Acessibilidade / Reportar erro

Injeção intravascular acidental de ropivacaína a 0,5% durante a realização de anestesia peridural torácica: relato de casos

Inyección intravascular accidental de ropivacaína a 0,5% durante la realización de anestesia peridural torácica: relato de casos

Resumos

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: A ropivacaína foi introduzida na prática clínica há pouco mais de dez anos, associando-se a baixo risco de complicações do sistema nervoso central e cardiovascular. O objetivo destes relatos é apresentar um caso de parada cardíaca e outro de toxicidade neurológica, após injeção intravascular acidental da ropivacaína, durante a realização de anestesias peridurais. RELATO DOS CASOS: Trata-se de duas pacientes submetidas a cirurgias plásticas estéticas sob anestesia peridural torácica com ropivacaína a 0,5%. Durante a realização da técnica, uma delas apresentou parada cardíaca em assistolia e a outra, toxicidade neurológica. Prontamente atendidas, ambas apresentaram rápida recuperação, tendo sido possível a realização dos respectivos atos cirúrgicos. CONCLUSÕES: O reconhecimento e o tratamento rápidos da injeção intravascular acidental, bem como as características farmacológicas da ropivacaína foram decisivos, em ambos os casos, na boa recuperação das pacientes.

ANESTÉSICOS; ANESTÉSICOS; COMPLICAÇÕES; TÉCNICAS ANESTÉSICAS; TÉCNICAS ANESTÉSICAS


JUSTIFICATIVA Y OBJETIVOS: A ropivacaína fue introducida en la práctica clínica hace poco más de diez años, asociándose a bajo riesgo de complicaciones del sistema nervioso central y cardiovascular. Estos relatos tienen como objetivo presentar un caso de parada cardíaca y otro de toxicidad neurológica, después de inyección intravascular accidental de ropivacaína, durante la realización de anestesias peridurales. RELATO DE LOS CASOS: Se trata de dos pacientes sometidas a cirugías plásticas estéticas bajo anestesia peridural torácica con ropivacaína a 0,5%. Durante la realización de la técnica, una de ellas presentó parada cardíaca en asistolia y la otra, toxicidad neurológica. Prontamente atendidas, ambas presentaron rápida recuperación, habiendo sido posible la realización de los respectivos actos quirúrgicos. CONCLUSIONES: El reconocimiento y el tratamiento rápidos de la inyección intravascular accidental, bien como las características farmacológicas de la ropivacaína fueron decisivos, en ambos casos, con una buena recuperación de las pacientes.


BACKGROUND AND OBJECTIVES: Ropivacaine was introduced in the clinical practice a little more than 10 years ago, and has been associated to low risk for central nervous system and cardiovascular complications. These reports aimed at presenting a case of cardiac arrest and another one of neurological toxicity after accidental intravascular ropivacaine injection during epidural anesthesia. CASE REPORTS: Two patients undergoing cosmetic plastic surgeries were submitted to thoracic epidural anesthesia with 0.5% ropivacaine. After anesthetic injection, one has presented cardiac arrest in asystole and the other had signs of neurological toxicity. Patients were promptly treated and presented fast recovery, in a way that both surgical procedures could be performed. CONCLUSIONS: The prompt Identification and treatment of the accidental intravascular injection, as well as ropivacaine pharmacological profile, were decisive in both cases for the satisfactory recovery of our patients.

ANESTHETICS; ANESTHETICS; ANESTHETIC TECHNIQUES; ANESTHETIC TECHNIQUES; COMPLICATIONS


INFORMAÇÃO CLÍNICA

Injeção intravascular acidental de ropivacaína a 0,5% durante a realização de anestesia peridural torácica. Relato de casos* * Recebido do Departamento de Anestesiologia da Faculdade de Medicina de Botucatu, FMB UNESP, Botucatu, SP

Inyección intravascular accidental de ropivacaína a 0,5% durante la realización de anestesia peridural torácica. Relato de casos

Fábio Geraldo Curtis, TSAI; Robson FurlaniII; Yara Marcondes Machado Castiglia, TSAIII

IMestre em Anestesiologia/Membro do CET/SBA do Departamento de Anestesiologia da FMB UNESP; Anestesiologista do Hospital Santa Helena e da Clínica Pardo Oftalmologia de São José do Rio Preto, SP

IIAnestesiologista do Hospital Santa Helena e da Clínica Pardo Oftalmologia de São José do Rio Preto, SP

IIIProfessora Titular do Departamento de Anestesiologia da FMB UNESP

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Dr. Fábio Geraldo Curtis Rua Coronel Spínola de Castro, 4061/83 15015-500 São José do Rio Preto, SP E-mail: fabio.curtis@uol.com.br

RESUMO

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: A ropivacaína foi introduzida na prática clínica há pouco mais de dez anos, associando-se a baixo risco de complicações do sistema nervoso central e cardiovascular. O objetivo destes relatos é apresentar um caso de parada cardíaca e outro de toxicidade neurológica, após injeção intravascular acidental da ropivacaína, durante a realização de anestesias peridurais.

RELATO DOS CASOS: Trata-se de duas pacientes submetidas a cirurgias plásticas estéticas sob anestesia peridural torácica com ropivacaína a 0,5%. Durante a realização da técnica, uma delas apresentou parada cardíaca em assistolia e a outra, toxicidade neurológica. Prontamente atendidas, ambas apresentaram rápida recuperação, tendo sido possível a realização dos respectivos atos cirúrgicos.

CONCLUSÕES: O reconhecimento e o tratamento rápidos da injeção intravascular acidental, bem como as características farmacológicas da ropivacaína foram decisivos, em ambos os casos, na boa recuperação das pacientes.

Unitermos: ANESTÉSICOS, Local: ropivacaína; COMPLICAÇÕES: injeção acidental; TÉCNICAS ANESTÉSICAS, Regional: peridural

RESUMEN

JUSTIFICATIVA Y OBJETIVOS: A ropivacaína fue introducida en la práctica clínica hace poco más de diez años, asociándose a bajo riesgo de complicaciones del sistema nervioso central y cardiovascular. Estos relatos tienen como objetivo presentar un caso de parada cardíaca y otro de toxicidad neurológica, después de inyección intravascular accidental de ropivacaína, durante la realización de anestesias peridurales.

RELATO DE LOS CASOS: Se trata de dos pacientes sometidas a cirugías plásticas estéticas bajo anestesia peridural torácica con ropivacaína a 0,5%. Durante la realización de la técnica, una de ellas presentó parada cardíaca en asistolia y la otra, toxicidad neurológica. Prontamente atendidas, ambas presentaron rápida recuperación, habiendo sido posible la realización de los respectivos actos quirúrgicos.

CONCLUSIONES: El reconocimiento y el tratamiento rápidos de la inyección intravascular accidental, bien como las características farmacológicas de la ropivacaína fueron decisivos, en ambos casos, con una buena recuperación de las pacientes.

INTRODUÇÃO

A ropivacaína foi introduzida na prática clínica como possível alternativa mais segura à bupivacaína 1. É bastante utilizada atualmente em anestesias regionais justamente por suas características peculiares - menor neuro e cardiotoxicidades, quando comparada à bupivacaína 2,3. Akerman e col. 4 demonstraram que a ropivacaína bloqueia mais intensamente as fibras Ad e C (fibras sensitivas), enquanto em outros modelos experimentais em cães o bloqueio motor foi de menor intensidade e duração, comparado ao da bupivacaína 5.

A anestesia peridural torácica é técnica utilizada com certa freqüência em nosso meio, principalmente em cirurgias plásticas 6, com a finalidade de reduzir o sangramento no campo operatório. Esta redução é devida à diminuição na pressão arterial. Toxicidade sistêmica por injeção intravascular acidental, injeção subaracnóidea e raquianestesia total, bem como lesões neurológicas são complicações possíveis da técnica. Em recentes publicações 7,8, foram descritos casos de intoxicação por ropivacaína após bloqueios de nervos periféricos que evoluíram para parada cardíaca prontamente atendida e revertida.

O objetivo destes relatos é apresentar um caso de parada cardíaca e outro de toxicidade neurológica após anestesia peridural torácica realizada com ropivacaína a 0,5%.

RELATO DOS CASOS

Caso 1

Paciente do sexo feminino, 49 anos, 83 kg, 170 cm, estado físico ASA II, com antecedentes pessoais de hipertensão arterial em uso irregular de propranolol (40 mg/dia), suspenso previamente 2 semanas por conta própria, acidente vascular encefálico isquêmico (AVE) sem seqüelas neurológicas, obesidade mórbida e 3 cirurgias para tratamento de hérnias discais lombares, a ser submetida a correção cirúrgica de lipodistrofia de abdômen. Na sala de operação, foi realizada venóclise no membro superior e iniciou-se infusão de solução de Ringer com lactato. Após ter sido instalada monitorização (controle não-invasivo da pressão arterial, oximetria de pulso e eletrocardioscopia na derivação DII) e terem sido administrados 3 mg de midazolam por via venosa, a paciente foi colocada na posição sentada. A punção peridural foi realizada com a técnica de Dogliotti em T10-T11. Em seguida foi realizada dose-teste com 60 mg de lidocaína a 2% (3 ml) com adrenalina (1:200.000) sem intercorrências e foram administrados 150 mg de ropivacaína a 0,5% (30 ml). Antes mesmo do término da injeção do anestésico, a paciente referiu zumbido e parestesia perioral, imediatamente seguidos de perda da consciência, convulsões tônico-clônicas, bradicardia, hipotensão arterial e assistolia. Procedeu-se a ventilação com oxigênio sob máscara facial, massagem cardíaca externa e injeção venosa de 1 mg de adrenalina. Seguiu-se a recuperação da função cardíaca, registrando-se valor de pressão arterial de 160 x 95 mmHg, freqüência cardíaca de 125 bpm e oximetria (SpO2) em 98%. Novamente a paciente apresentou convulsões, tratadas com tiopental sódico (375 mg), sendo intubada logo após. Foi submetida à anestesia geral com ventilação artificial, utilizando-se alfentanil (30 µg.kg-1) e sevoflurano a 1%, controlado pelo analisador de gases marca Dixtal. O bloqueio neuromuscular foi obtido com brometo de rocurônio (0,7 mg.kg-1). Na tentativa de se obter proteção neurológica, foram infundidos dexametasona (10 mg) e manitol a 20% (1 g. kg-1). Como se apresentava hemodinamicamente estável, optou-se pela realização da cirurgia proposta, que durou cerca de duas horas. Ao final do procedimento, foram administrados sulfato de atropina (1 mg) e metilsulfato de neostigmina (2 mg), além de cloridrato de nalbufina (10 mg), para analgesia. A paciente apresentou respiração espontânea e despertar rápidos, sendo extubada ainda na sala de operação. Já na sala de recuperação pós-anestésica (SRPA), não se lembrava de nada, movimentava os membros sem dificuldades e não apresentava dor. Recebeu alta da SRPA duas horas após. Durante acompanhamento por seis meses, após o ocorrido, nenhuma seqüela foi observada.

Caso 2

Paciente do sexo feminino, 39 anos, 58 kg, 165 cm, estado físico ASA I, a ser submetida a cirurgias de implante de próteses mamárias de silicone e lipoaspiração abdominal. Na sala de operação, foi realizada venóclise no membro superior e iniciou-se infusão de solução de Ringer com lactato. Após ter sido instalada monitorização com controle não-invasivo da pressão arterial, oximetria de pulso e eletrocardioscopia na derivação DII e após terem sido administrados 2 mg de midazolam por via venosa, seguidos da infusão contínua de propofol pelo sistema do Diprifusor® (concentração-alvo 1 µg.ml-1), a paciente foi colocada na posição sentada. A punção peridural foi realizada pela técnica de Dogliotti em T8-T9. Procedeu-se, então, à administração de dose-teste com 60 mg de lidocaína a 2% (3 ml) com adrenalina (1:200.000), sem intercorrências, e 150 mg de ropivacaína a 0,5%. Ao término dos 20 ml (100 mg) inicialmente injetados, na troca das seringas, foi observado refluxo de sangue pela agulha de Tuohy (17G3½), removida imediatamente da paciente que foi rapidamente posicionada em decúbito dorsal. Nesse momento, houve confusão mental, seguida de perda da consciência e convulsões tônico-clônicas. Houve necessidade do aumento da concentração-alvo do propofol para 2,5 µg.ml-1 para controle do quadro neurológico e de assistência ventilatória com oxigênio sob máscara facial. A paciente foi intubada e anestesia geral foi realizada com alfentanil (30 µg.kg-1) e sevoflurano a 2%, controlado pelo analisador de gases marca Dixtal. A ventilação artificial foi facilitada pela administração de brometo de rocurônio (0,7 mg.ml-1). Em momento algum houve comprometimento do sistema cardiovascular, mantendo-se a pressão arterial em 115 x 80 mmHg, a freqüência cardíaca em 92 bpm e a oximetria (SpO2) em 99%, o que permitiu a realização do procedimento cirúrgico proposto. A cirurgia teve a duração de aproximadamente 2 horas e ao término, foram administrados sulfato de atropina (1 mg) e metilsulfato de neostigmina (2 mg), além de cloridrato de nalbufina (10 mg), para analgesia. A paciente apresentou respiração espontânea e despertar rápidos, sendo extubada na sala de operação. Na SRPA, queixava-se de dor suportável, movimentava os membros sem dificuldades, não se lembrando do ocorrido. Recebeu alta da SRPA 90 minutos após. Durante acompanhamento da paciente, por 6 meses, não foram observadas seqüelas.

DISCUSSÃO

A decisão de se encontrar outro anestésico local amida, de longa duração de ação, para uso clínico está ligada à história da utilização da bupivacaína nos Estados Unidos. Há vinte e quatro anos, George Albright publicou editorial alertando praticantes da anestesia sobre seis casos quase simultâneos de convulsões e colapsos cardiovasculares após injeção intravascular acidental de etidocaína e bupivacaína 1. A reanimação foi mal sucedida na maioria desses pacientes. Pesquisas incentivadas por este relatório apresentaram evidências de que a bupivacaína possuía a menor margem terapêutica em relação ao bloqueio do sistema de condução no coração, de acordo com o padrão da época (lidocaína) 9-11. Ela bloquearia os canais de sódio rapidamente durante o potencial de ação, porém com dissociação mais lenta que a da lidocaína 12. A depressão da condução elétrica resultante propiciaria disritmias ventriculares reentrantes. Ainda, publicou-se a sugestão de que elevadas concentrações de bupivacaína poderiam causar disritmias ventriculares por ação direta no tronco encefálico 13.

A ropivacaína é um anestésico local do grupo amino-amida que difere da bupivacaína por apresentar menor cadeia alifática (propil ao invés de butil) ligada ao nitrogênio do grupo piperidina. Esta substituição, que está associada à menor solubilidade lipídica, e o fato de se apresentar como isômero puro, o enantiômero S(-), conferem à ropivacaína toxicidades neurológica e cardíaca inferiores, em doses iguais, à da mistura racêmica da bupivacaína 14,15. Em diferentes estudos, concentrações plasmáticas elevadas de ropivacaína, após anestesias regionais (de 2 a 5,6 mg.l-1), foram alcançadas sem toxicidade neurológica e cardíaca 16,17. Contudo, vários acidentes após a utilização da ropivacaína têm sido relatados 18-25. Estes acidentes foram conseqüência de injeções intravasculares diretas (início rápido) ou secundárias à absorção plasmática por excesso de dose (evento clínico tardio).

Mesmo baixas concentrações sangüíneas desse anestésico local podem determinar toxicidade, o que sugere sensibilidade particular dos pacientes a ele, como observado em estudos da toxicidade da ropivacaína realizados por Scott e col. 26 e Knudsen e col. 27. Vários voluntários sadios toleraram somente baixas doses e sinais neurológicos ocorreram em concentrações plasmáticas entre 0,5 e 1 mg.l-1, sendo que um paciente tolerou concentração plasmática de 3,2 mg.l-127. Nos casos apresentados, não foi possível a dosagem da concentração plasmática da ropivacaína.

Knudsen e col. 27 compararam, ainda, a incidência de sintomas do sistema nervoso central e mudanças na eco e eletrocardiografia durante a infusão de ropivacaína e bupivacaína em voluntários. Reiz e col. 2 demonstraram, experimentalmente, em porcos, que a proporção da toxicidade eletrofisiológica foi menor para a ropivacaína que para a bupivacaína. A incidência de eventos cardiovasculares e de convulsões induzidos pela ropivacaína é de aproximadamente 6,1 e 8 casos por milhão de pacientes, respectivamente 28. Em casos relatados, as complicações cardíacas sempre foram precedidas de sinais neurológicos (confusão e convulsões) e, no primeiro caso descrito, isto se confirmou. Estudos recentes 15,29 confirmam a significativa vantagem, do ponto de vista cardiológico, da ropivacaína sobre a bupivacaína.

A pesquisa experimental revela incidência menor de reanimação cardiopulmonar mal sucedida após ropivacaína, quando comparada à bupivacaína. Em ratos, Ohmura e col. 30 enfatizaram que a parada cardíaca induzida pela ropivacaína parece ser mais susceptível ao tratamento que aquela provocada pela bupivacaína ou levobupivacaína, o que está de acordo com o que se encontra em seres humanos 1,7,8,11. Groban e col. 31 relataram menor incidência de fibrilação ventricular induzida pela epinefrina em cães intoxicados com ropivacaína, quando se comparou com bupivacaína. Além disso, a concentração plasmática no colapso cardiovascular foi maior para a ropivacaína (19,8 µg.ml-1), comparada com a bupivacaína (5,7 µg.ml-1).

Em voluntários saudáveis, a ropivacaína pode prejudicar a condução e a contração miocárdicas, fato observado somente em concentrações muito mais elevadas que as da bupivacaína, o que sugere melhor tolerância e ratifica resultados em animais 26,27. Além disso, esses efeitos são mais rapidamente revertidos. Como no caso relatado por Ruetsch e col. 32, a recuperação cardíaca no caso 1 foi imediata e bem sucedida, não tendo sido observadas disritmias ventriculares. Embora a reanimação cardiopulmonar tenha sido facilitada pelo tratamento precoce, a baixa cardiotoxicidade intrínseca da ropivacaína (quando comparada à da bupivacaína) pode ter sido determinante no resultado. Além disso, o bem sucedido tratamento, que não excedeu um minuto, contrasta com a dificuldade em se reverter quadros de parada cardíaca devidos à intoxicação pela bupivacaína, para os quais se utilizaram até circulação extracorpórea 33,34, possibilitando que a cirurgia fosse realizada, em concordância com publicações anteriores 7,35.

Somente a paciente do caso 1 fazia uso, irregularmente, de b-bloqueador. A presença de antecedentes neurológicos, de episódio de AVE isquêmico sem seqüelas e de três laminectomias descompressivas não interferiram no diagnóstico precoce de intoxicação pela ropivacaína. Como as cirurgias na coluna vertebral foram realizadas nos segmentos lombares (L4-L5 e L5-S1), não havia contra-indicação à punção peridural torácica proposta para a paciente. A realização de anestesia peridural torácica em nosso serviço se faz baseada nas vantagens da técnica 36,37. A técnica pode ser utilizada como anestesia (cirurgias plásticas), analgesia pós-operatória (toracotomias), dentre outras indicações.

A ausência de dor, após o término da anestesia no primeiro caso, leva a supor de que nem todo o anestésico foi injetado no vaso, mas mesmo assim a paciente evoluiu para parada cardiorrespiratória. Já a paciente do caso 2 apresentou comprometimento somente do sistema nervoso, sem alterações do ritmo cardíaco, da SpO2 (%) ou da pressão arterial, o que já foi observado em estudos publicados a respeito da sensibilidade individual à ropivacaína 26,27. Quando administrada em infusão venosa a voluntários, Scott e col. 26 demonstraram o surgimento de convulsões em concentrações plasmáticas de 1 a 2 mg.l-1. Já Knudsen e col. 27 observaram o limiar convulsivo em 2,2 mg.l-1.

Os casos descritos destacam a possibilidade da injeção intravascular do anestésico local durante a realização da anestesia peridural, mesmo após ter sido administrada a dose-teste. As técnicas utilizadas para detectar injeção intravascular podem reduzir, mas não eliminar, eventos catastróficos. Conseqüentemente, a anestesia regional, utilizando grandes quantidades de anestésicos locais, deve ser realizada em locais com equipamentos para reanimação e por indivíduos treinados para reconhecer estas complicações, para que se inicie precocemente o tratamento 38.

Foram relatados dois casos de intoxicação por ropivacaína durante a realização da anestesia peridural. No primeiro, a reanimação cardiopulmonar foi bem sucedida e permitiu que a cirurgia fosse realizada, considerando dados prévios que atestam a menor cardiotoxicidade da ropivacaína. No segundo, houve comprometimento do sistema nervoso central, não tendo evoluído para toxicidade cardíaca. Não houve seqüelas, traumas, recordações do momento que pudessem comprometer a integridade física e psíquica das pacientes.

Apresentado em 17 de março de 2004

Aceito para publicação em 21 de julho de 2004

  • 01. Albright GA - Cardiac arrest following regional anesthesia with etidocaine or bupivacaine. Anesthesiology, 1979;51:285-287.
  • 02. Reiz S, Haggmark S, Johansson G et al - Cardiotoxicity of ropivacaine a new amide local anaesthetic agent. Acta Anaesthesiol Scand, 1989;33:93-98.
  • 03. Leisure GS, Di Fasio CA - Ropivacaine: the new local anesthetic. Seminars in Anesthesia, 1996;15:1-9.
  • 04. Akerman B, Hellberg IB, Trossvik C - Primary evaluation of the local anaesthetic properties of the amino amide agent ropivacaine (LEA 103). Acta Anaesthesiol Scand, 1988; 32:571-578.
  • 05. Feldman HS, Covino BG - Comparative motor blocking effects of bupivacaine and ropivacaine, a new amino amide local anesthetic, in the rat and dog. Anesth Analg, 1967;1042-1047.
  • 06. Nociti JR, Serzedo PSM, Cecere A et al - Injeção intravascular acidental de ropivacaina em bloqueio epidural. Relato de caso. Rev Bras Anestesiol, 1999;49:113-114.
  • 07. Chazalon P, Tourtier JP, Villevielle T et al - Ropivacaine-induced cardiac arrest peripheral nerve block: succesful resuscitation. Anesthesiology, 2003;99:1449-1451.
  • 08. Huet O, Eyrolle LJ, Mazoit JX et al - Cardiac arrest after injection of ropivacaine for posterior lumbar plexus blockade. Anesthesiology, 2003;99:1451-1453.
  • 09. Morishima HO, Pedersen H, Finster M et al - Bupivacaine toxicity in pregnant and nonpregnant ewes. Anesthesiology, 1985;63:134-139.
  • 10. Santos AC, Pedersen H, Harmon TW et al - Does pregnancy alter the systemic toxicity of local anesthetics? Anesthesiology, 1989;70:991-995.
  • 11. Morishima HO, Finster M, Arthur GR et al - Pregnancy does not alter lidocaine toxicity. Am J Obstet Gynecol, 1990;162: 1320-1324.
  • 12. Clarkson CW, Hondeghem LM - Mechanism for bupivacaine depression of cardiac conduction: fast block of sodium channels during the action potential with slow recovery from block during diastole. Anesthesiology, 1985;62:396-405.
  • 13. Thomas RD, Behbeham MM, Coyle DE et al - Cardiovascular toxicity of local anesthetics: an alternative hypothesis. Anesth Analg, 1986;65:444-450.
  • 14. Sztark F, Malgat M, Dabadie P et al - Comparison of the effects of bupivacaine and ropivacaine on heart cell mitochondrial bioenergetics. Anesthesiology, 1998;88:1340-1349.
  • 15. Graf BM, Abraham I, Eberbach N et al - Differences in cardiotoxicity of bupivacaine and ropivacaine are the results of physicochemical and stereoselective properties. Anesthesiology, 2002;96:1427-1434.
  • 16. Salonen MH, Haasio J, Bachmann M et al - Evaluation of efficacy and plasma concentrations of ropivacaine in continuous axillary brachial plexus block: High dose for surgical anesthesia and low dose for postoperative analgesia. Reg Anesth Pain Med, 2000;25:47-51.
  • 17. Behnke H, Worthmann F, Cornelissen J et al - Plasma concentration of ropivacaine after intercostal blocks for video-assisted thoracic surgery. Br J Anaesth, 2002;89:251-253.
  • 18. Plowman AN, Bolsin S, Mather LE - Central nervous system toxicity attributable to epidural ropivacaine hydrochloridre. Anaesth Intensive Care, 1998;26:204-206.
  • 19. Bisschop DY, Alardo JP, Razgallah B et al - Seizure induced by ropivacaine. Ann Pharmacother, 2001;35:311-313.
  • 20. Mardirosoff C, Dumont L - Convulsions after the administration of high dose ropivacaine following an interescalenic block. Can J Anaesth, 2000;47:1263.
  • 21. Ala-Kokko TI, Lopponen A, Alahuhta S - Two instances of central nervous system toxicity in the same patient following repeated ropivacaine-induced brachial plexus block. Acta Anaesthesiol Scand, 2000;44:623-626.
  • 22. Muller M, Litz RJ, Huler M et al - Grand mal convulsion and plasma concentrations after intravascular injection of ropivacaine for axillary brachial plexus blockade. Br J Anaesth, 2001;87:784-187.
  • 23. Ould-Ahmed M, Drouillard I, Fourel D et al - Convulsions induced by ropivacaine after midhumeral block. Ann Fr Anesth Reanim, 2002;21:681-684.
  • 24. Eledjam JJ, Gros T, Viel E et al - Ropivacaine overdose and systemic toxicity. Anaesth Intensive Care, 2000;28:705-707.
  • 25. Petitjeans F, Mion G, Puidupin M et al - Tachycardia and convulsions induced by accidental intravascular ropivacaine injection during sciatic block. Acta Anaesthesiol Scand, 2002;46: 616-617.
  • 26. Scott DB, Lee A, Fagan D et al - Acute toxicity of ropivacaine compared with that of bupivacaine. Anesth Analg, 1989;69: 563-569.
  • 27. Knudsen K, Beckman Suurkula M et al - Central nervous and cardiovascular effects of i.v. infusions of ropivacaine, bupivacaine and placebo in volunteers. Br J Anaesth, 1997;78:507-514.
  • 28. Periodic Safety Update Report: Naropin, AstraZeneca, May 17, 2000.
  • 29. Ladd LA, Chang DH, Wilson KA et al - Effects of CNS site-directed carotid arterial infusions of bupivacaine, levobupivacaine, and ropivacaine in sheep. Anesthesiology, 2002;97:418-428.
  • 30. Ohmura S, Kawada M, Ohta T et al - Systemic toxicity and resuscitation in bupivacaine, levobupivacaine, or ropivacaine-infused rats. Anesth Analg, 2001:93:743-748.
  • 31. Groban L, Deal DD, Vernon JC et al - Cardiac resuscitation after incremental overdosage with lidocaine, bupivacaine, levobupivacaine, and ropivacaine in anesthetized dogs. Anesth Analg, 2001;92:37-43.
  • 32. Ruetsch YA, Fattinger KE, Borgeat A - Ropivacaine-induced convulsions and severe cardiac dysrhythmia after sciatic block. Anesthesiology, 1999;90:1784-1786.
  • 33. Long WB, Rosenblum S, Grady IP - Successful resuscitation of bupivacaine-induced cardiac arrest using cardiopulmonary bypass. Anesth Analg, 1989;69:403-406.
  • 34. Tsai MH, Tseng CK, Wong KC - Successful resuscitation of a bupivacaine-induced cardiac arrest using cardiopulmonary bypass and mitral valve replacement. J Cardiothorac Anesth, 1987;1:454-456.
  • 35. Abouleish EI, Elias M, Nelson C - Ropivacaine-induced seizure after extradural anaesthesia. Br J Anaesth, 1998;80:843-844.
  • 36. Nociti JR, Serzedo PS, Zuccolotto EB et al - Ropivacaína em bloqueio peridural torácico para cirurgia plástica. Rev Bras Anestesiol, 2002;52:156-165.
  • 37. Leão DG - Peridural torácica: estudo retrospectivo de 1240 casos. Rev Bras Anestesiol, 1997;47:138-147.
  • 38. Klein SM, Pierce T, Rubin Y et al - Successful resuscitation after ropivacaine-induced ventricular fibrillation. Anesth Analg, 2003;97:901-903.
  • Endereço para correspondência
    Dr. Fábio Geraldo Curtis
    Rua Coronel Spínola de Castro, 4061/83
    15015-500 São José do Rio Preto, SP
    E-mail:
  • *
    Recebido do Departamento de Anestesiologia da Faculdade de Medicina de Botucatu, FMB UNESP, Botucatu, SP
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      26 Jan 2005
    • Data do Fascículo
      Dez 2004

    Histórico

    • Recebido
      17 Mar 2004
    • Aceito
      21 Jul 2004
    Sociedade Brasileira de Anestesiologia R. Professor Alfredo Gomes, 36, 22251-080 Botafogo RJ Brasil, Tel: +55 21 2537-8100, Fax: +55 21 2537-8188 - Campinas - SP - Brazil
    E-mail: bjan@sbahq.org