introduzidos para vias aéreas que fazem parte dos avanços mais inovadores na prática cotidiana. Esses dispositivos oferecem vantagens como a visualização de laringe prejudicada, menor movimentação da coluna cervical, curta de aprendizado menor, melhor portabilidade e custo.66 Channa AB. Videolaryngoscopes. Saudi J Anaesth. 2011;5:357-9.

O videolaringoscópio King Vision™ é o mais recente dispositivo disponível nessa categoria e oferece uma visão perfeita com o uso da tecnologia videodigital. O dispositivo é pouco dispendioso e portátil e foi projetado em duas peças. O monitor reutilizável fica conectado a uma lâmina descartável com um canal especialmente incorporado para o tubo endotraqueal.

O uso de vídeolaringoscópios em situações de via aérea difícil foi descrito na literatura. Tahan et al. descreveram o uso combinado do vídeolaringoscópio King Vision™ e de fibroscopia em pacientes com estenose traqueal grave.77 El-Tahan MR, Doyle DJ, Khidr AM, et al. Use of the King Vision™ video laryngoscope to facilitate fibreoptic intubation in critical tracheal stenosis proves superior to the GlideScope. Can J Anaesth. 2014;61:213-4. Park et al. descreveram o uso de Glidescope™ em pacientes com contratura mentoesternal grave.88 Park CD, Lee HK, Yim JY, et al. Anesthetic management for a patient with severe mento sterna contracture: difficult airway and scarce venous access - a case report. Korean J Anesthesiol. 2013;64:61-4. Nós também relatamos o uso de Airtraq em contratura grave de pescoço após queimadura.99 Ali QE, Amir SH, Siddiqui OA, et al. Airway management in severe post-burn contracture of the neck using Airtraq: a case series. Ind J Anaesth. 2013;57:620-2. Suzuki et al. também relataram o uso de Pentax AWS™ em pacientes obesos mórbidos após falha na intubação com fibra óptica.1010 Suzuki A, Kunisawa T, Takahata O, et al. Pentax-AWS (Airway Scope) for awake tracheal intubation. J Clin Anesth. 2007;19:642-3. Gaszynska e Gaszynski relataram dois casos nos quais o vídeolaringoscópio King Vision™ foi usado para intubação em pacientes acordados com tumores de faringe e laringe.1111 Gaszynska E, Gaszynski T. The King Vision™ video laryngoscope for awake intubation: series of cases and literature review. Ther Clin Risk Manag. 2014;10:475-8.

Embora existam vários relatos de casos que mencionam o uso de videolaringoscópios em situações de via aérea difícil, o uso do laringoscópio King Vision™ é raramente relatado. Além disso, de acordo com nossa pesquisa, esse dispositivo não foi usado com muita frequência em pacientes com contratura após queimadura. O dispositivo oferece algumas vantagens em particular para tais pacientes. Uma abertura de boca de 25 mm é suficiente para a introdução da lâmina na cavidade oral. O não alinhamento dos três eixos (oral, faríngeo e laríngeo) em consequência da restrição dos movimentos do pescoço tem pouca importância porque o dispositivo não requer posição com elevação ótima do queixo para a laringoscopia. Nós usamos o laringoscópio King Vision™ com sucesso em nosso paciente. Porém, não permitimos a intubação com o paciente acordado porque nosso paciente estava muito apreensivo e não estava disposto a cooperar.

Em conclusão, o videolaringoscópio King Vision™ pode ser uma boa opção para a intubação em pacientes com contratura após queimadura que apresentam abertura limitada da boca e movimentos restritos do pescoço.

  • Instituição: Jawaharlal Nehru Medical College (AMU), Aligarh, UP, Índia.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Nov-Dec 2017

Histórico

  • Recebido
    15 Set 2014
  • Aceito
    28 Out 2014
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