Acessibilidade / Reportar erro

Perfil de erros de administração de medicamentos em anestesia entre anestesiologistas catarinenses

Resumos

INTRODUÇÃO:

A anestesiologia é a única especialidade médica que prescreve, dilui e administra os fármacos sem conferência de outro profissional. Somando-se a alta frequência de administração de fármacos, cria-se o cenário propício aos erros.

OBJETIVO:

Verificar a prevalência dos erros de administração de medicamentos durante anestesia, entre anestesiologistas catarinenses, as circunstâncias em que ocorreram e possíveis fatores associados.

MATERIAIS E MÉTODOS:

Um questionário eletrônico foi enviado a todos os anestesiologistas da Sociedade de Anestesiologia do Estado de Santa Catarina contendo respostas diretas ou de múltipla escolha sobre dados demográficos e perfil da prática anestésica do entrevistado; prevalência de erros, tipo e consequência do erro; e fatores que possivelmente contribuíram para os erros.

RESULTADOS:

Dos entrevistados, 91,8% afirmaram ter cometido erro de administração, somando total de erros de 274 e média de 4,7 (6,9) erros por entrevistado. O erro mais comum foi substituição (68,4%), seguido por erro de dose (49,1%) e omissão (35%). Apenas 7% dos entrevistados referiram erros de administração no neuroeixo. Quanto às circunstâncias dos erros, ocorreram principalmente no período matutino (32,7%), na manutenção da anestesia (49%), com 47,8% sem danos ao paciente e 1,75% com maior morbidade com dano irreversível e em 87,3% dos casos a identificação imediata. Quanto aos possíveis fatores contribuintes, os mais frequentes foram: distração e fadiga (64,9%) e leitura errada dos rótulos de ampolas ou seringas (54,4%).

CONCLUSÃO:

A maioria dos anestesiologistas entrevistados cometeu mais de um erro de administração em anestesia, principalmente justificado como distração ou fadiga, de baixa gravidade.

Erros médicos; Erros de medicação; Anestesiologia; Anestesia


INTRODUCTION:

Anesthesiology is the only medical specialty that prescribes, dilutes, and administers drugs without conferral by another professional. Adding to the high frequency of drug administration, a propitious scenario to errors is created.

OBJECTIVE:

Access the prevalence of drug administration errors during anesthesia among anesthesiologists from Santa Catarina, the circumstances in which they occurred, and possible associated factors.

MATERIALS AND METHODS:

An electronic questionnaire was sent to all anesthesiologists from Sociedade de Anestesiologia do Estado de Santa Catarina, with direct or multiple choice questions on responder demographics and anesthesia practice profile; prevalence of errors, type and consequence of error; and factors that may have contributed to the errors.

RESULTS:

Of the respondents, 91.8% reported they had committed administration errors, adding the total error of 274 and mean of 4.7 (6.9) errors per respondent. The most common error was replacement (68.4%), followed by dose error (49.1%), and omission (35%). Only 7% of respondents reported neuraxial administration error. Regarding circumstances of errors, they mainly occurred in the morning (32.7%), in anesthesia maintenance (49%), with 47.8% without harm to the patient and 1.75% with the highest morbidity and irreversible damage, and 87.3% of cases with immediate identification. As for possible contributing factors, the most frequent were distraction and fatigue (64.9%) and misreading of labels, ampoules, or syringes (54.4%).

CONCLUSION:

Most respondents committed more than one error in anesthesia administration, mainly justified as a distraction or fatigue, and of low gravity.

Medical errors; Drug errors; Anesthesiology; Anesthesia


Introdução

Os erros na administração de medicamentos são importante causa de morbidade e mortalidade,11. Leape LL, Brennan TA, Laird N, et al. The nature of adverse events in hospitalized patients. Results of the Harvard Medical Practice Study II. N Engl J Med. 1991;324:377-84.and22. Glavin RJ. Drug errors: consequences, mechanisms, and avoid- ance. Br J Anaesth. 2010;105:76-82. sendo responsável por cerca de 7.000 mortes por ano nos Estados Unidos,33. Phillips DP, Christenfeld N, Glynn LM. Increase in US medica- tion error deaths between 1983 and 1993. Lancet. 1998;351: 643-4. implicando em custos diretos a saúde, além de sofrimento humano possivelmente evitável.22. Glavin RJ. Drug errors: consequences, mechanisms, and avoid- ance. Br J Anaesth. 2010;105:76-82. A Anestesiologia é a única especialidade médica que prescreve, dilui e administra os fármacos sem a conferência de outro profissional. Somando-se a alta frequência de administração de fármacos, bem como sua potência e urgência na aplicação, cria-se o cenário propício aos erros, bem como, para consequências desastrosas de tal falha.

Assim, são vários os trabalhos que apontam os erros de administração de fármacos como importante causa de morbidade e mortalidade anestésica. Em um estudo de 1984, avaliando incidentes em anestesia, os mais frequentemente reportados foram desconexão do sistema respiratório e troca de seringas.44. Cooper JB, Newbower RS, Kitz RJ. An analysis of major errors and equipment failures in anesthesia management: considerations for prevention and detection. Anesthesiology. 1984;60:34-42. Em outro, conduzido na Dinamarca, sobre mortes relacionadas a anestesia, os erros de medicação foram a segunda principal causa, perdendo apenas para problemas com via aérea e ventilação. Quando associadas às mortes por erros de medicamentos e problemas com bombas de infusão, elas tornam-se a principal causa de mortalidade no estudo.55. Hove LD, Steinmetz J, Christoffersen JK, et al. Analysis of deaths related to anesthesia in the period 1996-2004 from closed claims registered by the Danish Patient Insurance Asso- ciation. Anesthesiology. 2007;106:675-80.

Nos últimos 60 anos, muitos estudos avaliaram a prevalência de erros na administração de fármacos em anestesia, sendo que, somente na ultima década surgiram trabalhos prospectivos, desenhados especificamente para o estudo do tema.66. Webster CS, Merry AF, Larsson L, et al. The frequency and nature of drug administration error during anaesthesia. Anaesth Inten- sive Care. 2001;29:494-500., 77. Khan FA, Hoda MQ. Drug related critical incidents. Anaesthesia. 2005;60:48-52., 88. Llewellyn RL, Gordon PC, Wheatcroft D, et al. Drug admin- istration errors: a prospective study survey from three South African teaching hospitals. Anaesth Intensive Care. 2009;37: 93-8.,99. Zhang Y, Dong YJ, Webster CS, et al. The frequency and nature of drug administration error during anaesthesia in a Chinese hospital. Acta Anaesthesiol Scand. 2013;57:158-64.and1010. Cooper L, Nossaman B. Medication errors in anesthesia: a review. Int Anesthesiol Clin. 2013;51:1-12. Tais estudos encontraram incidências que variam de um erro para cada 133 a 450 anestesias. Considerando a maior incidência, foi estimado que cada anestesiologista cometa sete erros por ano e, consequentemente, cause danos em dois pacientes ao longo de uma carreira profissional.22. Glavin RJ. Drug errors: consequences, mechanisms, and avoid- ance. Br J Anaesth. 2010;105:76-82.

Desta forma, associado ao crescente interesse em temas referentes a segurança do paciente anestesiado, é de grande valor o estudo da prevalência de erros de medicação entre anestesiologistas catarinenses, bem como, a verificação dos fatores que contribuíram para o erro.

Objetivo

Verificar a prevalência dos erros de administração de medicamentos durante anestesia, entre anestesiologistas catarinenses, bem como as circunstâncias em que ocorreram e verificar possíveis fatores associados.

Método

Os autores elaboraram um questionário eletrônico (anexo 1), com três seções de perguntas. As questões eram diretas ou de múltipla escolha quando apropriado, sendo que, mais de uma resposta poderia ser assinalada. A primeira seção questionava sobre dados demográficos (sexo e idade), bem como o perfil da prática anestésica do entrevistado: número de anos que trabalhava com anestesiologia, carga horária semanal e grau de especialização. A segunda seção investigou a prevalência de erros entre os entrevistados, número de erros que eram lembrados, tipo de erro, tempo para detecção do erro e pior consequência de um erro cometido. A última seção investigou os fatores que possivelmente contribuíram para os erros.

O questionário foi enviado por correio eletrônico, juntamente com um texto explicativo sobre o caráter da pesquisa, relevância do tema e termo de consentimento para utilização dos dados, a todos os anestesiologistas associados à Sociedade de Anestesiologia do Estado de Santa Catarina (SAESC) no ano de 2013, por duas vezes, com intervalo de quatro semanas entre os envios. A participação no trabalho foi voluntária, mediante aceitação dos termos enviados via correio eletrônico.

O programa utilizado para envio do questionário e armazenamento das respostas foi o Survey Monkey e para análise estatística e elaboração dos gráficos, o Microsoft Excel.

Resultados

O questionário foi enviado aos associados de sociedade de Anestesiologia do estado de Santa Catarina em Julho e Agosto de 2013, com 30 dias de intervalo. Dos 376 associados da SAESC, 61 responderam o questionário, sendo a taxa de resposta de 16,2%.

Em relação aos dados demográficos, a média de idade dos entrevistados foi de 39 (10,8) anos, sendo 80,3% do sexo masculino. A média de tempo de trabalho com Anestesiologia, incluindo a residência foi de 13 (10,6) anos e a carga horária semanal média foi de 59 (20,1) horas. Quanto ao grau de especialização, apenas 16,4% ainda cursavam a residência médica, 45,9% possuíam o título de especialista em Anestesiologia e 37,7% possuíam o título superior de Anestesiologia.

Conforme mostra a figura 1, 91,8% dos entrevistados afirmaram já ter cometido algum erro de administração de fármacos, sendo o número total de erros de 274 e a média de 4,7 (6,9) erros por entrevistado. O tipo de erro mais comum foi substituição, cometido por 68,4% dos entrevistados, seguido por erro de dose (49,1%) e omissão (35%). No que concerne aos erros de administração de fármacos no neuroeixo, apenas 7% dos entrevistados referiram sua ocorrência. A figura 2 mostra os tipos de erros cometidos e suas porcentagens.

Figura 1
Prevalência de erro de administração de medicamentos entre anestesiologistas catarinenses.

Figura 2
Tipos de erros cometidos e prevalência entre os que já erraram.

No tocante as circunstâncias da ocorrência dos erros, a maioria referiu terem ocorrido no período matutino (32,7%), seguido pelos períodos vespertino (21,8%) e noturno (16,3%). No entanto, 29% dos entrevistados não lembravam o período da ocorrência do erro. A maior parte dos erros ocorreu na manutenção da anestesia (49%), seguidos pelos períodos de indução anestésica (30,9%) e extubação traqueal (12,7%). Uma minoria dos entrevistados relatou ter cometido erros no período pré-anestésico (5,5%) ou pós-anestésico (1,8%).

No que diz respeito à pior consequência de um erro cometido, 47,8% dos que cometeram erros, relataram que os erros não trouxeram danos ao paciente. 43,9% relataram menor morbidade com dano reversível, com aumento do tempo para extubação traqueal ou recuperação pós-anestésica. Maior morbidade com dano reversível, com necessidade de monitorização invasiva, foi relatada por 7% dos entrevistados e maior morbidade com dano irreversível foi relatada por apenas um entrevistado (1,75%). Nenhum óbito foi relatado. Para 87,3% dos entrevistados que já haviam cometido erros, a identificação do erro foi imediata.

Quanto aos possíveis fatores que os entrevistados acreditavam terem contribuído para os erros, os mais frequentes foram: distração e fadiga, apontado por 64,9%, leitura errada dos rótulos de ampolas ou seringas (54,4%), pressão para realização do procedimento (21%) e armazenamento inadequado (19%), conforme mostra a figura 3.

Figura 3
Fatores que os entrevistados acreditavam terem contribuído para os erros.

Discussão

Este estudo mostrou que a maioria absoluta dos anestesiologistas já cometeu algum erro de administração de fármaco, sendo que, boa parte já cometeu mais que um erro. Notadamente, a maioria desses erros trouxeram poucas consequências e baixa morbidade, não tendo sido relatado nenhum caso de óbito. Este resultado está em concordância com a literatura mundial sobre o tema. Trata-se de um tema complexo e, como tal, de difícil estudo, sendo grande a variedade de tipos de estudos sobre o tema e poucos estudos prospectivos.

Um estudo Canadense, com desenho parecido com este, mostrou que 85% dos anestesiologistas daquele país já haviam cometido algum erro ou "ase erro"tendo sido relatados quatro casos de óbito como consequência direta de erro de administração de fármacos, apesar da maiorias deles não ter resultado em morbidade.1111. Orser BA, Chen RJ, Yee DA. Medication errors in anes- thetic practice: a survey of 687 practitioners. Can J Anaesth. 2001;48:139-46.

Em relação á incidência de erros em anestesia, dois trabalhos Australianos avaliaram retrospectivamente um banco de dados nacional para monitorização de incidentes, mostrando que a mesma foi de 7% e 10% de todos os incidentes reportados.1212. Currie M, Mackay P, Morgan C, et al. The Australian Incident Monitoring Study. The "wrong drug" problem in anaesthesia: an analysis of 2000 incident reports. Anaesth Intensive Care. 1993;21:596-601.and1313. Abeysekera A, Bergman IJ, Kluger MT, et al. Drug error in anaesthetic practice: a review of 896 reports from the Australian Incident Monitoring Study database. Anaesthesia. 2005;60:220-7. Em outro estudo com método similar, esta incidência foi de 21% dos incidentes reportados e 0,36% em relação ao número de anestesias no período, mas o estudo também incluiu efeitos colaterais e reações às drogas.77. Khan FA, Hoda MQ. Drug related critical incidents. Anaesthesia. 2005;60:48-52.

Nos estudos prospectivos, em geral, o método utilizado é uma monitorização prospectiva de incidentes, na qual, para toda anestesia realizada, existe um formulário, que deve ser preenchido (mesmo negativamente) e entregue no final da cirurgia. Nestes estudos realmente existe um denominador e a incidência dos erros pode ser determinada com mais precisão. A maior incidência reportada é de um estudo da Nova Zelândia,66. Webster CS, Merry AF, Larsson L, et al. The frequency and nature of drug administration error during anaesthesia. Anaesth Inten- sive Care. 2001;29:494-500. sendo esta de 0,75% ou um erro para cada 133 anestesias, muito parecido com os resultados de um estudo prospectivo Chinês recente,99. Zhang Y, Dong YJ, Webster CS, et al. The frequency and nature of drug administration error during anaesthesia in a Chinese hospital. Acta Anaesthesiol Scand. 2013;57:158-64. que mostrou incidência de 0,73% ou um erro para cada 136 anestesias.

O tipo mais comum de erro relatado em nosso trabalho foi substituição de drogas, seguido por erros de dose e omissão. Os estudos mais antigos assumem que um erro ocorre quando a droga ou dose errada é administrada,1111. Orser BA, Chen RJ, Yee DA. Medication errors in anes- thetic practice: a survey of 687 practitioners. Can J Anaesth. 2001;48:139-46.,1212. Currie M, Mackay P, Morgan C, et al. The Australian Incident Monitoring Study. The "wrong drug" problem in anaesthesia: an analysis of 2000 incident reports. Anaesth Intensive Care. 1993;21:596-601.and1414. Fasting S, Gisvold SE. Adverse drug errors in anesthesia, and the impact of coloured syringe labels. Can J Anaesth. 2000;47:1060-7. sendo outros tipos de erro, como omissão e via de administração incorreta, considerados somente nos estudos mais novos. Não há dúvidas que esses três tipos de erro são os mais comuns, contudo, sua incidência varia com os estudos. Na maior parte dos estudos, os erros por substituição são os mais frequentes.66. Webster CS, Merry AF, Larsson L, et al. The frequency and nature of drug administration error during anaesthesia. Anaesth Inten- sive Care. 2001;29:494-500.and88. Llewellyn RL, Gordon PC, Wheatcroft D, et al. Drug admin- istration errors: a prospective study survey from three South African teaching hospitals. Anaesth Intensive Care. 2009;37: 93-8. No trabalho multicêntrico de Llewellyn et al., é interessante notar que os erros por substituição foram mais comuns quando somados os dados dos três hospitais participantes, Contudo, quando avaliados isoladamente os dados do hospital pediátrico, os erros de dose são tão frequentes quando por substituição.88. Llewellyn RL, Gordon PC, Wheatcroft D, et al. Drug admin- istration errors: a prospective study survey from three South African teaching hospitals. Anaesth Intensive Care. 2009;37: 93-8. Provavelmente, este dado reflita as grandes variações de peso entre os pacientes pediátricos, com necessidade de diluições frequentes e não habituais.

Contrastando com os outros estudos prospectivos, no trabalho de Zhang et al., o erro mais comum foi Omissão.99. Zhang Y, Dong YJ, Webster CS, et al. The frequency and nature of drug administration error during anaesthesia in a Chinese hospital. Acta Anaesthesiol Scand. 2013;57:158-64. É possível que este resultado seja o que mais reflita a realidade, dada a grande possibilidade de viés de memória envolvendo omissões: se a dose do fármaco foi esquecida, é improvável que o indivíduo se lembre de relatar.

Em concordância com a maioria dos estudos prospectivos,88. Llewellyn RL, Gordon PC, Wheatcroft D, et al. Drug admin- istration errors: a prospective study survey from three South African teaching hospitals. Anaesth Intensive Care. 2009;37: 93-8.and99. Zhang Y, Dong YJ, Webster CS, et al. The frequency and nature of drug administration error during anaesthesia in a Chinese hospital. Acta Anaesthesiol Scand. 2013;57:158-64. nosso estudo mostrou que a maioria dos erros ocorre no período de manutenção da anestesia, provavelmente por este ser o período mais longo da anestesia, no qual, a maior parte das drogas é administrada, ou simplesmente por ser um momento em que a vigilância está diminuída.99. Zhang Y, Dong YJ, Webster CS, et al. The frequency and nature of drug administration error during anaesthesia in a Chinese hospital. Acta Anaesthesiol Scand. 2013;57:158-64. O período do dia mais comumente relatado como de ocorrência dos erros foram o matutino e o vespertino. Apenas 16% dos erros ocorreram a noite, embora possivelmente uma fração ainda menor das cirurgias tenha ocorrido neste período.

A fadiga, pressa e desatenção degradam a habilidade do anestesiologista monitorar ações, as quais é extremamente habilidoso em realizar e as fazem habitualmente em "loto automático". Dessa forma, ampolas ou seringas parecidas são interpretadas como corretas e administradas erroneamente, sendo esta uma falha bem conhecida do processo cognitivo.1212. Currie M, Mackay P, Morgan C, et al. The Australian Incident Monitoring Study. The "wrong drug" problem in anaesthesia: an analysis of 2000 incident reports. Anaesth Intensive Care. 1993;21:596-601. A fadiga e a distração foram os fatores contribuintes mais frequentemente citados pelos entrevistados. Em uma avaliação inicial, somando-se as altas cargas horárias citadas pelos entrevistados, é fácil concluir que a fadiga resultante do excesso de trabalho torna mais propícia as falhas no processo cognitivo levando ao erro e, consequentemente, a uma tendência à abordagem individual do erro.

Contudo, em uma análise mais profunda, baseada no trabalho de Reason1515. Reason JT. Human error: models and management. Br Med J. 2000;320:768-70. e na revisão de Wheeler et al.,1616. Wheeler SJ, Wheeler DW. Medication errors in anaesthesia and critical care. Anaesthesia. 2005;60:257-73. notamos que existem condições latentes organizacionais e administrativas que contribuem para o erro. Devem ser levados em conta fatores como a falta de padronização de ampolas, rótulos, apresentação farmacológica e software de bombas de infusão, bem como, a divisão de trabalho que permite jornadas infindáveis e pressão para produzir.1515. Reason JT. Human error: models and management. Br Med J. 2000;320:768-70.and1616. Wheeler SJ, Wheeler DW. Medication errors in anaesthesia and critical care. Anaesthesia. 2005;60:257-73.

Tendo isso em mente, vale notar que, em nosso trabalho, os outros fatores contribuintes citados pelos entrevistados foram leitura errada dos rótulos de ampolas ou seringas, pressão para realização do procedimento e armazenamento inadequado, sendo todos eles associados a condições latentes e não apenas ao indivíduo. Assim, a abordagem do erro deve ser feita também incluindo o sistema, considerando que os médicos estão no final de uma cadeia e são apenas parte de uma falha sistemática.1515. Reason JT. Human error: models and management. Br Med J. 2000;320:768-70.and1616. Wheeler SJ, Wheeler DW. Medication errors in anaesthesia and critical care. Anaesthesia. 2005;60:257-73.

Embora não avaliado neste trabalho, a classe farmacológica, em geral, mais envolvida nos erros são os bloqueadores neuromusculares.77. Khan FA, Hoda MQ. Drug related critical incidents. Anaesthesia. 2005;60:48-52.and1414. Fasting S, Gisvold SE. Adverse drug errors in anesthesia, and the impact of coloured syringe labels. Can J Anaesth. 2000;47:1060-7. Fato preocupante, dado às consequências devastadoras da sua administração indesejada, principalmente em pacientes acordados. Um estudo da Noruega estimou que um paciente receba bloqueadores neuromusculares enquanto acordado a cada três meses.1414. Fasting S, Gisvold SE. Adverse drug errors in anesthesia, and the impact of coloured syringe labels. Can J Anaesth. 2000;47:1060-7. A explicação possível seria o armazenamento do fármaco em seringas de 5 mL, assim como da maioria dos opióides,77. Khan FA, Hoda MQ. Drug related critical incidents. Anaesthesia. 2005;60:48-52. bem como, seu uso ao longo de toda anestesia.

Em tempo, vale notar que a alta incidência de erros em anestesiologia contrasta com as baixas incidências de mortalidade e morbidade irreversível.1414. Fasting S, Gisvold SE. Adverse drug errors in anesthesia, and the impact of coloured syringe labels. Can J Anaesth. 2000;47:1060-7. Em nosso estudo, apenas um anestesiologista relatou dano irreversível e nenhuma morte foi reportada. Ainda, a maioria dos anestesiologistas relatou que a detecção do erro foi imediata. O fato de os fármacos usados em anestesiologia provocarem alterações fisiológicas importantes e imediatas, combinado à vigilância característica da especialidade e, ao treinamento constante em eventos críticos, possivelmente justifica o observado.

Como se trata de um problema com desfecho desfavorável raro, mas potencialmente catastrófico, pode ser difícil provar estatisticamente a eficácia de cada medida de segurança. Vale citar um estudo que mostrou uma tendência a redução global de erros com uso de rótulos coloridos, embora não tenha sido atingida significância estatística. Foi demonstrada redução significativa somente dos erros envolvendo troca de ampolas.1414. Fasting S, Gisvold SE. Adverse drug errors in anesthesia, and the impact of coloured syringe labels. Can J Anaesth. 2000;47:1060-7. Devemos lembrar que a indústria aeronáutica é modelo global de segurança e que as práticas adotadas para redução de morbidade e mortalidade não foram baseadas em evidência. Foram estabelecidas medidas lógicas e práticas e criou-se uma cultura de segurança.1313. Abeysekera A, Bergman IJ, Kluger MT, et al. Drug error in anaesthetic practice: a review of 896 reports from the Australian Incident Monitoring Study database. Anaesthesia. 2005;60:220-7.and1717. Leape LL, Berwick DM, Bates DW. What practices will most improve safety? Evidence-based medicine meets patient safety. J Am Med Assoc. 2002;288:501-7.

Este estudo possui algumas limitações. A primeira consiste no desenho do estudo. Como se trata de um estudo transversal, apenas é possível calcular a prevalência dos erros, não sendo alto o nível de evidência. Além disso, a taxa de resposta foi baixa, mesmo quando comparada a estudos com desenho similar,1111. Orser BA, Chen RJ, Yee DA. Medication errors in anes- thetic practice: a survey of 687 practitioners. Can J Anaesth. 2001;48:139-46. possivelmente por ter sido usada a internet para divulgação do questionário, visto que, tal meio provavelmente inspira menor comprometimento com a pesquisa.

Assim, este trabalho concluiu que a prevalência de erros cometidos por anestesiologistas no estado de Santa Catarina é alta, em concordância com a prevalência mundial, sendo o tipo mais frequente de erro, a substituição de drogas e o fator contribuinte mais citado, a fadiga. A maioria dos erros de administração de fármacos trouxe baixa ou nenhuma morbidade, mas desfechos com alta morbidade e danos irreversíveis foram relatados. Como o potencial de dano é alto, mudanças devem ser adotadas tanto na conduta pessoal, com conscientização dos novos residentes frente ao problema e instrução de hábitos como rotulação correta e conferência, como institucional, com padronização de ampolas, seringas e etiquetas, uso de código de barras e cores, mesmo que não sejam baseadas em evidência, a fim de reduzir ao máximo o potencial de erro e se criar uma cultura de segurança em Anestesiologia.

Conclusão

A maioria dos anestesiologistas entrevistados cometeu mais de um erro de administração em anestesia, principalmente justificado como distração ou fadiga, com baixa incidência de maiores consequências.

References

  • 1
    Leape LL, Brennan TA, Laird N, et al. The nature of adverse events in hospitalized patients. Results of the Harvard Medical Practice Study II. N Engl J Med. 1991;324:377-84.
  • 2
    Glavin RJ. Drug errors: consequences, mechanisms, and avoid- ance. Br J Anaesth. 2010;105:76-82.
  • 3
    Phillips DP, Christenfeld N, Glynn LM. Increase in US medica- tion error deaths between 1983 and 1993. Lancet. 1998;351: 643-4.
  • 4
    Cooper JB, Newbower RS, Kitz RJ. An analysis of major errors and equipment failures in anesthesia management: considerations for prevention and detection. Anesthesiology. 1984;60:34-42.
  • 5
    Hove LD, Steinmetz J, Christoffersen JK, et al. Analysis of deaths related to anesthesia in the period 1996-2004 from closed claims registered by the Danish Patient Insurance Asso- ciation. Anesthesiology. 2007;106:675-80.
  • 6
    Webster CS, Merry AF, Larsson L, et al. The frequency and nature of drug administration error during anaesthesia. Anaesth Inten- sive Care. 2001;29:494-500.
  • 7
    Khan FA, Hoda MQ. Drug related critical incidents. Anaesthesia. 2005;60:48-52.
  • 8
    Llewellyn RL, Gordon PC, Wheatcroft D, et al. Drug admin- istration errors: a prospective study survey from three South African teaching hospitals. Anaesth Intensive Care. 2009;37: 93-8.
  • 9
    Zhang Y, Dong YJ, Webster CS, et al. The frequency and nature of drug administration error during anaesthesia in a Chinese hospital. Acta Anaesthesiol Scand. 2013;57:158-64.
  • 10
    Cooper L, Nossaman B. Medication errors in anesthesia: a review. Int Anesthesiol Clin. 2013;51:1-12.
  • 11
    Orser BA, Chen RJ, Yee DA. Medication errors in anes- thetic practice: a survey of 687 practitioners. Can J Anaesth. 2001;48:139-46.
  • 12
    Currie M, Mackay P, Morgan C, et al. The Australian Incident Monitoring Study. The "wrong drug" problem in anaesthesia: an analysis of 2000 incident reports. Anaesth Intensive Care. 1993;21:596-601.
  • 13
    Abeysekera A, Bergman IJ, Kluger MT, et al. Drug error in anaesthetic practice: a review of 896 reports from the Australian Incident Monitoring Study database. Anaesthesia. 2005;60:220-7.
  • 14
    Fasting S, Gisvold SE. Adverse drug errors in anesthesia, and the impact of coloured syringe labels. Can J Anaesth. 2000;47:1060-7.
  • 15
    Reason JT. Human error: models and management. Br Med J. 2000;320:768-70.
  • 16
    Wheeler SJ, Wheeler DW. Medication errors in anaesthesia and critical care. Anaesthesia. 2005;60:257-73.
  • 17
    Leape LL, Berwick DM, Bates DW. What practices will most improve safety? Evidence-based medicine meets patient safety. J Am Med Assoc. 2002;288:501-7.

Anexo 1 Questionário

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Feb 2016

Histórico

  • Recebido
    2014
  • Aceito
    26 Jun 2014
Sociedade Brasileira de Anestesiologia R. Professor Alfredo Gomes, 36, 22251-080 Botafogo RJ Brasil, Tel: +55 21 2537-8100, Fax: +55 21 2537-8188 - Campinas - SP - Brazil
E-mail: bjan@sbahq.org