Acessibilidade / Reportar erro

A influência do ciclo menstrual na dor aguda e persistente após colecistectomia laparoscópica

Resumo

Justificativa e objetivos:

As flutuações dos hormônios sexuais femininos durante o ciclo menstrual influenciam a percepção da dor. A inibição endógena da dor é prejudicada na fase folicular do ciclo menstrual. Testamos a hipótese primária de que cirurgias em mulheres durante a fase folicular têm mais dor aguda e precisam de mais opioide do que aquelas na fase lútea e a hipótese secundária testada foi que as cirurgias em mulheres durante a fase folicular têm mais dor incisional aos três meses de pós-operatório.

Métodos:

No total, 127 mulheres adultas submetidas à colecistectomia laparoscópica foram randomizadas para serem operadas durante a fase lútea ou folicular de seus ciclos menstruais. Um regime padronizado para anestesia e tratamento da dor foi administrado a todas as pacientes. A dor e o consumo de analgésico foram avaliados na sala de recuperação pós-anestésica e a cada quatro horas nas primeiras 24 horas. Efeitos adversos foram avaliados a cada quatro horas. Os tempo para ingestão oral e deambulação foram registrados. Dor pós-cirúrgica, ansiedade hospitalar, escala de depressão e questionário SF-12 foram avaliados em visitas feitas no primeiro e terceiro meses.

Resultados:

Não houve diferença nos escores de dor aguda e no consumo de analgésicos durante o período de 24 horas, Escala Visual Analógica em 24 horas foi de 1,5 ± 1,5 cm para o grupo folicular e 1,4 ± 1,7 cm para o grupo lúteo (p = 0,57). A dor persistente no pós-operatório foi significativamente mais prevalente no primeiro e terceiro mês, com incidência de 33% e 32% nas pacientes em fase folicular versus 16% e 12% na fase lútea, respectivamente. A Escala Visual Analógica no primeiro e terceiro mês foi 1,6 ± 0,7 cm e 1,8 ± 0,8 cm no grupo folicular e 2,7 ± 1,3 cm e 2,9 ± 1,7 cm no grupo lúteo (p = 0,02), respectivamente. Não houve diferença significativa entre os grupos em relação à ansiedade e à depressão, escore SF-12 em ambos os tempos. Náusea foi mais comum no grupo na fase folicular (p = 0,01) e o tempo para alimentação oral foi menor na fase folicular (5,9 ± 0,9 horas) do que na fase lútea (6,8 ± 1,9 horas, p = 0,02).

Conclusões:

Embora a dor persistente no pós-operatório tenha sido significativamente mais prevalente no primeiro e no terceiro mês após a cirurgia, a magnitude da dor foi baixa. Nossos resultados não apoiam o agendamento de cirurgias tendo como alvo fases específicas do ciclo menstrual.

PALAVRAS-CHAVE
Ciclo menstrual; Dor aguda; Dor crônica; Colecistectomia; Laparoscopia; Dor pós-operatória

Abstract

Background and objectives:

Fluctuations of female sex hormones during menstrual cycle influence pain perception. Endogenous pain inhibition is impaired in follicular phase of menstrual cycle. We tested the primary hypothesis that the women having surgery during their follicular phase have more acute pain and require higher opioids than those in the luteal phase, and secondarily we tested that women who have surgery during their follicular phase have more incisional pain at 3 month postoperatively.

Methods:

127 adult females having laparoscopic cholecystectomy were randomized to have surgery during the luteal or follicular phase of their menstrual cycle. Standardized anesthesia and pain management regimen was given to all patients. Pain and analgesic consumption were evaluated in post-anesthesia care unit and every 4 h in the first 24 h. Adverse effects were questioned every 4 h. Time to oral intake and ambulation were recorded. Post-surgical pain, hospital anxiety, depression scale, SF-12 questionnaire were evaluated at 1 and 3 month visits.

Results:

There was no difference in acute pain scores and analgesic consumption through the 24 h period, Visual Analog Scale at 24 h was 1.5 ± 1.5 cm for follicular group 1.4 ± 1.7 cm for luteal group (p = 0.57). Persistent postoperative pain was significantly more common one and at three month, with an incidence was 33% and 32% in the patients at follicular phase versus 16% and 12% at luteal phase, respectively. The Visual Analog Scale at one and at three month was 1.6 ± 0.7 cm and 1.8 ± 0.8 cm for follicular group and 2.7 ± 1.3 cm and 2.9 ± 1.7 cm in the luteal group (p = 0.02), respectively. There were no significant differences between the groups with respect to anxiety and depression, SF-12 scores at either time. Nausea was more common in follicular-phase group (p = 0.01) and oral feeding time was shorter in follicular phase (5.9 ± 0.9 h) than in luteal phase (6.8 ± 1.9 h, p = 0.02).

Conclusions:

Although persistent postoperative pain was significantly more common one and three months after surgery the magnitude of the pain was low. Our results do not support scheduling operations to target particular phases of the menstrual cycle.

KEYWORDS
Menstrual cycle; Acute pain; Chronic pain; Cholecystectomy; Laparoscopy; Postoperative pain

Introdução

A dor aguda no pós-operatório é complexa e influenciada por múltiplos fatores, inclusive o sexo. O sexo parece desempenhar um papel importante na percepção e interpretação da dor.11 Khan JJ, Albarran JW, Lopez V, et al. Gender differences on chest pain perception associated with acute myocardial infarction in Chinese patients: a questionnaire survey. J Clin Nurs. 2010;19:2720-9.,22 Wiesenfeld-Hallin Z. Sex differences in pain perception. Gend Med. 2005;2:137-45. Por exemplo, as mulheres relatam mais dor do que os homens mediante estímulos comparáveis. Os limiares de dor também são menores em mulheres. As flutuações dos hormônios sexuais femininos durante o ciclo menstrual também influenciam a sensibilidade à dor, possivelmente através da interação com neurônios serotoninérgicos e noradrenérgicos que afetam as vias de inibição da dor e os neurônios sensoriais.33 Kuba T, Quinones-Jenab V. The role of female gonadal hormones in behavioral sex differences in persistent and chronic pain: clinical versus preclinical studies. Brain Res Bull. 2005;66:179-88.

4 Meriggiola MC, Nanni M, Bachiocco V, et al. Menopause affects pain depending on pain type and characteristics. Menopause. 2012;19:517-23.
-55 Rezaii T, Hirschberg AL, Carlström K, et al. The influence of menstrual phases on pain modulation in healthy women. J Pain. 2012;13:646-55. Além disso, parece haver aumentos na expressão do receptor de opioides provocados por concentrações circulantes maiores de estrogênio e progesterona.55 Rezaii T, Hirschberg AL, Carlström K, et al. The influence of menstrual phases on pain modulation in healthy women. J Pain. 2012;13:646-55.,66 Lenzmeier B, Moore RL, Cordts P, et al. Menstrual cycle-related variations in postoperative analgesia with the preemptive use of N-methyl D-aspartate antagonist ketamine: a pilot study. Dimens Crit Care Nurs. 2008;27:271-6. Outro mecanismo em potencial é que o estrogênio aumenta a atividade dos receptores de N-metil-D-aspartato, que são moduladores importantes da dor tanto aguda quanto crônica.66 Lenzmeier B, Moore RL, Cordts P, et al. Menstrual cycle-related variations in postoperative analgesia with the preemptive use of N-methyl D-aspartate antagonist ketamine: a pilot study. Dimens Crit Care Nurs. 2008;27:271-6.

As diferenças de sexo também desempenham papéis importantes na dor crônica; as mulheres são mais propensas a denunciar síndromes de dor crônica do que os homens.77 Hong JY, Kilpatrick LA, Labus J, et al. Patients with chronic visceral pain show sex-related alterations in intrinsic oscillations of the resting brain. J Neurosci. 2013;33:11994-2002.,88 Prados G, Miró E, Martínez MP, et al. Fibromyalgia: gender differences and sleep-disordered breathing. Clin Exp Rheumatol. 2013;31:102-10. Modelos animais também demonstraram aumento significativo da dor crônica em animais ovariectomizados.22 Wiesenfeld-Hallin Z. Sex differences in pain perception. Gend Med. 2005;2:137-45.,99 Ito A, Takeda M, Furue H, et al. Administration of estrogen shortly after ovariectomy mimics the anti-nociceptive action and change in 5-HT1A-like receptor expression induced by calcitonin in ovariectomized rats. Bone. 2004;35:697-703. A potencial importância dos hormônios sexuais foi ilustrada em um estudo clínico no qual os distúrbios do ciclo menstrual foram associados ao desenvolvimento da síndrome da dor regional complexa.1010 Van den Berg I, Liem YS, Wesseldijk F, et al. Complex regional pain syndrome type 1 may be associated with menstrual cycle disorders: a case-control study. Complement Ther Med. 2009;17:262-8.

A dor aguda mal controlada no pós-operatório está fortemente associada ao desenvolvimento de síndromes dolorosas persistentes.1111 Katz J, Jackson M, Kavanagh BP, et al. Acute pain after thoracic surgery predicts long-term post-thoracotomy pain. Clin J Pain. 1996;12:50-5. Portanto, é possível que os fatores que reduzem a dor aguda no pós-operatório também reduzam o risco de dor cirúrgica persistente. Muitas não são modificáveis, mas a maioria das cirurgias pode ser programada para fases específicas do ciclo menstrual, se isso resultar em menos dor pós-operatória. Estudos publicados sobre o ciclo menstrual e dor aguda no pós-operatório são escassos e, essencialmente, não há algum sobre a dor cirúrgica persistente. Portanto, avaliamos a hipótese de que a inibição endógena da dor é prejudicada na fase folicular, quando o nível de estradiol é alto e o de progesterona é relativamente baixo. Especificamente, testamos a hipótese primária de que as mulheres submetidas a cirurgias durante a fase folicular sentem mais dor aguda e requerem mais opioides do que durante a fase lútea. Nossa hipótese secundária foi que as mulheres submetidas a cirurgias durante a fase folicular sentem mais dor incisional aos três meses de pós-operatório do que aquelas submetidas a cirurgias durante a fase lútea.

Métodos

Este estudo recebeu aprovação do Comitê de Ética local. Após assinar o termo de consentimento informado, 127 mulheres adultas submetidas à colecistectomia laparoscópica foram inscritas neste estudo randômico e cego no Hospital de Ensino e Pesquisa.

Incluímos mulheres com estado físico ASA I-III (de acordo com a classificação da Sociedade Americana de Anestesiologistas), sem doença grave do sistema nervoso central ou cardiovascular, com ciclos menstruais regulares e previsíveis (25-35 dias de duração), sem irregularidades ou sérios problemas ginecológicos e que sabiam a data de sua última menstruação. O início do fluxo menstrual foi relatado pela paciente. A fase do ciclo menstrual foi determinada contando-se os dias a partir do primeiro dia do último período menstrual. Consideramos os dias entre 6 e 12 como a fase folicular e os dias entre 20 e 24 como a fase lútea. As mulheres que estavam entre os dias 13 e 19 de seus ciclos não foram incluídas porque não há predomínio dos hormônios, luteinizante e progesterona, durante esse período.

As pacientes com síndromes dolorosas pré-existentes ou que faziam uso rotineiro de opioides foram excluídas. Também foram excluídas as pacientes que usaram preparações hormonais nos últimos seis meses, aquelas com história de histerectomia, que amamentaram nos seis meses anteriores ou com índice de massa corporal >35 kg.m-2. Apenas as mulheres com teste urinário de gravidez negativo foram incluídas.

Protocolo

As participantes foram randomizadas para ser operadas durante a fase lútea ou folicular de seus ciclos menstruais. A randomização foi gerada por computador e a alocação foi ocultada até a obtenção do consentimento. Durante a avaliação pré-operatória e no dia da cirurgia antes da pré-medicação anestésica a Escala Visual Analógica (VAS) foi explicada às participantes. A equipe de pesquisa envolvida nas avaliações do período pós-operatório estava cegada para os ciclos menstruais das pacientes. Para pré-medicação, midazolam (0,07 mg.kg-1) e atropina (0,01 mg.kg-1) foram administrados por via intramuscular 45 minutos (min) antes da cirurgia. Fentanil (1 mcg.kg-1 IV) foi administrado antes da incisão cirúrgica e, posteriormente, de acordo com a indicação clínica dos anestesiologistas responsáveis, cegados para os ciclos menstruais.

A anestesia foi induzida com propofol (2-2,5 mg.kg-1) e rocurônio (0,6 mg.kg-1). Ventilação mecânica foi mantida para manter a pressão expiratória parcial de CO2 entre 34 e 42 mmHg. Durante a laparoscopia, a pressão intra-abdominal foi fixada em 10-12 mmHg e o dióxido de carbono residual foi cuidadosamente evacuado no fim da cirurgia através dos trocanters abertos. As pacientes receberam sevoflurano para manutenção da anestesia, titulado de acordo com a necessidade clínica, com o objetivo de manter o BIS entre 40 e 60. Antes do fechamento da pele, morfina intravenosa (IV) (1 mg.kg-1) foi administrada e o bloqueio neuromuscular residual foi antagonizado com neostigmina (1,5 mg) e atropina (0,5 mg). Ondansetrona IV (4 mg) foi administrada antes da extubação para profilaxia de náusea e vômito no pós-operatório.

As pacientes receberam 75 mg de diclofenaco por via intramuscular quando os escores VAS excedessem 4 ou quando as pacientes solicitaram analgésico. Meperidina (0,5 mg.kg-1) foi administrada por via intravenosa quando os escores de dor permaneceram > 4 cm em escala analógica visual de 10 cm uma hora (h) após a administração de diclofenaco. A partir das 24 h de pós-cirurgia, 75 mg de diclofenaco foram administrados por via oral a cada 12 h. Ondansetrona (4 mg) foi administrada por via intravenosa quando as pacientes relataram náusea ou vômito.

Mensurações

Os parâmetros morfométricos e demográficos (idade, sexo, estatura e peso) foram registrados no pré-operatório. Os escores de dor, em uma Escala Analógica Visual (VAS) de 10 cm, foram avaliados por um investigador cegado para estado menstrual, enquanto as pacientes estavam deitadas nos leitos, sentadas, 30 e 60 minutos após chegar à sala de recuperação pós-anestesia e, posteriormente, na enfermaria a cada 4 h durante 24 h. Em cada intervalo, um investigador também registrou a frequência cardíaca, saturação de oxigênio, pressão arterial média, frequência respiratória, escala de sedação de Ramsay e uso de meperidina e diclofenaco. Investigadores, cegados para a fase menstrual das pacientes, fizeram as mensurações no pós-operatório.

Durante o período de 24 h no pós-operatório, as pacientes foram perguntadas a cada 4 h sobre a ocorrência de quaisquer efeitos adversos, tais como náusea e vômito, constipação, depressão respiratória, tontura, retenção urinária, sonolência, edema periférico, diarreia, dor de cabeça e prurido. A satisfação geral das pacientes com o tratamento foi registrada na 24ª hora e, depois, no primeiro e no terceiro mês após a cirurgia. Os tempos de ingestão oral e deambulação foram registrados.

Um e três meses após a cirurgia, as mulheres participantes foram atendidas na clínica e a dor pós-cirúrgica foi avaliada dicotomicamente (sim/não). As pacientes com dor foram solicitadas a avaliar sua intensidade em uma escala VAS. A Escala de Ansiedade e Depressão Hospitalar (HADS) de 14 itens também foi usada para avaliar ansiedade e depressão nas visitas de um e três meses. A qualidade de vida das pacientes também foi avaliada com o questionário SF-12 um e três meses após a cirurgia.

Análise estatística

Na análise retrospectiva de quatro das pacientes submetidas à colecistectomia laparoscópica, observamos na VAS um escore médio para dor de 4,6 cm, com desvio padrão de 2,1 cm. Portanto, deduzimos que 59 pacientes por grupo forneceriam um poder de 80% para detectar uma redução de 30% nos escores de dor a um valor alfa de 0,05.

As características demográficas e morfométricas foram expressas em média e desvio-padrão. O teste do qui-quadrado de Pearson foi usado para comparar náusea e consumo de diclofenaco, ondansetrona e meperidina entre os grupos nas fases folicular e lútea nos tempos mensurados. Todos os outros desfechos foram comparados entre os grupos nas fases folicular e lútea com testes t de Student. A correção de Bonferroni para comparação múltipla foi usada para controlar as comparações múltiplas. Os valores corrigidos de Bonferroni são relatados. O nível de significância em p < 0,05 foi usado. O software estatístico JMP Pro 9.0.00 (SAS Institute, Cary, NC) foi usado para análise estatística.

Resultados

Foram selecionadas 216: 137 foram inscritas e 10 foram excluídas devido a conflito nas programações. Todas as 127 pacientes restantes foram incluídas e não houve exclusão dos dados. Nenhum dos procedimentos laparoscópicos programados foi convertido em cirurgia aberta. Não houve diferença significativa entre os grupos em relação a idade, peso, estatura, estado físico ASA, número de pacientes que receberam ondansetrona, diclofenaco e meperidina no pós-operatório ou diferença na duração da cirurgia/anestesia (tabela 1). Além disso, as pacientes em ambos os grupos receberam a mesma dose de fentanil (1 mcg.kg-1) no início da cirurgia. Os escores de dor no pós-operatório imediato foram semelhantes em todos os tempos mensurados (fig. 1). O consumo de diclofenaco e meperidina em 0-2 h foi semelhante entre as mulheres designadas à cirurgia durante as fases lútea e folicular do ciclo menstrual (tabela 1). Na enfermaria, nenhuma das pacientes precisou de diclofenaco e meperidina.

Tabela 1
Características dos pacientes

Figura 1
Dor aguda no pós-operatório.

A satisfação das pacientes com o tratamento da dor não diferiu significativamente; além disso, o tempo para deambulação foi semelhante em cada grupo. Náusea foi mais comum 6 h após a cirurgia no grupo fase-folicular (21 de 63 mulheres no grupo fase-folicular versus sete em 64 no grupo fase-lútea, Bonferroni ajustado p = 0,01). O tempo de alimentação oral foi menor na fase folicular (5,9 ± 0,9 h) do que na fase lútea (6,8 ± 1,9 h, Bonferroni ajustado p = 0,02) (tabela 2). Outros efeitos colaterais ocorreram com frequências semelhantes em cada grupo.

Tabela 2
Tempo para alimentação oral e deambulação, escores SF-12 e Escala de Ansiedade e Depressão Hospitalar (HADS)

A dor persistente no pós-operatório foi significativamente mais comum um mês após as cirurgias feitas durante a fase folicular do que durante a fase lútea do ciclo menstrual: n = 21, 33% vs. n = 10, 16% (Bonferroni ajustado p = 0,04). Nesse tempo (um mês), os escores VAS entre aquelas que relataram dor foram 1,6 ± 0,7 cm para o grupo folicular versus 2,7 ± 1,3 cm para o grupo lúteo (Bonferroni ajustado p = 0,0049). A dor persistente no pós-operatório também foi significativamente mais comum três meses após as cirurgias feitas durante a fase folicular do que durante a fase lútea do ciclo menstrual: n = 20, 32% vs. n = 8, 12% (Bonferroni ajustado p = 0,02). Nesse tempo (três meses), os escores VAS entre aquelas que relataram dor foram 1,8 ± 0,8 cm no grupo folicular e 2,9 ± 1,7 cm no grupo lúteo (Bonferroni ajustado p = 0,2).

Não houve diferença significativa entre os grupos em relação à ansiedade e depressão um ou três meses após a cirurgia. Além disso, não houve diferença na satisfação ou nos escores SF-12 em qualquer tempo mensurado (tabela 2).

Discussão

Nossos resultados preliminares demonstraram que os escores de dor foram semelhantes em todos os tempos mensurados nas primeiras 24 horas; também não houve diferença significativa no consumo de analgésicos. A similaridade dos escores de dor aguda e do consumo de analgésicos após as cirurgias nas fases lútea e folicular do ciclo menstrual foi uma surpresa, considerando que a maioria dos relatos não cirúrgicos sugere que as consequentes variações hormonais desempenham papéis importantes na percepção da dor. Ribeiro-Dasilva et al.,1212 Ribeiro-Dasilva MC, Shinal RM, Glover T, et al. Evaluation of menstrual cycle effects on morphine and pentazocine analgesia. Pain. 2011;152:614-22. Craft1313 Craft RM. Sex differences in opioid analgesia: from mouse to man. Clin J Pain. 2003;19:175-86. e outros autores demonstraram associações hormonais com sensibilidade à dor em voluntárias e até sugerem que os hormônios menstruais influenciam a sensibilidade aos opioides.33 Kuba T, Quinones-Jenab V. The role of female gonadal hormones in behavioral sex differences in persistent and chronic pain: clinical versus preclinical studies. Brain Res Bull. 2005;66:179-88.,1414 Fillingim RB, King CD, Ribeiro-Dasilva MC, et al. Sex, gender, and pain: a review of recent clinical and experimental findings. J Pain. 2009;10:447-85. Em contraste, um estudo recente não conseguiu demonstrar qualquer diferença na resposta à dor experimental durante as fases folicular e lútea do ciclo menstrual em voluntárias.1515 Bartley EJ, Rhudy JL. Comparing pain sensitivity and the nociceptive flexion reflex threshold across the mid-follicular and late-luteal menstrual phases in healthy women. Clin J Pain. 2013;29:154-61.

Os resultados perioperatórios também são controversos. Sener et al.1616 Sener EB, Kocamanoglu S, Cetinkaya MB, et al. Effects of menstrual cycle on postoperative analgesic requirements, agitation, incidence of nausea and vomiting after gynecological laparoscopy. Gynecol Obstet Invest. 2005;59:49-53. avaliaram mulheres submetidas à laparoscopia diagnóstica e determinaram que aquelas na fase lútea precisaram de um pouco mais de analgésico. No entanto, esse estudo foi desenhado para avaliar náusea e vômito no pós-operatório, e não os escores de dor. De forma contrastante, Ahmed et al.1717 Ahmed A, Khan F, Ali M, et al. Effect of the menstrual cycle phase on post-operative pain perception and analgesic requirements. Acta Anaesthesiol Scand. 2012;56:629-35. avaliaram 60 pacientes agendadas para histerectomia e determinaram que os escores de dor, embora geralmente similares, foram ligeiramente maiores em 12 h quando as pacientes estavam na fase lútea; o consumo de analgésico foi semelhante, independentemente do ciclo menstrual. Considerados em conjunto, nossos resultados e a literatura anterior sugerem que as alterações hormonais têm efeito mínimo sobre a dor aguda; o que, aparentemente, é determinado em grande parte por outros fatores. Dentre eles, certamente está o grau de lesão cirúrgica, localização da incisão, variação genética na resposta aos medicamentos contra a dor, a taxa com a qual os fármacos analgésicos são metabolizados e a expressão da dor. Certamente, os dados disponíveis não apoiam o agendamento de cirurgias objetivando determinadas fases do ciclo menstrual, o que parece ter pouco ou nenhum efeito sobre a dor no pós-operatório.

Descobrimos que a incidência de dor cirúrgica persistente após colecistectomia, independentemente da fase menstrual, foi de 24% após um mês e de 22% após três meses. Essa incidência é semelhante à de vários estudos anteriores, inclusive uma metanálise recente que demonstrou 18-33% de dor persistente após colecistectomia.1818 Lamberts MP, Lugtenberg M, Rovers MM, et al. Persistent and de novo symptoms after cholecystectomy: a systematic review of cholecystectomy effectiveness. Surg Endosc. 2013;27:709-18. Porém, a intensidade da dor em nossas pacientes foi leve, com uma média de aproximadamente 2 cm em uma escala analógica visual de 10 cm.

Associações entre ciclo menstrual e dor crônica foram relatadas em várias condições dolorosas, inclusive síndrome da dor regional complexa, enxaqueca, fibromialgia, articulação temporomandibular e dor lombar crônica.33 Kuba T, Quinones-Jenab V. The role of female gonadal hormones in behavioral sex differences in persistent and chronic pain: clinical versus preclinical studies. Brain Res Bull. 2005;66:179-88.,1919 De Tommaso M. Pain perception during menstrual cycle. Curr Pain Headache Rep. 2011;15:400-6. Além disso, esses dados são corroborados por estudos em animais, embora inconsistentemente em relação ao padrão e a direção da associação. Desconhecemos a existência de estudos anteriores que avaliaram a dor cirúrgica persistente como uma função da fase menstrual. A diferença observada na incidência de dor persistente foi potencial e clinicamente importante, quase 50% maior no grupo folicular. No entanto, a magnitude da dor foi baixa e similar em cada fase. Outro desfecho importante de nosso estudo foi a incidência significativamente maior de náusea no grupo folicular. Esse achado não foi surpreendente, pois existem vários estudos que sugerem uma função do ciclo menstrual e dos hormônios sexuais femininos na incidência de náusea e vômito. Alterações nas concentrações de progesterona e/ou estradiol parecem ser responsáveis pelo aumento de síndromes eméticas. Em acordo com nossos achados, Sener et al.1616 Sener EB, Kocamanoglu S, Cetinkaya MB, et al. Effects of menstrual cycle on postoperative analgesic requirements, agitation, incidence of nausea and vomiting after gynecological laparoscopy. Gynecol Obstet Invest. 2005;59:49-53. demonstraram que houve significativamente mais náusea e vômito no pós-operatório de mulheres durante a fase folicular.

Este estudo tem algumas limitações importantes. Primeiro, as fases dos ciclos menstruais das participantes foram divididas em fases funcionais, com base no ciclo ovariano ou endometrial, e não nas avaliações plasmáticas ou séricas dos hormônios sexuais, semelhantemente à maioria dos estudos que investigaram a dor ao longo do ciclo menstrual.2020 Iacovides S, Avidon I, Bake FC. Does pain vary across the menstrual cycle? A review. Eur J Pain. 2015;19:1389-405. Durante cada fase, o estrogênio e a progesterona podem variar entre as mulheres e, também, se a ovulação não ocorrer, o ambiente hormonal gonadal na segunda metade do ciclo menstrual será diferente daquele que ocorre em um ciclo menstrual ovulatório normal. Portanto, não podemos capturar efetivamente as mudanças cíclicas nos hormônios gonadais durante cada fase. Segundo, as sérias alterações pré-menstruais de humor, como transtorno disfórico ou dismenorreia, que podem afetar as respostas à dor, não foram avaliadas.

Consideramos os dias entre 6-12 como fase folicular e os dias 20-24 como fase lútea. É possível, embora improvável, que a diferença com esses intervalos influencie as respostas ou que essas respostas sejam mais impressionantes durante os períodos excluídos.2020 Iacovides S, Avidon I, Bake FC. Does pain vary across the menstrual cycle? A review. Eur J Pain. 2015;19:1389-405. O modelo cirúrgico que usamos certamente produz uma dor mais intensa do que os modelos experimentais humanos, mas também produz muito menos dor do que os procedimentos de grande porte. Então, ainda é possível, embora improvável, que as diferenças na sensibilidade à dor entre as fases sejam mais impressionantes em outros níveis de estímulo.

Conclusão

Os escores de dor aguda e de consumo de opioides foram semelhantes quando as mulheres foram randomizadas para colecistectomia durante as fases folicular ou lútea do ciclo menstrual. A incidência geral de dor cirúrgica persistente após colecistectomia, independentemente da fase menstrual, foi de 24% após um mês e de 22% após três meses, o que está de acordo com os relatos anteriores. A dor persistente no pós-operatório foi significativamente mais comum um e três meses após a cirurgia feita durante a fase folicular do que durante a fase lútea do ciclo menstrual. No entanto, entre as pacientes que relataram dor, os escores de dor foram baixos, geralmente em torno de 2 cm em uma escala analógica visual de 10 cm de comprimento, e não diferiram muito em função da fase. Nossos resultados não recomendam o agendamento de cirurgia objetivando fases específicas do ciclo menstrual, pois parecem não ter efeito sobre a dor aguda no pós-operatório e exercer apenas influência mínima sobre a dor persistente.

    Mensagens importantes:
  • Os hormônios sexuais femininos durante o ciclo menstrual influenciam a percepção de dor.

  • A inibição da dor endógena é prejudicada na fase folicular do ciclo menstrual.

  • A fase folicular não tem efeito sobre a dor aguda no pós-operatório.

  • A fase folicular tem apenas uma influência mínima sobre a dor persistente.

  • Financiamento
    Nenhum.

References

  • 1
    Khan JJ, Albarran JW, Lopez V, et al. Gender differences on chest pain perception associated with acute myocardial infarction in Chinese patients: a questionnaire survey. J Clin Nurs. 2010;19:2720-9.
  • 2
    Wiesenfeld-Hallin Z. Sex differences in pain perception. Gend Med. 2005;2:137-45.
  • 3
    Kuba T, Quinones-Jenab V. The role of female gonadal hormones in behavioral sex differences in persistent and chronic pain: clinical versus preclinical studies. Brain Res Bull. 2005;66:179-88.
  • 4
    Meriggiola MC, Nanni M, Bachiocco V, et al. Menopause affects pain depending on pain type and characteristics. Menopause. 2012;19:517-23.
  • 5
    Rezaii T, Hirschberg AL, Carlström K, et al. The influence of menstrual phases on pain modulation in healthy women. J Pain. 2012;13:646-55.
  • 6
    Lenzmeier B, Moore RL, Cordts P, et al. Menstrual cycle-related variations in postoperative analgesia with the preemptive use of N-methyl D-aspartate antagonist ketamine: a pilot study. Dimens Crit Care Nurs. 2008;27:271-6.
  • 7
    Hong JY, Kilpatrick LA, Labus J, et al. Patients with chronic visceral pain show sex-related alterations in intrinsic oscillations of the resting brain. J Neurosci. 2013;33:11994-2002.
  • 8
    Prados G, Miró E, Martínez MP, et al. Fibromyalgia: gender differences and sleep-disordered breathing. Clin Exp Rheumatol. 2013;31:102-10.
  • 9
    Ito A, Takeda M, Furue H, et al. Administration of estrogen shortly after ovariectomy mimics the anti-nociceptive action and change in 5-HT1A-like receptor expression induced by calcitonin in ovariectomized rats. Bone. 2004;35:697-703.
  • 10
    Van den Berg I, Liem YS, Wesseldijk F, et al. Complex regional pain syndrome type 1 may be associated with menstrual cycle disorders: a case-control study. Complement Ther Med. 2009;17:262-8.
  • 11
    Katz J, Jackson M, Kavanagh BP, et al. Acute pain after thoracic surgery predicts long-term post-thoracotomy pain. Clin J Pain. 1996;12:50-5.
  • 12
    Ribeiro-Dasilva MC, Shinal RM, Glover T, et al. Evaluation of menstrual cycle effects on morphine and pentazocine analgesia. Pain. 2011;152:614-22.
  • 13
    Craft RM. Sex differences in opioid analgesia: from mouse to man. Clin J Pain. 2003;19:175-86.
  • 14
    Fillingim RB, King CD, Ribeiro-Dasilva MC, et al. Sex, gender, and pain: a review of recent clinical and experimental findings. J Pain. 2009;10:447-85.
  • 15
    Bartley EJ, Rhudy JL. Comparing pain sensitivity and the nociceptive flexion reflex threshold across the mid-follicular and late-luteal menstrual phases in healthy women. Clin J Pain. 2013;29:154-61.
  • 16
    Sener EB, Kocamanoglu S, Cetinkaya MB, et al. Effects of menstrual cycle on postoperative analgesic requirements, agitation, incidence of nausea and vomiting after gynecological laparoscopy. Gynecol Obstet Invest. 2005;59:49-53.
  • 17
    Ahmed A, Khan F, Ali M, et al. Effect of the menstrual cycle phase on post-operative pain perception and analgesic requirements. Acta Anaesthesiol Scand. 2012;56:629-35.
  • 18
    Lamberts MP, Lugtenberg M, Rovers MM, et al. Persistent and de novo symptoms after cholecystectomy: a systematic review of cholecystectomy effectiveness. Surg Endosc. 2013;27:709-18.
  • 19
    De Tommaso M. Pain perception during menstrual cycle. Curr Pain Headache Rep. 2011;15:400-6.
  • 20
    Iacovides S, Avidon I, Bake FC. Does pain vary across the menstrual cycle? A review. Eur J Pain. 2015;19:1389-405.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    May-Jun 2018

Histórico

  • Recebido
    28 Maio 2016
  • Aceito
    8 Nov 2017
Sociedade Brasileira de Anestesiologia R. Professor Alfredo Gomes, 36, 22251-080 Botafogo RJ Brasil, Tel: +55 21 2537-8100, Fax: +55 21 2537-8188 - Campinas - SP - Brazil
E-mail: bjan@sbahq.org