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Causas incomuns de instabilidade hemodinâmica durante revascularização miocárdica sem circulação extracorpórea

Causas poco comunes de inestabilidad hemodinámica durante la revascularización miocárdica sin circulación extracorpórea

Resumos

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: A revascularização miocárdica (RM) em pacientes com hipertrofia e/ou disfunção ventricular é frequentemente realizada sem utilização de circulação extracorpórea (CEC) porque o desmame da CEC pode ser difícil nesses casos. O controle intraoperatório exige ajuste hemodinâmico estrito, bem como uso de pinçamento aórtico parcial para minimizar alterações hemodinâmicas é efetivo. O objetivo foi relatar dois casos de instabilidade hemodinâmica durante RM sem CEC, após pinçamento parcial da aorta. RELATO DOS CASOS: No primeiro caso, a paciente do sexo feminino apresentava diâmetro aórtico ligeiramente reduzido (2,8 cm) e o segundo paciente apresentava fração de ejeção ventricular esquerda (FEVE) de 24% à ecocardiografia. Em ambos os casos, observou-se importante hipotensão arterial e elevação da pressão arterial pulmonar imediatamente após pinçamento aórtico. As equipes cirúrgicas foram avisadas e a instabilidade hemodinâmica de cada caso resolvida após a liberação do pinçamento parcial da aorta. Os pinçamentos posteriores foram realizados em menor área aórtica e as anastomoses proximais realizadas sem intercorrências. CONCLUSÕES: Embora as causas mais comuns de instabilidade hemodinâmica durante a RM sem CEC refiram-se à manipulação da posição cardíaca e a alterações da pré-carga ventricular, nesses casos, hipotensão arterial e hipertensão pulmonar deveram-se, provavelmente, à diminuição do débito cardíaco secundário ao aumento da pós-carga em pacientes com pequeno diâmetro relativo da aorta ou disfunção ventricular ocorridos mesmo com pinçamento parcial. A adequada monitoração intraoperatória e a correção imediata de alterações hemodinâmicas podem minimizar a morbimortalidade cirúrgica.

CIRURGIA, Cardíaca; CIRURGIA, Cardíaca; COMPLICAÇÕES; COMPLICAÇÕES; MONITORAÇÃO


JUSTIFICATIVA Y OBJETIVOS: La revascularización miocárdica (RM) en pacientes con hipertrofia y/o disfunción ventricular, es a menudo realizada sin la utilización de la circulación extracorpórea (CEC), porque el destete de la CEC puede ser difícil en esos casos. El control intraoperatorio exige un ajuste hemodinámico estricto, y también puede ser eficaz, el uso del pinzamiento aórtico parcial para minimizar las alteraciones hemodinámicas. El objetivo fue relatar dos casos de inestabilidad hemodinámica durante la RM sin CEC, después del pinzamiento parcial de la aorta. RELATO DE LOS CASOS: En el primer caso, la paciente del sexo femenino presentaba un diámetro aórtico ligeramente reducido (2,8 cm), y el segundo paciente presentaba una fracción de eyección ventricular izquierda (FEVI) de un 24% a la ecocardiografía. En los dos casos, observamos una importante hipotensión arterial y una elevación de la presión arterial pulmonar inmediatamente después del pinzamiento aórtico. Los equipos de cirugía recibieron el aviso y la inestabilidad hemodinámica de cada caso se resolvió después de la liberación del pinzamiento parcial de la aorta. Los pinzamientos posteriores se realizaron en una menor área aórtica y las anastomosis proximales se hicieron sin intercurrencias. CONCLUSIONES: Aunque las causas más frecuentes de la inestabilidad hemodinámica durante la RM sin CEC se refieran a la manipulación de la posición cardiaca y a las alteraciones de la precarga ventricular, en esos casos, la hipotensión arterial y la hipertensión pulmonar se debieron probablemente, a la reducción del débito cardíaco secundario, al aumento de la poscarga en pacientes con un diámetro reducido relativo de la aorta, o a la disfunción ventricular todos inclusive con pinzamiento parcial. El adecuado monitoreo intraoperatorio y la inmediata corrección de las alteraciones hemodinámicas, pueden minimizar la morbimortalidad quirúrgica.


BACKGROUND AND OBJECTIVES: Myocardial revascularization (MR) in patients with ventricular hypertrophy and/or dysfunction is frequently performed without cardiopulmonary bypass (CB), since it can be difficult to wean those patients off CB. Intraoperative control demands strict hemodynamic adjustment, as well as partial clamping of the aorta to minimize hemodynamic changes. The objective of this study was to report two cases of hemodynamic instability during MR without CB after partial clamping of the aorta. CASE REPORT: The first case is a female patient, whose aortic diameter was slightly reduced (2.8 cm); the second case refers to a patient with left ventricular ejection fraction (LVEF) of 24% on the echocardiogram. In both cases, significant hypotension and increase in pulmonary blood pressure were observed immediately after clamping of the aorta. The surgical teams were informed of the problem, and in both cases the hemodynamic instability was reverted after unclamping of the aorta. Afterwards, smaller areas of the aorta were clamped and proximal anastomoses were performed without intercurrence. CONCLUSIONS: Although cardiac manipulation and changes in ventricular preload represent the most common causes of hemodynamic instability during MR without CB, in the cases presented here, hypotension and pulmonary hypertension were most likely secondary to a reduction in cardiac output due to the increase in afterload in patients with a relatively small aortic diameter or ventricular dysfunction even with partial clamping. Adequate intraoperative monitoring and immediate correction of the hemodynamic changes can minimize surgical morbidity and mortality.

COMPLICATIONS; COMPLICATIONS; MONITORING; SURGERY, Cardiac; SURGERY, Cardiac


INFORMAÇÃO CLÍNICA

Causas incomuns de instabilidade hemodinâmica durante revascularização miocárdica sem circulação extracorpórea* * Recebido do Instituto do Coração (InCor) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HCFMUSP), SP

Causas poco comunes de inestabilidad hemodinámica durante la revascularización miocárdica sin circulación extracorpórea

Luciana Moraes dos Santos, TSAI; Maria José Carvalho Carmona, TSAII; Silvia Minhye KimIII; Ricardo Ribeiro DiasIV; José Otávio Costa Auler Jr, TSAV

IDoutora em Ciências pela FMUSP; Médica-assistente do Serviço de Anestesiologia do HC-FMUSP - Ribeirão Preto

IIProfessora Livre-Docente Associada da Disciplina de Anestesiologia da FMUSP; Diretora da Divisão de Anestesia do Instituto Central do HC-FMUSP

IIIDoutora em Ciências pela FMUSP; Médica-assistente do Serviço de Anestesiologia do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo da FMUSP

IVDoutor em Ciências pela USP; Médico-assistente da Divisão de Cirurgia Cardíaca do InCor - HC-FMUSP

VProfessor Titular da Disciplina de Anestesiologia da FMUSP; Diretor do Serviço de Anestesia do InCor - HC-FMUSP. Diretor Clínico do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP), SP

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Dra. Maria José Carvalho Carmona InCor - HC-FMUSP Av. Enéas de Carvalho Aguiar 44 054030-000 São Paulo, SP E-mail: maria.carmona@incor.usp.br

RESUMO

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: A revascularização miocárdica (RM) em pacientes com hipertrofia e/ou disfunção ventricular é frequentemente realizada sem utilização de circulação extracorpórea (CEC) porque o desmame da CEC pode ser difícil nesses casos. O controle intraoperatório exige ajuste hemodinâmico estrito, bem como uso de pinçamento aórtico parcial para minimizar alterações hemodinâmicas é efetivo. O objetivo foi relatar dois casos de instabilidade hemodinâmica durante RM sem CEC, após pinçamento parcial da aorta.

RELATO DOS CASOS: No primeiro caso, a paciente do sexo feminino apresentava diâmetro aórtico ligeiramente reduzido (2,8 cm) e o segundo paciente apresentava fração de ejeção ventricular esquerda (FEVE) de 24% à ecocardiografia. Em ambos os casos, observou-se importante hipotensão arterial e elevação da pressão arterial pulmonar imediatamente após pinçamento aórtico. As equipes cirúrgicas foram avisadas e a instabilidade hemodinâmica de cada caso resolvida após a liberação do pinçamento parcial da aorta. Os pinçamentos posteriores foram realizados em menor área aórtica e as anastomoses proximais realizadas sem intercorrências.

CONCLUSÕES: Embora as causas mais comuns de instabilidade hemodinâmica durante a RM sem CEC refiram-se à manipulação da posição cardíaca e a alterações da pré-carga ventricular, nesses casos, hipotensão arterial e hipertensão pulmonar deveram-se, provavelmente, à diminuição do débito cardíaco secundário ao aumento da pós-carga em pacientes com pequeno diâmetro relativo da aorta ou disfunção ventricular ocorridos mesmo com pinçamento parcial. A adequada monitoração intraoperatória e a correção imediata de alterações hemodinâmicas podem minimizar a morbimortalidade cirúrgica.

Unitermos: CIRURGIA, Cardíaca: revascularização do miocárdio, sem circulação extracorpórea; COMPLICAÇÕES: disfunção ventricular esquerda, baixo débito cardíaco; MONITORAÇÃO: cateter artéria pulmonar.

RESUMEN

JUSTIFICATIVA Y OBJETIVOS: La revascularización miocárdica (RM) en pacientes con hipertrofia y/o disfunción ventricular, es a menudo realizada sin la utilización de la circulación extracorpórea (CEC), porque el destete de la CEC puede ser difícil en esos casos. El control intraoperatorio exige un ajuste hemodinámico estricto, y también puede ser eficaz, el uso del pinzamiento aórtico parcial para minimizar las alteraciones hemodinámicas. El objetivo fue relatar dos casos de inestabilidad hemodinámica durante la RM sin CEC, después del pinzamiento parcial de la aorta.

RELATO DE LOS CASOS: En el primer caso, la paciente del sexo femenino presentaba un diámetro aórtico ligeramente reducido (2,8 cm), y el segundo paciente presentaba una fracción de eyección ventricular izquierda (FEVI) de un 24% a la ecocardiografía. En los dos casos, observamos una importante hipotensión arterial y una elevación de la presión arterial pulmonar inmediatamente después del pinzamiento aórtico. Los equipos de cirugía recibieron el aviso y la inestabilidad hemodinámica de cada caso se resolvió después de la liberación del pinzamiento parcial de la aorta. Los pinzamientos posteriores se realizaron en una menor área aórtica y las anastomosis proximales se hicieron sin intercurrencias.

CONCLUSIONES: Aunque las causas más frecuentes de la inestabilidad hemodinámica durante la RM sin CEC se refieran a la manipulación de la posición cardiaca y a las alteraciones de la precarga ventricular, en esos casos, la hipotensión arterial y la hipertensión pulmonar se debieron probablemente, a la reducción del débito cardíaco secundario, al aumento de la poscarga en pacientes con un diámetro reducido relativo de la aorta, o a la disfunción ventricular todos inclusive con pinzamiento parcial. El adecuado monitoreo intraoperatorio y la inmediata corrección de las alteraciones hemodinámicas, pueden minimizar la morbimortalidad quirúrgica.

INTRODUÇÃO

A realização de revascularização miocárdica (RM) sem circulação extracorpórea (CEC) tem-se tornado cada vez mais frequente e com bons resultados quando comparada à técnica que utiliza CEC. Com a evolução na técnica cirúrgica, como o uso de estabilizadores de miocárdio, a revascularização completa é, atualmente, possível em maior número de casos. Instabilidade hemodinâmica temporária pode ocorrer em decorrência de isquemia miocárdica ou pela manipulação do coração para acesso às paredes ventriculares em que serão realizadas as anastomoses. Foram relatados dois casos de instabilidade hemodinâmica súbita durante RM sem CEC, ocorrida imediatamente após pinçamento parcial da aorta para realização das anastomoses proximais dos enxertos.

RELATO DOS CASOS

Caso 1: Paciente do sexo feminino, 57 anos, 72 kg de peso, portadora de diabetes melittus insulino-dependente, hipertensão arterial, dislipidemia e angina instável. Ao eletrocardiograma, apresentava ondas Q em V1 e V2, inversão de ondas T de V1 a V5 e angiografia coronária que evidenciou obstrução de 99% em artéria descendente anterior (DA), 70% em primeira diagonal (DI1), 90% em coronária direita (CD) e 70% em descendente posterior (DP), com presença de grau III de colaterais para a DA. À ecocardiografia, a fração de eje ção do ventrículo esquerdo (FEVE) foi de 60% e o diâmetro aórtico de 2,8 cm. Seus exames laboratoriais não apresentavam alterações significativas. A paciente estava recebendo 120 mg de propranolol, 60 mg de dinitrato de isossorbida, 10 mg de anlodipina e 5.000 UI de heparina de baixo peso molecular ao dia. Após admissão à sala de operações, instalou-se oxímetro de pulso, ECG nas derivações DII e V5 com análise contínua do segmento ST e análise contínua da pressão arterial utilizando-se cateter em artéria radial. A indução anestésica foi realizada com 15 mg de etomidato, 100 µg de sufentanil, 100 mg de atracúrio e a manutenção anestésica foi realizada com infusão contínua de 0,5 µg.kg-1.min-1 de sufentanil e isoflurano 1% por via inalatória. Instalou-se cateter em artéria pulmonar e para otimização da pré-carga e manutenção de adequado débito urinário foram utilizados 4.000 mL de solução de Ringer e 100 mL de solução de albumina a 20%. O sangramento intraoperatório foi avaliado em 500 mL. Dose de 2 µg.kg-1.min-1 de dobutamina e doses variáveis de nitroprussiato de sódio e nitroglicerina foram mantidos para otimização hemodinâmica. Após o término das anastomoses distais, o cirurgião realizou pinçamento lateral da aorta para realização das anastomoses proximais. Nesse momento, foram observadas súbita diminuição da pressão arterial sistêmica de 60 para 40 mmHg, acompanhada de elevação da pressão arterial pulmonar de 25 para 45 mmHg e redução da frequência cardíaca até 50 bpm. O cirurgião foi imediatamente informado e o pinçamento aórtico foi liberado, observando-se recuperação da condição hemodinâmica prévia. Novo pinçamento aórtico foi realizado alguns minutos após, observando-se o mesmo quadro de instabilização hemodinâmica, com necessidade de liberação da pinça. Uma terceira tentativa, utilizando mínima área de pinçamento aórtico foi, então, tentada, dessa vez com sucesso, permitindo que a anastomose proximal do enxerto de veia safena fosse completada sem instabilidade hemodinâmica. Os demais enxertos proximais foram realizados nesse enxerto de safena para evitar manipulação aórtica adicional e instabilidade hemodinâmica. A paciente apresentou evolução pós-operatória sem intercorrências.

Caso 2: Paciente do sexo masculino, 59 anos, 78 kg, exfumante e com diabetes mellitus tipo II, doença pulmonar obstrutiva crônica e insuficiência renal não dialítica (creatinina de 1,8 mg.dL-1), apresentava quadro de angina pectoris, com importante disfunção ventricular esquerda e insuficiência cardíaca classe II (NYHA), com um episódio de parada cardíaca em fibrilação ventricular havia 10 meses. O ECG evidenciava área inativa inferior e apresentava FEVE de 24% à ecocardiografia, 15% à cintilografia e 16% à avaliação pela ressonância magnética. A angiografia coronária evidenciou 100% de obstrução do óstio da DA e 95% da artéria CD, com circulação colateral grau III. O paciente foi submetido à RM sem CEC para realização de anastomoses da artéria mamária interna esquerda para a DA e da veia safena para o ramo descendente posterior da coronária direita. Para a intervenção cirúrgica, a monitoração cardiovascular foi realizada com ECG nas derivações DII e V5 com análise contínua de segmento ST, monitoração invasiva da pressão arterial por meio de cateterização da artéria radial e introdução de cateter de artéria pulmonar imediatamente após a indução anestésica, que foi realizada com 20 mg de etomidato, 70 mg de atracúrio e 30 µg de sufentanil. Manutenção da anestesia foi obtida com isoflurano 1% e dose total de 150 µg de sufentanil. Reposição volêmica foi realizada com infusão de 2.500 mL de solução de lactato de Ringer e 100 mL de albumina 20%. O sangramento intraoperatório foi estimado em 100 mL e o débito urinário médio em 60 mL.h-1. Infusão contínua de insulina simples, em dose total de 7 UI foi utilizada para controle glicêmico no período intraoperatório. Dobutamina em dose de 2 a 3 µg.kg-1.min-1 e nitroglicerina em infusão contínua de doses variáveis foi utilizada para otimização do débito cardíaco e manutenção da pressão arterial em valores entre 70 e 80 mmHg. Após realização das anastomoses distais, realizou-se pinçamento tangencial aórtico para realização das anastomoses proximais e foi observada diminuição abrupta da pressão arterial de 60 para 48 mmHg, seguida de instabilidade hemodinâmica. A pinça foi retirada da aorta e, após estabilização hemodinâmica, realizou-se segunda tentativa de pinçamento, dessa vez em segmento aórtico menor, com sucesso. Durante a evolução pós-operatória, não foram observadas alterações eletrocardiográficas ou elevação de enzimas cardíacas. Entretanto, o paciente apresentou fístula broncopleural de alto débito, secundária à ruptura de bolha enfisematosa e os drenos torácicos e mediastinais foram retirados apenas no oitavo dia de pós-operatório. Alta hospitalar ocorreu com o paciente em bom estado geral.

DISCUSSÃO

Foram relatados dois casos de instabilidade hemodinâmica súbita durante RM sem CEC, ocorridas imediatamente após pinçamento parcial da aorta para realização das anastomoses proximais dos enxertos. Em nenhum dos casos foi necessária conversão para circulação extracorpórea de urgência, haja vista que o diagnóstico precoce da instabilidade hemodinâmica relacionada com o pinçamento, com base na monitoração invasiva e na redução progressiva da área de restrição pela pinça foram adequados para controle clínico intraoperatório.

Revascularização miocárdica sem CEC tem sido realizada com grande frequência em muitos centros de Cirurgia Cardíaca no mundo.1 Recente metanálise mostrou que pacientes submetidos à RM sem CEC apresentam melhor desfecho após 30 dias com relação à ocorrência de fibrilação atrial, necessidade de uso de fármacos inotrópicos, infecção respiratória e necessidade de transfusão sanguínea, embora sem redução de mortalidade, de acidente vascular encefálico, de infarto do miocárdio e de insuficiência renal quando comparados a pacientes submetidos a procedimento cirúrgico com utilização de CEC.2 Pacientes com comorbidades importantes como insuficiência renal, calcificação aórtica, arteriopatia periférica e doença cerebrovascular podem beneficiar-se quando a CEC pode ser evitada.3 Conforme a experiência com a técnica aumenta, o número de contraindicações relativas diminui.4 Pacientes com hipertrofia ventricular esquerda ou com pobre função ventricular podem ter dificuldade no desmame da CEC, com síndrome de baixo débito cardíaco que contribui para o aumento da mortalidade cirúrgica, sendo candidatos potenciais à realização de RM sem CEC com os maiores benefícios desta técnica.3 A eficácia e a segurança da RM sem CEC têm sido demonstradas; além de abreviar o tempo de extubação traqueal no pós-operatório imediato,5 esta técnica pode permitir redução de custo do procedimento. As abordagens de fast track têm-se tornado mais frequentes no período peroperatório, mas as limitações fisiológicas na recuperação de pacientes submetidos às operações com CEC podem retardar a alta hospitalar. Em pacientes com baixa fração de ejeção, a CEC é fator preditivo independente para complicações pós-operatórias como a necessidade de fármacos inotrópicos ou o uso de balão intra-aórtico.6 Por outro lado, a RM sem CEC pode associar-se a alterações hemodinâmicas rápidas e graves em razão da isquemia e pelo posicionamento do coração. A luxação do coração para facilitar a exposição das artérias para realização das anastomoses pode causar diminuição no débito cardíaco. A manipulação do coração em atividade pode levar à deterioração hemodinâmica importante, justificando a realização de monitoração invasiva incluindo avaliação do débito cardíaco e da pré-carga, especialmente em pacientes com disfunção ventricular pré-operatória. Os valores da saturação venosa mista podem refletir, de forma indireta e rápida, a situação momentânea da oferta de oxigênio, sendo útil durante a RM sem CEC. Instabilidade hemodinâmica súbita e transitória pode ocorrer durante a luxação do coração para acessar as artérias ou com o uso do estabilizador de parede ventricular (octopus). O tratamento inclui aumento de ajuste volêmico, reavaliação do posicionamento do paciente com acentuação do cefalodeclive, ajuste da pós-carga e uso de fármacos inotrópicos e vasopressores.7

Durante a RM sem CEC, o pinçamento parcial e tangencial da aorta é realizado para permitir a anastomose proximal, sendo este procedimento bem-tolerado no coração com função normal. O anestesiologista deve, neste momento, promover a redução da pressão arterial sistêmica para diminuir o risco de lesão aórtica iatrogênica. Há grande preocupação com relação à presença de placas ateromatosas na aorta, especialmente em pacientes geriátricos, em virtude do risco de embolização e consequente piora do prognóstico neurológico pós-operatório. A avaliação aórtica por meio de ultrassom antes da realização do pinçamento pode reduzir a incidência de complicações neurológicas. Estima-se que 25% dos pacientes submetidos à RM sem CEC apresentam alguma contraindicação para manipulação aórtica.8

Por outro lado, as alterações hemodinâmicas relacionadas com a realização das anastomoses proximais são pobremente estudadas. Os dois casos aqui relatados descrevem causas incomuns de instabilidade hemodinâmica, ocorridas após o pinçamento parcial tangencial da aorta. No primeiro caso, o paciente apresentava função ventricular normal e diâmetro aórtico de 2,8 cm, considerado no limite inferior da normalidade. A redução desse diâmetro provavelmente conduziu ao aumento da pós-carga suficiente para afetar a função ventricular esquerda, resultando em diminuição do débito cardíaco e aumento da pressão arterial pulmonar, rapidamente identificada pela monitoração com o cateter de artéria pulmonar, sem o qual o diagnóstico de hipotensão poderia ser incorreto. No segundo caso, o paciente já apresentava disfunção ventricular esquerda no pré-operatório, mas se mantinha hemodinamicamente estável até o momento anterior ao pinçamento tangencial da aorta. Com a elevação da pós-carga promovida pelo pinçamento, observou-se hipotensão arterial e elevação da pressão arterial pulmonar, com redução do débito cardíaco. O pinçamento tangencial da aorta e a utilização de fármacos adequados podem ajudar a minimizar a pós-carga. Embora nesses casos o aumento da pós-carga tenha ocorrido secundariamente ao pinçamento aórtico em paciente com baixa fração de ejeção, no outro, o diâmetro aórtico limítrofe deve ter sido o fator causador da significativa instabilidade hemodinâmica, evidenciando que o pinçamento proximal pode, potencialmente, causar alterações hemodinâmicas importantes. Embora o uso de cateter de artéria pulmonar não esteja associado à diminuição da morbimortalidade, sua utilização pode contribuir para que se evitem complicações peroperatórias.

Os dois casos relatados demonstraram que a anestesia para RM sem CEC apresenta peculiaridades que, se não identificadas, podem conduzir à deterioração cardiovascular ou à decisão pelo uso da circulação extracorpórea. O conhecimento adequado dos possíveis eventos adversos e das estratégias adequadas para a minimização dos mesmos é essencial. Por outro lado, nesses dois casos de baixo débito cardíaco secundário ao pinçamento aórtico, a interação entre as equipes anestésica e cirúrgica, com vigilância clínica estrita e adequada monitoração, foi fundamental para diagnóstico e condutas precoces.

Apresentado em em 4 de fevereiro de 2009

Aceito para publicação em 10 de setembro de 2009

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  • Endereço para correspondência:
    Dra. Maria José Carvalho Carmona
    InCor - HC-FMUSP
    Av. Enéas de Carvalho Aguiar
    44 054030-000 São Paulo, SP
    E-mail:
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    Recebido do Instituto do Coração (InCor) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HCFMUSP), SP
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      09 Fev 2010
    • Data do Fascículo
      Fev 2010

    Histórico

    • Recebido
      04 Fev 2009
    • Aceito
      10 Set 2009
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