Acessibilidade / Reportar erro

Influência da saturação venosa central de oxigênio na mortalidade hospitalar de pacientes cirúrgicos

Resumos

RESUMO JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: Saturação venosa central de oxigênio (SvcO2) baixa indica desequilíbrio entre oferta e consumo de oxigênio celular e, consequentemente, pior prognóstico em pacientes graves. No entanto, ainda não está claro qual o valor desse marcador em pacientes cirúrgicos. O objetivo deste estudo foi avaliar se SvcO2 baixa no perioperatório determina pior prognóstico. MÉTODO: Estudo observacional, durante 6 meses, em um hospital terciário. Foram incluídos pacientes que necessitassem de pós-operatório em terapia intensiva (UTI) com idade > 18 anos, submetidos a cirurgias de grande porte. Pacientes com cirurgias paliativas e pacientes com insuficiên cia cardíaca grave foram excluídos. Valores de SvcO2 foram mensurados antes da cirurgia, durante o procedimento e após a cirurgia na UTI. RESULTADOS: Foram incluídos 66 pacientes e não sobreviveram 25,8%. Os valores médios de SvcO2 dos pacientes foram maiores no intraoperatório, 84,7 ± 8,3%, do que no pré-operatório e UTI, respectivamente 74,1 ± 7,6% e 76,0 ± 10,5% (p = 0,0001). Porém, somente os valores de SvcO2 no pré-operatório dos pacientes não sobreviventes foram significativamente mais baixos que os sobreviventes. Pela regressão logística SvcO2 pré-operatória, OR = 0,85 (IC 95% 0,74-0,98) p = 0,02 foi fator independente de mortalidade hospitalar. Pacientes com SvcO2 < 70% no pré-operatório apresentaram maior necessidade de transfusão sanguínea (80,0% versus 37,0% p = 0,001) e reposição volêmica no intraoperatório 8.000,0 (6.500,0 - 9.225,0) mL versus 6.000,0 (4.500,0 - 8.500,0) mL p = 0,04), com maiores chances de complicações pós-operatórias (75% versus 45,7% p = 0,02) e maior tempo de internação na UTI 4,0 (2,0-5,0) dias versus 3,0 (1,7 - 4,0) dias p = 0,02. CONCLUSÕES: Os valores de SvcO2 no intraoperatório são maiores que os do pré- e pós-operatório. Contudo, a SvcO2 baixa no pré-operatório determina pior prognóstico.

COMPLICAÇÕES; OXIGÊNIO; níveis sanguíneos; RISCO


JUSTIFICATIVA Y OBJETIVOS: La saturación venosa central de oxígeno (SvcO2) baja indica un desequilibrio entre la oferta y el consumo de oxígeno celular y como consecuencia, un peor pronóstico para los pacientes graves. Sin embargo, todavía no está claro cuál es el valor de ese marcador en pacientes quirúrgicos. El objetivo de este estudio fue evaluar si la SvcO2 baja en el perioperatorio determina un peor pronóstico. MÉTODO: Estudio observacional durante 6 meses, realizado en un tercer hospital. Fueron incluidos pacientes que necesitasen postoperatorio en cuidados intensivos (UCI), con edad > 18 años, sometidos a cirugías de gran porte. Los pacientes con cirugías paliativas y pacientes con insuficiencia cardíaca grave quedaron fuera del estudio. Los valores de SvcO2 se midieron antes de la cirugía, durante el procedimiento y después de la operación en la UCI. RESULTADOS: Se incluyeron 66 pacientes de los cuales un 25,8% no sobrevivieron. Los valores promedios de SvcO2 de los pacientes fueron mayores en el intraoperatorio, 84,7 ± 8,3%, que en el preoperatorio y UCI, respectivamente 74,1 ± 7,6% y 76,0 ± 10,5% (p = 0,0001). Sin embargo, solamente los valores de SvcO2 en el preoperatorio de los pacientes no sobrevivientes fueron significativamente más bajos que los sobrevivientes. La regresión logística SvcO2 preoperatoria, OR = 0,85 (IC 95% 0,74-0,98) (p = 0,02), fue un factor independiente de mortalidad hospitalaria. Los pacientes con SvcO2 < 70% en el preoperatorio, presentaron una mayor necesidad de transfusión sanguínea (80,0% versus 37,0% p = 0,001) y reposición volémica en el intraoperatorio 8000,0 (6500,0 - 9225,0) mL versus 6000,0 (4500,0 - 8500,0) mL p = 0,04), con mayores chances de complicaciones postoperatorias (75% versus 45,7% p = 0,02) y un mayor tiempo de ingreso en la UCI 4,0(2,0-5,0) días versus 3,0 (1,7 - 4,0) días p = 0,02. CONCLUSIONES: Los valores de SvcO2 en el intraoperatorio son mayores que los del pre y del postoperatorio. Sin embargo, la SvcO2 baja en el preoperatorio es determinante para un peor pronóstico.

COMPLICACIONES; OXÍGENO; niveles sanguíneos; RIESGO


BACKGROUND AND OBJECTIVES: Low central venous oxygen saturation (ScvO2) indicates an imbalance between cellular oxygen supply and consumption and, consequently, worse prognosis for critical patients. However, it is not clear what the value of this marker in surgical patients. The objective of the present study was to evaluate whether low perioperative ScvO2 determines a worse prognosis. METHODS: This is a 6-month observational study carried on in a tertiary hospital. Patients who needed to be in the intensive care unit (ICU) postoperatively, with age > 18 years, who underwent large surgeries, were included. Patients who underwent palliative surgeries and those with severe heart failure were excluded. Levels of ScvO2 were measured before the surgery, during the procedure, and after the surgery in the ICU. RESULTS: Sixty-six patients were included in this study, but 25.8% of them did not survive. Mean ScvO2 levels were higher intraoperatively, 84.7 ± 8.3%, than preoperatively and in the ICU, 74.1 ± 7.6% and 76.0 ± 10.5% (p = 0.0001), respectively. However, only preoperative SvcO2 levels of non-surviving patients were significantly lower than those who survived. By logistic regression, preoperative ScvO2, OR = 0.85 (95% CI 0.74-0.98) (p = 0.02), was an independent factor of in-hospital mortality. Patients with preoperative ScvO2 < 70% had greater need of intraoperative blood transfusion (80.0% versus 37.0%, p = 0.001) and volume replacement, 8,000.0 (6,500.0-9,225.0) mL versus 6,000.0 (4,500.0-8,500.0) mL (p = 0.04), with greater chances of postoperative complications (75% versus 45.7%, p = 0.02) and longer time in the ICU, 4.0 (20.0-5.0) days versus 3.0 (1.7-4.0) days (p = 0.02). CONCLUSIONS: Intraoperative ScvO2 levels are higher than those both in the pre- and postoperative period. However, low preoperative ScvO2 determines worse prognosis.

COMPLICATIONS; OXYGEN; blood levels; RISK


ARTIGO CIENTÍFICO

Influência da saturação venosa central de oxigênio na mortalidade hospitalar de pacientes cirúrgicos

João Manoel Silva Junior, TSAI; Amanda Maria Ribas Rosa OliveiraII; Sandra Zucchi de MoraisIII; Luciana Sales de AraújoIII; Luiz Gustavo F Victoria, TSAIV; Lauro Yoiti MarubayashiV

ICoordenador da Unidade Crítica de Pacientes Cirúrgicos, Corresponsável pelo CET/SBA do HSPE; Médico Responsável pela Parte Científica da Unidade de Terapia Intensiva do HSPE

IIIntensivista, Médico do Serviço de Terapia Intensiva do HSPE

IIIResidente do HSPE

IVMédico Responsável pela Residência de Anestesiologia do HSPE

VAnestesiologista, Diretor da Cooperativa Médica de Anestesiologistas de São Paulo do HSPE

Correspondência para Correspondência para: Dr. João Manoel Silva Júnior Rua Pedro de Toledo, 1800 - 6º andar Vila Clementino 04039-901 - São Paulo, SP E-mail: joao.s@globo.com

RESUMO

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: Saturação venosa central de oxigênio (SvcO2) baixa indica desequilíbrio entre oferta e consumo de oxigênio celular e, consequentemente, pior prognóstico em pacientes graves. No entanto, ainda não está claro qual o valor desse marcador em pacientes cirúrgicos. O objetivo deste estudo foi avaliar se SvcO2 baixa no perioperatório determina pior prognóstico.

MÉTODO: Estudo observacional, durante 6 meses, em um hospital terciário. Foram incluídos pacientes que necessitassem de pós-operatório em terapia intensiva (UTI) com idade > 18 anos, submetidos a cirurgias de grande porte. Pacientes com cirurgias paliativas e pacientes com insuficiên cia cardíaca grave foram excluídos. Valores de SvcO2 foram mensurados antes da cirurgia, durante o procedimento e após a cirurgia na UTI.

RESULTADOS: Foram incluídos 66 pacientes e não sobreviveram 25,8%. Os valores médios de SvcO2 dos pacientes foram maiores no intraoperatório, 84,7 ± 8,3%, do que no pré-operatório e UTI, respectivamente 74,1 ± 7,6% e 76,0 ± 10,5% (p = 0,0001). Porém, somente os valores de SvcO2 no pré-operatório dos pacientes não sobreviventes foram significativamente mais baixos que os sobreviventes. Pela regressão logística SvcO2 pré-operatória, OR = 0,85 (IC 95% 0,74-0,98) p = 0,02 foi fator independente de mortalidade hospitalar. Pacientes com SvcO2 < 70% no pré-operatório apresentaram maior necessidade de transfusão sanguínea (80,0% versus 37,0% p = 0,001) e reposição volêmica no intraoperatório 8.000,0 (6.500,0 - 9.225,0) mL versus 6.000,0 (4.500,0 - 8.500,0) mL p = 0,04), com maiores chances de complicações pós-operatórias (75% versus 45,7% p = 0,02) e maior tempo de internação na UTI 4,0 (2,0-5,0) dias versus 3,0 (1,7 - 4,0) dias p = 0,02.

CONCLUSÕES: Os valores de SvcO2 no intraoperatório são maiores que os do pré- e pós-operatório. Contudo, a SvcO2 baixa no pré-operatório determina pior prognóstico.

Unitermos: COMPLICAÇÕES: mortalidade; OXIGÊNIO: consumo; níveis sanguíneos; RISCO: fatores.

INTRODUÇÃO

Estima-se que 234 milhões de grandes cirurgias são realizadas a cada ano 1. Complicações depois de grandes cirurgias são causas de morbidade e mortalidade. Pacientes cirúrgicos de alto risco quantificam 15% de todos os procedimentos, porém mais do que 80% de mortes 2,3.

Dados confirmam que desfechos desfavoráveis depois de cirurgias de alto risco representam um problema global 4-6. Mesmo em pacientes que sobrevivem à internação hospitalar, as complicações permanecem como importante determinante de curto tempo de sobrevida 6. Portanto, é essencial procurar ferramentas para melhorar os desfechos de pacientes submetidos a grandes cirurgias.

Numerosos relatos indicam que pobres desfechos após grandes cirurgias são fortemente associados a desarranjos na oferta de oxigênio, relacionada ao prejuízo no fluxo microvascular 7,8. O uso de fluidos e drogas inotrópicas aumenta a oferta de oxigênio e pode reduzir a incidência de complicações 9,10.

Existem vários estudos na literatura descrevendo mudanças na saturação central de oxigênio (ScvO2) e mista (SvO2) no período perioperatório 11 e em pacientes com sepse grave 12, os quais têm conduzido ao uso da saturação venosa com meta terapêutica para pacientes cirúrgicos. Entretanto, a complexa fisiologia da saturação venosa de oxigênio em pacientes cirúrgicos é pobremente reconhecida. Detalhado entendimento desses princípios é essencial para a segurança e efetiva aplicação da SvcO2 na prática clínica. Recentemente, dois estudos realizados 13,14 em pacientes cirúrgicos mostraram o impacto de baixa saturação venosa no intraoperatório em relação às complicações, mas não em relação à mortalidade.

Portanto, este estudo avaliou no perioperatório a SvcO2 como fator de risco para complicações e morte em uma população de pacientes cirúrgicos admitidos em UTI.

MÉTODOS

Após aprovação pela Comissão de Ética e Pesquisa, o estudo foi conduzido em um hospital terciário. Trata-se de estudo observacional, cujos critérios de inclusão foram pacientes com idade > 18 anos, submetidos a cirurgias, que necessitassem de cateter venoso central no intraoperatório e pós-operatório em UTI.

Foram excluídos pacientes submetidos a cirurgias paliativas, com baixa expectativa de vida, pacientes com insuficiência hepática (Child B ou C), pacientes com insuficiência cardíaca classe funcional IV ou fração de ejeção no ecocardiograma inferior a 30% e aqueles que não aceitaram participar do estudo.

O desfecho primário do estudo foi mortalidade hospitalar, conforme o valor da saturação venosa. Desse modo, todos os pacientes foram acompanhados até a alta hospitalar. O desfecho secundário foi avaliar as complicações no intraoperatório, como necessidade de transfusão sanguínea, reposição volêmica e vasopressores e, no pós-operatório, a presença de disfunção orgânica, choque (necessidade de drogas vasoativas por mais de uma hora apesar de ressuscitação volêmica), piora de troca de oxigenação pulmonar (relação PaO2/FiO2 < 200), insuficiência renal (aumento de creatinina em 50% ou diurese menor que 400 mL em 24 horas), confusão mental (alteração de comportamento, esquecimentos ou agitação psicomotora) e disfunção plaquetária (queda de plaqueta em 30% do basal) até 24 horas de pós-operatório. Além disso, foram verificados fatores como infecção durante internação na UTI, tempo de internação na UTI e hospitalar.

Inicialmente, os pacientes foram divididos em dois grupos: sobreviventes (Grupo 1) e não sobreviventes (Grupo 2). Considerando estudos prévios realizados com SvcO2, o percentual de 70% foi adotado como ponto de corte para avaliar as complicações intra e pós-operatórias.

A terapêutica adotada no intraoperatório foi determinada pela equipe cirúrgica. No pós-operatório, o intensivista tinha como meta a melhora dos parâmetros de perfusão e não tinha conhecimento do grupo ao qual o paciente pertencia.

No momento da inclusão, também foram avaliados os escores Multiple-Organ Dysfunction Syndrome (MODS) 15, Acute Physiology And Chronic Health Evaluation (APACHE II) 16 e Physiologic and Operative Severity Score for the enUmeration of Mortality and morbidity (POSSUM) 17, utilizando-se para isso os piores valores das variáveis desses escores. Além disso, antes do início da cirurgia, após indução anestésica, 3 horas de procedimento cirúrgico, admissão na UTI e após 6 horas de pós-operatório, foram coletadas gasometrias arterial e venosa central. O cateter venoso central foi locado na saída do átrio direito, confirmado por radiografia de tórax.

Inicialmente, foram descritas as características demográficas, clínicas e fisiológicas dos pacientes incluídos no estudo. Para a descrição das variáveis categóricas, foram calculadas as frequências. As variáveis quantitativas foram descritas com o uso de medidas de tendência central e de dispersão.

A escolha do método estatístico a ser empregado na avaliação de cada variável foi baseada em seu padrão de distribuição. As variáveis categóricas foram analisadas pelo teste Qui-quadrado e as contínuas pela média com teste t de Student para distribuição normal, e as variáveis contínuas com distribuição irregular foram analisadas pelo teste de Mann-Whitney. Valores de p < 0,05 (bicaudal) foram considerados significantes. O SPSS 13,0 foi utilizado para a análise desses cálculos. Os pacientes do Grupo 1 foram comparados aos pacientes do Grupo 2 inicialmente. Em seguida, os desfechos secundários foram comparados a partir de um valor de SvcO2 igual a 70%, conforme estudos prévios da literatura 10-12.

Ainda se realizou regressão logística através de análise em "stepwise", com o objetivo de identificar fatores de risco independentes e controlar efeitos confundidores (variáveis mutuamente ajustadas). Variáveis que apresentaram probabilidade de significância (valor p) inferior a 0,05 na análise univariada foram consideradas candidatas ao modelo de regressão múltipla.

RESULTADOS

No período de 1º de janeiro de 2009 a 1º de julho de 2009, foram incluídos 66 pacientes - 37 homens e 29 mulheres - com idade média de 65,6 anos. Cirurgias eletivas foram predominantes. Foram elas: gastrintestinais (78,8%), vasculares (7,6%), torácicas (4,5%), ortopédicas (3,0%), neurológicas (3,0%), ginecológicas (1,5%), urológicas (1,5%) (Tabela I).

No momento da cirurgia, 50% dos pacientes receberam transfusões de sangue, 32,5% drogas vasoativas, com a ocorrência de 54,5% de complicações no pós-operatório, sendo o choque circulatório o mais prevalente (45,5%), seguido de insuficiência renal (19,7%), disfunção plaquetária (19,7%), infecção (16,7%), piora na troca de oxigenação (10,6%), estado confusional (7,6%) (Tabela II).

Os valores médios da SvcO2 de todos pacientes foram maiores no intraoperatório (84,7 ± 8,3%) do que no momento préoperatório e UTI (respectivamente, 74,1 ± 7,6% e 76,0 ± 10,5% [p = 0,0001]). Porém, quando comparados sobreviventes e não sobreviventes, apenas os valores no pré-operatório de SvcO2 dos pacientes não sobreviventes foram significantemente mais baixos que os pacientes sobreviventes (Figuras 1 e 2).



A mortalidade hospitalar foi de 25,8% (17 pacientes). Dessa forma, quando comparados os grupos sobreviventes e não sobreviventes na análise univariada, apenas 6 variáveis apresentaram associação com mortalidade hospitalar, dentre elas SvcO2 pré-operatória, APACHE II, MODS, POSSUM, tempo de cirurgia e necessidade de vasopressores no intraoperatório (Tabela I).

Entretanto, quando as variáveis associadas à mortalidade na análise univariada foram avaliadas pela regressão logística, somente a SvcO2 pré-operatória OR = 0,85 (IC 95% 0,74 - 0,98) (p = 0,02) e necessidade de vasopressores no intraoperatório OR = 6,77(IC95% 1,46-31,30) (p = 0,01) foram fatores independentes de mortalidade hospitalar.

Considerando que a média de SvcO2 dos pacientes não sobreviventes foi inferior a 70% e com base em estudos anteriores que apontam pior prognóstico nos pacientes com SvcO2 inferior a 70%, compararam-se pacientes com SvcO2 < 70% e com SvcO2> 70% no pré-operatório em relação aos desfechos. Pacientes com SvcO2 < 70% apresentaram maior necessidade de transfusão sanguínea e reposição volêmica no intraoperatório, maiores chances de complicações no pós-operatório e maior tempo de internação na UTI (Tabela II).

DISCUSSÃO

Os achados neste estudo consideram que baixa SvcO2 no pré-operatório em cirurgias de alto risco tem associação com mortalidade hospitalar. Na análise multivariada, somente SvcO2 pré-operatória e vasopressores no intraoperatório foram fatores de riscos independentes de morte hospitalar.

Além disso, valores de SvcO2 inferiores a 70% no pré-operatório, determinaram pior evolução no intra e pós-operatório. Atualmente, poucos parâmetros são utilizados na prática clínica para avaliar hipóxia tecidual, como diurese, diferença de bases e lactato sanguíneo, porém esses parâmetros revelam que a hipoperfusão já está instalada e podem ser tardios para guiar o início de reanimação hemodinâmica 18.

Contudo, SvcO2 mostrou ser um parâmetro precoce neste estudo para identificar pior evolução de pacientes cirúrgicos. Esses resultados encorajam estudos que adotam como meta terapêutica a SvcO2 em pacientes cirúrgicos de alto risco. Com base nesses dados, em consonância com outros estudos 13, os valores de SvcO2 pré-operatória deveriam ser superiores a 70% a 75%, e valores abaixo de 70% devem ser estritamente evitados.

Anormalidades de saturação venosa são comuns durante e após as cirurgias maiores e estão associadas ao aumento da incidência de complicações pós-operatórias 19,20. Reduzida SvcO2 também tem significado prognóstico em pacientes com falência cardíaca, trauma e sepse 21,22. Essas observações não surpreendem, em face da extensiva taxa de anormalidades que afetam a saturação venosa no período perioperatório 11,13,19.

Dessa forma, o presente estudo mostrou que os valores de SvcO2 no intraoperatório foram maiores que os valores do pré- e pós-operatórios, e que apenas valores baixos de SvcO2 no pré-operatório estão associados a maior índice de mortalidade. Existem poucos dados publicados descrevendo o valor normal de saturação venosa em pacientes saudáveis, como, por exemplo, o estudo em questão, em que a maioria dos pacientes era ASA II e com valores de APACHE II e POSSUM escores baixos. Embora, comumente, estime-se em 70%, dados sugerem que isso possa variar de 70% a 80% em indivíduos saudáveis 11,23,24. No entanto, valores de SvcO2 podem ser frequentemente tão baixos quanto 65% em pacientes hospitalizados antes de cirurgias eletivas 25.

Em adição, a SvcO2 pode estar diminuída como resultado de variáveis que aumentam o consumo de oxigênio ou diminuem a oferta sistêmica de oxigênio. O contrário aumenta os valores da SvcO226. Assim, variáveis como dor, estresse e hipertermia estão relacionadas ao pré-operatório, aumentando o consumo de oxigênio. Todavia, a redução do débito cardíaco, por hipovolemia ou queda de hemoglobina no pré-operatório, favorece a queda de oferta de oxigênio 11,26, fato que explica a maior importância dessa variável no préoperatório, principalmente em pacientes que serão submetidos a cirurgias gastrointestinais, pois necessitam de preparo de cólon, o que acarreta grande espoliação e hipovolemia no pré-operatório 27, corroborando com o estudo em questão, pois a maioria dos pacientes foi submetida a cirurgias gastrintestinais.

Por outro lado, durante o procedimento cirúrgico, hipotermia, anestesia e aumento da fração inspirada de oxigênio aumentam os valores da SvcO227 e tornam a variável pouco confiável e confusa como marcador prognóstico. Já no pós-operatório , os pacientes foram reanimados no intraoperatório e há um rearranjo sistêmico, o que torna difícil encontrar valores baixos de SvcO228.

Dois estudos 13,14 em pacientes de cirurgias não cardíacas avaliaram o papel da SvcO2 com achados complementares. No primeiro estudo 13 observacional de 117 pacientes, o valor mais baixo de SvcO2 em período precoce do pós-operatório, associado a complicações subsequentes, foi independentemente o melhor valor de ponto de corte para mais baixo valor de SvcO2 foi 64,4%. Observou-se diminuição considerável na SvcO2 dentro da primeira hora depois da cirurgia, possivelmente como consequência do aumento do consumo de oxigênio depois da cessação da anestesia geral e em pacientes que não foram devidamente reanimados no intraoperatório. Em outro estudo 14 observacional multicêntrico de 60 pacientes, a média de valores de SvcO2 encontrou-se reduzida em vários períodos do perioperatório em pacientes que desenvolveram complicações. O melhor valor de corte neste estudo para média de SvcO2 foi 73%.

Essas investigações fornecem fortes evidências para suportar o papel da SvcO2 como meta terapêutica. Entretanto, esses achados não revelam como a saturação venosa deve ser usada como meta terapêutica, além de não alcançarem suficiente poder estatístico para a redução na mortalidade.

Desse modo, enfatizar precoce fator de risco para baixa demanda de oxigênio avaliado pela SvcO2 no pré-operatório é importante, pois mudanças no manuseio clínico podem ser executadas com a finalidade de evitar evolução desfavorável nesta população. Vários estudos clínicos documentaram que a precoce ressuscitação agressiva com protocolos definidos melhora o desfecho dos pacientes 29,30. Esses estudos adotaram estratégias terapêuticas com o objetivo de aumentar a função cardíaca e manter a perfusão orgânica, o que resultou em redução do tempo de internação de UTI, recuperação mais rápida da função gastrointestinal e redução de mortalidade em pacientes cirúrgicos de alto risco 31. Desse modo, SvcO2 baixa poderia auxiliar a identificar pacientes com necessidade de tais otimizações ainda no pré-operatório e algumas medidas específicas que visam garantir o aumento de fluxo sanguíneo realizadas no pré-operatório ou intraoperatório poderiam trazer benefícios no pós-operatório e melhor prognóstico.

De forma interessante, o lactato arterial não apresentou mesma performance em relação a SvcO2 no pré-operatório. Lactato sérico tem sido classicamente aceito como indicador de metabolismo anaeróbico e de hipóxia tecidual, mas cabe ressaltar que, em condições normais, o fígado é capaz de aumentar a metabolização do lactato produzido, fazendo com que, em situações de hipóxia e metabolismo anaeróbico, ocorra retardo de algumas horas entre o início do fenômeno e a detecção de concentrações elevadas de lactato no sangue, o que justifica o fato de o lactato talvez não ser tão precoce quanto a SvcO232.

Entretanto, deve-se considerar que na prática clínica talvez seja inconveniente realizar mensurações de SvcO2 pelo método intermitente de coleta de amostras sanguíneas, pois determinados erros podem ocorrer como resultado de amostra contaminada, atrasos na mensuração e amostra retirada de local incorreto 33. Além disso, é importante notar que o presente estudo aborda uma pequena população de pacientes, havendo necessidade de se realizarem estudos de maior porte, para melhor avaliar se esses resultados são factíveis.

Pacientes submetidos a cirurgias de grande porte, quando apresentam no pré-operatório baixo valor de SvcO2, evoluíram com pior prognóstico no intra e pós-operatório. Dessa forma, esse marcador se torna importante para estratificar o risco e sugerir a rotina terapêutica a ser adotada no perioperatório.

Submetido em 18 de abril de 2010.

Aprovado para publicação em 28 de junho de 2010.

Recebido do CET/SBA do Hospital do Servidor Público Estadual (HSPE), SP.

  • 01. Weiser TG, Regenbogen SE, Thompson KD et al. - An estimation of the global volume of surgery: a modelling strategy based on available data. Lancet, 2008;372:139-144.
  • 02. Pearse RM, Harrison DA, James P et al. - Identification and characterisation of the high-risk surgical population in the United Kingdom. Crit Care, 2006;10:R81.
  • 03. Jhanji S, Thomas B, Ely A et al. - Mortality and utilisation of critical care resources amongst high-risk surgical patients in a large NHS trust. Anaesthesia, 2008;63:695-700.
  • 04. Haynes AB, Weiser TG, Berry WR et al. - A surgical safety checklist to reduce morbidity and mortality in a global population. N Engl J Med, 2009;360:491-499.
  • 05. Juul AB, Wetterslev J, Gluud C et al. - Effect of perioperative beta blockade in patients with diabetes undergoing major non-cardiac surgery: randomised placebo controlled, blinded multicentre trial. BMJ, 2006;332:1482.
  • 06. Khuri SF, Henderson WG, DePalma RG et al. - Determinants of long-term survival after major surgery and the adverse effect of postoperative complications. Ann Surg, 2005;242:326-343.
  • 07. Shoemaker WC, Montgomery ES, Kaplan E et al. - Physiologic patterns in surviving and nonsurviving shock patients. Use of sequential cardiorespiratory variables in defining criteria for therapeutic goals and early warning of death. Arch Surg, 1973;106:630-636.
  • 08. Jhanji S, Lee C, Watson D et al. - Microvascular flow and tissue oxygenation after major abdominal surgery: association with post-operative complications. Intensive Care Med, 2009;35:671-677.
  • 09. Pearse RM, Belsey JD, Cole JN et al. - Effect of dopexamine infusion on mortality following major surgery: individual patient data meta-regression analysis of published clinical trials. Crit Care Med, 2008;36:1323-1329.
  • 10. Pearse R, Dawson D, Fawcett J et al. - Early goal-directed therapy after major surgery reduces complications and duration of hospital stay. A randomised, controlled trial [ISRCTN38797445]. Crit Care, 2005;9:R687-693.
  • 11. Silva Jr JM, Toledo DO, Magalhaes DD et al. - Influence of tissue perfusion on the outcome of surgical patients who need blood transfusion. J Crit Care, 2009;24:426-434.
  • 12. Rivers E, Nguyen B, Havstad S et al. - Early goal-directed therapy in the treatment of severe sepsis and septic shock. N Engl J Med, 2001;345:1368-1377.
  • 13. Pearse R, Dawson D, Fawcett J et al. - Changes in central venous saturation after major surgery, and association with outcome. Crit Care, 2005;9:R694-699.
  • 14. Mayr VD, Dunser MW, Greil V et al. - Causes of death and determinants of outcome in critically ill patients. Crit Care, 2006;10:R154.
  • 15. Marshall JC, Cook DJ, Christou NV et al. - Multiple organ dysfunction score: a reliable descriptor of a complex clinical outcome. Crit Care Med, 1995;23:1638-1652.
  • 16. Knaus WA, Draper EA, Wagner DP et al. - APACHE II: a severity of disease classification system. Crit Care Med, 1985;13:818-829.
  • 17. Prytherch DR, Whiteley MS, Higgins B et al. - POSSUM and Portsmouth POSSUM for predicting mortality. Physiological and Operative Severity Score for the enumeration of Mortality and morbidity. Br J Surg, 1998;85:1217-1220.
  • 18. Rezende E, Silva Jr JM, Isola AM et al. - Epidemiology of severe sepsis in the emergency department and difficulties in the initial assistance. Clinics (Sao Paulo), 2008;63:457-464.
  • 19. Poeze M, Ramsay G, Greve JW et al. - Prediction of postoperative cardiac surgical morbidity and organ failure within 4 hours of intensive care unit admission using esophageal Doppler ultrasonography. Crit Care Med, 1999;27:1288-1294.
  • 20. Polonen P, Hippelainen M, Takala R et al. - Relationship between intra- and postoperative oxygen transport and prolonged intensive care after cardiac surgery: a prospective study. Acta Anaesthesiol Scand, 1997;41:810-817.
  • 21. Ander DS, Jaggi M, Rivers E et al. - Undetected cardiogenic shock in patients with congestive heart failure presenting to the emergency department. Am J Cardiol, 1998;82:888-891.
  • 22. Moomey Jr CB, Melton SM, Croce MA et al. - Prognostic value of blood lactate, base deficit, and oxygen-derived variables in an LD50 model of penetrating trauma. Crit Care Med, 1999;27:154-161.
  • 23. Harms MP, van Lieshout JJ, Jenstrup M et al. - Postural effects on cardiac output and mixed venous oxygen saturation in humans. Exp Physiol, 2003;88:611-616.
  • 24. Madsen P, Iversen H, Secher NH - Central venous oxygen saturation during hypovolaemic shock in humans. Scand J Clin Lab Invest, 1993;53:67-72.
  • 25. Jenstrup M, Ejlersen E, Mogensen T et al. - A maximal central venous oxygen saturation (SvO2max) for the surgical patient. Acta Anaesthesiol Scand 1995;(Suppl 107):29-32.
  • 26. Rivers EP, Ander DS, Powell D - Central venous oxygen saturation monitoring in the critically ill patient. Curr Opin Crit Care, 2001;7:204-211.
  • 27. Shepherd SJ, Pearse RM - Role of central and mixed venous oxygen saturation measurement in perioperative care. Anesthesiology, 2009;111:649-656.
  • 28. van Beest PA, Hofstra JJ, Schultz MJ et al. - The incidence of low venous oxygen saturation on admission to the intensive care unit: a multi-center observational study in The Netherlands. Crit Care, 2008;12:R33.
  • 29. Fenwick E, Wilson J, Sculpher M et al. - Pre-operative optimisation employing dopexamine or adrenaline for patients undergoing major elective surgery: a cost-effectiveness analysis. Intensive Care Med, 2002;28:599-608.
  • 30. Mythen MG, Webb AR - Perioperative plasma volume expansion reduces the incidence of gut mucosal hypoperfusion during cardiac surgery. Arch Surg, 1995;130: 423-429.
  • 31. Kern JW, Shoemaker WC - Meta-analysis of hemodynamic optimization in high-risk patients. Crit Care Med, 2002;30:1686-1692.
  • 32. Nguyen HB, Rivers EP, Knoblich BP et al. - Early lactate clearance is associated with improved outcome in severe sepsis and septic shock. Crit Care Med, 2004;32:1637-1642.
  • 33. Edwards JD, Mayall RM - Importance of the sampling site for measurement of mixed venous oxygen saturation in shock. Crit Care Med, 1998;26:1356-1360.
  • Correspondência para:

    Dr. João Manoel Silva Júnior
    Rua Pedro de Toledo, 1800 - 6º andar Vila Clementino
    04039-901 - São Paulo, SP
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      24 Jan 2011
    • Data do Fascículo
      Dez 2010

    Histórico

    • Recebido
      18 Abr 2010
    • Aceito
      28 Jun 2010
    Sociedade Brasileira de Anestesiologia R. Professor Alfredo Gomes, 36, 22251-080 Botafogo RJ Brasil, Tel: +55 21 2537-8100, Fax: +55 21 2537-8188 - Campinas - SP - Brazil
    E-mail: bjan@sbahq.org