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Abordagem anestésica em paciente com síndrome de brugada: uso de sugamadex em cirurgia abdominal de grande porte

CARTA AO EDITOR

Abordagem anestésica em paciente com síndrome de brugada - uso de sugamadex em cirurgia abdominal de grande porte

Rita CondeI; Marta PereiraII

IResidência, Departamento de Anestesiologia e Tratamento da Dor, Centro Hospitalar de Trás-os-Montes e Alto Douro, Portugal

IIEspecialista em Anestesiologia Departamento de Anestesiologia e Tratamento da Dor, Centro Hospitalar de Trás-os-Montes e Alto Douro, Portugal

Caro Editor,

A síndrome de Brugada (SB) é uma condição genética rara que afeta os canais iônicos cardíacos e predispõe os pacientes a arritmias ventriculares potencialmente fatais. Essa síndrome geralmente se manifesta na idade adulta jovem, com mais frequência no sexo masculino. O padrão típico do ECG mostra elevação de segmento ST seguido por uma onda T negativa em derivações precordiais direitas, na ausência de doença cardíaca estrutural. Três padrões podem ser reconhecidos: 1) côncavo; 2) sela de cavalo e 3) côncavo ou sela de cavalo com ST < 1 mm. Esses padrões podem coexistir e o ECG pode estar temporariamente normal. O diagnóstico é feito na presença de padrão de ECG tipo-1 e reforçado por critérios clínicos como síncope, respiração agonal noturna, palpitações ou vertigens, fibrilação ventricular/taquicardia documentada e história familiar de SB ou morte súbita cardíaca (MSC). Testes de estímulo podem ser feitos com bloqueadores de canais de sódio. O implante de cardiodesfribiladores (CDI) é recomendado para todos os pacientes sintomáticos e para aqueles que, embora assintomáticos, apresentem VT/VF ao estudo eletrofisiológico (EPS). Quinidina pode ser usada com segurança como agente antiarrítmico quando o implante de CDI não for possível 1.

Relato de Caso

Paciente do sexo masculino, 67 anos, foi diagnosticado com câncer de cólon e agendado para uma colectomia subtotal. Seis anos antes, o paciente foi submetido a um implante de CDI (VVIR) após diagnóstico de síndrome de Brugada assintomática, com base no padrão típico de ECG tipo-1, TV facilmente induzida com EEF. Antes da cirurgia, CDI foi externamente desativado para evitar ativação inadequada por cautério monopolar; subsequentemente, um desfibrilador externo esteve permanentemente disponível. Após pré-medicação com midazolam (1 mg), um cateter torácico peridural foi colocado. A indução foi obtida com fentanil (0,02 mg.kg-1) e propofol (2 mg.kg-1). Intubação orotraqueal foi realizada sem intercorrências após bloqueio neuromuscular com rocurônio (0,6 mg.kg-1). A anestesia foi mantida com sevoflurano, rocurônio e fentanil peridural. A monitoração incluiu análise do ECG de cinco derivações e das tendências do ST, pressão arterial invasiva, saturação periférica de oxigênio arterial, CO2 no fim da expiração, temperatura esofágica, BIS, bloqueio neuromuscular e produção de urina. Não houve disritmias ou elevação do segmento ST durante todo o procedimento, que durou cerca de duas horas. O bloqueio neuromuscular foi revertido com sugamadex (2 mg.kg-1) e o paciente extubado sem incidentes. Analgesia peridural foi administrada com ropivacaína e morfina. Na sala de recuperação pós-anestésica, CDI foi reativado. O paciente recebeu alta hospitalar após seis dias, sem eventos adversos relatados.

Discussão

Em pacientes com SB, vários fatores farmacológicos e fisiológicos podem iniciar arritmias malignas, o que inclui medicamentos de uso rotineiro na prática anestésica, distúrbios eletrolíticos, variações de temperatura, estresse fisiológico e aumento da atividade vagal - fatores que devem ser do conhecimento do anestesiologista no manejo desses pacientes 2,3.

Sobre essa questão, as recomendações são escassas e limitadas pelos resultados conflitantes encontrados na literatura, provavelmente devido à variabilidade individual entre as combinações de medicamentos e as doses e as circunstâncias fisiológicas4. Propofol tem sido associado ao desenvolvimento de arritmias ventriculares em infusões prolongadas, sugerindo um possível mecanismo similar àquele responsável pela arritmogênese da síndrome relacionada à infusão de propofol, e não à dosagem do bolus para indução 5. Anestésicos locais, como agentes antiarrítmicos da classe-Ib e bloqueadores dos canais de sódio, devem ser motivo de preocupação para o anestesiologista. Porém, quando usados com cautela, com a dose minimizada e monitoração cuidadosa do paciente, as técnicas regionais podem ser úteis para evitar anestesia e analgesia superficiais, fatores conhecidos por afetarem o tônus autonômico. Atenção especial deve ser dedicada à bupivacaína, que permanece ligada aos canais de sódio por tempo mais prolongado e aumenta a depressão da fase rápida de despolarização do músculo ventricular. Quanto aos anestésicos voláteis, o sevoflurano é o medicamento de escolha, pois proporciona uma melhor estabilidade do intervalo QT. A neostigmina, embora tenha sido usada com segurança 6, deve ser evitada para reversão de bloqueio neuromuscular, pois pode aumentar a elevação do segmento ST 7.

Figura 1


No caso aqui relatado, preferimos usar sugamadex, uma γ-ciclodextrina com um centro lipofílico que encapsula as moléculas de rocurônio (e vecurônio) e forma complexos solúveis em água que serão excretados na urina. Desse modo, a reversão rápida e eficaz do bloqueio neuromuscular é obtida, o que reduz o risco de paralisia residual, particularmente relevante no caso de cirurgia abdominal de grande porte, e evita os efeitos colaterais associados à neostigmina e aos agentes antimuscarínicos, notadamente significantes em pacientes com SB.

Conclusões

A síndrome de Brugada é uma condição rara, mas potencialmente fatal. Arritmias graves podem ser desencadeadas por vários fatores, muitas vezes presentes durante os procedimentos cirúrgicos, que colocam em risco a segurança do paciente. É importante ressaltar que, na abordagem anestésica de pacientes com SB, a decisão sobre o uso de cada fármaco deve ser feita após extensiva consideração e em condições controladas, para evitar outros fatores conhecidos pelo potencial de induzir arritmias (distúrbios electrolíticos e de temperatura), manter um monitoramento atento sobre o estado hemodinâmico do paciente e estar preparado para interferir prontamente na ocorrência de tais eventos. Em relação à reversão do bloqueio neuromuscular, sugamadex apresenta-se como uma opção mais segura em pacientes com SB, pois proporciona os efeitos desejados enquanto evita os indesejáveis efeitos cardiovasculares e autonômicos.

  • 1. Benito B, Brugada J, Brugada R et al. - Brugada Syndrome. Rev Esp Cardiol, 2009;62(11):1297-1315.
  • 2. Carey SM, Hocking G - Brugada Syndrome - a review of the implications for the anaesthetist. Anaesth Intensive Care, 2011;39:571-577.
  • 3. Kloesel B, Ackerman MJ, Sprung J et al. - Anesthetic management of patients with Brugada syndrome: a case series and literature review. Can J Anesth 2011;58:824-836.
  • 4. Postema PG, Wolpert C, Amin AS et al. - Drugs and Brugada syndrome patients: review of the literature, recommendations and an up-to-date website. Heart Rhythm, 2009;6(9):1335-1341.
  • 5. Yap YG, Behr ER, Camm AJ - Drug induced Brugada syndrome. Europace, 2009;11:989-994.
  • 6. Hayashida H, Miyauchi Y - Anaesthetic management in patients with high-risk Brugada syndrome. Br J of Anaesth, 2006;97(1):118-119.
  • 7. Edge CJ, Blackman DJ, Gupta K et al. - General anesthesia in a patient with Brugada syndrome. Br J of Anaesth, 2002;89:788-791.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Fev 2013
  • Data do Fascículo
    Fev 2013
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