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A perda sanguínea excessiva no pós-operatório de cirurgia cardíaca pode ser prevista com o sistema de classificação da Sociedade Internacional de Trombose e Hemostasia (ISTH)

Resumo

Justificativa e objetivo

A previsão de perda sanguínea excessiva no pós-operatório é útil para o manejo em Unidade de Terapia Intensiva (UTI) após cirurgia cardíaca. O objetivo do presente estudo foi examinar a eficácia do sistema de classificação da Sociedade Internacional de Trombose e Hemostasia (International Society on Thrombosis and Hemostasis - ISTH) em pacientes submetidos à cirurgia cardíaca.

Método

Após obter a aprovação do Comitê de Pesquisa Institucional, os prontuários de pacientes submetidos à cirurgia cardíaca eletiva com circulação extracorpórea (CEC) entre março de 2010 e fevereiro de 2014 foram retrospectivamente revisados. O escore ISTH foi calculado na UTI e os pacientes foram alocados em dois grupos: grupo com coagulação intravascular disseminada (CID) manifesta e grupo com CID não manifesta. Para avaliar a correlação com a Perda Estimada de Sangue (PES), o teste t de Student e as análises de correlação foram usados.

Resultados

Dentre os 384 pacientes submetidos à cirurgia cardíaca, 70 com CID manifesta (n = 20) ou CID não manifesta (n = 50) foram incluídos. As médias dos escores CID na admissão na UTI foram 5,35 ± 0,59 (Grupo CID manifesta) e 2,66 ± 1,29 (Grupo CID não manifesta) e induzida CID manifesta em 29% (20/70). O grupo CID manifesta apresentou PES superior durante 24 horas (p = 0,006) e um tempo maior de intubação (p = 0,005).

Conclusão

Apesar da limitação do desenho retrospectivo, o uso do escore ISTH para o manejo de pacientes após cirurgia cardíaca parece ser útil para prever a perda sanguínea excessiva pós-CEC e o prolongamento da intubação traqueal.

PALAVRAS-CHAVE
Cirurgia cardíaca; Coagulação; Coagulação intravascular disseminada; Morbidade; Transfusão

Abstract

Background and objective

Prediction of postoperative excessive blood loss is useful for management of Intensive Care Unit after cardiac surgery. The aim of present study was to examine the effectiveness of International Society on Thrombosis and Hemostasis scoring system in patients with cardiac surgery.

Method

After obtaining approval from the institutional review board, the medical records of patients undergoing elective cardiac surgery using Cardio-Pulmonary Bypass between March 2010 and February 2014 were retrospectively reviewed. International Society on Thrombosis and Hemostasis score was calculated in intensive care unit and patients were divided with overt disseminated intravascular coagulation group and non-overt disseminated intravascular coagulation group. To evaluate correlation with estimated blood loss, student t-test and correlation analyses were used.

Results

Among 384 patients with cardiac surgery, 70 patients with overt disseminated intravascular coagulation group (n = 20) or non-overt disseminated intravascular coagulation group (n = 50) were enrolled. Mean disseminated intravascular coagulation scores at intensive care unit admission was 5.35 ± 0.59 (overt disseminated intravascular coagulation group) and 2.66 ± 1.29 (non-overt disseminated intravascular coagulation group) and overt disseminated intravascular coagulation was induced in 29% (20/70). Overt disseminated intravascular coagulation group had much more EBL for 24 h (p = 0.006) and maintained longer time of intubation time (p = 0.005).

Conclusion

In spite of limitation of retrospective design, management using International Society on Thrombosis and Hemostasis score in patients after cardiac surgery seems to be helpful for prediction of the post- cardio-pulmonary bypass excessive blood loss and prolonged tracheal intubation duration.

KEYWORDS
Cardiac surgery; Coagulation; Disseminated intravascular coagulopathy; Morbidity; Transfusion

Introdução

Apesar dos avanços na oxigenação extracorpórea e nas técnicas cirúrgicas, o sangramento excessivo no período perioperatório continua a ser um complicador em cirurgia cardíaca com circulação extracorpórea (CEC). Os pacientes após cirurgia cardíaca com CEC apresentam várias causas de hemorragia.11 Jimenez Rivera JJ, Iribarren JL, Raya JM, et al. Factors associated with excessive bleeding in cardiopulmonary bypass patients: a nested case-control study. J Cardiothorac Surg. 2007;2:17.,22 Biancari F, Tauriainen T, Perrotti A, et al. Bleeding, transfusion and the risk of stroke after coronary surgery: a prospective cohort study of 2357 patients. Int J Surg. 2016;32:50-7. A hemostasia cirúrgica inadequada e a disfunção plaquetária transitória adquirida causam principalmente sangramento em pacientes com CEC. Após o início da CEC, a hemodiluição causa uma rápida redução de aproximadamente 50% na contagem de plaquetas, em relação aos níveis pré-operatórios e à perda progressiva da função plaquetária. PT e PTT prolongados e os níveis baixos de fibrinogênio também são atribuídos à coagulopatia por diluição. As causas de sangramento no perioperatório também são atribuídas a fármacos33 Laga S, Bollen H, Arnout J, et al. Heparin influences human platelet behavior in cardiac surgery with or without cardiopulmonary bypass. Artif Organs. 2005;29:541-6. e mecanismos desconhecidos contribuem para a redução da contagem de plaquetas e da disfunção plaquetária durante a CEC.44 Varghese LCS, Unni CM, Mukundan LCN, et al. Platelet functions in cardiopulmonary bypass surgery. Med J Armed Forces India. 2005;61:316-21. Além disso, há um profundo desequilíbrio entre pró-coagulação e anticoagulação nos pacientes com CEC. Tanto o contato extensivo entre o sangue e as superfícies não endoteliais do circuito de CEC quanto a liberação e a reinfusão de fator tecidual levam ao aumento da formação de trombina durante a CEC.55 Sniecinski RM, Chandler WL. Activation of the hemostatic system during cardiopulmonary bypass. Anesth Analg. 2011;113:1319-33.

6 Koster A, Fischer T, Praus M, et al. Hemostatic activation and inflammatory response during cardiopulmonary bypass: impact of heparin management. Anesthesiology. 2002;97:837-41.
-77 Hertfelder HJ, Bos M, Weber D, et al. Perioperative monitoring of primary and secondary hemostasis in coronary artery bypass grafting. Semin Thromb Hemost. 2005;31:426-40. Esses resultados causam a formação de fibrina, fibrinólise e ativação plaquetária, apesar da total heparinização.55 Sniecinski RM, Chandler WL. Activation of the hemostatic system during cardiopulmonary bypass. Anesth Analg. 2011;113:1319-33. Portanto, durante a CEC, acredita-se que a hiperfibrinólise seja um fenômeno secundário induzido pela ativação de fatores de coagulação. A ativação do fator XII e da trombina demonstrou induzir a liberação do ativador de plasminogênio tecidual do endotélio. Consequentemente, atenua os efeitos tanto de trombina quanto de plasmina para manter a homeostase da coagulação durante a CEC, pois a ativação irrestrita de trombina e plasmina resulta no consumo dos fatores de coagulação e das plaquetas (isto é, um estado de coagulação intravascular disseminada durante a CEC).77 Hertfelder HJ, Bos M, Weber D, et al. Perioperative monitoring of primary and secondary hemostasis in coronary artery bypass grafting. Semin Thromb Hemost. 2005;31:426-40.,88 Eisses MJ, Velan T, Aldea GS, et al. Strategies to reduce hemostatic activation during cardiopulmonary bypass. Thromb Res. 2006;117:689-703. Logo, várias razões contribuem para a perda excessiva de sangue imprevista nesses pacientes.

A previsão de perda sanguínea excessiva no pós-operatório de cirurgia cardíaca com CEC é difícil devido à falta de um teste diagnóstico específico. Não há um único sinal clínico ou teste laboratorial que tenha demonstrado precisão diagnóstica suficiente para confirmar ou rejeitar o diagnóstico de perda sanguínea excessiva no pós-operatório.99 Levi M. Diagnosis and treatment of disseminated intravascular coagulation. Int J Lab Hematol. 2014;36:228-36.

Em 2001, o Subcomitê da Sociedade Internacional de Trombose e Hemostasia (ISTH) do Comitê Científico e de Padronização da Coagulação Intravascular Disseminada propôs que a definição de coagulação intravascular disseminada (CID) fosse delineada em duas fases - CID não manifesta representada por disfunção hemostática sutil e CID manifesta reconhecida por sua fase descompensada.1010 Taylor FB, Toh CH, Hoots WK, et al. Towards definition, clinical and laboratory criteria, and a scoring system for disseminated intravascular coagulation. Thromb Haemost. 2001;86:1327-30. Para CID manifesta, um escore cumulativo ≥ 5 para o prolongamento do tempo de protrombina (TP), a redução de plaquetas e fibrinogênio e a elevação de marcadores relacionados à fibrina foram propostos (tabela 1). Embora o sangramento após cirurgia cardíaca apresente causas variáveis, acreditamos que a aplicação do sistema de classificação ISTH poderia conseguir prever a perda sanguínea excessiva no pós-operatório em pacientes após cirurgia cardíaca com CEC. O objetivo deste estudo foi investigar a eficácia do sistema de classificação ISTH em pacientes após cirurgia cardíaca com CEC.

Tabela 1
Sistema de pontuação para coagulação intravascular disseminada manifesta proposto pela Sociedade Internacional de Trombose e Hemostasia

Método

Após obter a aprovação do Comitê de Pesquisa Institucional, os prontuários médicos de pacientes acima de 20 anos e submetidos à cirurgia cardíaca eletiva com CEC entre março de 2010 e fevereiro de 2014 foram retrospectivamente reavaliados. As características clínicas e demográficas, os achados laboratoriais perioperatórios e as complicações pós-operatórias foram avaliados com os bancos de dados computadorizados de nossa instituição. Dos 384 pacientes identificados, incluímos apenas aqueles (n = 70) submetidos à cirurgia valvar com CEC (fig. 1). Os pacientes não apresentavam distúrbio subjacente conhecido que estivesse associado à CID manifesta. Foram excluídos os pacientes submetidos a cirurgia cardíaca, exceto valvar, sob anestesia com midazolam, rocurônio e sufentanil ou a operação cardíaca prévia (um distúrbio subjacente conhecido por estar associado à CID manifesta) ou cujos prontuários perioperatórios estavam ausentes (n = 314).

Figura 1
Diagrama de fluxo Consort deste estudo retrospectivo. Grupo CID manifesta: escore CID ≥ 5, grupo CID não manifesta: escore CID < 5. CID: coagulação intravascular disseminada.

Manejo anestésico e da CEC

Todas as cirurgias valvares neste estudo foram feitas sob anestesia com midazolam, rocurônio e sufentanil. Antes de iniciar a CEC, o volume corrente foi ajustado para obter normoventilação com oxigênio e ar (FiO2 de 0,5) e controlado por meio de gasometria para manter a tensão do dióxido de carbono arterial normal.

Em geral, a operação foi feita com técnica convencional não pulsátil de CEC (2,4 L.min-1.m-2), com hipotermia moderada (temperatura nasofaríngea de 32-34 °C) e administração de heparina (300 IU.kg-1). Desde o relato de Mangano et al.,1111 Mangano DT, Tudor IC, Dietzel C. The risk associated with aprotinin in cardiac surgery. N Engl J Med. 2006;354:353-65. nosso instituto não tem usado aprotinina em cirurgia cardíaca. Portanto, o tempo de coagulação ativada foi mantido acima de 400 segundos (s). O circuito foi iniciado com solução de lactato de Ringer, albumina e manitol. A cardioproteção foi obtida com cardioplegia sanguínea fria. Após a separação da CEC (temperatura retal de 36,5-37 °C), a atividade de anticoagulação foi revertida com sulfato de protamina, proporção de 1 mg:100 IU de heparina.

Testes laboratoriais e escore CID

Exames laboratoriais perioperatórios foram coletados após a cirurgia. As contagens de plaquetas, TP, fibrinogênio e produtos de degradação de fibrinogênio (PDF) foram medidas com métodos de impedância elétrica, método de detecção de luz dispersa e imunoensaio quantitativo de látex, respectivamente.

Com base no sistema de classificação ISTH (tabela 1), calculamos o escore CID. A ocorrência de CID manifesta foi considerada quando houve um escore cumulativo de 5 ou mais no sistema de classificação. De acordo com o resultado do escore CID na chegada à UTI, dividimos os pacientes em dois grupos: Grupo CID manifesta (escore CID ≥ 5) e Grupo CID não manifesta (escore CID < 5).

Protocolo de transfusão de sangue e critérios de reexploração cirúrgica para sangramento

Diretrizes para transfusão de sangue foram usadas para padronizar a prática de transfusão. Em UTI pós-operatória, o limiar para a transfusão de concentrado de hemácias foi Ht/Hb inferior a 0,25/8,0. No período pós-operatório, a indicação de transfusão plaquetária de doador aleatório ou de plasma fresco congelado foi a presença de sangramento excessivo (>200 mL.h-1) e um defeito de coagulação confirmado por teste laboratorial (contagem de plaquetas < 100 × 1099 Levi M. Diagnosis and treatment of disseminated intravascular coagulation. Int J Lab Hematol. 2014;36:228-36. L, TP ou tempo de tromboplastina parcialmente ativada [TPPA] > 1,5 × valor de controle ou nível de fibrinogênio < 1,0 g.L-1).

No pós-operatório, a perda sanguínea de tubos torácicos mediastinais foi registrada em 6 horas (h), 12 h e 24 h a partir do momento em que o paciente chegou à UTI. A perda sanguínea em 24 h foi registrada. A definição da perda sanguínea estimada em UTI foi maior do que 1 L de perda sanguínea em 24 h.1212 Whitlock R, Crowther MA, Ng HJ. Bleeding in cardiac surgery: its prevention and treatment - an evidence-based review. Crit Care Clin. 2005;21:589-610. A reexploração cirúrgica foi considerada quando o sangramento durante as primeiras 2 h foi superior a 300 mL.h-1 ou superior a 200 mL.h-1 por 4 h consecutivamente, com variáveis normais de coagulação.

Protocolo de manejo do paciente

Os critérios de extubação traqueal foram: consciência total, estabilidade hemodinâmica, força muscular e respiração adequadas (pressão positiva expiratória final ≤ 5 cmH2O, frequência respiratória < 30.min-1) e valor adequado de troca gasosa (PaO2 ≥ 80 mmHg/FiO2 = 0,4; PaCO2, 35-50 mmHg).

Assim como os parâmetros de morbidade no pós-operatório, o tempo de intubação, índice de oxigênio (IO), tempo de internação em UTI e nível de creatinina sérica durante dois dias foram avaliados retrospectivamente. Gasometrias foram feitas e o IO foi calculado (PO2 arterial/fração inspirada de oxigênio) ao chegar à UTI.

De acordo com os critérios de classificação da Rede de Estudo da Lesão Renal Aguda (AKIN)1313 Mehta RL, Kellum JA, Shah SV, et al. Acute Kidney Injury Network: report of an initiative to improve outcomes in acute kidney injury. Crit Care. 2007;11:R31., o desenvolvimento de LRA no pós-operatório foi avaliado com base nas alterações da concentração sérica de creatinina (Cr) dentro de 48 horas da cirurgia. O nível de creatinina sérica foi examinado no pré-operatório no segundo dia de UTI.

Análise estatística

Os valores foram expressos em média ± DP ou mediana (percentis 25 e 75). Para comparar os dados categóricos, o teste do qui-quadrado foi usado. As variáveis contínuas foram expressas em média ± EPM e comparadas parametricamente (teste t de Student) ou expressas em medianas (percentis 25 e 75) e comparadas com o teste não paramétrico (soma de sinais de Wilcoxon), com base na distribuição das variáveis. Para avaliar a correlação com a perda estimada de sangue (PES), o teste t de Student e análises de correlação foram usados. Para identificar fatores significativamente preditivos da PES, análises de regressão linear univariada e multivariada foram feitas. Um valor de p < 0,05 foi considerado significativo.

Resultados

Durante quatro anos, 384 pacientes foram selecionados para este estudo (fig. 1). Entre esses, 70 pacientes com CID manifesta (n = 20) ou CID não manifesta (n = 50) foram inscritos. A incidência de CID manifesta na chegada à UTI foi de 29% (20/70) em nossa população de estudo.

A tabela 2 resume as características clínicas dos 70 pacientes avaliados. Não houve diferença estatística entre os grupos na classificação NYHA no pré-operatório, idade, sexo, comorbidade pré-existente e tipo de cirurgia. O tempo de CEC não diferiu entre os grupos e também a transfusão, exceto hemácias (tabela 3). Porém, os pacientes do grupo com CID manifesta apresentaram escore D-Dímero (p < 0,001) e nível de lactato (p = 0,02) mais altos após a cirurgia (tabela 4).

Tabela 2
Características dos pacientes no pré-operatório
Tabela 3
Características dos pacientes no intraoperatório
Tabela 4
Características dos pacientes no pós-operatório em UTI

Embora a transfusão entre os grupos em UTI não tenha apresentado diferenças estatísticas, a quantidade total de hemácias transfundidas, bem como o tempo de intubação, foi maior no grupo CID manifesta do que no grupo CID não manifesta. Porém, não houve diferença estatística entre os grupos em relação ao tempo de UTI, índice de oxigenação (PO2 arterial/fração inspirada de oxigênio), avaliação das variáveis fisiológicas crônicas e agudas em relação à saúde (APACHE II) e incidência de LRA no pós-operatório (tabela 5).

Tabela 5
Resultados dos pacientes no pós-operatório

Descobrimos também que a PES foi maior no grupo CID manifesta e que estava correlacionada com a ocorrência de CID, escore CID e tempo de CEC (tabelas 6 e 7). Além disso, nas análises univariada e multivariada, o escore CID e o tempo de CEC foram identificados como fatores preditivos de PES (tabela 8).

Tabela 6
Correlação com a perda estimada de sangue com o uso do teste t de Student
Tabela 7
Correlação com PES com o uso da análise de correlação
Tabela 8
Análises de regressão linear univariada e multivariada

Discussão

Nosso resultado mostrou que o escore CID e a ocorrência de CID estavam relacionados com perda sanguínea excessiva no pós-operatório e podem estar relacionados com ventilação mecânica prolongada.

A definição de CID proposta pela classificação da ISTH recebeu validação desde 2001. Na ausência de uma referência padrão-ouro para o escore de CID manifesta na ISTH, a comparação com o escore do Ministério da Saúde e Bem-Estar do Japão (JMHW) foi importante como a melhor evidência até o momento para o diagnóstico preliminar.1414 Toh CH, Hoots WK. The scoring system of the Scientific and Standardisation Committee on Disseminated Intravascular Coagulation of the International Society on Thrombosis and Haemostasis: a 5-year overview. J Thromb Haemost. 2007;5:604-6. A taxa de concordância inicial relatada entre os escores ISTH e JMHW foi de 67,4%.1515 Wada H, Gabazza EC, Asakura H, et al. Comparison of diagnostic criteria for disseminated intravascular coagulation (DIC): diagnostic criteria of the International Society of Thrombosis and Hemostasis and of the Japanese Ministry of Health and Welfare for overt DIC. Am J Hematol. 2003;74:17-22. A discordância ocorreu devido à sensibilidade do JMHW à CID em neoplasias malignas hematológicas com alta atividade fibrinolítica. Outro estudo, exclusive tais casos, demonstrou 93% de concordância.1616 Matsumoto T, Wada H, Nishioka Y, et al. Frequency of abnormal biphasic aPTT clot waveforms in patients with underlying disorders associated with disseminated intravascular coagulation. Clin Appl Thromb Hemost. 2006;12:185-92. Com uma abordagem diferente com avaliação por especialistas cegos para o estudo, Bakhtiari et al. descobriram sensibilidade de 91% e especificidade de 97% com ISTH para escore CID.1717 Bakhtiari K, Meijers JC, de Jonge E, et al. Prospective validation of the International Society of Thrombosis and Haemostasis scoring system for disseminated intravascular coagulation. Crit Care Med. 2004;32:2416-21. Portanto, os autores consideraram que a classificação ISTH pode ser uma ferramenta confiável para diagnosticar CID pós-CEC e perda sanguínea pós-operatória.

O sangramento no pós-operatório é uma das complicações mais comuns da cirurgia cardíaca. Aproximadamente 20% dos pacientes apresentam sangramento de forma significativa após cirurgia cardíaca e 5% precisam de reexploração.1818 Karthik S, Grayson AD, McCarron EE, et al. Reexploration for bleeding after coronary artery bypass surgery: risk factors, outcomes, and the effect of time delay. Ann Thorac Surg. 2004;78:527-34, discussion 534.,1919 Ferraris VA, Ferraris SP, Saha SP, et al. Perioperative blood transfusion and blood conservation in cardiac surgery: the Society of Thoracic Surgeons and The Society of Cardiovascular Anesthesiologists clinical practice guideline. Ann Thorac Surg. 2007;83:S27-86. Uma causa cirúrgica de sangramento é encontrada em 50% dos pacientes submetidos à reoperação devido a sangramento. No restante dos pacientes, a causa é multifatorial e provavelmente está relacionada com circunstâncias particulares do procedimento cirúrgico.2020 Paparella D, Brister SJ, Buchanan MR. Coagulation disorders of cardiopulmonary bypass: a review. Intensive Care Med. 2004;30:1873-81. Trauma cirúrgico extenso, contato prolongado com a superfície artificial da CEC, altas doses de heparina e hipotermia contribuem para a disfunção da coagulação e dos sistemas inflamatórios que levam à coagulopatia pós-operatória. A ligação entre a ativação da coagulação e os sistemas inflamatórios durante o curso da CEC é complexa e está relacionada à geração de reações de fase aguda semelhantes às observadas na sepse. Portanto, com frequência é difícil demonstrar os fatores específicos que contribuem para a coagulopatia em qualquer paciente no centro cirúrgico ou UTI, uma vez que a coagulopatia está relacionada à coagulação e aos sistemas inflamatórios. Além disso, também é difícil demonstrar uma clara associação entre fibrinólise e PES pós-CEC. Porém, em alguns estudos, verificou-se que marcadores de fibrinólise estão relacionados à PES no pós-operatório. Esses achados são corroborados pela eficiência dos agentes antifibrinolíticos (p. ex., aprotinina, ácido tranexâmico) durante a CEC na redução da perda sanguínea.2121 Kuepper F, Dangas G, Mueller-Chorus A, et al. Fibrinolytic activity and bleeding after cardiac surgery with cardiopulmonary bypass and low-dose aprotinin therapy. Blood Coagul Fibrinolysis. 2003;14:147-53.,2222 Ker K, Edwards P, Perel P, et al. Effect of tranexamic acid on surgical bleeding: systematic review and cumulative meta-analysis. BMJ. 2012;344:e3054. Nossos resultados também mostraram que a ocorrência de CID em UTI desencadeada pela CEC estava relacionada à PES no pós-operatório.

Concluímos que, neste estudo, o uso do sistema de classificação ISTH para avaliar a ocorrência de CID em pacientes submetidos à cirurgia valvar cardíaca foi útil e que poderia prever a perda excessiva de sangue pós-CEC e ventilação mecânica prolongada. Embora este estudo apresente como limitação o desenho retrospectivo, esses dados podem ajudar na orientação de estudos futuros e no manejo de pacientes submetidos à cirurgia cardíaca valvar.

Agradecimentos

Este trabalho foi apoiado por subsídio do Korea Health Technology R&D Project através do Korea Health Industry Development Institute, financiado pelo Ministry of Health & Welfare, Republic of Korea. Os autores agradecem ao Centro de Colaboração em Pesquisa Médica do Hospital Bundang da Universidade Nacional de Seul pelas análises estatísticas.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Oct 2017

Histórico

  • Recebido
    16 Mar 2016
  • Aceito
    30 Dez 2016
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