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Bloqueio paravertebral no controle da dor aguda pós-operatória e dor neuropática do nervo intercostobraquial em cirurgia mamária de grande porte

Resumo

Justificativa:

Estão descritas várias técnicas locorregionais para a abordagem da dor aguda e dor crônica após cirurgia de mama. O ideal seria uma técnica fácil de fazer, reprodutível, com pouco desconforto para as doentes, com poucas complicações e que permitirá um bom controle da dor aguda e uma diminuição da incidência de dor crônica, notadamente dor neuropática do intercostobraquial, por ser a entidade mais frequente.

Objetivos:

Estudar a aplicação de bloqueio paravertebral com picada única no pré-operatório de cirurgia mamária de grande porte. Avaliar numa primeira fase o controle de dor aguda e náuseas-vômitos no pós-operatório (NVPO) nas primeiras 24 horas e numa segunda fase a incidência de dor neuropática na região do nervo intercostobraquial seis meses após a cirurgia.

Métodos:

Foram incluídas 80 doentes do sexo feminino, ASA I-II, entre 18 e 70 anos, submetidas a cirurgia mamária de grande porte sob anestesia geral, estratificadas em dois grupos: anestesia geral (anestesia geral inalatória com opioides segundo resposta hemodinâmica) e paravertebral (bloqueio paravertebral com picada única em T4 com ropivacaína 0,5% + adrenalina 3 µg/mL com um volume de 0,3 mL/kg pré-operatoriamente e posterior indução e manutenção com anestesia geral inalatória). No pós-operatório imediato foi colocada PCA (Patient-controlled analgesia) de morfina programada com bolus a demanda durante 24 horas. Foram registados fentanil intraoperatório, consumo de morfina pós-operatória, complicações relacionadas com as técnicas, dor em repouso e ao movimento a 0, 1 h, 6 h e 24 h, assim como os episódios de NVPO. Foram analisadas todas as variáveis identificadas como fatores de cronificação da dor idade, tipo de cirurgia, ansiedade segundo escala de HADS (Hospital Anxiety and Depression scale), dor pré-operatória; acompanhamento no domicílio; índice de massa corporal (IMC), tratamentos adjuvantes de quimioterapia/radioterapia e foi verificada a homogeneidade das amostras. Aos seis meses da cirurgia foi avaliada, segundo escala DN4, a incidência de dor neuropática na área do nervo intercostobraquial.

Resultados:

O grupo paravertebral teve valores de VAS (Escala Visual Analógica) em repouso mais baixos ao longo das 24 horas de estudo 0 h 1,90 (± 2,59) versus 0,88 (± 1,5); 1 h 2,23 (± 2,2) versus 1,53 (± 1,8); 6 h 1,15 (± 1,3) versus 0,35 (± 0,8); 24 h 0,55 (± 0,9) versus 0,25 (± 0,8) com significado estatístico às 0 e às 6 horas. Em relação ao movimento o grupo paravertebral teve valores de VAS mais baixos e com significância estatística nos quatro momentos de avaliação: 0 h 2,95 (± 3,1) versus 1,55 (± 2,1); 1 h 3,90 (± 2,7) versus 2,43 (± 1,9) 6 h 2,75 (± 2,2) versus 1,68 (± 1,5); 24 h 2,43 (± 2,4) versus 1,00 (± 1,4). O grupo paravertebral consumiu menos fentanil (2,38 ± 0,81 µg/Kg versus 3,51 ± 0,81 µg/Kg) e menos morfina no pós-operatório (3,5 mg ± 3,4 versus 7 mg ± 6,4), com diferença estatisticamente significativa. Na avaliação de dor crônica aos seis meses no grupo paravertebral houve menos casos de dor neuropática na região do nervo intercostobraquial (três versus sete) embora sem significância estatística.

Conclusões:

O bloqueio paravertebral com picada única permite um adequado controle da dor aguda com menor consumo de opioides intraopreatórios e pós-operatórios, mas aparentemente não consegue evitar a cronificação da dor. Mais estudos são necessários para esclarecer o papel do bloqueio paravertebral na cronificação da dor em cirurgia mamária de grande porte.

Palavras-chave
Bloqueio paravertebral; Cirurgia de mama; Dor aguda; DN4; Dor neuropática; Nervo intercostobraquial

Abstract

Background:

Several locoregional techniques have been described for the management of acute and chronic pain after breast surgery. The optimal technique should be easy to perform, reproducible, with little discomfort to the patient, little complications, allowing good control of acute pain and a decreased incidence of chronic pain, namely intercostobrachial neuralgia for being the most frequent entity.

Objectives:

The aim of this study was to evaluate the paravertebral block with preoperative single needle prick for major breast surgery and assess initially the control of postoperative nausea and vomiting (PONV) and acute pain in the first 24 h and secondly the incidence of neuropathic pain in the intercostobrachial nerve region six months after surgery.

Methods:

The study included 80 female patients, ASA I-II, aged 18-70 years, undergoing major breast surgery, under general anesthesia, stratified into 2 groups: general anesthesia (inhalation anesthesia with opioids, according to hemodynamic response) and paravertebral (paravertebral block with single needle prick in T4 with 0.5% ropivacaine + adrenaline 3 µg mL−1 with a volume of 0.3 mL kg−1 preoperatively and subsequent induction and maintenance with general inhalational anesthesia). In the early postoperative period, patient-controlled analgesia (PCA) was placed with morphine set for bolus on demand for 24 h. Intraoperative fentanyl, postoperative morphine consumption, technique-related complications, pain at rest and during movement were recorded at 0 h, 1 h, 6 h and 24 h, as well as episodes of PONV. All variables identified as factors contributing to pain chronicity age, type of surgery, anxiety according to the Hospital Anxiety and Depression Scale (HADS), preoperative pain, monitoring at home; body mass index (BMI) and adjuvant chemotherapy/radiation therapy were analyzed, checking the homogeneity of the samples. Six months after surgery, the incidence of neuropathic pain in the intercostobrachial nerve was assessed using the DN4 scale.

Results:

The Visual Analog Scale (VAS) values of paravertebral group at rest were lower throughout the 24 h of study 0 h 1.90 (±2.59) versus 0.88 (±1.5) 1 h 2.23 (±2.2) versus 1.53 (±1.8) 6 h 1.15 (±1.3) versus 0.35 (±0.8); 24 h 0.55 (±0.9) versus 0.25 (±0.8) with statistical significance at 0 h and 6 h. Regarding movement, paravertebral group had VAS values lower and statistically significant in all four time points: 0 h 2.95 (±3.1) versus 1.55 (±2.1); 1 h 3.90 (±2.7) versus 2.43 (±1.9) 6 h 2.75 (±2.2) versus 1.68 (±1.5); 24 h 2.43 (±2.4) versus 1.00 (±1.4). The paravertebral group consumed less postoperative fentanyl (2.38 ± 0.81 µg kg−1 versus 3.51 ± 0.81 µg kg−1) and morphine (3.5 mg ± 3.4 versus 7 mg ± 6.4) with statistically significant difference. Chronic pain evaluation of at 6 months of paravertebral group found fewer cases of neuropathic pain in the intercostobrachial nerve region (3 cases versus 7 cases), although not statistically significant.

Conclusions:

Single-injection paravertebral block allows proper control of acute pain with less intraoperative and postoperative consumption of opioids but apparently it cannot prevent pain chronicity. Further studies are needed to clarify the role of paravertebral block in pain chronicity in major breast surgery.

Keywords
Paravertebral block; Major breast surgery; Acute pain; DN4; Neuropathic pain; Intercostal nerve

Introdução

Nos últimos anos o cancro de mama, que continua a ser o mais frequente no sexo feminino,11 Ferlay J, Autier P, Boniol M, et al. Estimates of the cancer incidence and mortality in Europe in 2006. Ann Oncol. 2007;18:581-92. tem diminuído a sua mortalidade, mas infelizmente muitas vezes associado a um aumento da morbilidade na forma de sequelas pelos tratamentos efetuados.22 Kwan W, Jackson J, Weir LM, et al. Chronic arm morbidity after curative breast cancer treatment: prevalence and impact on quality of life. J Clin Oncol. 2002;20:4242-8.

Na cirurgia de cancro de mama estão presentes muitos fatores de risco para náuseas e vômitos no pós-operatório (NVPO), chegam em algumas séries a 70%. Em 0,2% dos casos correspondem a casos incoercíveis que retardam a alta hospitalar, exigem internamentos não esperados, um menor grau de satisfação do paciente e aumento dos custos hospitalares.33 Apfel CC, Greim CA, Haubitz I, et al. A risk score to predict the probability of postoperative vomiting in adults. Acta Anaesthesiol Scand. 1998;42:495-501.,44 Jaffe SM, Campbell P, Bellman M, et al. Postoperative nausea and vomiting in women following breast surgery: an audit. Eur J Anaesthesiol. 2000;17:261-4.

Cronicamente, metade das doentes submetidas a cirurgia de mama sofreram algum tipo de dor relacionado com a cirurgia,55 Macrae WA. Chronic pain after surgery. Br J Anaesth. 2001;87:88-98.,66 Iglehart DJ, Kalin CM. Diseases of the breast. In: Townsend CM, editor. Sabiston textbook of surgery. 16th ed. Philadelphia: WB Saunders; 1992. p. 136-8. de origem nociceptiva ou neuropática. Dentro da dor neuropática a mais frequente é a dor na área do intercostobraquial.77 Beth FJ, Gretchen MA, Oaklanderc AL, et al. Neuropathic pain following breast cancer surgery: proposed classification and research update. Pain. 2003;104:1-13. Dentre os fatores que podem influenciar a dor crônica, os mais facilmente modificáveis são a dor no pós-operatório e o consumo de opioides, de tal forma que quanto maior for a intensidade da dor pós-operatória e maior o consumo de analgésicos, maior o risco de ocorrer dor crônica.88 Tasmuth T, Kataja M, Blomqvist C, et al. Treatment related factors predisposing to chronic pain in patients with breast cancer: a multivariate approach. Acta Oncol. 1997;36:625-30.

O bloqueio paravertebral parece produzir um eficaz bloqueio das vias dolorosas e resulta num bloqueio regional unilateral de vários dermátomos. Permite também um bloqueio simpático que poderia ter algum benefício na área de oncologia.99 Sessler DI, Ben-Eliyahu S, Mascha EJ, et al. Can regional analgesia reduce the risk of recurrence after breast cancer? Methodology of a multicenter randomized trial. Contemp Clin Trials. 2008;29:517-26. Atualmente estão a decorrer estudos de investigação que visam a demostrar se existe relação entre a técnica locorregional e a recidiva tumoral, notadamente na área da mama.1010 Exadaktylos AK, Buggy DJ, Moriarty DC, et al. Can anesthetic technique for primary breast cancer surgery affect recurrence or metastasis?. Anesthesiology. 2006;105:660-4.

A utilidade dessa técnica para um controle eficaz da dor pós-operatória já foi avaliada em diferentes trabalhos,1111 Moller JF, Nikolajsen L, Rodt SA, et al. Thoracic paravertebral block for breast cancer surgery: a randomized double-blind study. Anesth Analg. 2007;105:1848-51.,1212 Schnabel A, Reichl SU, Kranke P, et al. Efficacy and safety of paravertebral blocks in breast surgery: a meta-analysis of randomized controlled trials. Br J Anaesth. 2010;105:842-52. embora ainda existam algumas dúvidas em relação à abordagem do espaço paravertebral mais eficaz e com menos efeitos laterais. Estão descritas técnicas de picada múltipla e picada única com ou sem colocação de cateter.1313 Kairaluoma PM, Bachmann MS, Korpinen AK, et al. Single-injection paravertebral block before general anesthesia enhances analgesia after breast cancer surgery with and without associated lymph node biopsy. Anesth Anal. 2004;99:1837-43.,1414 Klein SM, Bergh A, Steele SM, et al. Paravertebral block for breast surgery. Anesth Analg. 2000;90:1402-5.

Este estudo foi desenhado em duas fases com o intuito de comparar duas abordagens diferentes na anestesia de cirurgia de mama. Uma abordagem com bloqueio paravertebral com picada única associado a anestesia geral versus abordagem com anestesia geral. Numa primeira fase pretendia-se avaliar o controle da dor aguda no pós-operatório imediato e a ocorrência de NVPO nas doentes submetidas a cirurgia de grande porte de cancro da mama. Numa segunda fase foi avaliada a presença de dor neuropática no território do intercostobraquial no mesmo grupo de doentes seis meses após a cirurgia.

Material e métodos

Foi desenhado um estudo observacional prospectivo estratificado. Assumiram-se uma diferença de 2,64 na média da avaliação da Escala Visual Analógica (VAS) às 24 horas, entre os doentes que fazem bloqueio paravertebral e anestesia geral e os doentes que fazem anestesia geral, um poder de estudo de 80%, um nível de significância de 5% e a estratificação da amostra segundo as variáveis de ansiedade, classe etária e tipo de cirurgia e estimou-se a inclusão de 80 doentes, 40 em cada grupo. As variáveis para a estratificação da amostra foram escolhidas por ser os fatores mais frequentemente apontados como variáveis independentes para o desenvolvimento de dor aguda e/ou dor crônica

A ansiedade foi avaliada segundo a escala de HADS (Hospital Anxiety and Depression scale). A escala de HADS é uma ferramenta hospitalar amplamente usada para o screening de situações de ansiedade e depressão de doentes oncológicos em ambiente hospitalar.1515 Pais-Ribeiro J, Silva I, Ferreira T, et al. Validation study of a Portuguese version of the Hospital Anxiety and Depression Scale. Psychol Health Med. 2007;12:225-37. Consiste em 14 perguntas (as perguntas ímpares avaliam a ansiedade e as pares a depressão) com escalas de resposta do 0 a 3. A pontuação total obtém-se do somatório dos valores de cada subescala. Em ambos casos, quanto maior a pontuação, maior o nível de ansiedade ou depressão. Essa escala foi preenchida pelas doentes na consulta de anestesia prévia à cirurgia. Para este estudo foi usado um cut-off de > 8 pontos.

Os critérios de inclusão e exclusão são expostos na tabela 1. O estudo foi feito entre janeiro de 2012 e janeiro de 2013. Foi aprovado pelo Comitê de Ética da instituição e todas as doentes deram o seu consentimento por escrito para participar no estudo.

Tabela 1
Critérios de inclusão e exclusão do estudo

Fase 1ª do estudo

No pré-operatório, todas as doentes foram estratificadas em dois grupos segundo tipo de cirurgia, escala de HADS e idade: grupo paravertebral (anestesia geral associada a bloqueio paravertebral) e grupo anestesia geral.

Antes da indução anestésica foi feita cateterização de via periférica, foram monitoradas segundo standards da ASA e foi colocada monitoração da profundidade anestésica com BIS (índice bispectral).

Grupo paravertebral

Foi efetuado bloqueio paravertebral com picada única segundo técnica clássica1616 Eason MJ, Wyatt R. Paravertebral thoracic block - a reappraisal. Anaesthesia. 1979;34:638-42. no nível de T4 com agulha de tuohy 18, administrada ropivacaína 0,5% + adrenalina 3 µg/mL; com um volume de 0,3 mL/kg (volume total max 30 mL). Posteriormente foi feita indução anestésica com propofol (1,5 mg/kg hora) e fentanil 2 µg/kg e colocado dispositivo supraglótico (máscara laríngea).

Grupo anestesia geral

Indução anestésica com propofol (1,5 mg/kg hora) e fentanil 2 µg/kg e colocado dispositivo supraglótico (máscara laríngea).

A manutenção da anestesia em ambos os grupos foi feita com desfluorano para manter valores de BIS 45-60 com uma mistura de O2/Ar.

Em ambos os grupos foi administrado parecoxib 40 mg EV antes do início da cirurgia. Durante a manutenção foi administrado fentanil (1,5 µg/Kg) se a pressão arterial media (PAM) ou a frequência cardíaca (FC) aumentasse 20% dos valores basais.

Para manter estabilidade hemodinâmica, foi administrada efedrina ou atropina segundo critério do anestesiologista se fosse verificada diminuição da PAM > 20% do basal ou a FC < 50 bat/min.

Em todas as doentes foi administrado o protocolo de prevenção de náuseas e vômitos existente na instituição segundo modelo preditivo de Apfel e colegas com três linhas de intervenção segundo a tabela 2.

Tabela 2
Protocolo profilático de NVPO aplicado no estudo

No fim da cirurgia foi iniciada PCA (Patient-controlled analgesia) de Mmrfina programada com bólus de morfina à demanda de 2 mg com lock-out de 5 minutos e uma dose máxima de 6 mg/hora, durante as primeiras 24 horas do pós-operatório.

Nas diferentes fases do estudo (pré-operatório, intraoperatório, pós-operatório) foram registadas diferentes variáveis que foram consideradas relevantes no desenvolvimento de dor aguda e/ou dor crônica ou que poderiam interferir nos resultados do estudo. Essas variáveis podem ser consultadas na tabela 3.

Tabela 3
Parâmetros registados nas fases do pré-operatório; intraoperatório e pós-operatório

Foi avaliada a dor em repouso segundo a Escala Visual Analógica (0-10), assim como a dor com a mobilização do braço homolateral interpretada como abdução do braço 90° em quatro momentos diferentes do pós-operatório: 0; 1; 6 e 24 horas da cirurgia.

Foi avaliada a presença de NVPO segundo escala categórica própria da instituição (0: sem náuseas; 1: náuseas em movimento; 2: náuseas em repouso; 3: vômitos; 4: vômitos apesar de antieméticos) e a necessidade de medicação antiemética de resgate, nas primeiras 24 horas.

Análise estatística

Foi efetuada uma análise descritiva de todas as variáveis e apresentada a frequência absoluta e relativa para variáveis categóricas e a média e o desvio padrão ou a mediana e amplitude interquartis para as variáveis contínuas, consoante o mais adequado a cada variável.

Os testes usados para a comparação de variáveis contínuas foram o t para amostras independentes e para variáveis categóricas o qui-quadrado. Se não se verificaram os pressupostos estatísticos para a sua aplicação, foram usados testes estatísticos opcionais: de Mann-Whitney e de Fisher, respectivamente

A análise foi efetuada com um grau de significância de 0,05.

Resultados 1ª fase

Verificou-se a homogeneidade dos dois grupos analisados, não mostraram diferenças estatisticamente significativas nas variáveis de idade, tipo de cirurgia e HADS. Os grupos revelaram-se homogêneos na análise de outras variáveis que caracterizam a amostra, como a duração da cirurgia, e variáveis também relacionadas com a aparição de dor crônica, como a presença de dor na mama antes da cirurgia, o IMC (índice de massa corporal) e o acompanhamento familiar (tabela 4).

Tabela 4
Variáveis relacionadas com a dor aguda e a cronificação da dor na 1º fase do estudo

No intraoperatório o consumo médio de fentanil foi significativamente menor (p < 0,01) no grupo do paravertebral (2,38 ± 0,81 µg/Kg) em comparação com o grupo anestesia geral (3,51 ± 0,81 µg/Kg) (tabela 5).

Tabela 5
Valores de VAS em repouso e movimento; consumo de fentanil e morfina

Quando comparada a VAS em repouso nos dois grupos de anestesia, nos vários tempos estudados, verifica-se que o VAS média é sempre superior no grupo anestesia geral. Apenas no VAS em repouso às 0 h e 6 h as diferenças observadas são significativas. Pode-se então dizer que o VAS média em repouso às 0 h e às 6 h é significativamente superior no grupo anestesia geral (tabela 5).

Em relação ao VAS avaliado em movimento, que implicava uma abdução do membro homolateral à cirurgia até os 90°, em todos os tempos estudados, o grupo anestesia geral apresenta valores médios superiores aos registrados pelo grupo paravertebral com significado estatístico (tabela 5).

O grupo anestesia geral apresenta maior número de doentes (14; 35%) com dor severa (considerada como VAS em repouso ≥ 7) ao longo das 24 horas, em comparação com o grupo paravertebral (6; 6%). Contudo, essa diferença não é significativa (p = 0,069)

Em relação ao consumo de morfina no pós-operatório, houve uma maior proporção de doentes no grupo da anestesia geral: n80% dos doentes, em contraste com 67,5% do grupo de paravertebral, embora não se detectassem diferenças estatisticamente significativas (p = 0,3)

Das doentes que consumiram morfina, o grupo da anestesia geral consumiu mais do dobro do que o grupo de paravertebral, com uma média de 7 mg (± 6,4) no grupo de anestesia geral e 3,5 mg (± 3,4) no grupo de paravertebral, a diferença é estatisticamente significativa (p = 0,002).

Em relação às náuseas e aos vômitos verificaram-se poucos eventos em cada subtipo segundo escala própria da instituição, pelo que são apresentados os resultados como somatório de qualquer episódio de náusea e/ou vômito durante as 24 horas do pós-operatório. Observa-se que o grupo de anestesia geral apresenta um maior número dessas situações, com seis casos (15%), face aos quatro (10,3%) registados no grupo paravertebral. Não se encontraram diferenças estatisticamente significativas entre os grupos (tabela 6).

Tabela 6
Episódios de náuseas e vômitos no pós-operatório

Não foram registradas complicações graves ao longo do estudo relacionadas com a técnica. Houve maior número de hipotensões intraoperatórias registrado no grupo do paravertebral (nove casos versus três), com diferença estatisticamente significativa (p = 0,007) e necessidade de administração de efedrina em 22,5% das doentes do grupo de paravertebral e 2,5% no grupo de anestesia geral, cinco casos de bradicardia com FC < 50 em ambos os grupos, com necessidade de administrar atropina em 12,5% das doentes do grupo de paravertebral e 7,5% no grupo de anestesia geral. Foi registrado um caso de picada pleural no grupo de paravertebral sem sinais de pneumotórax no pós-operatório. Não foram registradas ocorrências de hematoma local, hemorragia, convulsões e reação alérgica.

2ª fase do estudo

Após seis meses do procedimento cirúrgico todas as doentes foram contactadas para iniciar a segunda fase do estudo, que tinha por objetivo determinar a presença de dor crônica, notadamente dor neuropática do intercostobraquial, e a qualidade de vida dessas doentes

Da amostra inicial de 80 doentes que tinham participado na primeira fase, houve uma perda de 14 que não foram incluídas na segunda fase por diferentes razões: consultas de seguimento e tratamentos adjuvantes feitos em outros hospitais que não permitiam a vinda à consulta (quatro); recusa de participar na segunda fase (três); óbito (uma); doentes submetidas a nova cirurgia da mama durante os seis meses (seis).

A amostra para a segunda fase foi de 66 doentes; 34 no grupo de anestesia geral e 32 no grupo de paravertebral. Foram registrados os tratamentos adjuvantes de quimioterapia (QT) e radioterapia (RT) feitos pelas doentes.

As 66 doentes que foram incluídas na segunda fase foram convocadas para uma consulta na qual era feita uma entrevista clínica para avaliar a presença de dor na área da mama operada e/ou braço homolateral. Para determinar se essa dor tinha características de neuropática foi aplicada a escala DN4 por pessoal treinado.1717 Santos JG, Brito JO, de Andrade DC, et al. Translation to Portuguese and validation of the Douleur Neuropathique 4 questionnaire. J Pain. 2010;11:484-90. É uma escala de rastreio para dor neuropática traduzida e validada para a língua e cultura portuguesas que apresenta uma especificidade e sensibilidade de 90% e 83% respectivamente. É um questionário simples, facilmente aplicável, que consiste em quatro questões, duas de autorresposta e duas de resposta objetiva dada pelo clínico. Valores totais superiores a quatro classificam a dor como neuropática (fig.1).

Figura 1
Questionário para diagnóstico de dor neuropática: DN4, validado para português.

Para avaliar a qualidade de vida dessas doentes foi usada a escala EORTC (European Organization for Research and Treatment of Cancer).1818 Aronson NK, Ahmedzai S, Bergman B, et al. The European Organization for research and treatment of cancer QLQ-C30: a quality-of-life instrument for use in international clinical trials in oncology. J Natl Cancer Inst. 1993;85:365-76. Incorpora cinco escalas funcionais, três escalas de sintomas e escalas de qualidade de vida e estado de saúde global. O escore varia de 0 a 100, em que 0 representa pior estado de saúde e 100 melhor estado de saúde, com exceção das escalas de sintomas, nas quais maior escore representa mais sintomas e pior qualidade de vida. O EORTC QLQ-C30 usa módulos com um núcleo do questionário genérico, seguido de uma combinação de módulos para doenças específicas. O EORTC QLQ-C30 é seguido do módulo Breast Specific Module (BR-23), que avalia aspetos específicos do câncer da mama (tabelas 7 e 8).

Tabela 7
EORTC QLQ-C30
Tabela 8
EORTC QLQ-BR23

Resultados 2ª fase

Em relação à comparação dos dois grupos estudados na segunda fase, pode-se dizer que são homogêneos relativamente às características demográficas, como idade e IMC, e que não foram detectadas diferenças significativas entre os dois grupos relativamente a essas variáveis.

Não se encontraram diferenças significativas em relação às outras variáveis que segundo a literatura podem aumentar a probabilidade de vir a desenvolver dor crônica, como tipo de cirurgia; ansiedade; dor prévia na mama ou tratamentos adjuvantes, como QT/RT, se encontram distribuídos igualmente pelos dois grupos(tabela 9).

Tabela 9
Variáveis relacionadas com a cronificação da dor na 2a fase do estudo

Das 66 doentes avaliadas foram diagnosticadas 10 com dor de características neuropáticas na área do intercostobraquial; sete do grupo de anestesia geral e três do grupo de paravertebral, embora a diferença não fosse significativa (p = 0,3)

Em relação à escala EORTC - QLQ C30, verifica-se que as doentes do grupo paravertebral tiveram pontuações mais altas tanto na qualidade de vida global como nas cinco escalas funcionais, embora apenas com significado estatístico para a função social. Na avaliação por sintomas, o grupo de paravertebral tem valores mais baixos do que o grupo de anestesia geral, embora não se detectassem diferenças estatisticamente significativas (tabela 10).

Tabela 10
Resultados do EORTC QLQ-C30

Na avaliação do EORTC- BR23, o grupo do paravertebral mostrou melhor pontuação na imagem corporal, com menos sintomas em relação a efeitos laterais dos tratamentos, assim como sintomas na mama ou no braço, e não se encontraram diferenças estatisticamente significativas (tabela 11).

Tabela 11
Resultados do EORTC QLQ- BR23

Discussão

Este estudo pretendia saber se com uma técnica fácil de fazer como o paravertebral e com pouco desconforto para a doente como a picada única se conseguia um bom controle da dor aguda e se isso ajudava a ter um menor incidência de dor na área do nervo intercostobraquial em longo prazo.

Na primeira parte do nosso estudo verificou-se uma diminuição dos valores de VAS no grupo de paravertebral em repouso e em movimento. A duração do bloqueio anestésico em repouso com valores significativos apenas nas 0 e 6 horas mostra tempos inferiores em relação a outros estudos publicados. Isso poderia estar relacionado com o uso neste estudo de concentrações de adrenalina mais baixas, que diminuem o efeito no tempo do anestésico local. Embora em movimento o grupo de paravertebral tivesse tido VAS significativamente mais baixos ao longo das 24 horas.

A diminuição de consumo de opioides tanto no intraoperatório (fentanil) como no pós-operatório (morfina) no grupo do paravertebral demonstra a eficácia da técnica de paravertebral com picada única para controle de dor aguda no pós-operatório sem complicações graves e melhora o conforto e a alta hospitalar das doentes.

Ao longo do estudo verificaram-se muito menos casos de NVPO em ambos os grupos em relação ao que era de esperar com base no tipo de cirurgia e as características das doentes. Isso demostra que o uso de um protocolo de prevenção desses eventos permite diminuir a sua aparição com o conseguinte conforto para as doentes.

A segunda parte do estudo pretendia avaliar a incidência de neuralgia do nervo intercostobraquial. A avaliação foi feita aos 6 meses da cirurgia porque a radioterapia pode agravar a partir de esse momento os sintomas dolorosos das doentes.

O diagnóstico foi baseado na avaliação clínica das doentes em presença física e com a aplicação da escala DN4 para caracterização do tipo de dor. Somos conscientes de que esse deslocamento para uma nova consulta ocasionou a perda de algumas doentes para a segunda fase.

Neste estudo conseguiu-se homogeneizar as características condicionadoras de neuralgia de intercostobraquial na amostra. Os estudos de Tasmuth et al.1919 Tasmuth T, Kataja M, Blomqvist C, et al. Treatment-related factors predisposing to chronic pain in patients with breast cancer - a multivariate approach. Acta Oncol. 1997;36:625-30. orientam para uma diminuição da dor quando existe preservação do nervo intercostobraquial. Outros estudos2020 Sipilä R, Estlander AM, Tasmuth T, et al. Development of a screening instrument for risk factors of persistent pain after breast cancer surgery. Br J Cancer. 2012;107:1459-66. não obtiveram o mesmo resultado, pelo que a política interna da nossa equipe cirúrgica continua a ser a não conservação do nervo intercostobraquial.

Na primeira parte do nosso estudo verificou-se poupança de opioides no grupo de AG e PVB, esse é o melhor indicativo de melhor controle analgésico e, segundo a metanálise feita ealizada por Ong et al., o melhor indicador sobre os efeitos preventivos da analgesia.

Contudo, o resultado do nosso estudo revela que não existem diferenças estatisticamente significativas no desenvolvimento de neuralgia do intercostobraquial entre os grupos. O nervo intercostobraquial é um nervo torácico com origem em T2. A técnica uada no estudo foi a picada única em nível de T4. Sabemos que a difusão do fármaco com picada única é errática, motivo pelo que grupos como Greengrass et al. defendem a picada múltipla no contexto de anestesia cirúrgica. Por esse motivo pensamos que o paravertebral com picada única tem uma distribuição pouco uniforme e pouco reprodutível e condiciona a chegada do anestésico local a T2 ou não num tempo suficientemente prolongado para evitar uma sensibilização central que favoreça a aparição de dor crônica pós-operatória, concretamente neuralgia intercostobraquial.

Dado que a amostra foi calculada baseada na avaliação da dor aguda no pós-operatório imediato e se constatou uma perda de doentes que participaram na segunda fase, associada a uma incidência mais baixa do esperado de dor crónica, seriam necessários mais estudos dirigidos para avaliar a dor crônica do intercostobraquial na cirurgia mamária de grande porte para estudar os possíveis beneficios dessa técnica.

Resumo

Estudo observacional prospectivo estratificado com uma amostra de 80 doentes estratificadas em dois grupos de 40. Verificou-se a homogeneidade dos dois grupos analisados, não se mostraram diferenças estatisticamente significativas nas variáveis de idade, tipo de cirurgia, HADS, IMC, presença de dor na mama antes da cirurgia e acompanhamento familiar. Todos eles são os fatores mais frequentemente assinalados como variáveis independentes para o desenvolvimento de dor aguda e/ou dor crônica. O estudo pretende comparar duas abordagens diferentes na anestesia de cirurgia de mama. Uma abordagem com bloqueio paravertebral com picada única associado a anestesia geral versus abordagem com anestesia geral. O estudo foi efetuado ao longo de 24 horas no pós-operatório imediato e em uma segunda avaliação seis meses após a cirurgia. O bloqueio paravertebral com picada única permite um adequado controle da dor aguda com menor consumo de opioides intraoperatórios e pós-operatórios nas primeiras 24 horas, mas aparentemente não consegue evitar a cronificação da dor, notadamente a dor neuropática do intercostobraquial. Mais estudos são necessários para estabelecer os efeitos benéficos do bloqueio paravertebral na cronificação da dor em cirurgia mamária de grande porte.

Agradecimentos

À APEMCIO - Associação Para o Estudo da Medicina de Cuidados Intensivos de Oncologia.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Oct 2016

Histórico

  • Recebido
    16 Out 2014
  • Aceito
    23 Fev 2015
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